Da organização do evento, com contribuição da CPT Rondônia
A 12ª Romaria da Terra, das Águas e Florestas está em sua fase final de preparação, pretendendo reunir no próximo domingo (20) aproximadamente 2.500 pessoas, de diversas regiões de Rondônia. Será um momento que une a espiritualidade com a ecologia, trazendo os clamores dos povos e da Mãe Natureza, refletindo a conexão profunda entre a natureza e a fé. Durante o momento da romaria, será feito momento de caminhada retomando a caminhada do povo Deus que no deserto andava em busca da Terra Prometida.
“E quarenta anos vos fiz andar pelo deserto; não se envelheceram sobre vós as vossas vestes,
e nem se envelheceu o vosso sapato no vosso pé.” Deuteronômio 29:5
Edilaine, da Comunidade Forte Principe da Beira: “A Romaria da Terra das águas e das Florestas é um momento de grande importância espiritual e comunitária. Espera-se que essa celebração reforce a fé dos participantes, promovendo um sentimento de união e renovação entre as comunidades. A expectativa é que a romaria sirva como um espaço para reflexão, gratidão e pedidos de proteção e bênçãos. As comunidades muitas vezes veem essa ocasião como uma oportunidade para fortalecer laços, partilhar tradições e expressar a devoção.
Além disso, muitos esperam que a romaria nos inspire ações de solidariedade e amor ao próximo, refletindo os valores do Evangelho. Essa experiência coletiva pode trazer não apenas uma revitalização da fé, mas também um fortalecimento das relações interpessoais, contribuindo para um sentido de pertença e identidade comunitária.
A Romaria da Terra, das águas e das Florestas, portanto, é vista como um tempo sagrado que transcende o individual, unindo as comunidades em torno de um propósito comum de espiritualidade e solidariedade.” – .
Senhora Geza: “Eu sou do Quilombo de Santa Fé, pela primeira vez vou participar de uma Romaria da Terra, mas eu, pra mim, eu me sinto muito honrada de participar dessa Romaria e da Romaria das Águas, que pela primeira vez também vou participar. Isso pra mim é muito importante, porque a água é vida pra nós, nós temos que cuidar da água, da natureza, porque tudo é vida, é dela que tiramos nosso sustento, temos que cuidar da nossa terra, cuidar dos nossos territórios, do nosso território. Porque isso é muito importante para nós e sempre temos que lutar por nossos direitos e a preservação da natureza de água.”
Senhora Mafalda – Matriarca da Com. Quilombola de Santa Fé: “Sou da comunidade quilombola de Santa Fé, e para mim é uma grande alegria pela primeira vez participar do encontro da pastoral da terra e das águas. Estou com meu coração transbordando de uma grande alegria por esse encontro de pessoas, de irmãos, que vamos estar juntos. E ao mesmo tempo, juntos podemos fazer a reflexão de quanto é importante esse momento, quando fala da terra, porque a terra é uma coisa que é muito importante na nossa vida, é da terra que nós tiramos para sobreviver, e por isso nós temos que valorizar muito. Temos que cuidar da natureza também da água, a pastoral das águas. A água para mim significa uma coisa muito importante, porque a água é vida, a água é vida para nós, e por isso eu acredito que temos que fazer esse momento para que todos compreendam, juntos, todos fazendo essa reflexão sobre a água, que é vida para todos, seres humanos.”
E assim seguimos na expectativa de fazer deste momento da 12ª Romaria da Terra das águas e das florestas de Rondônia, um momento de fortalecimento da luta dos povos, sob o tema "Ouvir e comprometer-se com as dores e lutas dos povos e da mãe Natureza" e o lema "Deus viu a aflição, ouviu o clamor e desceu para libertar o povo de seus sofrimentos" (Cf. Ex. 3, 7 -8). O encontro busca refletir a Mensagem do Papa Francisco sobre os cuidados com a casa Comum. Caravanas de diversas Regiões se dirigem à Basílica Menor do Divino Espírito Santo, Diocese de Guajará Mirim em Costa Marques - RO, onde a comunidade anfitriã acolherá os romeiros, enfatizando a espiritualidade e o compromisso com as causas.
A concentração acontecerá às 8h na Praça às Margens do Rio Guaporé, onde haverá o acolhimento e preparação espiritual dos participantes. Esse momento será marcado por reflexões à beira do Rio Guaporé, conectando os romeiros com a natureza e destacando a importância da preservação ambiental para a vida.
A Romaria começará oficialmente às 9h, com um momento celebrativo seguido de uma caminhada. Os participantes sairão das margens do Rio Guaporé, em Costa Marques, em direção à Basílica Menor do Divino Espírito Santo, percorrendo aproximadamente 2 km.
Durante a caminhada, haverá paradas em locais simbólicos, trazendo os clamores dos povos:
Chegando no salão paroquial, haverá momento de partilha do almoço, exposição dos produtos artesanal da biodiversidade amazônica, produzidos pelas comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas romeiros presentes no encontro, buscando dar visibilidade e valorização da produção local.
E para fechar este momento tão especial, será realizada a Celebração da Santa Missa, com a presença de nossos Pastores, Dom Benedito e Dom Norberto, além de padres, religiosas, diáconos e líderes da Região Noroeste da CNBB. Esta celebração não apenas reforçará a espiritualidade do evento, mas também servirá como um momento de união e reflexão sobre o papel da comunidade na proteção da terra e na luta por justiça social. Seremos todos convidados a renovar nosso compromisso com a Mãe Natureza e com as causas que tocam o coração dos povos que habitam esta região, fortalecendo laços de solidariedade e fé.
Cada romeiro e romeira deve levar:
Cada comunidade também deve levar:
Baixe aqui este Roteiro da Romaria.
Com informações do portal Belém Trânsito Amazônia, Alma Preta Jornalismo e Revista Cenarium
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Comunidades tradicionais protestam em frente à Semas, em Belém, contra Hydro e Governo do Pará (Fabyo Cruz/CENARIUM)
Nesta última quarta-feira (16), uma decisão do Tribunal de Justiça do Pará derrubou a liminar anteriormente concedida à Mineração Paragominas S.A, do grupo multinacional Norsk Hydro, que vinha promovendo a obra de um mineroduto entre as cidades de Barcarena e Paragominas, na região do Alto Acará, no Pará.
Comunidades da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta), com o auxílio da Defensoria Pública do Pará, conseguiram reverter a decisão, além de transferir o caso da Vara do Acará para a Vara de Castanhal, após denunciar violações a direitos humanos e prejuízos à qualidade de vida das famílias, entre outros problemas.
Na região, vivem quilombolas e agricultores da Associação Amarqualta, que já vinham denunciando a violação de direitos humanos por parte do empreendimento, com licenças ambientais irregulares, poluindo recursos hídricos naturais que são fundamentais para a subsistência das famílias, bem como é feito sem ouvir os povos e comunidades tradicionais.
A decisão menciona que o pedido inicial feito pela Mineração Paragominas S.A à Vara do Acará seria para obter autorização para entrar no território das comunidades tradicionais para realizar manutenção periódica nas instalações, e que a Amarqualta estaria “criando empecilhos para isso”.
