Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra
Esta é uma das notícias mais difíceis e inesperadas de divulgar, mas é com lamento que informamos a Páscoa do nosso querido Canuto. "Agente pré-histórico da CPT", como tinha orgulho de falar, pois começou sua atuação antes mesmo do nascimento desta Pastoral, contribuindo para sua concepção, acompanhando toda a nossa caminhada, caminhando conosco até aqui.
Nascido no Rio Grande do Sul, foi na região de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, que a sua vida fez mais sentido como agente pastoral junto aos povos da terra, lutando ao lado de Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno e tantas outras pessoas pela justiça e contra a exploração do latifúndio, mesmo em meio ao período de maior recrudescimento da violência no campo no contexto da ditadura militar.
Dentre as suas armas de luta, seus símbolos eram a palavra, a caneta e a máquina de escrever, sucedida pelo computador. Um comunicador nato, que ao vir para a Secretaria Nacional da CPT, em Goiânia/GO, fortaleceu a Comunicação da instituição, com o jornal Pastoral da Terra e em diversos outros materiais de formação. Guardião das memórias, das causas em defesa da Vida, das lutas e resistências de gente empobrecida pela ganância do capital. Homem prático, do fazer, do estar junto, do sistematizar para as memórias da caminhada serem revisitadas e fortalecerem as lutas.
É inesperada esta notícia, pelo seu perfil tão ativo e animador, mesmo com as dificuldades trazidas pela idade de mais de 80 anos. Seja escrevendo biografias, seja analisando dados de conflitos no campo, contribuindo com materiais e momentos de formação, participando das celebrações, romarias e onde mais podia estar presente, foi alguém que pregava e profetizava a missão da CPT, que viveu a CPT em sua vida, palavras e atitudes, com toda alegria, bom humor e voz forte, que eram suas características.
Já sentimos a dor da sua falta em nossa caminhada, mas sua memória é luz que segue iluminando nossos caminhos. E encerramos com o relato da equipe do Curso de Verão, que você tanto incentivou:
CANUTO!
O que dizer de você, nessa hora?
Irmão-Companheiro, fiel ao Projeto de Jesus até “debaixo d’água”, teimoso, parceiro, inquieto, apressado, presença forte, voz marcante, solidário, esperançoso e ....
Menino ainda e de cabelos da cor da paz...
De passos largos... Menino nas peraltices, na teimosia e na coragem... Pássaro livre, de asas longas e de voos altos... De olhar profundo, como quem busca enxergar para além do que está posto...
Mirou o horizonte, sentiu o sopro da Divina Huah e, nele, escutou o chamado do Ressuscitado e, como numa sinfonia de vozes, ouviu o murmúrio de Tomás, de Pedro e de tantos outros...
E para não se prender, não olhou para trás... Bateu suas longas asas e foi...Vá em paz!
💜 O velório de Canuto será na Igreja São Judas Tadeu. Rua 242, n. 100. Setor Coimbra, Goiânia/GO, a partir das 15 horas.
✝️ Seu corpo será levado para onde sempre esteve em mente e coração: Santa Terezinha, prelazia de São Félix do Araguaia/MT.
Retomada do povo Guarani Kaiowá na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS). Crédito: Ludmila Pereira - Agro é Fogo
Nesta segunda-feira (02/12), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publica os dados parciais dos conflitos no campo brasileiro, registrados ao longo do 1º semestre de 2024 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc).
O semestre apresentou menos vítimas da violência no campo em relação ao mesmo período no último ano, mas a conflitividade continua elevada, somada aos danos sofridos pelas comunidades rurais devido à crise climática e aos incêndios criminosos em seus territórios. Ao todo, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos no campo, sendo 872 conflitos pela terra, 125 conflitos pela água e 59 casos registrados de trabalho escravo.
Conflitos pela Terra
Houve uma pequena redução no número de conflitos pela terra (872) em comparação ao mesmo período de 2023, quando foram contabilizadas 938 ocorrências, mas os números revelam o retrato de uma realidade ainda grave, de altos índices de violência. A maioria foi de violências contra a ocupação e a posse (824), frente às 48 ações de resistência (ocupações, retomadas e acampamentos).
