Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Com informações da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, ABRASCO e Fiocruz
Foto: Wenderson Araujo / Divulgação
Em poucas horas, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou e o governador Elmano de Freitas (PT) sancionou, na mesma noite desta quinta-feira (19), o Projeto de Lei 19.135, que autoriza a pulverização aérea de agrotóxicos por drones no estado. Até então, o Ceará era o único estado brasileiro que proibia a pulverização de agrotóxicos aérea por aviões.
O projeto de lei, que libera a pulverização de agrotóxicos no estado por meio de drones, aeronaves remotamente pilotadas (ARPs) ou veículo aéreo não tripulado (Vant), na prática alterou a Lei Zé Maria do Tomé, de 2021. A Lei, curiosamente elaborada pelo próprio Elmano de Freitas, que era deputado estadual na época, proibia a pulverização aérea de agrotóxicos e que fez do Ceará o primeiro estado brasileiro a definir este tipo de proibição. A lei leva o nome do agricultor e defensor dos direitos humanos José Maria Filho, assassinado por lutar contra a pulverização aérea de agrotóxicos e a favor da agricultura familiar, da saúde e meio ambiente.
O gesto do governador atropelou qualquer possibilidade de mobilização por parte de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, que buscavam pressionar pelo veto ao projeto. A rápida sanção da lei representa, segundo críticas, uma clara demonstração de que o governo estadual cedeu às pressões do agronegócio e seus interesses econômicos.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, juntamente com outras organizações, alerta que a medida vai na contramão das políticas ambientais e de saúde pública. Os movimentos destacam a urgência de que o governo estadual priorize a soberania alimentar e os direitos humanos, em vez de favorecer os interesses econômicos do agronegócio.
Em nota publicada nesta quinta-feira (19), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também se posicionaram contra a pulverização de agrotóxicos e reafirmam a importância da Lei Zé Maria do Tomé. As entidades denunciam que centenas de casos de contaminação acidental ou deliberada por agrotóxicos no Brasil, como recentemente no Mato Grosso, envolvendo a pulverização aérea de agrotóxicos que destruiu 80 mil hectares do Pantanal, têm sido denunciados em fóruns internacionais por entidades representativas da sociedade civil organizada, e nos principais meios de comunicação do país.
"A contaminação por agrotóxicos nas comunidades rurais aumentou quase 10 vezes no primeiro semestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano passado, segundo relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Somente no Maranhão, nesse mesmo ano, mais de 100 comunidades foram atingidas pela pulverização aérea de agrotóxicos, situação que vem se agravando e já contou com nota de repúdio assinada pela ABRASCO", afirma trecho da Nota.
As entidades também alertam para a quase inexistência de estudos sobre o impacto do uso de drones para a aplicação de agrotóxicos na saúde e no ambiente, que ainda não conseguiram acompanhar a velocidade do mercado em sua propagação de uso massivo, em termos da apresentação de resultados para a tomada de decisões para as políticas públicas mais protetivas.
Segundo dados disponibilizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em seu portal de Dados Abertos, somente até este final de ano, o Brasil contava com mais de 182 mil drones registrados, dos quais 5.929 foram categorizados no ramo de atividade "Pulverização e aplicação de outros insumos - Aeroagrícola".
Foto: Dados da ANAC sobre registros de drones. Acesso: 20/12/2024.
Por Rafael Oliveira | CPT João Pessoa
Espaço de resistência camponesa, de garantia de segurança alimentar, de pesquisa e de convivência, a Feira Agroecológica da Ecovarzea, realizada no Campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, celebra 23 anos de existência neste dia 29 de dezembro de 2024.
Há mais de duas décadas, camponesas e camponeses de diversos assentamentos da região mantêm, semanalmente, a feira que é referência na capital paraibana e inspirou experiências em outras cidades e, inclusive, em outros estados, como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas.
Parceira desde as discussões para a criação da Feira Agroecológica da UFPB, como é popularmente conhecida, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de João Pessoa comemora mais um ano de resistência desse espaço de afirmação da produção de alimentos agroecológicos e da cultura camponesa do estado da Paraíba.