Por sua parte, com o auxílio da Defensoria Pública do Pará, a Amarqualta se manifestou à Justiça afirmando que a autorização anteriormente concedida à Mineração Paragominas era incompetente de forma absoluta, uma vez que a empresa teria omitido que a área que pretendia realizar a “manutenção periódica das instalações do mineroduto”, trata-se de um território quilombola titulado.
Conforme a sentença, “o território quilombola compreende uma área de 22.493,8503 hectares, dos quais 12.409,4000 hectares foram titulados pelo Estado do Pará e a outra parcela é parte do processo administrativo nº 54100.002024/2013-27, do ano de 2013, que tramita no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Portanto, a área em questão, na verdade, trata-se de área de propriedade coletiva quilombola, por isso a competência é da Vara Agraria”, afirma a decisão da desembargadora. A obra de ampliação vem sendo realizada pela empresa sem estudo prévio dos impactos na comunidade.
A Mineração Paragominas realiza obras de manutenção do mineroduto, tubo subterrâneo usado para o transporte de bauxita, matéria-prima do alumínio, em uma extensão de 246 km, entre os municípios de Paragominas e Barcarena, no Pará. Em Barcarena, o minério é refinado pela empresa Alunorte. O mineroduto e a linha de transmissão percorrem os municípios de Paragominas, Ipixuna do Pará, Tomé-Açu, Acará, Moju, Abaetetuba e Barcarena, impactando cerca de 26 comunidades indígenas e quilombolas.
Imagem: Hydro Paragominas/ reprodução Hydro
“No caminho por onde passa o mineroduto, a empresa vai fazendo escavação, desmatamento e invasão dos territórios para enterrar os dutos. Tudo isso foi feito sem respeitar o protocolo de consulta às comunidades. Nós tentamos resistir, mas a Hydro sempre consegue uma decisão na justiça e passam por cima da gente com a força policial”, denuncia a liderança quilombola Josias Dias, presidente da Amarqualta.
16 de setembro: Seis associações indígenas e quilombolas que compõem o Movimento Indígena, Ribeirinho e Quilombola do Vale do Acará (IRQ), divulgaram um manifesto apontando que mais de 600 famílias estão sendo diretamente afetadas pela expansão da rede de minerodutos da empresa, que devasta rios e florestas em uma extensão de 300 quilômetros. A carta denuncia que, além de desmatar e poluir, a empresa viola direitos constitucionais dos povos tradicionais e descumpre prazos para consultas e estudos de impacto ambiental.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT – Regional Pará) e outras organizações que atuam na Amazônia, como o Comitê Chico Mendes, Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM), Associação Indígena Pariri, Coletivo Varadouro e Conselho Munduruku do Planalto, também apoiaram o documento, que pode ser baixado neste link.
17 de setembro: Durante mais de uma semana, uma mobilização de cerca de 100 indígenas das etnias Turiwara e Tembé impediu as forças policiais de imporem obras da multinacional norueguesa Norsk Hydro em seus territórios. O bloqueio foi de um trecho da estrada de acesso à empresa, impedindo a passagem de funcionários. Nos dias 17 e 19, viaturas do Batalhão de Choque e do Batalhão de Rondas Ostensivas Motorizadas (Rotam) da Polícia Militar do Estado do Pará (PMPA) tentaram furar o bloqueio dos indígenas.
24 de setembro: Cerca de 450 famílias indígenas, quilombolas e ribeirinhas do Vale do Acará ocuparam a sede da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), em Belém, como forma de protesto contra a multinacional norueguesa Norsk Hydro e o governo do Estado. Os grupos denunciaram irregularidades no licenciamento ambiental concedido pelo governo, que, segundo eles, permite que a mineradora realize obras que impactam diretamente seus territórios sem a devida consulta e estudos de impacto socioambiental.
Cacica Mirian Tembé (Fabyo Cruz/CENARIUM)
As comunidades afetadas afirmam que o mineroduto da Hydro passa por mais de 30 quilômetros de suas terras, com obras de manutenção que incluem a substituição de tubulações e a instalação de novas infraestruturas. A líder indígena cacica Mirian Tembé destacou o que ela diz ser um descaso da empresa e do governo estadual com os direitos dos povos tradicionais.
“A nossa principal reivindicação é que nossos direitos sejam respeitados. A mineradora entrou no nosso território sem consulta prévia e está destruindo nossas terras. Estamos aqui exigindo que essas licenças irregulares sejam revistas e que o governo nos dê uma resposta”, afirmou Mirian.
Eliete Santos, representante das mulheres quilombolas (Fabyo Cruz/CENARIUM)
Além das comunidades indígenas Tembé e Turiwara, quilombolas da Amarqualta e ribeirinhos também participam da ocupação. Eliete Santos, representante das mulheres quilombolas, também expressou indignação com a situação, afirmando que, além de enfrentar o impacto ambiental, as comunidades sofrem com a ausência de serviços essenciais, como transporte escolar para seus filhos.
“Estamos pedindo nossos direitos. Viemos para conversar com a Semas, mas fomos vetados na entrada. Eles estão liberando licenças para a mineradora sem consultar as comunidades, e isso está adoecendo nosso povo. Não vamos sair daqui até termos uma resposta”, afirmou.
As iniciativas do regional do Mato Grosso buscam fortalecer os povos do campo na luta pela Reforma Agrária
Por: José Carlos Correia Paz 'Frei Zeca', Gloria María Grández Muñoz e Luana Bianchin (CPT-MT)
Edição: Comunicação CPT Nacional
Com o objetivo de fortalecer os 27 grupos acampados e pré-assentados e as comunidades camponesas, a CPT/MT realizou, no mês de setembro, três importantes atividades: a 7ª Romaria do Cerrado, o 5º Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas e a 10ª Festa da Troca de Sementes Crioulas.
As experiências realizadas no último mês garantem o fortalecimento dos territórios, promovem a troca de saberes e, diante deste processo formativo, contribuem para o reconhecimento e avanço da organização coletiva. Além de criarem um ambiente de interação e de comprometimento entre as comunidades, as atividades ressaltam também a importância da tomada de consciência dos camponeses e camponesas no compromisso de cuidado com os biomas Cerrado e Pantanal, por meio da valorização do seu próprio modo de vida, cultura e tradição, do resgate das sementes crioulas e do protagonismo das mulheres no campo.
7ª ROMARIA DO CERRADO E DO PANTANAL
Foto: 7ª Romaria do Cerrado e do Pantanal. Crédito: CPT-MT
O despertar da CPT/MT para o cuidado com o Cerrado teve início na região sul a partir de 2011, com a Campanha da Fraternidade, que tinha como tema “Fraternidade e a vida no planeta” e o lema “A criação geme como em dores de parto”. As comunidades acompanhadas pela CPT que vivenciam a realidade da escassez de água e a seca dos rios começaram um trabalho de diagnóstico de nascentes para recuperação na região.