Conflito no Seringal Novo Natal, próximo à divisa entre os estados do Acre e Amazonas. Crédito: imagens da comunidade
Formas de violência como grilagem, invasão, omissão/conivência e pistolagem, apresentaram reduções no primeiro semestre de 2024, além do número de expulsões concretizadas (de 15 para 9). Contudo, houve aumento das ocorrências de ameaça de expulsão, que passaram de 44, em 2023, para 77, em 2024. No caso das ocorrências de pistolagem, mesmo com a redução significativa de 150 para 88, este é o segundo maior registro da última década, atrás apenas de 2023, quando ocorreu o número recorde dessa violência.
A violência decorrente da contaminação por agrotóxicos teve um crescimento alarmante, passando de 19 ocorrências em 2023 para 182 em 2024. A maior parte desses casos (156) ocorreu no estado do Maranhão, onde comunidades estão sofrendo severas consequências da pulverização aérea de veneno. Este tipo de violência, em específico, está inserido nos conflitos pela terra, pela água e na violência contra a pessoa.
Retomada do povo Guarani Kaiowá na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS). Crédito: Ludmila Pereira - Agro é Fogo
Quanto às maiores vítimas dos conflitos por terra, diferente do primeiro semestre de 2023, quando os povos indígenas foram os principais alvos de violência, os posseiros (famílias moradoras de comunidades tradicionais, mas ainda não têm a titulação da terra) ocupam o primeiro lugar (235) em 2024. Indígenas vêm em segundo (220), seguidos por quilombolas (116) e sem-terra (92). Quanto aos maiores causadores dessas violências, pelo segundo ano consecutivo, os fazendeiros lideram em 339 conflitos, seguidos por empresários (137), governo federal (88) e estaduais (44) e grileiros (33).
Conflitos pela Água
No primeiro semestre de 2024, foram registradas 125 ocorrências de Conflito pela Água, representando o 3° maior número de casos do primeiro semestre nos últimos 5 anos. Os principais tipos de violência no eixo Água são de “Uso e preservação” e “Barragens e Açudes”. Entre as situações de conflitos registradas, o “Não cumprimento de procedimentos legais” (de 33, em 2023, para 45 ocorrências em 2024), “Contaminação por agrotóxicos” (16 para 31) e “Destruição e/ou poluição” (24 para 29) são as que mais cresceram em relação ao ano anterior.
As principais vítimas dos conflitos pela água foram os povos indígenas, presentes em 35 casos registrados, seguidos respectivamente por quilombolas (24), posseiros (21), ribeirinhos (18) e pescadores (13). Já na categoria de Agente Causador, estão empresários (32), fazendeiros (26), hidrelétricas (23), mineradoras (19) e o Governo Federal (8), por meio de órgãos públicos que não cumprem procedimentos legais de garantia de políticas públicas aos povos e comunidades.
Trabalho Escravo
A partir dos dados compilados juntamente com a Campanha da CPT "De Olho Aberto para Não Virar Escravo", no primeiro semestre de 2024, percebe-se que houve uma redução significativa no número de casos de trabalho escravo e trabalhadores resgatados, após três anos consecutivos de crescimento. Nesse período, foram registrados 59 casos e 441 trabalhadores rurais resgatados, contra 98 casos e 1.395 pessoas resgatadas em 2023.
Pelo segundo ano consecutivo, Minas Gerais foi o estado com o maior número de casos de trabalho escravo no primeiro semestre do ano (20). Entretanto, o Amazonas liderou em relação ao número de trabalhadores libertados, com um total de 100 pessoas encontradas em condições análogas à escravidão em áreas de desmatamento e garimpo. As atividades com maior concentração de trabalhadores resgatados continuaram sendo de lavouras permanentes (209 pessoas), seguida do desmatamento (75), mineração (70), produção de carvão vegetal (44) e a pecuária (39), demonstrando a grande contribuição do agronegócio e da mineração para a perpetuação do trabalho análogo à escravidão.
É importante ressaltar que os números divulgados refletem apenas uma parte dos casos ocorridos em 2024, pois os dados só são consolidados após tramitação e validação pelos órgãos de fiscalização competentes.
Violência contra a pessoa
O primeiro semestre de 2024 foi marcado por uma redução no número de vítimas de violência contra a pessoa: 417 pessoas foram vítimas de violência em 216 ocorrências, quando no ano de 2023 foram 306 ações violentas, resultando em 840 vítimas, mais que o dobro deste ano.
