Nós, Povos Cerradeiros dos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Piaui, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Roraima, representantes dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, brejeiros, pescadores, vazanteiros, veredeiros, retireiros, geraizeiros, fundos e fechos de pastos, sertanejos, agricultores familiares, assentados da reforma agrária, sem-terra, boias-frias, agentes de pastorais e organizações parceiras, nos reunimos, entre os dias 27 e 30 de outubro de 2024, no Território Tradicional Melancias, em Gilbués, no Piauí, para partilhar os clamores que nos atravessam nos últimos tempos e as re-existências tecidas em nossos territórios.
Vivemos ataques permanentes contra os nossos corpos-territórios, onde a Terra, nossa grande mãe, encontra-se em processo de esgotamento e clama por socorro. Nossos rios, veias que sustentam o grande corpo-Brasil, estão sendo devastados pelo agronegócio, hidronegócio e mineração, que avança sobre os Cerrados com o desmatamento, o envenenamento do solo, das águas e do ar, com o roubo das águas e a extração de minérios, com os incêndios criminosos que impactam diretamente as comunidades camponesas, devastando seus territórios e depredando nosso Cerrado.
Os territórios, que são moradas e partes constituintes da nossa existência e do nosso chão, ancestral e sagrado, estão sendo violados pelas cercas da ganância do latifúndio e pelas cercas invisíveis das leis e políticas genocidas, como a Lei 14.701/2023, que institui o Marco Temporal na demarcação das terras indígenas, e a Lei 14.757/2023, que, na prática, regulariza a grilagem de terras e acirra os conflitos no campo. Há, ainda, os projetos de morte, como a fronteira agrícola do Matopiba, nos quais o Estado - vendido, burguês e capitalista - e a iniciativa privada, juntos, tentam esmagar nossos direitos e roubar nossa dignidade, seja pela ação direta ou pela omissão calculada.
A grilagem, a pistolagem, a especulação, o extermínio da sociobiodiversidade, o adoecimento, a perseguição e agressão das lideranças, os assassinatos e as constantes ameaças de expulsão dos nossos territórios, são violências que marcam a injustiça histórica que enfrentamos e denunciamos, e também nos lembram da força coletiva que mobilizamos para resistir. Por isso, fazemos ecoar, aqui e agora, o compromisso da luta em defesa dos Cerrados, por nossas terras, nossas águas e nossas vidas.
Nós, guardiãs e guardiões cerradeiros, re-existimos através dos nossos saberes e fazeres ancestrais. Acreditamos na agroecologia como alternativa de produção de alimentos que garantam soberania e segurança alimentar, em harmonia com os nossos territórios sagrados. Com os nossos modos de vida, lutamos pelo o acesso à terra e a permanência no território, conectada a defesa dos Cerrados, que garantem nossas existências e autonomia.
Neste chão de raízes profundas, onde os Cerrados, no coração deste país, pulsa em cada nascente preservada ou reflorestada, em cada árvore protegida ou plantada, seguimos de punhos cerrados, re-existindo. Não recuaremos. Seguiremos denunciando as chagas abertas em nossos territórios e afirmando, com esperança, que ‘não morreremos de sede às margens de nossos rios’.
A Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais (CPT-MG) vem a público denunciar o hediondo atentado sofrido pela Comunidade Quilombola do Baú, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, na noite desta segunda-feira, 11 de novembro de 2024, por volta das 19h. Homens armados cercaram o território quilombola, disparando contra as residências e bloqueando as estradas de acesso, impondo um cerco violento e ameaçador.
A Comunidade Quilombola do Baú enfrenta constantes ameaças devido ao processo de regularização fundiária de seu território tradicional. Mesmo argumentando que a proteção às lideranças quilombolas é insuficiente e, apesar dos inúmeros alertas e denúncias feitos às autoridades, os atentados continuam ocorrendo, mesmo sob a proteção policial e com a inclusão de Antônio Baú, liderança da comunidade, no programa de proteção a defensores de direitos humanos. No dia 06 de novembro, a pedido da própria comunidade, a Comissão das Comunidades Quilombolas do Vale do Jequitinhonha e a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N’GOLO reuniram-se com o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a Defensoria Pública da União, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e outras instituições e movimentos de defesa dos direitos das comunidades tradicionais para denunciar as ameaças que colocam em risco a integridade dos quilombolas do Baú. Em decorrência dessa reunião, as organizações e movimentos divulgaram uma nota pública para cobrar dos órgãos públicos responsáveis, dos diferentes níveis do poder público, a garantia da vida do povo quilombola. Em meio a esse processo de mobilização, hoje a comunidade foi alvo desse atentado.