Atualmente, por meio de mutirões, projetos, o apoio da prefeitura do município de Rondonópolis e iniciativas privadas, já são mais de 150 nascentes protegidas na região, contribuindo para alimentar os cursos d’água que correm por toda a região do Cerrado e alimentam o Pantanal, como mostra o mapa abaixo.
Mapa: Cerrado e Pantanal Interligados pelas Águas. Crédito: Lucas Ngulube
Somado a essas ações, em 2011 aconteceram várias reuniões da grande região Centro-Oeste da CPT (MS, MT e GO), que fomentaram ações sobre a proteção do bioma Cerrado e deram início à Articulação das CPTs do Cerrado, responsável por diversas ações em todos os estados que compõem o bioma, em busca da valorização e proteção do berço das águas.
No Mato Grosso, as atividades começaram na cidade de Rondonópolis e, a partir de 2014, as articulações cresceram e impulsionaram a 1ª Romaria do Cerrado, com reflexões em defesa do bioma, das águas e o plantio de árvores. A partir disso, as romarias entraram no calendário anual das comunidades da região sul, onde já se realizava o trabalho de proteção e recuperação de nascentes.
Em 2023, a 6ª Romaria do Cerrado ocorreu na cidade de Nossa Senhora do Livramento/MT, organizada pela CPT/MT — em parceria com as comunidades rurais, lideranças da Paróquia N. Sra. do Livramento, FASE, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de N. Sra. do Livramento e a Articulação das CPTs do Cerrado. Para fortalecer a temática na região da baixada cuiabana, o tema escolhido foi “Nossa Senhora do Livramento em Romaria na Defesa do Cerrado e Pantanal” e o lema “Cerrado, berço das águas”.
Neste ano de 2024, a 7ª Romaria do Cerrado e do Pantanal aconteceu no dia 22 de setembro em Poconé (MT), com objetivo de alertar que “Sem Cerrado, não há Pantanal”, ou seja, que os biomas estão interligados e, por isso, é importante o olhar coletivo para o cuidado com as águas. A Romaria foi organizada pela CPT/MT — em parceria com as lideranças da Paróquia N. Sra. do Rosário, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e comunidades de Poconé.
Com o tema “Cerrado e Pantanal precisam de água, não de fogo!” e o lema “Em procissão as comunidades rezam pela chuva”, o regional mato-grossense propôs reflexões sobre como o Cerrado e o Pantanal ainda são a casa de povos e comunidades tradicionais, que sofrem com a realidade devastadora do desmatamento, das queimadas e incêndios criminosos, garimpos e demais agressões à Mãe Terra, o que compromete a biodiversidade e afeta diretamente a humanidade. Para Baltazar Ferreira, agente voluntário da CPT-MT na Região Sul presente na Romaria, “é urgente a necessidade de proteger as águas do Cerrado e a valorização de toda a sociobiodiversidade que conectam os dois biomas, pois a preservação do Cerrado é fundamental para a saúde e o equilíbrio do Pantanal.
O evento contou com momentos de grande espiritualidade e união, além da celebração da fé e o fortalecimento dos laços comunitários. Houve também as tradicionais rezas cantadas, pedidos de graça da chuva e reflexões acerca da consciência de cuidado com a Casa Comum. Por fim, o encerramento da Romaria contou com apresentações culturais da dança do Siriri, realizada por jovens das comunidades de Poconé.
V INTERCÂMBIO ESTADUAL DE MULHERES CAMPONESAS
Foto: V Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas. Crédito: CPT-MT
Na caminhada da CPT-MT, a presença das mulheres camponesas sempre foi determinante para a prevalência à frente dos processos de luta, organização política e produtiva. A realização destes Intercâmbios anima e desafia a dar resposta concreta diante de situações diversas que colocam as mulheres em condições de ameaça à existência e organização. Foi de encontro em encontro de mulheres, nas regiões acompanhadas pela CPT-MT, que cresceu a urgência e vontade de se ampliar um evento de maior alcance, a cada dois anos, para o intercâmbio e a celebração de conquistas, a projeção de estratégias conjuntas que contribuem para a superação dos desafios impostos pelas realidades de vulnerabilidade econômica e social e o enfrentamento de violências.
Em 2012, surge a proposta do Intercâmbio de Mulheres da CPT/MT, incentivada pela irmã Vera Maria Lobo, que — juntamente com outras integrantes da Comissão — aceitou o convite-desafio das Camponesas para essa experiência. Vera Maria fez sua Páscoa definitiva em 03 de maio de 2023 e deixou um legado de amor e ternura pela vida, bem como o trabalho cotidiano para o fortalecimento do protagonismo feminino na caminhada para a emancipação.
O I Intercâmbio Estadual de Mulheres da CPT-MT aconteceu em 2013, no município de Várzea Grande; já a segunda edição do evento, na cidade de Porto Alegre do Norte, no ano de 2015. O terceiro encontro reuniu as mulheres em Nova Canaã do Norte e a penúltima edição ocorreu no município de Juscimeira, com o tema “Mulheres Sementes de Fé, Luta e Resistência” e o lema: “Organizadas abrimos Novos Caminhos”. Cada Intercâmbio trouxe momentos de reflexão, celebração, comercialização dos produtos elaborados pelas trabalhadoras rurais, por meio de Feiras de Economia Solidária e, ainda, foram redigidas Cartas abertas à sociedade, para levar a reflexão, denúncias, anúncios e compromissos das camponesas com a construção do bem viver.
Após um período de 5 anos sem possibilidades de realização do Intercâmbio Estadual de Mulheres Camponesas, devido à pandemia de Covid-19 e suas consequências, o regional mato-grossense organizou outro momento de escuta das diversas vozes e experiências de luta, resistência e esperanças, além das dificuldades e sofrimentos vivenciados pelas mulheres do campo, de modo a construir uma nova sociedade.
O V Intercâmbio aconteceu nos dias 26 e 27 de setembro de 2024, no município de Várzea Grande, com objetivo de ser um espaço de partilha, aprendizado e fortalecimento das lutas. A quinta edição também contou com momentos de estudo das mulheres da Bíblia e as contribuições das Irmã Mara Buttini e as Irmãs da Divina Providência, que — por meio do relato de suas histórias — inspiraram as jornadas das demais irmãs.
Além disso, houve a exibição do filme-documentário “Chumbo” (2022), com direção de Severino Neto, que conta a história da comunidade Quilombola do Chumbo, localizada no município de Poconé, a cerca de 120 quilômetros da capital Cuiabá (MT). Mais que contar uma história sobre a mão de obra escravizada, o filme também traz à tona assuntos como preconceito racial, ausência de oportunidades de trabalho e exploração sexual infanto-juvenil. Após a exibição do filme, houve um espaço para debate com a participação de Maria Conceição e Jusiane, mulheres da Comunidade Quilombola do Chumbo e que fazem parte do grupo de mulheres entrevistadas no documentário.