Dentre as vítimas da violência, 65 são mulheres. O número pode ser maior, uma vez que, em muitos registros de violências sofridas de forma coletiva pelas comunidades, não são contabilizadas as vítimas a partir do gênero.
As principais violências contra a pessoa são as ameaças de morte (114), intimidação (112) e criminalização (70). Quando o recorte é de gênero, as mulheres são vítimas principalmente de intimidação, criminalização e ameaça de morte, mas também de outras violências que marcam o corpo feminino, tal como o aborto, que continuam sendo registradas. Não há registros de estupro no primeiro semestre de 2024, mas é importante lembrar da subnotificação desses casos, não só em contexto de conflitos no campo.
Os estados com mais registros de vítimas de violência contra a pessoa no primeiro semestre de 2024 foram Pará, Maranhão e Bahia. Quanto às mulheres vítimas de violência no campo, os maiores registros vêm do Pará, Maranhão e Mato Grosso.
Assassinatos
Houve uma diminuição no número de vítimas de assassinatos, sendo 6 no primeiro semestre, e 11 confirmados até o final de novembro. Destes, quase metade dos assassinatos foram cometidos por fazendeiros.
Dentre o total de vítimas deste tipo de violência extrema, foram 10 homens e 1 mulher, a liderança indígena Nega Pataxó. No dia 21 de janeiro de 2024, Nega Pataxó foi vítima da ação coordenada pelo grupo de ruralistas autodenominado “Invasão Zero”, denotando que, apesar da queda do número de assassinatos, 2024 se mostra um ano extremamente violento contra as comunidades e povos do campo por todo o país.
Apesar da redução no número total de assassinatos, até o fim de novembro, observa-se um aumento no número de casos nos estados do Pará, Santa Catarina e Tocantins. Em contrapartida, destacam-se, Amazonas, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Roraima e Rio Grande do Sul, que registraram ocorrências de assassinatos em contexto de conflitos no campo em 2023, mas que, em 2024, até o mês de novembro, não registraram nenhum assassinato.
Em 4 dos casos de assassinatos de 2024, registrados até novembro (todos os 4 sob responsabilidade de fazendeiros), forças policiais atuaram como executoras ou apoiadoras aos executores. Além disso, 1 assassinato foi executado por um ex-policial militar, atuando enquanto segurança particular de um empresário, que comandou o crime.
Até o mês de novembro, de 20 possíveis casos de assassinatos averiguados pelo Cedoc e agentes pastorais, 9 casos (45%) ainda estão em análise. A dificuldade de se confirmar tais casos também é um reflexo da morosidade do Estado em investigar e punir os responsáveis.
Áreas de fronteira agrícola
Apesar das quedas nos índices de conflitos em âmbito nacional, houve aumento nos conflitos pela terra nas três principais regiões de avanço do agronegócio ao redor da Amazônia (Amacro, Matopiba e Amazônia Legal). Nos conflitos pela água, houve manutenção no número dos conflitos na Amacro e aumento nas outras duas regiões.
As formas de violência contra pessoas mais frequentes nas três regiões são:
Amazônia Legal: Foram registrados 77 casos de Intimidação, 68 ocorrências de Criminalização e 30 pessoas diretamente afetadas por Contaminação por Agrotóxicos. Esta região concentra 7 dos 11 assassinatos em todo o país.
Amacro: A região apresenta 10 pessoas Ameaçadas de Morte, 9 casos de Criminalização e 7 episódios de Intimidação.
Matopiba: Mantendo a tendência de violência contra pessoas, a região registrou 42 Ameaças de Morte, 13 casos de Criminalização e 4 episódios de Intimidação.
A região do Matopiba – fronteira de expansão principalmente da soja nas divisas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – registrou um aumento em diversas formas de violência em comparação ao mesmo período de 2023. Neste ano, o desmatamento ilegal apresentou um crescimento de 16,67%, a destruição de roçados aumentou em 30%, as ameaças de despejo subiram 60%, enquanto as ameaças de expulsão registraram um aumento expressivo de 150%. Nesta região, também houve aumento na quantidade de vítimas da violência contra a pessoa, num movimento contrário ao analisado na Amacro e Amazônia Legal.
Crise Climática
Mesmo sendo computados como dados qualitativos, que não se somam à violência no campo, os impactos da crise climática foram sentidos pelas comunidades camponesas, quilombolas e indígenas, o que levou a equipe do Centro de Documentação a elaborar três dossiês: sobre as enchentes na região Sul; as secas na Amazônia; e os incêndios em todo o país.
