Por Josep Iborra Plans (CPT Rondônia)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Moradores do Seringal Belmont, ocupação Terra Santa, situado nas proximidades da Estrada do Penal, em Porto Velho (RO), relataram para a Comissão Pastoral da Terra que, na noite do dia 07 de outubro, foi assassinado por conflito no campo o trabalhador João Teixeira de Souza, que estava sendo ameaçado por motivo de sofrer a invasão de um lote de terra no local.
O crime aconteceu no distrito de Nova Dimensão, no município de Nova Mamoré, vizinho a Porto Velho. Segundo informações do site Guajará Notícias, João Teixeira de Souza era conhecido popularmente como “João da Van”, por ter prestado serviço de transporte de passageiros com uma van por muitos anos, e era uma figura bastante conhecida na comunidade. Ele foi assassinado com disparos de arma de fogo calibre 12, que provocaram morte instantânea. “O crime aconteceu por volta das 20h, e, segundo testemunhas, após ouvirem os estampidos dos tiros, dois homens foram vistos saindo do local com uma arma de fogo em punho”. Porém nenhum suspeito teria sido preso até o momento, e o crime está sendo investigado pela Delegacia da Polícia Civil de Nova Mamoré.
Informações repassadas pelos vizinhos da ocupação Terra Santa, relataram que João Teixeira estava sendo ameaçado por invasores do seu lote na Gleba Seringal Belmont, e ele teria tentado negociar com eles, existindo a suspeita que estes o tenham assassinado posteriormente.
2020: O Seringal Belmont é uma gleba de terra pública que está sofrendo conflitos há cerca de quatro anos. As famílias de posseiros, que ocupavam o local desde 2014, sofreram um despejo em 2020, em plena pandemia. Quando conseguiram se defender e demostrar que eram posseiros antigos numa área de terra pública, a ordem de reintegração foi suspensa pela mesma magistrada que tinha ordenado a reintegração.
2022: Quando retornaram ao local, em agosto de 2022, os trabalhadores foram atacados por um grupo de jagunços encapuzados, que queimaram a única moradia que tinha restado em pé. As outras foram derrubadas e cobertas de terra. Posteriormente, de forma arbitrária, a Polícia Militar de novo os expulsou e acamparam frente ao Incra de Porto Velho, onde permaneceram por muitos meses em situação muito precária.
2023: Após a autarquia reconhecer o carácter duvidoso dos documentos apresentados pela empresa imobiliária que os expulsou, e suspender o georreferenciamento do local, eles acamparam na frente do Parque Natural de Porto Velho, situado nas proximidades da área de suas posses. Diante da extrema vulnerabilidade dos acampados e das informações fundiárias da área em disputa, que o INCRA reivindica há anos como terra pública, a pedido da Defensoria Pública do Estado, o Judiciário de 1º Grau determinou retorno deles no local de origem. Porém, os oficiais de justiça por duas vezes descumpriram a ordem judicial, dando tempo a ser revogada em decisão monocrática em segunda instância, sem que até agora tenha sido examinada pelo plenário de desembargadores da Justiça Estadual.
A demora judicial motivou o grupo a ocupar as áreas de terra pública contíguas ao terreno disputado pelos antigos posseiros do Seringal Belmont, numa área denominada Terra Santa, na Estrada do Penal.
2024: Atualmente existe a suspeita que o conflito tenha sido provocado por milícias armadas, as mesmas que já tinham provocado tensões no local. Outras lideranças do local também tinham sido gravemente ameaçadas com antecedência e estão incluídas no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Este é o primeiro assassinato de camponeses que registra a Comissão Pastoral da Terra de Rondônia no estado em 2024. Esperamos que ele seja esclarecido, e os algozes do assassinato de João Teixeira de Souza e os mandantes dos mesmos sejam devidamente identificados e responsabilizados por este crime.
Confira também:
13.10.2023: Após decisão judicial, famílias ainda lutam para voltarem a ocupar o acampamento Seringal Belmont (RO)
15.02.2024: Policiais invadem e ameaçam famílias acampadas em Rondônia
18.03.2024: Pistoleiros ameaçam famílias do Acampamento Terra Santa em Porto Velho (RO)
Por Instituto José Cláudio e Maria
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Nesta segunda-feira (14), movimentos sociais de Marabá/PA emitiram uma Nota em que pedem esclarecimento do governo do Estado do Pará e demais autoridades a respeito do assassinato de trabalhadores acampados na fazenda Mutamba, durante a operação Fortis Status, deflagrada pela Policia Civil de Marabá/PA na sexta-feira (11), às 04h da manhã.
Mesmo com a declaração do encerramento da operação, a situação continua tensa na região. Viaturas da polícia permanecem no local e um helicóptero da própria Segurança Pública do Estado sobrevoa o território, intimidando os acampados ao apontar armas e câmeras para as casas.
Trabalhadores e trabalhadoras seguem recuados sob um barracão de palhas com diversas redes atadas. Entre as famílias, há crianças, mulheres e idosos. A Ouvidoria Agrária Nacional do MDA esteve no acampamento durante o sábado (12), e colheu depoimentos de vítimas e testemunhas da operação, para exigir respostas e ações dos órgãos competentes.
Mesmo com a polícia no local, relatos falam que os pistoleiros da fazenda, chamados pelos policiais de “guarda armada”, seguem circulando livremente do território.