Outro momento importante da programação foi o espaço dedicado à saúde da mulher, voltado ao aspecto da saúde mental, com assessoria da psicóloga Camiéle Benedita, que buscou trazer um olhar para as comunidades e as realidades vivenciadas pelas camponesas. A psicóloga comenta: “parte dessa realidade é de muita violência, conflitos e condições de vulnerabilidade, o que impossibilita as mulheres de praticarem o autocuidado. O espaço foi importante para refletir a necessidade e urgência de políticas públicas que atendam às necessidades das mulheres, como a concretização dos assentamentos de reforma agrária e incentivo à produção e geração de renda, e assim, as mulheres camponesas podem, minimamente, pensar e se dedicar ao bem-estar do corpo, da mente e do espírito”.
Por fim, houve o espaço para refletir os próximos passos a partir das realidades presentes, com encaminhamentos e planejamento de ações que contribuam para a organização das mulheres nas comunidades e fortaleçam os grupos já existentes. Como parte do encontro, as camponesas participaram da X Festa da Troca de Sementes Crioulas e puderam ressaltar a importância do papel das mulheres no trabalho de resgatar e cuidar das sementes crioulas para a continuidade da produção de alimentos saudáveis e a manutenção da cultura e dos modos de vida.
X FESTA DA TROCA DE SEMENTES CRIOULAS
Foto: X Festa da Troca de Sementes Crioulas. Crédito: CPT-MT
A Festa da Troca de Sementes Crioulas tem uma longa história na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso. A 1ª Festa das Sementes ocorreu em setembro de 2003, na comunidade de Barra do Buriti, município de Jangada, e desencadeou um processo dinâmico de resgatar e cuidar da própria semente tradicional e crioula, e a partir disso, acontece, anualmente, a Festa da Semente nos municípios de Jangada, Nossa Senhora do Livramento e Acorizal, com a participação dos camponeses e camponesas da região da Baixada Cuiabana, além de representantes das demais regiões do estado, o que garantiu uma grande diversidade de sementes e mudas e troca de experiências.
Em encerramento das atividades do último mês, no dia 28 de setembro de 2024, foi realizada a X Festa da Troca de Sementes Crioulas, na Comunidade Buriti Grande, em Nossa Senhora do Livramento (MT), com o tema "Semente, memória e resistência popular" e o lema "Viola na mão, semente no chão em defesa da nossa tradição!".
A festa foi realizada pela CPT-MT e as comunidades Buriti Grande, Buriti do Atalho, São Manoel do Pari, Brumado, Cachoeirinha, Chico Leite e Paratudal, além do apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de N. S. Livramento, a União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) do Mato Grosso (MT), o Projeto Maria Terra (IFMT/CONAB), Coopernossasenhora, o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST/UFMT), FASE, a Articulação das CPTs do Cerrado e o Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (GIAS).
A programação contou com apresentações culturais de siriri e cururu, reza cantada da chuva, e debates em plenária com as seguintes temáticas: “Agroecologia para a vida”, com a contribuição de Márcia Montanari do NEAST/UFMT e Cidinha Moura da FASE/MT; “Cerrado: plantar água e colher vida” com a contribuição de Miguelina Campos e Palmiro Campos, camponeses da Comunidade São Manoel do Pari, e de Fabiana de Barros, da Cooperativa de Agricultores e Agricultoras Familiares de Nossa Senhora do Livramento (Coopernossasenhora); a reflexão sobre “Saberes tradicionais – plantas medicinais”, facilitada por Maria do Carmo, da Comunidade Buriti do Atalho, Maria Lina, da Comunidade São Manoel do Pari, e dona Zilda, da Comunidade Buriti Grande; e, por fim, a temática “Juventude e sucessão rural”, com o grupo Muxirum Jovem, que compartilhou experiências desenvolvidas nos assentamentos e comunidades da região sudoeste do estado, no município de Cáceres.
Além disso, foi realizado o lançamento do documentário “Sementes: início da vida”, disponível em: Sementes: início da vida (youtube.com). A produção audiovisual é uma realização da CPT e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, com filmagens e edição de Thomas Bauer e roteiro de Aline Mialho, Elvis Marques e Thomas Bauer. Como descreve a sinopse, essa produção audiovisual tem por objetivo rememorar o início e a trajetória das Festas de Trocas de Sementes, a partir do relato de camponeses e camponesas, agentes da Pastoral da Terra e de organizações parceiras, assim como retratar a importância do saber popular na conservação das sementes tradicionais, cultivadas ancestralmente.
Ao todo, foram registradas 117 variedades de sementes e mudas, representando mais de 21 comunidades e abrangendo 7 municípios, sendo estes: N. Sra. do Livramento, Poconé, Várzea Grande, Cáceres, Colniza, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia.
PRESENÇA SOLIDÁRIA
Os momentos de encontros e reencontros são essenciais para o fortalecimento das comunidades, assentamentos e acampamentos que a CPT-MT acompanha, e é também, por meio dessas ações, que a pastoral reforça seu compromisso e missão com a justiça, a dignidade humana e preservação da vida.
As romarias revelam a força da caminhada do povo, que se reúne para fortalecer e celebrar a luta pelo Cerrado e Pantanal, em defesa da terra, dos territórios e da vida. Nesse sentido, os romeiros e romeiras também trouxeram os gritos de denúncia contra o agronegócio e a mineração — responsáveis pela violência que atinge as comunidades camponesas em Mato Grosso. As comunidades ainda denunciaram as consequências das mudanças climáticas que são cada vez mais próximas e que atingem os grupos humanos mais vulneráveis.
Os intercâmbios de mulheres buscaram refletir sobre a vida e realidade das camponesas, iluminada à luz do evangelho, a fim de fortalecer a luta e a resistência feminina. Também foram celebradas as caminhadas comunitárias e a valorização das formas de organização que abrem novos caminhos, possibilitam o cuidado da vida, as melhorias na geração de renda e a resistência aos ataques do sistema patriarcal.
Já a celebração da troca de sementes crioulas permitiu preservar a diversidade genética das plantas e suas variedades locais e tradicionais, o que contribui para a segurança e soberania alimentar das comunidades e evidencia a resiliência de camponeses e camponesas, além de valorizar a cultura local e fortalecer os conhecimentos das comunidades tradicionais associados às práticas agroecológicas.
O regional do Mato Grosso segue na busca de estratégias que fomentam o fortalecimento dos camponeses na luta pela reforma agrária, a resistência e permanência nos territórios, a organização coletiva e a potencialização do protagonismo feminino no campo.
Por Josep Iborra Plans (CPT Rondônia)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Moradores do Seringal Belmont, ocupação Terra Santa, situado nas proximidades da Estrada do Penal, em Porto Velho (RO), relataram para a Comissão Pastoral da Terra que, na noite do dia 07 de outubro, foi assassinado por conflito no campo o trabalhador João Teixeira de Souza, que estava sendo ameaçado por motivo de sofrer a invasão de um lote de terra no local.