“Para nós, da CPT, a gente avalia como uma experiência assertiva. Primeiro como um canal, uma alternativa de comercialização dos produtos das famílias camponesas. Logo quando a gente iniciou, no início dos anos 2000, a produção proveniente dos assentamentos não tinha receptividade nas feiras locais”, recorda Tânia Maria, agente da CPT de João Pessoa. “O pessoal vinha comprar no Ceasa, mas os nossos produtos ficavam lá na periferia e sem atrativos. Então, a feira aqui foi uma alternativa muito grande para a população e para as famílias camponesas”, acrescenta.
Apesar de notoriamente estabelecida e exitosa, Tânia destaca que a implementação da feira teve diversos desafios em seus primeiros passos. “Era impressionante como a cidade nos tratava como forasteiros, baderneiros, tomadores de terra dos outros. A partir dessas feiras, que essa foi a primeira e depois outras foram se multiplicando, a gente começou a ter a opinião pública já ao nosso favor”. Atualmente, considerando apenas João Pessoa, já são sete feiras agroecológicas em diversos pontos da cidade.
Durante esse percurso, segundo Tânia, mais pessoas passaram a conhecer a luta camponesa pela reforma agrária, pela produção de comida de verdade para combater a fome, dentre outras pautas sociais que envolvem as comunidades integradas à feira.
“Quando esses alimentos começaram a chegar aqui, e começou a existir o diálogo com a sociedade urbana, a opinião pública sobre a necessidade da reforma agrária foi mudando e foi atraindo outras pessoas. Não ficou só na academia, na Universidade. Outras pessoas dos bairros começaram a se chegar”, destaca agente pastoral.
O início da feira contou com a parceria determinante do mandato do então Deputado Estadual, Frei Anastácio, da Arquidiocese da Paraíba, da Cáritas Brasileira, além da CPT João Pessoa. Notadamente, desde a primeira edição da feira até hoje, nenhum esforço e perseverança foi maior do que o das camponesas e camponeses que plantam, colhem, comercializam os alimentos e se organizam por uma sociedade mais justa e igualitária.
Como resultado deste processo, há hoje a Rede Agroecológica Produzindo Saúde e Multiplicando Vidas, composta por cinco Organizações de Controle Social (OCSs). São elas: Ecovarzea, Ecosul, Ecocap, Ecovale e a Associação dos Orgânicos. Todas certificadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e participantes da Comissão de Produtores Orgânicos (CPORG), que é coordenada pelo Mapa.
A existência de feiras agroecológicas faz parte de uma cadeia muito importante, tanto de proteção ao meio ambiente e da herança cultural do nosso povo, como de uma resistência social e representatividade, sendo a culminância de um processo que tem início com a reforma agrária e a justiça social, o plantio, a colheita, a manutenção dos saberes tradicionais e a sustentabilidade, gerando renda e fazendo a economia crescer e circular localmente. Que possamos manter esse legado das feiras vivo e vê-las se desenvolverem cada vez mais em número, tamanho e importância.
Devolutiva ocorreu na Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que fez parte da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”
Por Marilia da Silva / CPT Goiás
Grito das comunidades contra os Agrotóxicos e pela Vida (Foto: Marilia da Silva)
No dia 26 de novembro, o Acampamento Leonir Orback recebeu a Missão Territorial da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, um encontro entre comunidade, pesquisadores, ativistas e jornalistas para debater como os agrotóxicos têm impactado a vida das famílias locais.
Para este diálogo, foi organizada a Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que contou também com a participação de famílias de outras comunidades, em diferentes regiões do estado, que vivem realidades semelhantes à do acampamento.
Carlos Bonfim e Nilva Machado, do Acampamento Leonir Orback, narram a realidade da comunidade (Fotos: Heloisa Sousa)
“As pessoas ficam com problemas na pele, diarréia, enjôo, e quando vão no postinho o médico diz que é virose. Mas a gente, que a acompanha, sabe que é sempre na época que bate o veneno na soja [em área vizinha]”, contou Nilva Machado, que abriu a mesa com um breve relato sobre os problemas de saúde vividos pelas famílias da comunidade.