Na manhã do domingo (13), aconteceu a audiência de custodia dos 4 presos, sendo 2 deles defendidos pela Defensoria Pública e os outros dois por advogados particulares. A Comissão Pastoral da Terra segue acompanhando o caso dos assassinatos e dos feridos, junto com representantes do Incra, como a OAB, Incra, Comissão Estadual de Direitos Humanos do Pará (CEDH-PA) e o Instituto José Cláudio e Maria.
A operação tem ligação com denúncias de crime ambiental supostamente cometidos pela Associação Rural Terra Prometida, de venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes, o que não foi comprovado nem encontrado na chegada das dezenas de policiais em várias viaturas e dois helicópteros.
Todo este movimento aterrorizou os trabalhadores quando ainda estavam dormindo, e deixou, além do saldo de dois mortos, diversos feridos. Na tarde da sexta-feira (11), dois corpos foram reconhecidos no IML de Marabá, como sendo de Adão Rodrigues de Sousa (52 anos) e Edson Silva e Silva (44). Relatos afirmam que Adão foi morto dentro de sua rede enquanto dormia.
Além dos assassinatos, os trabalhadores contam que foram torturados, enforcados e humilhados, recebendo ferimentos a bala e violência psicológica. Quatro deles foram presos. A presença de drones e de um helicóptero também aterrorizou a comunidade, o que refuta a versão policial em diversos pontos, como a de que houve embate com os trabalhadores, e de que estes receberam a polícia “fortemente armados”.
A informação de 5 mortos segue sem confirmação, pois os moradores falam do desaparecimento de um companheiro conhecido como “Cuca”. Bens e documentos pessoais de diversos trabalhadores também foram apreendidos, na informação de que serão devolvidos nesta terça-feira (15), com exceção dos telefones celulares.
As vítimas de tortura e ferimentos de bala relatam a truculência com a qual foram tratados durante a operação e dizem que os policiais chegaram encapuzados, armados e sem identificação. Ainda acrescentam que os policiais chegaram a pé em um barracão do acampamento, deixando a viatura no meio da estrada, e um deles estaria com uma espingarda de não uso policial.
Baixe a nota também neste link.
NOTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE OS ASSASSINATOS DE TRABALHADORES NA FAZENDA MUTAMBA EM MARABÁ
Adão Rodrigues de Sousa, 53 anos, casado, pai de 05 filhos e, Edson Silva e Silva, foram assassinados na madrugada da última sexta-feira, por policiais civis da Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá, chefiado pelo delegado titular, Antônio Mororó. De acordo com as apurações feitas pelas entidades através da coleta de depoimentos de vários sobreviventes, há indícios claros de que se tratou de um crime premeditado.
O delegado com seus comandados chegou ao local onde ocorreram os crimes, por volta das quatro horas da manhã. Cerca de 18 trabalhadores se encontravam dormindo em redes em um barracão coletivo, dois deles já estavam acordados preparando um café, quando foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”, seguido de rajadas de tiros. No desespero e na escuridão cada um tentou escapar como pôde dos tiros. O resultado foram dois mortos, vários feridos a bala e quatro presos.
Com base nos depoimentos, a alegação do delegado de que os policiais foram recebidos a tiros não tem qualquer fundamento. Surpreendidos com rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem, mesmo que tivessem um arsenal de armas. Só deu tempo de correr para escapar da morte. E os quatro que foram presos porque não foram assassinados? Ainda de acordo com os depoimentos, o delegado precisava de confirmação do álibi do confronto. Os quatro presos relataram que não tiveram tempo de correr, se jogaram no chão com as mãos na cabeça. Dominados pelos policiais, foram colocados ao lado dos dois mortos e o que se seguiu foi uma sessão de torturas até o dia clarear. Sob as ordens de Mororó foram obrigados a dizerem o que o delegado queria ouvir. Se não confirmassem, com o cano de fuzil encostado no ouvido, eram ameaçados de execução imediata. A comprovação das torturas está registrada nos exames de corpo e delito feito pelo IML. Com base nos relatos, o juiz que presidiu a audiência de custódia, encaminhou os termos para a corregedoria da Polícia Civil.
A alegação do delegado de que se tratava de uma operação para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão era apenas um pretexto, na verdade, para cometer uma sucessão de crimes. O barracão onde os trabalhadores se encontravam ficava a menos de um quilômetro da sede da fazenda. As viaturas foram deixadas na sede e os policiais seguiram a pé. Divididos em dois grupos, um deles, chefiado por Mororó, seguiu para o barracão mais próximo onde ocorreram as mortes, tentativas e torturas. Ele previa que as principais lideranças do grupo se encontrassem ali. Um segundo grupo de policiais seguiu para um barracão mais afastado. Ali dominaram cerca de seis trabalhadores, entre eles uma mulher, que se encontravam no local, usaram de violência contra eles, mas não atiraram em ninguém. Um dos policiais colocou uma faca no pescoço de um jovem, filho da senhora que se encontrava no local e o ameaçou de morte caso não dissesse onde se encontrava o coordenador do grupo.