O crime aconteceu no distrito de Nova Dimensão, no município de Nova Mamoré, vizinho a Porto Velho. Segundo informações do site Guajará Notícias, João Teixeira de Souza era conhecido popularmente como “João da Van”, por ter prestado serviço de transporte de passageiros com uma van por muitos anos, e era uma figura bastante conhecida na comunidade. Ele foi assassinado com disparos de arma de fogo calibre 12, que provocaram morte instantânea. “O crime aconteceu por volta das 20h, e, segundo testemunhas, após ouvirem os estampidos dos tiros, dois homens foram vistos saindo do local com uma arma de fogo em punho”. Porém nenhum suspeito teria sido preso até o momento, e o crime está sendo investigado pela Delegacia da Polícia Civil de Nova Mamoré.
Informações repassadas pelos vizinhos da ocupação Terra Santa, relataram que João Teixeira estava sendo ameaçado por invasores do seu lote na Gleba Seringal Belmont, e ele teria tentado negociar com eles, existindo a suspeita que estes o tenham assassinado posteriormente.
2020: O Seringal Belmont é uma gleba de terra pública que está sofrendo conflitos há cerca de quatro anos. As famílias de posseiros, que ocupavam o local desde 2014, sofreram um despejo em 2020, em plena pandemia. Quando conseguiram se defender e demostrar que eram posseiros antigos numa área de terra pública, a ordem de reintegração foi suspensa pela mesma magistrada que tinha ordenado a reintegração.
2022: Quando retornaram ao local, em agosto de 2022, os trabalhadores foram atacados por um grupo de jagunços encapuzados, que queimaram a única moradia que tinha restado em pé. As outras foram derrubadas e cobertas de terra. Posteriormente, de forma arbitrária, a Polícia Militar de novo os expulsou e acamparam frente ao Incra de Porto Velho, onde permaneceram por muitos meses em situação muito precária.
2023: Após a autarquia reconhecer o carácter duvidoso dos documentos apresentados pela empresa imobiliária que os expulsou, e suspender o georreferenciamento do local, eles acamparam na frente do Parque Natural de Porto Velho, situado nas proximidades da área de suas posses. Diante da extrema vulnerabilidade dos acampados e das informações fundiárias da área em disputa, que o INCRA reivindica há anos como terra pública, a pedido da Defensoria Pública do Estado, o Judiciário de 1º Grau determinou retorno deles no local de origem. Porém, os oficiais de justiça por duas vezes descumpriram a ordem judicial, dando tempo a ser revogada em decisão monocrática em segunda instância, sem que até agora tenha sido examinada pelo plenário de desembargadores da Justiça Estadual.
A demora judicial motivou o grupo a ocupar as áreas de terra pública contíguas ao terreno disputado pelos antigos posseiros do Seringal Belmont, numa área denominada Terra Santa, na Estrada do Penal.
2024: Atualmente existe a suspeita que o conflito tenha sido provocado por milícias armadas, as mesmas que já tinham provocado tensões no local. Outras lideranças do local também tinham sido gravemente ameaçadas com antecedência e estão incluídas no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Este é o primeiro assassinato de camponeses que registra a Comissão Pastoral da Terra de Rondônia no estado em 2024. Esperamos que ele seja esclarecido, e os algozes do assassinato de João Teixeira de Souza e os mandantes dos mesmos sejam devidamente identificados e responsabilizados por este crime.
Confira também:
13.10.2023: Após decisão judicial, famílias ainda lutam para voltarem a ocupar o acampamento Seringal Belmont (RO)
15.02.2024: Policiais invadem e ameaçam famílias acampadas em Rondônia
18.03.2024: Pistoleiros ameaçam famílias do Acampamento Terra Santa em Porto Velho (RO)
Por Instituto José Cláudio e Maria
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Nesta segunda-feira (14), movimentos sociais de Marabá/PA emitiram uma Nota em que pedem esclarecimento do governo do Estado do Pará e demais autoridades a respeito do assassinato de trabalhadores acampados na fazenda Mutamba, durante a operação Fortis Status, deflagrada pela Policia Civil de Marabá/PA na sexta-feira (11), às 04h da manhã.
Mesmo com a declaração do encerramento da operação, a situação continua tensa na região. Viaturas da polícia permanecem no local e um helicóptero da própria Segurança Pública do Estado sobrevoa o território, intimidando os acampados ao apontar armas e câmeras para as casas.
Trabalhadores e trabalhadoras seguem recuados sob um barracão de palhas com diversas redes atadas. Entre as famílias, há crianças, mulheres e idosos. A Ouvidoria Agrária Nacional do MDA esteve no acampamento durante o sábado (12), e colheu depoimentos de vítimas e testemunhas da operação, para exigir respostas e ações dos órgãos competentes.
Mesmo com a polícia no local, relatos falam que os pistoleiros da fazenda, chamados pelos policiais de “guarda armada”, seguem circulando livremente do território.
Na manhã do domingo (13), aconteceu a audiência de custodia dos 4 presos, sendo 2 deles defendidos pela Defensoria Pública e os outros dois por advogados particulares. A Comissão Pastoral da Terra segue acompanhando o caso dos assassinatos e dos feridos, junto com representantes do Incra, como a OAB, Incra, Comissão Estadual de Direitos Humanos do Pará (CEDH-PA) e o Instituto José Cláudio e Maria.
A operação tem ligação com denúncias de crime ambiental supostamente cometidos pela Associação Rural Terra Prometida, de venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes, o que não foi comprovado nem encontrado na chegada das dezenas de policiais em várias viaturas e dois helicópteros.
Todo este movimento aterrorizou os trabalhadores quando ainda estavam dormindo, e deixou, além do saldo de dois mortos, diversos feridos. Na tarde da sexta-feira (11), dois corpos foram reconhecidos no IML de Marabá, como sendo de Adão Rodrigues de Sousa (52 anos) e Edson Silva e Silva (44). Relatos afirmam que Adão foi morto dentro de sua rede enquanto dormia.
Além dos assassinatos, os trabalhadores contam que foram torturados, enforcados e humilhados, recebendo ferimentos a bala e violência psicológica. Quatro deles foram presos. A presença de drones e de um helicóptero também aterrorizou a comunidade, o que refuta a versão policial em diversos pontos, como a de que houve embate com os trabalhadores, e de que estes receberam a polícia “fortemente armados”.
A informação de 5 mortos segue sem confirmação, pois os moradores falam do desaparecimento de um companheiro conhecido como “Cuca”. Bens e documentos pessoais de diversos trabalhadores também foram apreendidos, na informação de que serão devolvidos nesta terça-feira (15), com exceção dos telefones celulares.
As vítimas de tortura e ferimentos de bala relatam a truculência com a qual foram tratados durante a operação e dizem que os policiais chegaram encapuzados, armados e sem identificação. Ainda acrescentam que os policiais chegaram a pé em um barracão do acampamento, deixando a viatura no meio da estrada, e um deles estaria com uma espingarda de não uso policial.
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NOTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE OS ASSASSINATOS DE TRABALHADORES NA FAZENDA MUTAMBA EM MARABÁ
Adão Rodrigues de Sousa, 53 anos, casado, pai de 05 filhos e, Edson Silva e Silva, foram assassinados na madrugada da última sexta-feira, por policiais civis da Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá, chefiado pelo delegado titular, Antônio Mororó. De acordo com as apurações feitas pelas entidades através da coleta de depoimentos de vários sobreviventes, há indícios claros de que se tratou de um crime premeditado.