Para moradores do Leonir Orback, além de um momento de formação, a roda foi espaço de devolutiva dos resultados de estudos realizadas com material coletado por pesquisadores de diferentes instituições. A comunidade vem, há anos, denunciando problemas de saúde desencadeados no período mais intenso de pulverização nas lavouras vizinhas, localizadas muito próximas às suas casas.
Água com Veneno
Um dos resultados apresentados para a comunidade, foi da análise de duas amostras de água colhidas em 2022 no acampamento. O estudo foi realizado por equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado em Vivendo em Territórios Contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado, pela Campanha Cerrado.
Fernanda Savicki, coordenadora da pesquisa, esteve presente no território para falar sobre os resultados da pesquisa: nas duas amostras coletadas na comunidade foram encontrados cinco diferentes tipos de substâncias agrotóxicas, pelo menos duas delas já banidas da União Europeia: a Artrazina e o Fibronil. Também foram encontrados o Glifosato, o 2.4-D e o Etofenprox, substâncias também altamente tóxicas às pessoas e ao ambiente.
Fernanda Savicki apresenta pesquisa da Fiocruz publicada pela Campanha Cerrado (Fotos: Heloisa Sousa)
Estudos científicos associaram o Glifosato, o Fipronil e o 2.4-D ao desenvolvimento de vários tipos de câncer em seres humanos. A Artrazina, o Glifosato e o 2.4-D são considerados como desreguladores do sistema endócrino. De acordo com a legislação brasileiras, estes dois fatores deveriam impedir a liberação do uso destas substâncias na agricultura, mas o que acontece na prática, ainda hoje, é que os níveis considerados aceitáveis para presença dessas substâncias na água de consumo da população são exorbitantes, muito acima do que é ou já foi aceito na União Europeia, por exemplo.
A Artrazina sequer tem um limite estabelecido como aceitável no Brasil: a presença deste veneno na água, em qualquer quantidade, não impede que ela seja considerada adequada para uso humano.
O Fipronil está ainda diretamente relacionado com a mortandade em massa de abelhas, uma grave ameaça à biodiversidade e à produção de alimentos em todo o mundo. O Etofenprox, além de nocivo às abelhas, também é altamente tóxico para vidas aquáticas.
Os relatos de moradores de outras comunidades do campo presentes na roda de conversa mostraram como o problema é uma realidade comum entre famílias do campo em Goiás. Maria Lúcia, integrante do grupo de mulheres apicultoras do Assentamento Dom Fernando, localizado em Itaberaí (GO), conta que os casos de mortandade de abelhas são constantes na região. A agente pastoral Marta Jacinto também compartilhou um relato sobre a convivência com comunidades de Silvânia (GO), também rodeadas pelas plantações de soja.
Agente pastoral Marta Jacinto e apicultora Maria Lúcia dão seus relatos à plenária (Fotos: Heloisa Sousa e Marilia da Silva)
Pesquisa da UFG aponta para intoxicação
Equipe do Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás (Labmut/UFG), que realiza estudos de monitoramento do impacto dos agrotóxicos na saúde de trabalhadores rurais do estado de Goiás, também esteve presente na Roda de Conversa para apresentar os resultados da análise de material genético colhido no Acampamento Leonir Orback no último mês de julho.
Apresentação da pesquisa do Labmut/UFG, por Andreya Gonçalves (Foto: Marilia da Silva)
Ao todo, 43 moradores da comunidade participaram da pesquisa, que analisou as danos ao material genético colhido associados à exposição a substâncias agroquímicas. A análise foi apresentadas pela pesquisadora Andreya Gonçalves e mostra a presença de quebras de DNA, apesar de o tipo de exposição dos moradores do acampamento ser apenas de forma indireta.
“Pretendemos voltar ao acampamento Leonir para realizar novas coletas. Para ter um resultado mais preciso, precisamos realizar o Biomonitoramente, com várias coletas, próximas e distantes dos períodos de pulverização, para tirar uma conclusão sobre como isso está afetando as pessoas”, explicou Daniela Mello, coordenadora da pesquisa. De acordo com moradoras do acampamento, os lavoureiros vizinhos pularam a plantação de milho do último mês de julho, a chamada Safrinha. Assum, a exposição à pulverização foi menos intensa no período que o material foi coletado para a pesquisa.