O discurso divulgado pelo delegado Mororó e incorporado pelo Secretário de Segurança Pública do Estado é que se tratava de uma organização criminosa fortemente armada, envolvida em venda ilegal de madeira, roubo de gado e outros crimes. O resultado da operação que envolveu dezenas de policiais, várias viaturas, dois helicópteros, foi a apreensão apenas de 7 espingardas cartucheiras e algumas munições. Nenhuma arma pesada, nenhuma motosserra, nenhum caminhão de madeira, nenhum gado roubado, nada mais. Dos quatro trabalhadores presos, nenhum deles tinha mandado de prisão e só um tinha condenação pela justiça. Os dois mortos também não tinham prisões decretadas e nem passagem pela polícia. Ou seja, a operação, nessa perspectiva, foi uma farsa. Não estamos dizendo que não tenha, entre os ocupantes, pessoas envolvidas em algum tipo de crime, mas, essas pessoas têm que serem presas conforme a lei determina e não executadas.
A operação criminosa chefiada pelo delegado Mororó, teve o mesmo modus operandi de uma outra ocorrida na fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco em 2017. Ali, sob o pretexto de cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra criminosos, a polícia civil e militar assassinou friamente 10 trabalhadores, no que ficou conhecido como o massacre de Pau D’Arco.
O delegado Mororó não esconde para ninguém suas relações viscerais com os latifundiários da região. Qualquer chamado desse grupo ele está pronto a atender. Qualquer tentativa de novo acampamento ele chega junto com os fazendeiros para dissolver, inclusive em locais fora das áreas de fazendas particulares. No caso do acampamento Terra e Liberdade do MST em Parauapebas, os fazendeiros o arrolaram como sua testemunha na audiência de justificação da ação possessória. Por outro lado, quando se trata de apurar assassinatos de trabalhadores o delegado não tem o mesmo interesse. Conforme dados da CPT, nos últimos 10 anos, 15 assassinatos ocorreram na área de atribuição da DECA de Marabá, sendo que a autoria das mortes não foi esclarecida. Na verdade, a Delegacia de Conflitos Agrários se transformou em delegacia de proteção ao latifúndio.
Por seu lado, o Judiciário paraense, que, conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, só conseguiu concluir 19% dos processos criminais que apuram assassinatos no campo no Pará, não tem adotado as cautelas necessárias na expedição dos mandados de prisão, busca e apreensão em áreas de conflitos rurais. No caso da Fazenda Mutamba, a juíza da 1ª Vara Criminal de Marabá, autorizou a busca e apreensão em “barracos de madeira na vicinal três, entre João Lobo e Balão. Barracos localizados na divisa do Projeto de assentamento Porto Seguro e Fazenda Mutamba”, além de outros endereços, sem estabelecer critérios mais objetivos para o seu regular cumprimento. Com esse tipo de mandado em mãos, o delegado poderia entrar em mais de uma centena de casas dos moradores que residem nessas localidades com a truculência que lhe é característica.
Em relação à atuação da Vara Agrária de Marabá, o retrocesso é cada vez maior. O juiz Amarildo Mazutti, tem deferido liminares e proferido sentenças em áreas públicas federais e estaduais, áreas objeto de grilagem, áreas que não cumprem com a função social, áreas em processo de aquisição pelo INCRA, etc. Fato é que se acumulam mais de 40 liminares/sentenças para serem cumpridas envolvendo quase 10 mil famílias só na região sudeste do Estado, se forem realmente efetivadas teremos um verdadeiro caos na região. No caso da fazenda Mutamba, embora a ocupação seja anterior à pandemia, o juiz autorizou o despejo das famílias sem que o processo passasse pela Comissão de Soluções Fundiárias do TJPA, foi preciso a Defensoria Pública do Estado do Pará acionar o STF para que o juiz cumprisse com essa obrigação.
No caso do Ministério Público não percebemos uma correta fiscalização da atividade policial quando se trata dessas operações em áreas de conflitos coletivos no meio rural. Não sabemos se a Promotoria Agrária abriu algum procedimento para apurar o ocorrido. Fato que era comum quando essa função era ocupada por outras promotoras.
A fazenda Mutamba, de propriedade da família Mutran, se assenta sobre um antigo castanhal que foi desmatado para formação de pastagem. Há ainda suspeita de terra pública em parte do complexo. Já foi flagrada com trabalho escravo no início dos anos 2000 e, atualmente é ocupada por três grupos de famílias sem-terra com organização independente.
Por fim, a pergunta principal é: O assassinato dos dois trabalhadores, as tentativas de homicídios e as torturas serão investigadas ou vão ficar impunes? Até agora nada sabemos. O Governador e o Secretário de Segurança Pública não disseram uma palavra sobre a investigação das mortes. A julgar pela última chacina ocorrida em São Félix do Xingu em 2020 onde o ambientalista Zé do Lago, sua esposa e filha foram assassinados e até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes, o resultado pode ser o mesmo.
Essa denúncia será encaminhada ao Governador do Estado, ao Procurador Geral do Ministério Público, aos Ministros da Justiça e da Reforma Agrária e, ficaremos no aguardo de respostas concretas.
Marabá, 14 de outubro de 2024.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura – FETAGRI.
Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar – FETRAF.
Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Instituto José Cláudio e Maria – IZM.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.
Coletivo Veredas.
Jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE.