No Rio Grande do Sul, estado atingido por fortes chuvas e inundações entre os meses de abril e maio, ao menos 5 assentamentos ficaram submersos e mais de 300 famílias camponesas foram afetadas, tanto pela chuva quanto pela perda das produções agroecológicas e animais. Cerca de 145 comunidades quilombolas foram impactadas em 70 municípios, afetando mais de 17 mil pessoas. Nas comunidades indígenas, mais de 9 aldeias do povo Guarani ficaram em situação crítica.
Diante dos impactos da enchente, houve muitas ações de solidariedade. Movimentos como o MST e a Missão Sementes de Solidariedade (organizada pela Cáritas e mais de 20 organizações, incluindo a CPT), protagonizaram também doações de sementes, mudas, alimentos e outros itens de necessidade básica para as famílias atingidas no campo e na cidade.
Em contrapartida às enchentes no Rio Grande do Sul, no Norte do país, são as secas dos rios que têm causado severos impactos às comunidades, sobretudo ribeirinhas e indígenas. No Acre, o começo do ano veio com fortes chuvas e um alagamento que levou flutuantes para países vizinhos, provocando impactos nas comunidades locais. Poucos meses depois, a situação se inverteu drasticamente, e não só o estado, mas toda a região passou a enfrentar as secas dos rios, acompanhadas dos incêndios criminosos e desmatamentos, prejudicando a navegação, a produção de alimentos, a pesca e a saúde das populações, dentre outros danos. Infelizmente, esta é uma tendência que se prolonga também para o segundo semestre.
Foram 100 casos de desmatamento ilegal, dos quais 76% dos registros ocorreram na Amazônia Legal, sendo as comunidades indígenas as que mais sofreram com a devastação do fogo. O estado com maior registro de desmatamento é o Amazonas com 19 ocorrências, seguido por Pará, com 17; Maranhão, com 14 e Rondônia, com 12. As principais vítimas, não apenas nessa região, são comunidades indígenas, seguidas por quilombolas e extrativistas. Ao todo, 37% dos casos de desmatamento ilegal registrados foram em territórios indígenas.
Quanto aos incêndios criminosos, foram identificados 20 casos. Diferente de anos anteriores, em que houve grande dificuldade de se identificar os agentes causadores, no primeiro semestre de 2024, 85% foram identificados, sendo metade dos incêndios criminosos causados por fazendeiros. Os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas também denunciam a atuação do Estado, que em suas diferentes esferas é também responsável pelos cenários da violência aliada à destruição ambiental. Os grandes empreendimentos, sejam eles para exploração de minério, petróleo e gás, geração de energia ou escoamento de commodities, são responsáveis por uma parcela considerável dos conflitos, vide o número de violências relacionadas não só à ausência de consulta prévia nos territórios, como a diversos outros impactos dessas atividades.
“Neste ano de 2024, estamos sofrendo muito com as mudanças climáticas em nosso território. Além dos incêndios, os rios estão secos, as pessoas estão sem água. Em alguns locais, o rio é uma lama de tanta destruição com o garimpo. O rio Marupá secou, os rios estão secando mais do que todos os limites de antes. Precisamos lutar por água potável para nosso povo e condições de vida, mesmo com as mudanças climáticas.” (Relato do povo Munduruku no Alto Tapajós/PA)
Manifestações
No primeiro semestre de 2024, foram registradas 295 manifestações de luta, representando o menor número do primeiro semestre na última década. Contudo, apesar da redução no número de manifestações, o volume de participantes aumentou, passando de 53.793 pessoas em 2023 para 74.236 em 2024. Assim, é possível afirmar que, após o pico de manifestações registrado em 2021, os anos subsequentes apresentam uma tendência de diminuição no número total de manifestações por todo o país.
Metodologia
Os dados do 1º semestre servem como instrumento de avaliação das tendências possíveis dos conflitos no campo no ano em curso e servem para contribuir com as análises presentes no relatório anual “Conflitos no Campo Brasil", a ser lançado no mês de abril de 2025. Os levantamentos são realizados com base nas fontes coletadas pelas/os agentes da CPT em todo o Brasil e também as fontes coletadas por meio da clipagem junto à imprensa em geral, bem como em divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras da CPT ao longo do ano.