A pesquisa também incluiu a dosagem da enzima Colinesterase nas amostras de sangue coletadas, exame que faz parte do protocolo de identificação de intoxicação por agrotóxicos estabelecido pelo Ministério da Saúde. O resultado apontou para possível episódio de intoxicação de 4 pessoas do acampamento.
Zonas Livres de Agrotóxicos
Roberta Quirino, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, avaliou que, os dados destas pesquisas, que mostram a contaminação de corpos e territórios, mostram a necessidade de construir ações concretas para que as violações de direitos relacionadas ao agroquímicos se reduzam. Ela usou o exemplo do Rio Grande do Sul, onde comunidades conseguiram assegurar, por lei, os seus terrítórios e áreas de segurança como Zonas Livres de Agrotóxicos.
A criação deste tipo de proteção em áreas onde se produz de modo agroecológico é um das bandeiras da Campanha, juntamente com o banimento, no Brasil, das substâncias que já foram proibidas em outros países e regiões pelo mundo.
Gerailton Ferreira, da CPT Goiás, trouxe uma importante reflexão sobre a questão dos agrotóxicos, que faz parte de todo um sistema produtivo e econômico que envenena nossos corações. “Precisamos descontaminar não só o nosso solo e nossa água, mas a nós mesmas. Infelizmente o sistema conseguiu também contaminar corações com o ódio. Estamos em um momento em que a gente vê mas não enxerga, escuta mas não ouve, e ficamos achando que sozinhos conseguimos superar nossos problemas”, apontou Gerailton, chamando as comunidades para a ação coletiva organizada.
Roberta Quirino, da Campanha Contra os Agrotóxicos, e Gerailton Ferreira, da CPT Goiás (Fotos: Heloisa Sousa)
No dia seguinte à Missão Territorial, a Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás realizou a Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, para debater a questão com o conjunto da sociedade goiana e parlamentares.
“Temos de nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada. O que chamamos «verdade» não é só a comunicação de fatos pelo jornalismo. É, antes de mais nada, a busca dos fundamentos mais sólidos que estão na base das nossas opções e também das nossas leis”. (...)
(Papa Francisco, Fratelli Tutti nº 208)
Foto: Atos de vandalismo no STF (Supremo Tribunal Federal) / Crédito: Poder360
A sociedade brasileira assiste perplexa, dia após dia, as revelações advindas das apurações feitas em inquérito da Polícia Federal acerca dos articuladores, financiadores e apoiadores da tentativa de golpe de Estado encabeçada por Jair Bolsonaro e colocada em prática por militares da Forças Armadas e civis de vários grupos sociais.
Segundo o inquérito da Polícia Federal, a tentativa de golpe previa o sequestro e homicídio de autoridades públicas (o presidente Lula; seu vice, Geraldo Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes). Como se isso não bastasse, planejava-se “campos de concentração” para opositores do governo autoritário que se instalaria: uma trama que traz à memória o regime nazista.
O Brasil não pode conviver passivamente com sucessivas tentativas de golpe à democracia gestadas por setores dos militares, das elites empresariais e do latifúndio, banqueiros, reacionários políticos, mídia empresarial e fundamentalistas religiosos (como alguns sacerdotes católicos apontados no inquérito da Polícia Federal e representantes de pastores evangélicos que manipulam a religião em associação com a extrema-direita).
Tão grave quanto os fatos relatados nos inquéritos policiais é a conivência e omissão de entidades, instituições e setores da sociedade que se calam ou pedem a impunidade para os perpetradores da violência contra a Constituição, a ordem democrática brasileira e a cidadania brasileiras. Aos que se dizem cristãos é imperioso lembrar: a verdadeira ética cristã aponta que omissão e conivência são tão graves quanto o pecado do ato doloso.
A participação de personagens das elites política, econômica e religiosa em associação com alguns dos militares de alta patente das Forças Armadas em golpes no passado e no presente explicita a relação autoritária que sustenta as estruturas de poder em nosso país. O modelo militar brasileiro, das Forças Armadas e das polícias (principalmente as polícias militares), por exemplo, mantém a velha lógica do capataz armado a serviço de poucos “senhores da Casa Grande”.