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Edição: Comunicação CPT Nacional
Foto: Enterro de vítimas do Massacre do Abacaxis. Crédito: Divulgação / Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Ao citar “um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo”, o Papa Francisco denuncia o “verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita totalmente a política e as organizações sociais”. No fim, observa com lucidez, “os povos amazônicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais vítimas”. Infelizmente, o alerta do pontífice na Exortação Querida Amazônia é bastante atual e concreto. Referida deterioração alarmante das instituições públicas, estaduais e federais, se verifica na longa e interminável investigação do episódio conhecido como o Massacre do Rio Abacaxis, na já tão violentada região amazônica.
Em plena pandemia de covid-19, mais especificamente em 23 de julho de 2020, o então secretário do Fundo de Promoção Social (FPS) do governo do estado do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, acompanhado de outras pessoas e em embarcação privada, invadiu a região do Rio Abacaxis com o intuito de praticar pesca esportiva, sem licença ambiental ou autorização da população local. Na mencionada área vivem comunidades indígenas e ribeirinhas, que firmaram um acordo sobre a prática da pesca esportiva, não observado pelo grupo em questão.
Mesmo com a oposição das comunidades, o ex-secretário desrespeitou as lideranças locais e, em meio à confusão, teria sido supostamente ferido de raspão por um tiro, o que nunca foi comprovado. Conforme relato dos presentes, Saulo retirou-se ameaçando voltar e “matar todo mundo”. No dia 3 de agosto daquele ano, quatro policiais à paisana, posteriormente identificados como pertencentes ao Comando de Operações Especiais retornaram ao território, no mesmo barco privado usado pelo ex-secretário. Na desastrosa ação, dois agentes foram mortos e outros dois feridos.
Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública do governo Wilson Lima autorizou, sob a justificativa oficial de combate ao tráfico de drogas, a realização de uma megaoperação com dezenas de policiais na região dos Rios Abacaxis e Mari-Mari, entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte. No dia 4 de agosto, com a chegada das forças de segurança instalou-se o terror nas comunidades locais. A operação foi pessoalmente liderada pelo próprio Comandante-Geral da Polícia Militar do Amazonas, Coronel Ayrton Norte.
O resultado, conforme denúncias das organizações sociais que atuam na região, foi catastrófico, sendo provavelmente a maior violação dos direitos humanos dos últimos anos do estado do Amazonas. Além da execução de quatro ribeirinhos, um deles menor de idade, e dois indígenas do povo Munduruku, houve a prática de tortura, incêndio de comunidade indígena e outras arbitrariedades.
Os relatos de violações de direitos humanos são chocantes e para preservar os sobreviventes, os nomes devem ser omitidos. Um deles afirma que o presidente da associação comunitária ribeirinha teria sido torturado com saco plástico na frente do comandante da operação. Outro diz sobre uma mulher que teve gasolina jogada sobre o corpo e foi ameaçada de ser queimada. Há ainda uma denúncia de uma criança que foi colocada em um freezer e quando foi retirada de lá estava congelada, à beira da morte.
Conforme uma cacica do Povo Munduruku, a Polícia Militar invadiu as comunidades originárias, sem qualquer autorização das lideranças e em total descumprimento da lei. Ademais, por ser Terra Indígena apenas a Polícia Federal possui competência para atuar. Por outro lado, os Maraguá esperam há décadas que suas terras sejam devidamente reconhecidas e protegidas pela União. De acordo com a Constituição Federal, o Estado brasileiro deveria ter demarcado o território indígena até 1993. Todavia, até o presente momento, sequer o Grupo de Trabalho, primeira etapa do longo processo de demarcação, foi instituído pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Casas foram invadidas e queimadas, comunidades inteiras proibidas de circular pelos rios, principal meio de sustento dessa região, levando um clima de tensão e pavor a uma população inteira que se viu sitiada por semanas. Os danos físicos, psicológicos e morais foram consideráveis, tendo deixado marcas profundas nas famílias vítimas de toda a violência policial. E, mesmo apesar de repercussão do primeiro momento, lamentavelmente muito pouco se avançou na punição e reparação dessa barbárie.
Estava-se no pleito eleitoral de 2020, em pleno governo Bolsonaro, mas graças a contundente mobilização das organizações sociais com forte apoio da Igreja amazônica, o caso foi divulgado. Dentre as entidades, deve se ressaltar a participação ativa do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da própria Arquidiocese de Manaus, com o envolvimento pessoal do Cardeal Dom Leonardo Steiner.
Quatro anos depois do massacre, a bancada da bala saiu ainda mais fortalecida das últimas eleições municipais. Segundo o levantamento do Instituto Sou da Paz1 (disponível nesta reportagem da Deutsche Welle), 856 agentes foram eleitos no primeiro turno, entre eles, 759 vereadores, 52 prefeitos e 45 vice-prefeitos. O maior número da série histórica! De acordo com Carolina Ricardo, diretora-executiva da entidade, trata-se de "uma agenda que se baseia no medo e em um discurso beligerante”, com candidatos que se "baseiam mais na violência policial do que no planejamento para a segurança pública”.
Tristemente, o país nunca enfrentou seu passado de violência, desde a mais distante escravização das pessoas negras e indígenas até a mais recente ditadura civil-militar, época em que tortura era uma estratégia permanente das forças de segurança. Será que se pode dizer que algo efetivamente mudou nesse cenário autoritário? Ou as polícias seguem agindo com truculência e arbítrio, principalmente com os empobrecidos das periferias e dos rincões do Brasil profundo? Basta pesquisar sobre as recentes “operações” Escudo e Verão da Polícia Militar de São Paulo, autorizadas pelo governo Tarcísio de Freitas.