O delegado com seus comandados chegou ao local onde ocorreram os crimes, por volta das quatro horas da manhã. Cerca de 18 trabalhadores se encontravam dormindo em redes em um barracão coletivo, dois deles já estavam acordados preparando um café, quando foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”, seguido de rajadas de tiros. No desespero e na escuridão cada um tentou escapar como pôde dos tiros. O resultado foram dois mortos, vários feridos a bala e quatro presos.
Com base nos depoimentos, a alegação do delegado de que os policiais foram recebidos a tiros não tem qualquer fundamento. Surpreendidos com rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem, mesmo que tivessem um arsenal de armas. Só deu tempo de correr para escapar da morte. E os quatro que foram presos porque não foram assassinados? Ainda de acordo com os depoimentos, o delegado precisava de confirmação do álibi do confronto. Os quatro presos relataram que não tiveram tempo de correr, se jogaram no chão com as mãos na cabeça. Dominados pelos policiais, foram colocados ao lado dos dois mortos e o que se seguiu foi uma sessão de torturas até o dia clarear. Sob as ordens de Mororó foram obrigados a dizerem o que o delegado queria ouvir. Se não confirmassem, com o cano de fuzil encostado no ouvido, eram ameaçados de execução imediata. A comprovação das torturas está registrada nos exames de corpo e delito feito pelo IML. Com base nos relatos, o juiz que presidiu a audiência de custódia, encaminhou os termos para a corregedoria da Polícia Civil.
A alegação do delegado de que se tratava de uma operação para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão era apenas um pretexto, na verdade, para cometer uma sucessão de crimes. O barracão onde os trabalhadores se encontravam ficava a menos de um quilômetro da sede da fazenda. As viaturas foram deixadas na sede e os policiais seguiram a pé. Divididos em dois grupos, um deles, chefiado por Mororó, seguiu para o barracão mais próximo onde ocorreram as mortes, tentativas e torturas. Ele previa que as principais lideranças do grupo se encontrassem ali. Um segundo grupo de policiais seguiu para um barracão mais afastado. Ali dominaram cerca de seis trabalhadores, entre eles uma mulher, que se encontravam no local, usaram de violência contra eles, mas não atiraram em ninguém. Um dos policiais colocou uma faca no pescoço de um jovem, filho da senhora que se encontrava no local e o ameaçou de morte caso não dissesse onde se encontrava o coordenador do grupo.
O discurso divulgado pelo delegado Mororó e incorporado pelo Secretário de Segurança Pública do Estado é que se tratava de uma organização criminosa fortemente armada, envolvida em venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes. O resultado da operação que envolveu dezenas de policiais, várias viaturas, dois helicópteros, foi a apreensão apenas de 7 espingardas cartucheiras e algumas munições. Nenhuma arma pesada, nenhuma motosserra, nenhum caminhão de madeira, nenhum gado roubado, nada mais. Dos quatro trabalhadores presos, nenhum deles tinha mandado de prisão e só um tinha condenação pela justiça. Os dois mortos também não tinham prisões decretadas e nem passagem pela polícia. Ou seja, a operação, nessa perspectiva, foi uma farsa. Não estamos dizendo que não tenha, entre os ocupantes, pessoas envolvidas em algum tipo de crime, mas, essas pessoas têm que serem presas conforme a lei determina e não executadas.
A operação criminosa chefiada pelo delegado Mororó, teve o mesmo modus operandi de uma outra ocorrida na fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco em 2017. Ali, sob o pretexto de cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra criminosos, a polícia civil e militar assassinou friamente 10 trabalhadores, no que ficou conhecido como o massacre de Pau D’Arco.
O delegado Mororó não esconde para ninguém suas relações viscerais com os latifundiários da região. Qualquer chamado desse grupo ele está pronto a atender. Qualquer tentativa de novo acampamento ele chega junto com os fazendeiros para dissolver, inclusive em locais fora das áreas de fazendas particulares. No caso do acampamento Terra e Liberdade do MST em Parauapebas, os fazendeiros o arrolaram como sua testemunha na audiência de justificação da ação possessória. Por outro lado, quando se trata de apurar assassinatos de trabalhadores o delegado não tem o mesmo interesse. Conforme dados da CPT, nos últimos 10 anos, 15 assassinatos ocorreram na área de atribuição da DECA de Marabá, sendo que a autoria das mortes não foi esclarecida. Na verdade, a Delegacia de Conflitos Agrários se transformou em delegacia de proteção ao latifúndio.
Por seu lado, o Judiciário paraense, que, conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, só conseguiu concluir 19% dos processos criminais que apuram assassinatos no campo no Pará, não tem adotado as cautelas necessárias na expedição dos mandados de prisão, busca e apreensão em áreas de conflitos rurais. No caso da Fazenda Mutamba, a juíza da 1ª Vara Criminal de Marabá, autorizou a busca e apreensão em “barracos de madeira na vicinal três, entre João Lobo e Balão. Barracos localizados na divisa do Projeto de assentamento Porto Seguro e Fazenda Mutamba”, além de outros endereços, sem estabelecer critérios mais objetivos para o seu regular cumprimento. Com esse tipo de mandado em mãos, o delegado poderia entrar em mais de uma centena de casas dos moradores que residem nessas localidades com a truculência que lhe é característica.
Em relação à atuação da Vara Agrária de Marabá, o retrocesso é cada vez maior. O juiz Amarildo Mazutti, tem deferido liminares e proferido sentenças em áreas públicas federais e estaduais, áreas objeto de grilagem, áreas que não cumprem com a função social, áreas em processo de aquisição pelo INCRA, etc. Fato é que se acumulam mais de 40 liminares/sentenças para serem cumpridas envolvendo quase 10 mil famílias só na região sudeste do Estado, se forem realmente efetivadas teremos um verdadeiro caos na região. No caso da fazenda Mutamba, embora a ocupação seja anterior à pandemia, o juiz autorizou o despejo das famílias sem que o processo passasse pela Comissão de Soluções Fundiárias do TJPA, foi preciso a Defensoria Pública do Estado do Pará acionar o STF para que o juiz cumprisse com essa obrigação.
No caso do Ministério Público não percebemos uma correta fiscalização da atividade policial quando se trata dessas operações em áreas de conflitos coletivos no meio rural. Não sabemos se a Promotoria Agrária abriu algum procedimento para apurar o ocorrido. Fato que era comum quando essa função era ocupada por outras promotoras.
A fazenda Mutamba, de propriedade da família Mutran, se assenta sobre um antigo castanhal que foi desmatado para formação de pastagem. Há ainda suspeita de terra pública em parte do complexo. Já foi flagrada com trabalho escravo no início dos anos 2000 e, atualmente é ocupada por três grupos de famílias sem-terra com organização independente.