O processo político e de apuração do golpe pelas instituições de Estado (Polícia Federal, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal) é lento, mas segue, até agora, os ritos democráticos e constitucionais: publicidade, transparência e legalidade. Portanto, nenhuma comparação com regimes autoritários no processo de apuração do golpe está de acordo com a verdade neste caso.
As entidades abaixo assinadas se posicionam contra qualquer iniciativa com vistas à impunidade dos golpistas. Todos os envolvidos na trama: mentores, articuladores, financiadores, divulgadores e apoiadores devem ser responsabilizados. Apelam para que a Procuradoria Geral da República não se omita em seu papel de representante da cidadania, e apresente denúncia ao Supremo Tribunal Federal; para que este, como guardião da Constituição, responsabilize de forma legal, rigorosa e exemplarmente todos os perpetradores da violência contra o Estado Democrático de Direito para que nunca mais se articule, neste país, tentativas de golpes contra o povo brasileiro.
Por fim, conclamamos a amplos setores da sociedade civil, entidades de classe que defendem e lutam pelo Estado Democrático de Direito (como a OAB, ABI, Comissão Arns, entre tantas), entidades religiosas (como a CNBB, as igrejas e tradições que não se alinham à extrema-direita), sindicatos, movimentos sociais e outros organismos vivos que se manifestem publicamente demonstrando que no Brasil não há, nem haverá, espaço para quem atenta contra a democracia.
Brasília (DF), 18 de dezembro de 2024.
Assinam esta Nota (também pode ser baixada neste link):
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Rondônia
Camponeses se mobilizam contra reintegração de posse de suas terras. Foto: Banco de Dados/AND
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia, junto com a Ouvidoria-Geral Externa da Defensoria Pública do Estado (DPE-RO), emitiram Nota Pública celebrando a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) em favor de mais de 300 famílias de agricultores familiares do Acampamento Élcio Machado, no município de Monte Negro (RO).
A decisão, que atende à petição do Ministério Público Federal (MPF) para transferir o caso à Justiça Federal, reafirma que os casos em que há envolvimento de terras públicas, com atuação de órgãos como o INCRA e o MPF, devem ser tratados no âmbito da Justiça Federal.
Esta é a realidade da maior parte das terras em disputa em Rondônia. Estima-se que mais de 16 mil famílias enfrentam situação de insegurança jurídica em todo o estado, sofrendo ameaças e execuções de despejos, mesmo exercendo posse pacífica e cumprindo a função social da terra na produção de alimentos.
Segue a Nota Pública.
Em Rondônia, Ação do MPF favorece mais de 300 famílias do acampamento Élcio Machado, que se encontram ameaçadas de despejo
A atuação do MPF, representado pelo Procurador da República, Dr. Raphael Beviláqua, foi decisiva para desmascarar as fraudes documentais e garantir que a discussão sobre o domínio da União sobre as terras públicas seja discutida pela Justiça Federal.
Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) em favor de agricultores familiares no município de Monte Negro (RO) ressalta a importância de garantir o cumprimento do Artigo 109, I da Constituição Federal de 1988, que estabelece a competência da Justiça Federal em casos envolvendo terras públicas ou de interesse da União.
No dia 12 de novembro de 2024, a 1ª Câmara Cível do TJRO ratificou, por unanimidade, o voto do relator, desembargador Rowilson Teixeira, no julgamento do Agravo de Instrumento – Processo N. 0800480-19.2024.8.22.0000 – interposto pelo Ministério Público Federal – MPF. A decisão reverteu a determinação anterior do juízo de 1º grau da Comarca de Ariquemes, que havia ordenado a reintegração de posse contra mais de 300 famílias de agricultores familiares, da área conhecida como Élcio Machado, desconsiderando a natureza pública da terra e a petição do MPF para transferir o caso à Justiça Federal.
O acórdão do TJRO marca um precedente fundamental na jurisprudência agrária, reafirmando que casos em que há envolvimento de terras públicas, com atuação de órgãos como o INCRA e o MPF, devem ser tratados no âmbito da Justiça Federal. A decisão também combate práticas de grilagem, um problema crônico em Rondônia, onde vastas áreas de terras públicas foram irregularmente apropriadas por latifundiários em uma das regiões com mais conflitos agrários e violência no campo de Rondônia.