Vale destacar que, para tentar trazer alguma segurança às vítimas do extermínio policial do Abacaxis, houve a determinação judicial para que se instalasse uma base móvel da Polícia Federal na região. Tal medida nunca foi devidamente cumprida por parte do governo federal, seja o anterior ou a atual gestão. Nesse sentido, a ausência dos órgãos do estado brasileiro contribui para aprofundar a situação de insegurança e fragilidade a que foi relegada a população afetada.
Entre idas e vindas, tramitando na 2ª Vara Criminal da Justiça Federal no Amazonas, o inquérito da Polícia Federal foi presidido por seis delegados diferentes, estando sujeito a grande interferência política das autoridades do estado, considerando a magnitude do caso. Finalmente, no dia 28 de abril de 2023 houve o indiciamento, como supostos mandantes do massacre, do ex-secretário de Segurança Pública do estado, Coronel Louismar Bonates e do ex-comandante da Polícia Militar, Coronel Ayrton Norte. Vale destacar que o governador Wilson Lima (União Brasil), em maio de 2022, havia condecorado ambos pelos relevantes serviços prestados.
Desde então se aguarda que o 9º Ofício Criminal do Ministério Público Federal do Amazonas ofereça a denúncia das autoridades já indiciadas no inquérito, o que transcorridos um ano e meio ainda não aconteceu. Seria fundamental ainda, considerando a relevância e as circunstâncias especiais, que a própria Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pudesse, inclusive, acompanhar de perto o deslinde das investigações, para garantir que o procurador federal não sofra pressões indevidas e tenha as condições necessárias para cumprir com seu papel institucional.
Como se não bastasse toda a demora para o encerramento das investigações, em setembro de 2024, em um ato unilateral e sem qualquer fundamentação, o inquérito foi transferido de Brasília para a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e o Delegado Francisco Vicente Badenes Júnior foi inexplicável e arbitrariamente retirado do caso. Deve-se esclarecer que o caso foi levado à capital federal para permitir que as investigações fossem efetivas e seguissem sem ameaças ou perseguições de qualquer tipo.
O Delegado Badenes também era o responsável pelas investigações dos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira (05/06/2022) e do servidor da FUNAI Maxciel Pereira (03/08/2019). Importante frisar que sob sua presidência, o inquérito avançou razoavelmente e uma troca agora seria no mínimo temerária. Como afirmou o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis, em carta divulgada aqui, a medida “lança sombras sobre o real motivo destas mudanças, e faz crer na possível interferência política nessa conjuntura”. O que pretende a Polícia Federal com essa constante mudança de delegados?
Assim, cabe ao diretor-geral da PF e ao seu chefe, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, darem as devidas explicações sobre o ocorrido. Caso contrário, a situação dará ensejo para que se acredite na tese de que políticos influentes do estado estão negociando com o governo federal a obstrução das investigações, para assegurar que o massacre siga impune.
Conforme nota de 17 de maio de 2023, o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis reforçou que “só haverá justiça se os atuais indiciados forem regularmente responsabilizados na forma da lei e da Constituição”. “Só haverá justiça”, continua a manifestação, “se os demais violadores forem identificados, individualizados e também indiciados na investigação que continua”. Além da responsabilização criminal, “a indenização das vítimas e a proteção das testemunhas que presenciaram os fatos” é fundamental, alegam as organizações que integram o coletivo.
Nos últimos anos, inclusive como reflexo da impunidade e do abandono da população da região dos Rios Abacaxis e Mari-Mari, cresceu a invasão de garimpeiros, madeireiros e do tráfico de drogas.
As comunidades indígenas e ribeirinhas vivem em estado de grande vulnerabilidade, encurraladas pelo crime organizado de um lado e ameaçadas pelas forças de segurança estaduais de outro. Apesar de duas visitas realizadas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma ainda em 2020 e outra em abril desse ano, poucas medidas efetivas foram tomadas pela administração federal.
É imperioso que os Ministérios dos Direitos Humanos e dos Povos Indígenas possam colocar as suas estruturas a serviço dos Povos Maraguá e Munduruku, além dos demais moradores de Borba e de Nova Olinda do Norte. Ademais, existem testemunhas que devem ser – na verdade, já deveriam ter sido – incluídas no Programa de Proteção, com aquilo que o estado brasileiro tem de mais avançado na área, considerando que seus supostos algozes ocuparam a alta cúpula de segurança pública do Amazonas.
A terceirização de responsabilidades é inaceitável para um governo que se diz comprometido com os direitos humanos e os povos indígenas. Já passou da hora de assumir uma postura mais assertiva, mediante uma resposta articulada nas mais variadas frentes. Entre elas, o Ministério do Meio Ambiente deve determinar a imediata mobilização do IBAMA para que realize operações de combate aos crimes ambientais que assolam a região.
Como muito bem reconhece o Relatório de Violências contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2023 (Cimi, p. 20), é preciso mais do que boas intenções e representatividade para romper com os desmandos do governo anterior e reverter os crimes que ameaçam as populações tradicionais do país:
“Saímos de um projeto anterior de morte aos povos. Mas as comunidades agora têm de enfrentar estruturas engessadas, sem recursos, influenciadas e negligenciadas por atores políticos mais preocupados em não se indispor com uma parcela do latifúndio que é predadora, disseminadora de agrotóxicos e de venenos, poluidora de rios, matadora de abelhas (nossas grandes aliadas na natureza), aliciadora de mão de obra escrava, queimadora de casas de reza. Matadora de gente; mas não da luta”.