Vale ressaltar que o conceito de conflito para a CPT não é sinônimo de violência. Seguindo o próprio fundamento teológico da tarefa de documentar, o conflito compreende um contexto de disputa, presente no cotidiano, que inclui também as ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos, na luta pela terra, pela água, direitos e pelos meios de trabalho ou produção.
Ontem, 28, famílias do assentamento Paulo Canapum, situado na Chapada do Apodi, Rio Grande do Norte, receberam a visita de representantes do Governo do Quênia, país do leste da África, que vieram ao Brasil para conhecer as experiências de agricultura camponesa e familiar que contribuem para a alimentação escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
A atividade foi proporcionada pela Organizações das Nações Unidas (ONU) ao governo queniano pois o país pretende consolidar uma política de alimentação escolar associada à compra da agricultura familiar e camponesa, com o plano de atingir 10 milhões de estudantes até 2030. Durante a visita, a delegação queniana, composta por cinco ministros de Estado e outros representantes, conheceu a produção de alimentos agroecológicos da comunidade e as diversas tecnologias sociais de convivência com o semiárido implementadas pelas famílias, como os fogões ecológicos, os canteiros econômicos, o sistema de reuso de água, a criação de animais de pequeno porte e a geração de energia renovável descentralizada.
Antônio Nilton, agente pastoral da CPT no Rio Grande do Norte, avaliou a visita de forma muito positiva. “A comitiva conheceu as tecnologias de convivência com o semiárido implementadas pelas famílias que fornecem alimentação ao PNAE. Além disso, a escolha da comunidade como um exemplo a ser conhecido pelo Quênia demonstra a relevância do trabalho desenvolvido pelos agricultores e agricultoras com o apoio da CPT. Essa visita gerou uma grande repercussão no estado”, afirmou.
A visita foi coordenada pela Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte e contou com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi. Além da visita no assentamento Paulo Canapum, a comitiva também conheceu escolas do campo, cooperativas e outras localidades no estado.
A comunidade Paulo Canapum é formada por 30 famílias camponesas que vivem no local desde 2000, quando o imóvel, antes improdutivo, foi desapropriado para fins de Reforma Agrária. De lá para cá, com o apoio da CPT, as agricultoras e agricultores da comunidade se consolidaram como um exemplo de produção camponesa agroecológica, preservação do bioma Caatinga e implementação de experiências de convivência com o semiárido.
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), com informações da CPT Regional Amapá
A CPT Regional Amapá emitiu Nota de Repúdio diante da violência no campo no Estado, que vitimou fatalmente o trabalhador Antônio Candeia Oliveira, conhecido como “Maranhão”, de 72 anos. O idoso foi assassinado na tarde do último sábado (23), em uma fazenda no município de Amapá, localizado a 310 km da capital Macapá, em meio a uma discussão por terras.
O crime foi registrado em vídeo e infelizmente compartilhado nas redes sociais. Mesmo com o inquérito policial ainda no início, o empresário Francisco Canindé, marido da prefeita eleita Kelly Lobato (União Brasil), foi preso em flagrante acusado de ser o mandante do homicídio, após se apresentar à delegacia. Apontado como executor, o ex-militar Antônio Carlos Lima de Araújo se entregou na delegacia de Macapá, acompanhado de quatro advogados.
O delegado responsável pelo caso, Stephano Dagher, acredita que o crime pode ter sido premeditado pelo grupo, que teria provocado a vítima para justificar uma reação violenta e alegar legítima defesa.
“Há algum tempo, a CPT vem denunciando que a falta de política de reforma agrária do Estado do Amapá poderia levar a episódios cada vez mais frequentes de violência, e nas suas extremas consequências à perda de vidas humanas. E agora mais uma vez aconteceu o atentado contra a vida, que é o dom maior concedido por Deus”, afirma um trecho da carta.
Confira o texto completo:
NOTA DE REPÚDIO
Trinta anos após o assassinato da família Magave no lugar conhecido como "Pacas", o município de Amapá é atingido por outro fato de violência no campo que levou à morte de um senhor conhecido pelo apelido de Maranhão. O Regional Amapá da Comissão Pastoral da Terra (CPT) repudia, veementemente, esse ato de violência praticado por um militar da reserva na tarde do último sábado, 23 de novembro de 2024, no município de Amapá (AP). O inquérito policial está apenas no início, mas tudo indica haver participação no assassinato de um empresário que não tem necessidade alguma de se apropriar de terra pública para própria subsistência.