Por fim, a pergunta principal é: O assassinato dos dois trabalhadores, as tentativas de homicídios e as torturas serão investigadas ou vão ficar impunes? Até agora nada sabemos. O Governador e o Secretário de Segurança Pública não disseram uma palavra sobre a investigação das mortes. A julgar pela última chacina ocorrida em São Félix do Xingu em 2020 onde o ambientalista Zé do Lago, sua esposa e filha foram assassinados e até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes, o resultado pode ser o mesmo.
Essa denúncia será encaminhada ao Governador do Estado, ao Procurador Geral do Ministério Público, aos Ministros da Justiça e da Reforma Agrária e, ficaremos no aguardo de respostas concretas.
Marabá, 14 de outubro de 2024.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura – FETAGRI.
Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar – FETRAF.
Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Instituto José Cláudio e Maria – IZM.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.
Coletivo Veredas.
Jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE.
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Edição: Comunicação CPT Nacional
Foto: Enterro de vítimas do Massacre do Abacaxis. Crédito: Divulgação / Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Ao citar “um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo”, o Papa Francisco denuncia o “verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita totalmente a política e as organizações sociais”. No fim, observa com lucidez, “os povos amazônicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais vítimas”. Infelizmente, o alerta do pontífice na Exortação Querida Amazônia é bastante atual e concreto. Referida deterioração alarmante das instituições públicas, estaduais e federais, se verifica na longa e interminável investigação do episódio conhecido como o Massacre do Rio Abacaxis, na já tão violentada região amazônica.
Em plena pandemia de covid-19, mais especificamente em 23 de julho de 2020, o então secretário do Fundo de Promoção Social (FPS) do governo do estado do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, acompanhado de outras pessoas e em embarcação privada, invadiu a região do Rio Abacaxis com o intuito de praticar pesca esportiva, sem licença ambiental ou autorização da população local. Na mencionada área vivem comunidades indígenas e ribeirinhas, que firmaram um acordo sobre a prática da pesca esportiva, não observado pelo grupo em questão.
Mesmo com a oposição das comunidades, o ex-secretário desrespeitou as lideranças locais e, em meio à confusão, teria sido supostamente ferido de raspão por um tiro, o que nunca foi comprovado. Conforme relato dos presentes, Saulo retirou-se ameaçando voltar e “matar todo mundo”. No dia 3 de agosto daquele ano, quatro policiais à paisana, posteriormente identificados como pertencentes ao Comando de Operações Especiais retornaram ao território, no mesmo barco privado usado pelo ex-secretário. Na desastrosa ação, dois agentes foram mortos e outros dois feridos.
Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública do governo Wilson Lima autorizou, sob a justificativa oficial de combate ao tráfico de drogas, a realização de uma megaoperação com dezenas de policiais na região dos Rios Abacaxis e Mari-Mari, entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte. No dia 4 de agosto, com a chegada das forças de segurança instalou-se o terror nas comunidades locais. A operação foi pessoalmente liderada pelo próprio Comandante-Geral da Polícia Militar do Amazonas, Coronel Ayrton Norte.
O resultado, conforme denúncias das organizações sociais que atuam na região, foi catastrófico, sendo provavelmente a maior violação dos direitos humanos dos últimos anos do estado do Amazonas. Além da execução de quatro ribeirinhos, um deles menor de idade, e dois indígenas do povo Munduruku, houve a prática de tortura, incêndio de comunidade indígena e outras arbitrariedades.
Os relatos de violações de direitos humanos são chocantes e para preservar os sobreviventes, os nomes devem ser omitidos. Um deles afirma que o presidente da associação comunitária ribeirinha teria sido torturado com saco plástico na frente do comandante da operação. Outro diz sobre uma mulher que teve gasolina jogada sobre o corpo e foi ameaçada de ser queimada. Há ainda uma denúncia de uma criança que foi colocada em um freezer e quando foi retirada de lá estava congelada, à beira da morte.
Conforme uma cacica do Povo Munduruku, a Polícia Militar invadiu as comunidades originárias, sem qualquer autorização das lideranças e em total descumprimento da lei. Ademais, por ser Terra Indígena apenas a Polícia Federal possui competência para atuar. Por outro lado, os Maraguá esperam há décadas que suas terras sejam devidamente reconhecidas e protegidas pela União. De acordo com a Constituição Federal, o Estado brasileiro deveria ter demarcado o território indígena até 1993. Todavia, até o presente momento, sequer o Grupo de Trabalho, primeira etapa do longo processo de demarcação, foi instituído pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Casas foram invadidas e queimadas, comunidades inteiras proibidas de circular pelos rios, principal meio de sustento dessa região, levando um clima de tensão e pavor a uma população inteira que se viu sitiada por semanas. Os danos físicos, psicológicos e morais foram consideráveis, tendo deixado marcas profundas nas famílias vítimas de toda a violência policial. E, mesmo apesar de repercussão do primeiro momento, lamentavelmente muito pouco se avançou na punição e reparação dessa barbárie.
Estava-se no pleito eleitoral de 2020, em pleno governo Bolsonaro, mas graças a contundente mobilização das organizações sociais com forte apoio da Igreja amazônica, o caso foi divulgado. Dentre as entidades, deve se ressaltar a participação ativa do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da própria Arquidiocese de Manaus, com o envolvimento pessoal do Cardeal Dom Leonardo Steiner.
Quatro anos depois do massacre, a bancada da bala saiu ainda mais fortalecida das últimas eleições municipais. Segundo o levantamento do Instituto Sou da Paz1 (disponível nesta reportagem da Deutsche Welle), 856 agentes foram eleitos no primeiro turno, entre eles, 759 vereadores, 52 prefeitos e 45 vice-prefeitos. O maior número da série histórica! De acordo com Carolina Ricardo, diretora-executiva da entidade, trata-se de "uma agenda que se baseia no medo e em um discurso beligerante”, com candidatos que se "baseiam mais na violência policial do que no planejamento para a segurança pública”.
Tristemente, o país nunca enfrentou seu passado de violência, desde a mais distante escravização das pessoas negras e indígenas até a mais recente ditadura civil-militar, época em que tortura era uma estratégia permanente das forças de segurança. Será que se pode dizer que algo efetivamente mudou nesse cenário autoritário? Ou as polícias seguem agindo com truculência e arbítrio, principalmente com os empobrecidos das periferias e dos rincões do Brasil profundo? Basta pesquisar sobre as recentes “operações” Escudo e Verão da Polícia Militar de São Paulo, autorizadas pelo governo Tarcísio de Freitas.
Vale destacar que, para tentar trazer alguma segurança às vítimas do extermínio policial do Abacaxis, houve a determinação judicial para que se instalasse uma base móvel da Polícia Federal na região. Tal medida nunca foi devidamente cumprida por parte do governo federal, seja o anterior ou a atual gestão. Nesse sentido, a ausência dos órgãos do estado brasileiro contribui para aprofundar a situação de insegurança e fragilidade a que foi relegada a população afetada.