O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de Direitos Humanos que exigem rigor no enfrentamento de uma situação sensível como essa. Entretanto, muitas perguntas permanecem sem respostas por um tempo longo demais. O país não possui os mecanismos suficientes para solucionar uma grave violação dos direitos humanos como essa?
Será preciso acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aguardar mais uma vergonhosa condenação internacional?
Além do mais, o governo Lula vem insistindo em se colocar como líder internacional na área ambiental, garante de uma especial proteção ao território amazônico. Por isso, seria um vexame inaceitável que as forças lúcidas que ainda habitam o atual governo não se empenhassem para promover uma investigação rigorosa do Massacre do Rio Abacaxis, bem como não acionassem todos os instrumentos disponíveis de reparação das vítimas ribeirinhas e indígenas, que há mais de quatro anos estão esquecidas pelo poder público.
Aproximando-se do fim do segundo ano de seu mandato, é chegada a hora de se verificar o real engajamento do governo Lula com a pauta dos Direitos Humanos, a proteção da Amazônia e o cuidado com os empobrecidos.
O espaço para as promessas vazias e as meias palavras se esgotou. Agirá o atual governo para colocar fim à impunidade dos mandantes e executores do Massacre do Rio Abacaxis, promovendo as devidas políticas públicas de proteção social das populações atingidas? Ou seguirá inerte, omisso e conivente com os senhores do crime que trabalham incansavelmente para que a força dos poderosos da região prevaleça sobre a justiça e os direitos humanos?
Fiéis às palavras do Papa Francisco, seguirão as organizações sociais e eclesiais na sua rebelde aliança com o povo sofrido dos Rios Abacaxis e Mari-Mari. Afinal, “nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazônicos, ‘para poder exercer com transparência o seu papel profético’”2. Se Brasília não for capaz de escutar o grito sufocado das vítimas, se irá até os confins do mundo para que a justiça e a vida prevaleçam sobre o crime e a violência atroz.
A memória dos que pereceram sob o arbítrio e dos sobreviventes das torturas policiais não será esquecida!
[1] ANDRADE, Matheus Gouvêia de. O que está por trás do aumento de policiais eleitos em 2024? DW Brasil, 11 out. 2024. Disponível aqui. Acesso em 12 out. 2024.
[2] FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia. nº 19.
Com informações do Instituto Zé Cláudio e Maria e Repórter Brasil
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Na madrugada desta sexta-feira (11), por volta das 5h da manhã, o Acampamento/Associação Terra Prometida, localizado na fazenda Mutamba, nas proximidade de Marabá/PA, foi invadido de forma truculenta por policiais da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) da Polícia Civil de Marabá, em uma operação nomeada de “Fortis Status”.
Conforme relatos obtidos, os trabalhadores declaram que os policiais já entraram no território de forma violenta com tiros, fazendo vítimas, inclusive fatais.
A Ouvidoria Agrária Nacional já se desloca para Marabá, a fim de apurar informações. A CPT Regional Pará, por meio da equipe de Marabá, também está acompanhando a situação e se articulando com órgãos de Direitos Humanos e da Justiça.
A operação, que continua acontecendo ao longo desta sexta-feira, visa 3 mandados de prisão preventiva e 18 mandados de busca e apreensão na área, que está em conflito devido a um processo de reintegração de posse. Os relatos dos moradores do acampamento, dizem que há 5 mortos pela ação e dezenas de feridos. A área, de 12.229 hectares e cinco alqueires, está localizada no município de Marabá, e é ocupada por cerca de 200 famílias da Associação Rural Terra Prometida.
A decisão de reintegração, determinada em março deste ano pelo juiz da Vara Agrária Regional, Amarildo José Mazutti, foi contestada pela Defensoria Pública, que alegou omissão quanto ao cumprimento da função social da terra. No entanto, o juiz rejeitou o recurso, afirmando que não havia omissão ou obscuridade na decisão. No fim de maio, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a ordem de reintegração de posse do Complexo Mutamba.
De acordo com a decisão, o processo de remoção deve observar o regime de transição definido pelo Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828.
Nessa ação, a Corte determinou que os tribunais instalem comissões de conflitos fundiários e façam inspeções judiciais e audiências de mediação, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva.
A propriedade conhecida como Fazenda Mutamba, junto com outras duas áreas da família Mutran (fazendas Cabaceiras e Peruano), acumula um longo histórico de conflitos contra posseiros e casos de trabalho escravo.
Em agosto de 2002, 25 pessoas foram libertadas da fazenda Mutamba. Contudo, aconteceram denúncias e resgates de trabalhadores já desde o ano de 2001. Em julho de 2004, a empresa Jorge Mutran Exportação e Importação Ltda foi autuada mais de uma vez na “lista suja” do trabalho escravo, tendo que pagar R$ 1.350.440,00 por dano moral coletivo ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, naquele momento a maior indenização já paga no Brasil por um caso de redução de pessoas à condição análoga a de escravo.
A situação reincidente na fazenda Cabaceiras foi considerada tão extrema pelo governo federal que, no mesmo Diário Oficial de 19 de outubro de 2004, em que as regras das listas de infratores foram publicadas, foi decretada a desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária. Ao todo, o imóvel de 9.774 hectares poderia beneficiar 340 famílias.