A CPT-MG repudia veementemente essa violência brutal contra a Comunidade Quilombola do Baú e exige das autoridades uma resposta enérgica e imediata, com uma investigação célere, proteção efetiva às vidas dos quilombolas que lutam pelo direito à regularização dos seus territórios e punição rigorosa aos executores e mandantes deste atentado.
A luta pelos direitos das comunidades quilombolas e pela garantia de seus territórios não será interrompida.
Por Assessoria de comunicação do Projeto Terra Roxa/CPT Alto Xingu
Créditos: Equipe CPT Alto Xingu
No sábado, dia 9 de novembro, ocorreu o seminário de abertura do “Projeto Terra Roxa” na Escola Jardim de Deus, localizada na comunidade. Nesta ocasião, que marca o início oficial do projeto, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que é a idealizadora da proposta, apresenta à comunidade os seus parceiros que ajudarão a executá-lo e também as atividades que serão realizadas por eles nos próximos meses.
Esse projeto da CPT contará com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As duas instituições visam enfrentar o problema do trabalho análogo à de escravo por meio do fortalecimento da segurança alimentar e da produção da agricultura familiar local. O terrível problema da escravidão moderna afeta de forma muito significativa a realidade do Alto Xingu, especialmente em São Félix do Xingu, que é o segundo município com maior incidência de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão no estado do Pará, registrando 1.166 casos no período de 1995 a 2023.
A Terra Roxa
Créditos: Equipe CPT Alto Xingu
O local escolhido como ponto focal deste programa foi a Terra Roxa, por estar localizado em uma rota de acesso a muitas fazendas e já possuir certa organização interna que permite levar as atividades adiante. Uma comunidade que iniciou sua história quando os primeiros moradores ocuparam a região, em 2005. Na época, eram 115 famílias formadas essencialmente por migrantes de outros estados brasileiros – incluindo Maranhão, Bahia e Goiás. Essas pessoas foram atraídas por uma promessa de encontrar terras abundantes e melhores oportunidades de trabalho. Uma retórica que não é verdadeira, mas se sustenta no imaginário popular sobre a Amazônia ao longo de várias décadas.
Embora esteja localizada em São Félix do Xingu, a Terra Roxa se distancia 130 quilômetros da sede do município, mas apenas 95 quilômetros de Tucumã, que é por onde ocorre boa parte das relações comerciais, além do acesso a alguns serviços públicos. Por isso é considerada uma área estratégica para a produção, já que sua relativa proximidade à cidade vizinha facilita o escoamento dos produtos. Entretanto, esse potencial transforma a área em um alvo de constante pressão dos grandes latifundiários da região, que contam com muita influência econômica e política, sempre tentando avançar sobre os pequenos agricultores.
Desde o começo, esse confronto afetou a existência da comunidade, que sofreu com ameaças e expulsões, como o fato ocorrido em 2007. Na ocasião, as cerca de 60 famílias que estavam acampadas foram despejadas, sem nenhum aviso prévio, pela polícia civil e tiveram seus pertences e sua produção destruídos.
“Nós fomos abordados, dizendo que era polícia. Pegaram e derrubaram todas as nossas coisas, derrubaram todos os nossos barracos. Tirou nós em mais de dez caminhões carregando daqui para o lugar do Incra, né? Ficamos na área ali do Incra. Fomos despejados, carregados, saímos crianças, mulheres. Deixamos tudo para trás, roças de arroz maduras, milho já colhendo. Ficou tudo. E eles tiraram nós com rapidez, dentro desses caminhões, jogados de qualquer jeito, fomos despejados ali. E ali nós ficamos 26 dias sofrendo ali, lutando. Foi quando nós recebemos a ordem do desembargador para voltar para cá de novo. Aí nós voltamos, ficamos debaixo da lona preta, no meio da estrada mesmo, sem ter condição de entrar nem na terra. Ficamos aguardando todo esse tempo”, narra a agricultora Maria Divina Queiroz da Rocha, uma das pioneiras na região.
As parcerias
Foi nesse momento difícil que a comunidade procurou pela primeira vez o apoio da CPT. No inicio, com um suporte jurídico, prestando assistência em um âmbito no qual a comunidade estava desamparada. E posteriormente com incentivo a agricultura familiar, pois as dificuldades encontradas por esses trabalhadores perduram até hoje e ficam ainda mais graves diante da falta de acesso às políticas públicas voltadas para a agricultura, como crédito rural necessário para financiar a produção ou assistência técnica adequada. Por isso, muitas famílias não conseguem obter sustento na sua própria terra e acabam obrigadas a oferecer sua mão de obra para as grandes fazendas vizinhas. Em consequência, os pequenos lotes ficam praticamente abandonados, prendendo os agricultores em um ciclo vicioso, onde se tornam cada vez mais dependentes do trabalho nas fazendas.