Entre idas e vindas, tramitando na 2ª Vara Criminal da Justiça Federal no Amazonas, o inquérito da Polícia Federal foi presidido por seis delegados diferentes, estando sujeito a grande interferência política das autoridades do estado, considerando a magnitude do caso. Finalmente, no dia 28 de abril de 2023 houve o indiciamento, como supostos mandantes do massacre, do ex-secretário de Segurança Pública do estado, Coronel Louismar Bonates e do ex-comandante da Polícia Militar, Coronel Ayrton Norte. Vale destacar que o governador Wilson Lima (União Brasil), em maio de 2022, havia condecorado ambos pelos relevantes serviços prestados.
Desde então se aguarda que o 9º Ofício Criminal do Ministério Público Federal do Amazonas ofereça a denúncia das autoridades já indiciadas no inquérito, o que transcorridos um ano e meio ainda não aconteceu. Seria fundamental ainda, considerando a relevância e as circunstâncias especiais, que a própria Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pudesse, inclusive, acompanhar de perto o deslinde das investigações, para garantir que o procurador federal não sofra pressões indevidas e tenha as condições necessárias para cumprir com seu papel institucional.
Como se não bastasse toda a demora para o encerramento das investigações, em setembro de 2024, em um ato unilateral e sem qualquer fundamentação, o inquérito foi transferido de Brasília para a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e o Delegado Francisco Vicente Badenes Júnior foi inexplicável e arbitrariamente retirado do caso. Deve-se esclarecer que o caso foi levado à capital federal para permitir que as investigações fossem efetivas e seguissem sem ameaças ou perseguições de qualquer tipo.
O Delegado Badenes também era o responsável pelas investigações dos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira (05/06/2022) e do servidor da FUNAI Maxciel Pereira (03/08/2019). Importante frisar que sob sua presidência, o inquérito avançou razoavelmente e uma troca agora seria no mínimo temerária. Como afirmou o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis, em carta divulgada aqui, a medida “lança sombras sobre o real motivo destas mudanças, e faz crer na possível interferência política nessa conjuntura”. O que pretende a Polícia Federal com essa constante mudança de delegados?
Assim, cabe ao diretor-geral da PF e ao seu chefe, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, darem as devidas explicações sobre o ocorrido. Caso contrário, a situação dará ensejo para que se acredite na tese de que políticos influentes do estado estão negociando com o governo federal a obstrução das investigações, para assegurar que o massacre siga impune.
Conforme nota de 17 de maio de 2023, o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis reforçou que “só haverá justiça se os atuais indiciados forem regularmente responsabilizados na forma da lei e da Constituição”. “Só haverá justiça”, continua a manifestação, “se os demais violadores forem identificados, individualizados e também indiciados na investigação que continua”. Além da responsabilização criminal, “a indenização das vítimas e a proteção das testemunhas que presenciaram os fatos” é fundamental, alegam as organizações que integram o coletivo.
Nos últimos anos, inclusive como reflexo da impunidade e do abandono da população da região dos Rios Abacaxis e Mari-Mari, cresceu a invasão de garimpeiros, madeireiros e do tráfico de drogas.
As comunidades indígenas e ribeirinhas vivem em estado de grande vulnerabilidade, encurraladas pelo crime organizado de um lado e ameaçadas pelas forças de segurança estaduais de outro. Apesar de duas visitas realizadas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma ainda em 2020 e outra em abril desse ano, poucas medidas efetivas foram tomadas pela administração federal.
É imperioso que os Ministérios dos Direitos Humanos e dos Povos Indígenas possam colocar as suas estruturas a serviço dos Povos Maraguá e Munduruku, além dos demais moradores de Borba e de Nova Olinda do Norte. Ademais, existem testemunhas que devem ser – na verdade, já deveriam ter sido – incluídas no Programa de Proteção, com aquilo que o estado brasileiro tem de mais avançado na área, considerando que seus supostos algozes ocuparam a alta cúpula de segurança pública do Amazonas.
A terceirização de responsabilidades é inaceitável para um governo que se diz comprometido com os direitos humanos e os povos indígenas. Já passou da hora de assumir uma postura mais assertiva, mediante uma resposta articulada nas mais variadas frentes. Entre elas, o Ministério do Meio Ambiente deve determinar a imediata mobilização do IBAMA para que realize operações de combate aos crimes ambientais que assolam a região.
Como muito bem reconhece o Relatório de Violências contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2023 (Cimi, p. 20), é preciso mais do que boas intenções e representatividade para romper com os desmandos do governo anterior e reverter os crimes que ameaçam as populações tradicionais do país:
“Saímos de um projeto anterior de morte aos povos. Mas as comunidades agora têm de enfrentar estruturas engessadas, sem recursos, influenciadas e negligenciadas por atores políticos mais preocupados em não se indispor com uma parcela do latifúndio que é predadora, disseminadora de agrotóxicos e de venenos, poluidora de rios, matadora de abelhas (nossas grandes aliadas na natureza), aliciadora de mão de obra escrava, queimadora de casas de reza. Matadora de gente; mas não da luta”.
O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de Direitos Humanos que exigem rigor no enfrentamento de uma situação sensível como essa. Entretanto, muitas perguntas permanecem sem respostas por um tempo longo demais. O país não possui os mecanismos suficientes para solucionar uma grave violação dos direitos humanos como essa?
Será preciso acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aguardar mais uma vergonhosa condenação internacional?
Além do mais, o governo Lula vem insistindo em se colocar como líder internacional na área ambiental, garante de uma especial proteção ao território amazônico. Por isso, seria um vexame inaceitável que as forças lúcidas que ainda habitam o atual governo não se empenhassem para promover uma investigação rigorosa do Massacre do Rio Abacaxis, bem como não acionassem todos os instrumentos disponíveis de reparação das vítimas ribeirinhas e indígenas, que há mais de quatro anos estão esquecidas pelo poder público.
Aproximando-se do fim do segundo ano de seu mandato, é chegada a hora de se verificar o real engajamento do governo Lula com a pauta dos Direitos Humanos, a proteção da Amazônia e o cuidado com os empobrecidos.
O espaço para as promessas vazias e as meias palavras se esgotou. Agirá o atual governo para colocar fim à impunidade dos mandantes e executores do Massacre do Rio Abacaxis, promovendo as devidas políticas públicas de proteção social das populações atingidas? Ou seguirá inerte, omisso e conivente com os senhores do crime que trabalham incansavelmente para que a força dos poderosos da região prevaleça sobre a justiça e os direitos humanos?
Fiéis às palavras do Papa Francisco, seguirão as organizações sociais e eclesiais na sua rebelde aliança com o povo sofrido dos Rios Abacaxis e Mari-Mari. Afinal, “nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazônicos, ‘para poder exercer com transparência o seu papel profético’”2. Se Brasília não for capaz de escutar o grito sufocado das vítimas, se irá até os confins do mundo para que a justiça e a vida prevaleçam sobre o crime e a violência atroz.
A memória dos que pereceram sob o arbítrio e dos sobreviventes das torturas policiais não será esquecida!
[1] ANDRADE, Matheus Gouvêia de. O que está por trás do aumento de policiais eleitos em 2024? DW Brasil, 11 out. 2024. Disponível aqui. Acesso em 12 out. 2024.
[2] FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia. nº 19.
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