A decisão do TJRO também reconhece a insegurança jurídica enfrentada por centenas de famílias que reivindicam o direito de permanecer em terras consolidadas, mas que, frequentemente, são alvos de ações possessórias em favor de grandes proprietários. A atuação do MPF, representado pelo Procurador da República, Dr. Raphael Beviláqua, foi decisiva para desmascarar as fraudes documentais e garantir que a discussão sobre o domínio da União sobre as terras públicas seja discutida pela Justiça Federal.
A decisão, de modo acertado, aplica o Artigo 109, I. da Constituição Federal de 1988, para fixar a competência da Justiça Federal em julgar matéria em que tenha interesse da União.
Infelizmente temos testemunhado e registrado com muita tristeza e indignação despejos de centenas de famílias por decisões proferidas em flagrante violação do que determina a Constituição acerca da competência, resultando em danos irreversíveis e irreparáveis do ponto de vista material, psicológico, traumatizando crianças, mulheres e idosos ante a violência que o despejo representa. Ademais, a defesa do patrimônio público contra a grilagem e em defesa da função social deste patrimônio é imperativo determinado pela Constituição Federal.
A maior parte de terras em disputa em Rondônia envolvem áreas públicas, muitas das quais teriam sido griladas por latifundiários, ou por detentores de títulos provisórios com cláusulas resolutivas não cumpridas. Muitas das atuais ações de reintegração de posse da Justiça Estadual de Rondônia envolvem situações semelhantes, donde os próprios juízes deveriam pedir à Justiça Federal para decidir sobre o assunto, antes de mandar despejar as famílias, que ocupam essas áreas em mais de duas décadas, exercendo posse pacífica e cumprindo a função social da terra ao torna-la produtiva, assim como contribuir com a segurança alimentar de várias famílias
A decisão confirma o interesse da União sob aquelas terras, tese que as famílias têm denunciado há muitos anos no Vale do Anari, assim como em várias outras regiões em Rondônia. Além de ter sido região palco de grandes conflitos de terra nas primeiras décadas deste século. Em Rondônia há numerosas áreas consolidadas, em terras públicas, e conflitos que se alastram por décadas, sem que as famílias de pequenos agricultores que ocuparam a terra consigam ver legalizadas a suas justas demandas. Situação agravada nos últimos anos, em que o desmantelamento e extinção dos órgãos responsáveis pela questão fundiária no Brasil.
Na área do Élcio Machado, cerca de trezentas famílias de pequenos agricultores ocupam a área há quinze anos, período em que, tiveram que enfrentar, inclusive o INCRA, que não mostrou interesse em regularizar a posse da área ou assentar os pequenos agricultores, vivendo numa permanente situação de insegurança jurídica. Os ocupantes sempre defenderam que a área era terra pública, que tinha sido grilada pelo latifundiário.
Ainda, as famílias acampadas desde o início tiveram que enfrentar pesados ataques de pistoleiros armados. O nome de Élcio Machado foi dado em homenagem a um camponês perseguido, cruelmente torturado e assassinado junto com Gilson Machado, dois camponeses da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), no dia 09 de dezembro de 2009. Os autores e mandantes dos crimes, supostamente capangas do fazendeiro, nunca foram responsabilizados nem julgados.
Em 29 de novembro de 2014, houve outro episódio de violência, quando desapareceu de forma suspeita um dos acampados: Luiz Carlos da Silva, 38 anos. Segundo a esposa da vítima, Luiz Carlos saiu para trabalhar em uma propriedade localizada na LC-25 e não voltou. Um grupo de posseiros realizou buscas e registrou um Boletim de Ocorrência Policial referente ao desaparecimento. Após três dias do sumiço o grupo fechou a BR-421 num protesto, conseguindo que buscas fossem realizadas pela polícia e pelos bombeiros, porém Luiz não foi localizado.
Nas audiências da mediação, INCRA tinha chegado a anunciar que o Imóvel Ubirajara tinha sido destacado legalmente do patrimônio público para o particular – 770ª reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência de 17 de dezembro de 2014 – e não podia ser desapropriado para reforma agrária, chegando-se a cogitar a compra-venda do imóvel pelo decreto 433/92.