Há algum tempo a CPT vem denunciando que a falta de política de reforma agrária do Estado do Amapá poderia levar a episódios cada vez mais frequentes de violência e nas suas extremas consequências a perda de vidas humanas. E agora mais uma vez aconteceu o atentado contra a vida que é o dom maior concedido por Deus.
É com frequência também que a CPT efetua denúncias as autoridades competentes a aplicação em todo o Estado de forças policiais efetivas e da reserva por parte de empresários para coagir simples e pobres moradores do campo. Embora seja um pequeno quantitativo que se dispõe a tais coerções, não deixa de ser preocupante apesar de o Estado permanecer omisso em muitas das denúncias realizadas pela CPT a tais atos.
A frieza e a covardia empregadas pelo assassino nos causam profunda indignação e reforçam um quadro já anunciado de agravamento da violência no campo amapaense. O nosso povo tem sofrido, cada vez mais, com diversas práticas violentas, incluindo constantes ameaças de morte, agressões, destruição de casas e roçados, além de despejos judiciais fundamentados em decisões questionáveis, que visam atender aos interesses privados de empresas e famílias com poder político e financeiro.
Neste momento de dor e indignação, a CPT manifesta sua solidariedade à família enlutada e conclama a sociedade a repudiar este ato bárbaro e cobrar das autoridades competentes que o crime seja rigorosamente apurado e que os culpados sejam punidos com o rigor da lei.
Macapá (AP), 25 de novembro de 2024.
Comissão Pastoral da Terra Regional Amapá
Salmos 103:6
"O SENHOR faz justiça e juízo a todos os oprimidos"
Venho aqui socializar algumas reflexões sobre o Projeto de Lei 182 (disponível neste link), que trata do Sistema Brasileiro de Comercialização de Emissões (SBCE) e que cria um mercado de carbono regulado no Brasil, na tentativa de precificar as emissões dos gases de efeitos estufa que intensificam o aquecimento global. Assim, primeiramente recomendo a leitura da ótima matéria da Agência Pública intitulada Brasil aprova mercado regulado de carbono; saiba como ele deve funcionar, assinada pela jornalista Isabel Seta (disponível neste link), que apresenta um resumo muito interessante do tema.
Gostaria de contribuir com esse momento de discussões sobre a regulação o mercado de emissões. Tenho algumas ressalvas sobre o PL:
1️⃣ Acho estranho que não seja citado no texto do PL a Lei 14.119, que trata da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e que traz importantes amarrações para salvaguardas, obrigatoriedades sobre métricas e respeito a outros sistemas nacionais importantes como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
2️⃣ O Plano Anual de Alocação previsto no PL precisa também ter suas versões nas discussões subnacionais: não é possível que o Estado do Pará apresente seu quadro de venda de créditos de carbono sem discutir com a sociedade, sem apresentar (agora entendendo que há possibilidade) de um Plano Estadual de Alocação.
3️⃣ No caso de comunidades de povos indígenas e de povos e comunidades tradicionais (artigo 47), onde o consentimento resultante de consulta livre, prévia e informada (CPLI), prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) será custeado pelo desenvolvedor interessado, percebo uma possibilidade de fragilização futura de direitos. Entendo que apesar de garantidas a supervisão dos ministérios públicos federal e estadual, Funai e Câmara Temática de Povos e Comunidades Tradicionais, o texto precisava ser contundente sobre as metodologias a serem utilizadas, uma vez que a consulta é um ato da comunidade. Desenvolvedores interessados podem pagar e interferir nas metodologias de CPLI? Como membro de vários grupos técnicos que atuam junto a comunidades tradicionais, recomendo que fiquemos alertas às tentativas de "diluição" da voz e vez das comunidades.
4️⃣ O tratamento dado a mercado voluntário, diferenciando-o de mercado privado na prática não existe; acompanho desde 2018 os controversos projetos de carbono na região do Marajó e vejo que esse "voluntariado" age aproveitando-se de comunidades e famílias que sofrem forte pressão econômica e social.