Está criado o cenário perfeito para superexploração do trabalho dos agricultores – não apenas a Terra Roxa, mas em todo o Alto Xingu –, que acabam submetidos a jornadas exaustivas, com pouca remuneração e, em muitos casos, trabalhando em condições insalubres. Algumas vezes constituindo dívidas intermináveis que continuam sempre crescendo. Formata-se uma relação de trabalho análoga à escravização.
Diante desse contexto, a Pastoral da Terra, com apoio do MPT, está sempre em busca de alternativas para ajudar os trabalhadores a romper esse ciclo. Na assistência à Terra Roxa, começou com questões pontuais, como a distribuição de cestas básicas durante a pandemia ou a criação de um viveiro coletivo para comunidade, até a assessoria à associação de trabalhadores na pressão junto ao poder público para construção de um novo prédio para a escola local. No entanto, persiste a necessidade de um projeto mais focado no enfrentamento dessa situação no Alto Xingu.
“Em São Félix do Xingu nós temos vários resgates de trabalhadores em condições análogas a de escravo. Então, a CPT trouxe para a gente a necessidade de fixar os agricultores em suas terras para que eles não precisassem procurar trabalho nas fazendas, trabalhos mal remunerados, às vezes nem pagos. Trabalhos em condições péssimas de alojamento, às vezes dormindo em barraco”, explica a procuradora do MPT, Juliana Mafra. Por isso, o Ministério buscou a Pastoral da Terra como parceira para realizar um projeto que fortaleça a agricultura familiar e, ao mesmo, reduza os índices de trabalho escravo.
O projeto foi batizado oficialmente como "Fortalecimento do combate às condições análogas à escravidão no Assentamento Terra Roxa" e tem como objetivo principal ajudar as famílias agricultoras a encontrarem formas de sustento sem depender do trabalho nas fazendas vizinhas. De acordo com a coordenadora da CPT Alto Xingu, Agnes Kronenberg da Silva, o foco na agricultura familiar é muito importante, porque gera mudanças nas condições da vida das famílias ao longo prazo, garantindo a segurança alimentar. “A ideia é que o projeto ajude a melhorar as práticas agrícolas, fazer uma melhor gestão do seu lote, da sua produção. E assim a família pode viver bem no seu lote, sem ter precisão de pegar serviços, diárias nas fazendas da região. E, então, não corre o perigo de ser explorado nestes serviços, sofrer de situações humilhantes ou desumanas ou até ser escravizado”, esclarece.
As ações planejadas
Créditos: Equipe CPT Alto Xingu
A realização dessa proposta contará com a participação de alguns parceiros. O planejamento inclui um mapeamento das alternativas para geração de renda na região e a análise sobre quais seriam realmente possíveis de realizar e possuem viabilidade de mercado, levando em consideração a realidade econômica, social e ambiental da Terra Roxa. Esse estudo será realizado por uma equipe de técnicos especializados enviada pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que depois irá apresentar os resultados para a comunidade de modo didático em linguagem acessível.
Na visão da Unifesspa, a melhor maneira de evitar que as pessoas caiam nas redes de trabalho escravo, é justamente combater aquilo que as torna vulneráveis ao trabalho escravo. Daí a importância de procurar formas de ampliar a renda dessas famílias. “Esperamos que isso ajude a comunidade a se fixar na terra, isso ajude a comunidade a se desviar das situações de vulnerabilidade e que isso ajude a comunidade a permanecer, enquanto coletivo, ali naquele território”, explica o professor Cristiano Bento da Silva, antropólogo docente do curso de Engenharia Florestal, que já é parceiro da CPT desde projetos anteriores sobre a temática. Ele salienta também que é muito importante o diálogo com a população local para não perder de vista o que a própria comunidade entende como importante. “A nossa ideia também é, sobretudo, partir dessa relação dialógica com a comunidade e procurar se aproximar ao máximo do ponto de vista deles. Não só do ponto de vista, mas também do que, culturalmente, pra eles importa em termos de projeto de geração de renda. Justamente para que depois eles não abandonem a iniciativa que foi apontada. Então a nossa ideia é fazer esse mapeamento, mas atentando para aquilo que para eles faz sentido”, argumenta o professor.
Uma segunda equipe técnica, liderada pelo economista José Maílson Marques da Graça, fará uma consultoria de economia na comunidade, onde irão analisar as condições socioeconômicas, demográficas e de acesso à politicas publicas entre os moradores. Esse mapeamento vai permitir entender melhor as condições em que vivem as famílias, quais suas necessidades em temas como saúde, educação, transporte, etc. e assim facilitar a proposição de políticas públicas do campo para a comunidade. Com o resultado desta pesquisa será possível ter uma ideia mais clara do que fazer para melhorar as condições de vida na Terra Roxa.