Reunião da CPT-MA e Cimi discutiu estratégias para a resistência dos povos que lutam contra o avanço de projetos que destroem biomas e a vida nas comunidades
Por Letícia Queiroz (Escola de Ativismo)
Edição: Comunicação CPT Nacional
Foto: Renata Alves Fortes
A Comissão Pastoral da Terra Maranhão (CPT-MA) e o Conselho Indigenista Missionário, regional Maranhão (CIMI-MA) realizaram, entre os dias 8 e 11 de outubro, o 1° Encontro dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da Região Sul do Maranhão.
Realizado com apoio do Fundo Casa, o encontro aconteceu no território indígena do Povo Krenyê, em Tuntum, no Maranhão, com objetivo de compartilhar experiências entre as comunidades e traçar estratégias para o fortalecimento dos povos que resistem nos territórios mesmo com o avanço da violência, do agronegócio e de projetos como o MATOPIBA que ameaçam biomas, a cultura, a alimentação, o bem viver e a vida nas comunidades.
Participaram povos indígenas Apanjêkra Canela, Krenjê e Krepym Catije e as comunidades sertanejas Pau Amarelo, Boa Esperança, São Pedro, Imburuçu, Vila São Pedro e comunidades da travessia do mirador, Brejo do Escuro, Brejo dos Tiros, Tiririca.
O encontro contou com apresentações, momentos culturais, debates e discussões sobre a luta dos povos. Entre as dificuldades citadas pelas lideranças indígenas e camponesas estão o desmatamento e queimadas intensas. A demora para regularizar os territórios, a falta de água potável, ameaças, difícil acesso à saúde e educação, invasões, envenenamento e morte dos babaçuais também são problemas comuns entre os povos e comunidades.
Um dos dias da programação foi dedicado à explanação sobre os impactos do MATOPIBA - região formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia - e expansão do Agronegócio, além da demora para demarcar e titular territórios. A situação causa conflitos que têm tirado a vida dos povos e comunidades tradicionais.
Mesmo sendo o estado com o maior número de comunidades quilombolas, com 2.025 localidades (24% das localidades quilombolas de todo o país, de acordo com o Censo 2022), o Maranhão é um dos estados mais perigosos para quilombolas no país. Em todo o estado, apenas 6 dos 419 territórios são titulados. O último levantamento da CPT contabilizou 2.203 conflitos em 2023, uma média de seis por dia – o maior número registrado desde o início da pesquisa. O aumento foi de mais de 7% se comparado com 2022. As ocorrências envolvem povos quilombolas, indígenas, ribeirinhos, assentados e outras comunidades tradicionais. O relatório Conflitos no Campo Brasil 2023 pode ser baixado neste link.
O relatório do Cimi informa que 208 indígenas foram assassinados em 2023. Do total, 10 ocorreram no Maranhão. A pesquisa apontou infomações sobre omissão e morosidade na regularização das terras e invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. O estudo aponta que casos de desassistência aos povos indígenas e chama atenção para a quantidade de povos afetados pela falta de água e falta de condições mínimas de vida e dignidade de diversas comunidades. Baixe aqui o Relatório Violência contra os Povos Indígenas do Brasil 2023.
Além do Cimi e da CPT-MA, também participaram o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias (NERA/UFMA), a Escola de Ativismo e a Campanha Agro é Fogo.
Durante o encontro, a conexão entre as comunidades, a preservação da cultura, o ativismo, o cuidado com a natureza, a força da ancestralidade e espiritualidade foram citados como fortalezas para continuar a luta e a resistência pelos territórios.
Por Anthony Boadle (Reuters)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Governador Helder Barbalho discursa na Semana do Clima de Nova York(Foto: Leandro Fonseca/Exame)
Na última terça-feira (08), um total de 38 organizações indígenas e comunitárias do Pará assinaram uma Carta Pública denunciando a falta de respeito do governo do Estado do Pará em não consultar os povos e comunidades tradicionais antes da assinatura do contrato com empresas multinacionais, para vender créditos de carbono de compensação, com o argumento de apoiar a conservação da floresta amazônica no Estado.
O acordo, anunciado em 24 de setembro durante a Semana do Clima de Nova York, prevê a compra de até 12 milhões de toneladas de créditos de carbono gerados pela redução do desmatamento no Pará entre 2023 e 2026. Cada um dos créditos representa uma redução de 1 tonelada de emissões de carbono e são jurisdicionais, então o Pará recebe pelo desmatamento reduzido em todo o Estado, incluindo terras públicas como reservas.
A Amazon.com Inc e outras empresas concordaram em comprar créditos de carbono avaliados em 180 milhões de dólares (mais de 1 bilhão de reais) através da iniciativa de conservação LEAF Coalition - que teve ajuda da Amazon em seu estabelecimento em 2021 com um grupo de empresas e governos, incluindo Estados Unidos e Reino Unido. Na época, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), disse que o acordo tinha a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais.
"É inaceitável que o governo do Estado do Pará tome decisões sem consultar as comunidades tradicionais, que são as maiores protetoras das florestas e, ainda assim, as mais afetadas pela ausência de políticas eficazes de adaptação climática", disseram na carta.