Porém, em abril de 2018, no TRF1 um acórdão foi publicado no dia 11 de abril confirmando o que sempre os agricultores tinham informado: As terras públicas da Área do Élcio Machado tinham sido griladas pelo suposto proprietário, com notificação ao Cartório de Imóveis para cancelamento dos títulos, e notificação da Polícia para a retirada do grileiro.
Contudo, a ameaça de despejo se concretou novamente a inícios de 2024, após anos de ocupação pacífica e consolidada, por decisão de reintegração de posse da Comarca de Ariquemes, contra a qual os agricultores se mobilizaram intensamente, acampando frente ao fórum e conseguindo que o Ministério Público Federal e da Defensoria Pública do Estado de RO, por meio de seu Núcleo Especializado Agrário, pedisse o cancelamento da reintegração, e diante da negativa do juiz de reconhecer a competência federal, agravasse a decisão.
Ainda decisão do TJ/RO é considerada paradigmática, quebrando aquele entendimento que a discussão sobre a posse da terra não entra no mérito de propriedade. Em terra púbica ou da união, a decisão sobre a posse da terra não é mera competência da Justiça Estadual, mas depende do mérito da questão sobre o domínio ou propriedade da mesma, em lide que corresponde a esfera da Justiça Federal. Para além disso, qual seria o entendimento de posse do TJRO ao desconsiderar ocupações “pacíficas” e produtivas de mais de 15 ou 20 anos, e reconhecer posse de quem nunca ao menos plantou uma mandioca?
Neste sentido, celebramos esse alento na busca por justiça para as mais de 16 mil famílias que enfrentam a situação de insegurança jurídica em RO, pelo reconhecimento do Tribunal da aplicação da Constituição Federal e conclamação, seja aplicado a determinação da Norma Constitucional nas dezenas de outros processos possessórios que versam sobre terras públicas federais e que seguem em tramitação na justiça Estadual, com a atuação do INCRA via sua procuradoria especializada, do MPF e da Defensoria Pública do Estado e da União – DPU.
Comissão Pastoral da Terra Rondônia – CPT/RO
Ouvidoria-Geral Externa da DPE-RO
Com histórico de expulsões, invasões e incêndios criminosos a comunidade quilombola, pesqueira e vazanteira de Croatá (MG), luta pela regularização fundiária de seu território
Por Cláudia Pereira | Articulação das Pastorais do Campo
O segundo documentário da série 'Povos da Beira D'Água' aborda a luta da comunidade quilombola de Croatá, em Januária, Norte de Minas Gerais. Marcada por um histórico de violência e violações de direitos, desde a década de 1970, a comunidade sofre com expulsões, invasões e incêndios criminosos, instigados por latifundiários que forçam a expansão de suas propriedades. A chegada de grandes projetos e a especulação imobiliária na região intensificaram os conflitos, colocando em risco a vida e a cultura da comunidade que reafirma em suas lutas a identidade de quilombola, pesqueira e vazanteira.
O documentário produzido pela Articulação das pastorais do Campo (APC), que é composta pelas pastorais: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No ano de 2023 a comunicação da APC, que integra o coletivo de comunicadores das pastorais do campo, visitou a comunidade e produziu uma reportagem especial que destaca denúncias, consciência de identidade, preservação ambiental e sobretudo a luta pelo direito de ser e existir.
“Um documentário como esse é um instrumento importante. Precisamos denunciar aquilo que as comunidades estão vivendo e evidenciar as resistências das comunidades que lutam pelos seus direitos” ressaltou Thiago Valentim, secretário executivo da Articulação das Pastorais do Campo.
O segundo episódio da série ‘Povos da Beira D'Água' – Comunidade Croatá será publicado no dia 13 de dezembro às 19h no canal do YouTube da Articulação das Pastorais do Campo.
Margem do Rio São Francisco, comunidade de Croatá - MG - Foto| Cláudia Pereira - APC
Os moradores de Croatá já sofreram várias expulsões de suas próprias terras, sendo a última em 2022, quando foram pressionados a serem removidos por jagunços a serviço de um fazendeiro, com o apoio da Polícia Militar, devido a uma cheia do Rio São Francisco.