5️⃣ Espero que o comitê técnico consultivo permanente (artigo 8), conte com a participação de profissionais e cientistas com experiência em projetos e estudos em diversos biomas brasileiros de proteção da floresta e apoio a comunidades tradicionais e povos indígenas. A atuação desse comitê nas elaborações sobre mensurações e índices será fundamental para evitar o predomínio de valorações advindas dos mercados especulativos e de grandes conglomerados. O governo do Pará, por exemplo, aceitou sem debater no campo da ciência o valor de 15 dólares / tonelada de carbono indicada pela Coalização Leaf, formado por EUA, Reino Unido Noruega e mega corporações como Amazon, Bayer, Nestlé. Nesta relação público-privada, qual é o potencial de endividamento de estados e municípios em nome do clima?
Não resta dúvida que a futura lei que irá instituir o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) é um avanço em uma área sombria que avançava na Amazônia tal qual uma nau europeia de 1500. Até então o comando estava no capital especulativo, suspeitíssimo em evadir divisas e com alto poder de expropriação de territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Sinceramente compreendo que o Estado Brasileiro deve liderar de fato a discussão mas sei que haverão orquestrações para que o sistema criado seja liderado pelo capitalismo de carbono ou sua forma híbrida envolvendo estados nacionais e subnacionais. Cabe a nós estarmos atentos e cobrar que os recursos econômicos de origem pública sejam maiores do que aqueles vindos dos projetos privados/voluntários de carbono, pois é sim temerária a possibilidade de perdas sistemáticas de direitos. É imprescindível monitorar junto às instâncias previstas no SBCE os casos de abusos ambientais, econômicos, sociais e intergeracionais.
Aproveitando, envio os seguintes textos que publicamos sobre os mercados de carbono:
✅ Sobre os projetos de carbono na Amazônia: por que contratos que duram uma geração? / Boletim de dezembro de 2023 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, disponível neste link;
✅ O mercado de carbono e os impactos negativos sobre as comunidades do campo / Comissão Pastoral da Terra / Caderno Conflitos no Campo Brasil 2023, disponível neste link;
✅ O caso da comercialização de créditos de carbono em Portel, Marajó, Pará - disponível neste link (uma versão deste artigo com mais profundidade sobre o tema está sob avaliação da Revista Científica Estudos Interdisciplinares).
A paz é filha da justiça, filha da justiça climática.
Forte abraço.
(*) Carlos Augusto Pantoja Ramos é Engenheiro Florestal, Mestre em Ciências Florestais; Doutorando do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF) da Universidade Federal do Pará; Membro do Coletivo Campesino Amazônico – COCA e do Grupo de Trabalho Amazônico - GTA. É colaborador voluntário da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Marajó e da Federação dos Trabalhadores Agricultores e Agricultoras Familiares no Estado do Pará - FETAGRI no Marajó. Estuda os mercados de carbono desde 2018.
Por Flavia Horta / ASCOM Arquidiocese de Manaus Colaboração e Fotos: CPT Regional Amazonas
De 15 a 17 de novembro, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizou uma formação com o tema ‘Juristas Populares’ para agentes de base e lideranças dos estados do Amazonas, Roraima e Amapá com o objetivo de fortalecer a articulação junto os órgãos de defesa como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública Estadual (DPE) a Defensoria Pública da União (DPU) e entidades parceiras na construção de estratégias de defesa dos territórios e das comunidades.
A formação contou com o apoio de Fernando Merloto, Defensor Público do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF); Eduardo Sanches, procurador da República do Ministério Público Federal (MPF); Ronilson Costa (da Coordenação Nacional da CPT); Afonso Chagas, professor universitário de Rondônia; e assessoria de Maika Muller.
De acordo com Luís Xavier, coordenação CPT Amazonas, o curso teve como finalidade fortalecer o conhecimento técnico sobre organização social: “O curso nos preparou para elaborar, encaminhar e acompanhar a denúncia e a Justiça. Aprendemos sobre o direitos das comunidades e o direito de cada cidadão como objetivo fomentar essa multiplicação desse conhecimento na base, no assentamento onde o povo está inserido e que já sofreu ataques e agressões, seja por crime ambiental, violência contra pessoa ou ameaça de morte. A mulher também teve destaque na questão do ‘Direito da Mulher’ de se proteger."
"A ideia é manter esse curso permanente no processo de formação dos agentes da Pastoral da Terra, até porque as legislações mudam, os conceitos mudam e por isso deve ser contínuo e constante que o agente do ‘CPT’ tenha formação”, concluiu Luís Xavier.