"Os povos da floresta precisam ser ouvidos e consultados. Nossos territórios não estão à venda!", acrescentaram. O gabinete do governador não respondeu imediatamente ao pedido de comentário.
A professora e líder comunitária indígena Alessandra Korap Munduruku afirma que o papel de empresas com sede nos EUA como Amazon e Walmart na compra de créditos de carbono é preocupante. Alessandra foi vencedora do prêmio ambiental Goldman em 2023, por seus esforços para convencer as empresas de mineração a deixar a Terra Munduruku.
"A nossa prioridade é a desintrusão de invasores nas Terras Indígenas Kapayó e Munduruku ameaçadas por garimpeiros e pela Ferrogrão", disse ela à Reuters por telefone. "Nossas lideranças não foram consultadas, nos venderam como uma mercadoria."
O gabinete do governador não respondeu imediatamente ao pedido de comentário.
Leia abaixo ou baixe pelo link Carta Pública.
Em meio a secas históricas e às fumaças que encobrem os céus da Amazônia e do Brasil, o governador do Pará, Helder Barbalho, assinou um acordo de financiamento de créditos de carbono com a Coalizão LEAF, no valor de quase R$ 1 bilhão, supostamente envolvendo a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais. A Coalizão LEAF é composta por grandes empresas como Amazon, Bayer e Nestlé, empresas historicamente ligadas a práticas violadoras de direitos humanos e socioambientais, além de governos de países do norte global, como Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e Coreia do Sul, que pouco ou nada têm feito para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e tentam terceirizar esta responsabilidade aos povos da floresta. A assinatura do acordo ocorreu durante a Semana do Clima em Nova Iorque, no dia 24 de setembro, e representa uma clara violação do direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-Fé.
A Consulta Livre, Prévia e Informada é um direito internacional que assegura que povos indígenas e comunidades tradicionais sejam consultados de forma autônoma e sem coação antes da implementação de projetos que possam impactá-los. Essa consulta deve incluir a entrega de informações claras e acessíveis, permitindo que as comunidades compreendam as implicações das decisões. Esse processo é essencial para respeitar a autodeterminação e os direitos desses povos, promovendo um diálogo justo com autoridades e empresas. No entanto, o acordo firmado pelo governo do estado do Pará não respeitou esses princípios.
A reivindicação pela demarcação das terras indígenas, a titulação das terras quilombolas e a regularização fundiária são lutas prioritárias na agenda dos defensores e defensoras da floresta. Essas ações são essenciais para garantir a soberania e a continuidade dos modos de vida tradicionais, que desempenham um papel crucial no enfrentamento da crise climática. Esses direitos não devem estar condicionados a qualquer obrigação dos povos, pois são legítimos e inegociáveis. As bandeiras de luta em defesa do meio ambiente, seja físico, cultural ou espiritual, não podem ser tratadas como moedas de troca para a comercialização de créditos de carbono.
Neste momento, em que as consequências das crises climáticas impactam diretamente nossos territórios, é urgente avançar nas lutas concretas em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como de todos os seres vivos que formam a comunidade que sustenta nossa Mãe Terra. É inaceitável que o Governo do Estado do Pará tome decisões sem consultar as comunidades tradicionais, que são as maiores protetoras das florestas e, ainda assim, as mais afetadas pela ausência de políticas eficazes de adaptação climática.
As respostas para essas crises estão nos territórios. Os povos da floresta precisam ser ouvidos e consultados.
Nossos territórios não estão à venda!
Pará, 8 de outubro de 2024.
Assinam a carta:
1. Aliança Contra Ferrogrão
2. Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
3. Associação das comunidades de Montanha e Mangabal
4. Associação de Mulheres Indígenas Wakoborũn
5. Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR)
6. Associação Indígena Da'uk do Alto Tapajós
7. Associação Indígena També do Vale do Acará
8. Associação indígena Pariri
9. Cáritas Brasileira Articulação Noroeste
10. Coletivo de Mulheres Indígenas as Karuana
11. Coletivo Jovens Tapajônicos
12. Coletivo Maparajuba
13. Comissão Pastoral da Terra (CPT)
14. Comitê de Defesa da Vida Amazônica na bacia do Rio Madeira (COMVIDA)
15. Conselho indígena de gestão Ka'apor
16. Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns – CITA
17. Conselho Munduruku do Planalto de Santarém
18. Conselho Indigenista Missionário (CIMI/Santarém)
19. FASE-Amazônia
20. Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense
21. Fórum da Amazônia Oriental (FAOR);
22. Grupo Mãe Terra
23. Instituto Madeira Vivo (IMV)
24. Instituto Zé Cláudio e Maria
25. Instituto Patauá
26. Instituto Paiakan
27. Movimento de pescadores e pescadoras artesanais do Brasil (MPP)
28. Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
29. Movimento Munduruku Ipereg Ayu
30. Movimento Tapajós Vivo (MTV)
31. Organização dos educadores indígenas Munduruku (Arikico)
32. Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre (OPIAJBAM)
33. Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
34. Tapajós de Fato (TDF)
35. Terra de Direitos
36. Associação Nova Vitória-Comunidade Jane Júlia- Município de Pau D’arco/PA
37. Associação dos Produtores e Produtoras Rurais Organizados do PA Escalada do Norte - Município de Rio Maria/PA
38. Associação de Moradores Agricultores Remanescente Quilombola do Alto Acará (AMARQUALTA)
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