A comunidade preserva a sua ancestralidade que é enraizada às margens do Rio São Francisco e tenta manter viva a resistência com a nova geração. Além das cheias do rio, da qual sabem conviver, precisam lidar com a especulação imobiliária, incêndios criminosos e a exploração ilegal de madeiras.
A comunidade de Croatá, é certificada pela Fundação Palmares, mas sofre com a demora na garantia de seus direitos territoriais. Apesar de o processo de demarcação estar em andamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) desde 2018 e contar com laudo técnico e antropológico, a comunidade continua sendo alvo de violência e disputas judiciais com fazendeiros. A ineficiência do Estado em garantir a titulação das terras da comunidade quilombola, expõe a fragilidade da política de proteção aos povos tradicionais do Norte de Minas Gerais.
“O nosso rio, nós sabemos que ele, quando enche, ele vai ter que passar, agora, o que não admitimos é que o fazendeiro que chega dizendo que o território é dele, e quer passar, tomar e quer retirar aquele povo. Isso não admitimos”, afirma Maria das Dores.
Foto | João Vitor Rodrigues - SPM
A luta pela titulação do território quilombola de Croatá, foi iniciada em 2013 com o reconhecimento da área como bem da Secretária de Patrimônio da União (SPU). Desde então o território sofre com as perseguições do fazendeiro e latifundiário, dono de uma das redes de supermercados do estado de MG. O fazendeiro ampliou as cercas de suas propriedades nas terras que pertencem à União e nas áreas que são reconhecidas como quilombolas.
“Eu sou novo, mas desde criança estou nessa luta com a minha mãe. Já sofremos perigo, mas não baixamos a guarda. Temos que manter esse nosso sonho que é ter essa terra livre, natureza livre. Nós estamos lutando por eles, pelo que é nosso”, disse o jovem Kaio Souza bastante emocionado ao ser entrevistado.
Além dos incêndios criminosos a comunidade sofre com a retirada ilegal de madeira - foto: João Vitor Rodrigues
O documentário destaca a denúncia de incêndios criminosos e a exploração ilegal de madeiras, que nos últimos anos tem intensificado e os órgão ambientais não cumprem com a sua função, dando margem para a omissão do Estado. No segundo semestre deste ano (2024), a comunidade passou quatro dias combatendo incêndios sem o apoio do corpo de bombeiros da região, que alegou falta de viaturas para atender à ocorrência.
“A comunidade de Croatá está cercada pelos fazendeiros, pelo rio e pela especulação imobiliária. A comunidade está muito próxima da cidade e essa questão é um outro gargalo que a comunidade tem que superar. Nós quanto pastorais sociais nos unimos para enfrentar esses desafios e lutar pelo acesso à terra”, disse Jerre Sales, agente da Cáritas (MG).
Croatá, como outras comunidades tradicionais da região, conta com o apoio das pastorais do campo, entre elas o Conselho Pastoral de Pescadores e Pescadoras (CPP), Cáritas e todas as articulações de pastorais e organismos da igreja que caminham junto pela causa dos Povos e Comunidades Tradicionais.
A narrativa do filme é construída a partir dos depoimentos dos moradores das comunidades que vivem na coletividade e da produção agroecológica, respeitando o ciclo da natureza e preservando o Velho Chico, como denominam de forma carinhosa e respeitosa o Rio São Francisco.
É importante ressaltar que o laudo antropológico realizado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e a certificação da Fundação Palmares, a comunidade quilombola de Croatá possui provas irrefutáveis de sua ancestralidade e vínculo com a terra. No entanto, a falta de implementação das políticas públicas garantidas pela Constituição federal impede que a comunidade viva em seu território de forma livre e segura.
Realização: Articulação das Pastorais do Campo
Produção e Reportagem: Cláudia Pereira | APC e João Victor Rodrigues | SPM
Direção: Cláudia Pereira e Humberto Capucci
Edição e Finalização: Humberto Capucci
Trilha Sonora: Antônio Cardoso, Zé Pinto, André Souza e Ewerton Oliveira
Apoio: Misereor
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