Ao mesmo tempo em que ocorrem essas pesquisas, a equipe da CPT irá realizar uma série de atividades junto à comunidade, com oficinas de formação e rodas de conversa, onde serão abordados importantes tópicos formativos. Entre os assuntos discutidos estão os direitos humanos, a violência contra a mulher, as formas de acesso às políticas públicas e as formas inaceitáveis de trabalho – especialmente o trabalho escravo e trabalho infantil. A equipe técnica também irá apresentar todo um programa de capacitação em práticas agroecológicas com o objetivo de auxiliar os agricultores a aproveitar ao máximo os recursos de seus lotes.
As expectativas
De acordo com a visão da OIT, trata-se de uma iniciativa fundamental para promover o trabalho decente e a melhor as condições de vida das famílias do Alto Xingu, que é uma região tão marcada pelos altos índices de trabalho escravo e vulnerabilidade social. São atividades que podem aumentar a autonomia econômica da comunidade e fortalecer a organização comunitária. “Este fortalecimento organizacional é uma estratégia fundamental para a superação da pobreza, pois permite que as famílias tenham maior controle sobre suas atividades econômicas e acesso a políticas públicas de apoio. A assistência técnica e a capacitação em práticas agroecológicas, oferecidas pelo projeto, buscam promover a produção sustentável de culturas como o cacau e a apicultura, que ajudam a diversificar as fontes de renda das famílias. A diversificação econômica, por sua vez, reduz a dependência de trabalhos precários e as condições que poderiam levar à exploração”, explica Erik Ferraz, oficial de projetos da OIT. “Esse projeto se alinha com o objetivo maior da OIT de combater a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, promovendo o trabalho decente como um direito básico e essencial para o desenvolvimento sustentável”, completa Ferraz.
O educador popular da CPT, Gilberto Santos, acrescenta que o fortalecimento da agricultura familiar é fundamental para proteger as famílias contra a superexploração. “Fortalecendo a agricultura familiar, estamos rompendo com o ciclo de trabalho escravo. É uma família a menos, é uma comunidade a menos que está nesse ciclo do trabalho escravo, com potencial para ser vítima do trabalho escravo”.
A presidenta da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Terra Roxa, Maria Francisca da Rocha, demonstrou confiança nos resultados que serão alcançados pelo projeto, especialmente no âmbito do fortalecimento organizacional. “[Os parceiros] estão vindo, visitando, dialogando, conversando com os sócios, pra se organizar mais. Porque faz mais união para fortalecer o trabalho. A gente está se organizando pela associação. E a todo vapor, as pessoas que estão fora estão querendo se organizar, estão fazendo o cadastro. Então, está vendo que as coisas estão andando mais ligeiro do que antigamente”, enfatiza a representante da comunidade.
O seminário de abertura
O Projeto Terra Roxa teve seu marco inicial em um evento que, além de reunir os moradores, contou com música, arte e dança. A CPT e seus parceiros apresentaram as atividades planejadas e os representantes do MPT e da OIT marcaram presença virtual, saudando a comunidade por vídeo. Nos dias anteriores, realizou-se uma série de oficinas culturais em busca do fortalecimento da identidade e da autoestima da comunidade, tendo como instrumento de trabalho geotintas artesanais que foram coletadas por um mutirão dos moradores com ajuda da oficineira Carla Menegaz. As tintas fabricadas com diversas cores de terra foram utilizadas por adultos e crianças como forma de expressar seu pertencimento à Terra Roxa.
Também foi apresentado pela equipe de comunicação o início da produção de um documentário sobre a história da comunidade, que será realizado pela parceira Radio Margarida. Ao mesmo tempo foi lançada a campanha de comunicação, pela parceira La Luna, com o objetivo de fazer a ampla divulgação das ações do projeto nas redes sociais e que incluirá a construção do site próprio e de um canal no YouTube. Desta forma, o trabalho da equipe de comunicação servirá para guardar a história da comunidade aproximando as gerações passadas e futuras, preservando a memória da Comunidade Terra Roxa e sua luta pela terra, por direitos, por trabalho decente e por uma vida digna no campo.
Créditos: Equipe CPT Alto Xingu
Segundo dia do Encontro de Povos e Comunidades do Cerrado se pautou no tema “Terra e Território”, repleto de reflexões, relatos e denúncias sobre as resistências e violências que permeiam as lutas no campo
Na manhã do segundo dia do encontro “Das re-existências brota a vida”, a mística de abertura foi proposta pelas lideranças quilombolas. Enaltecendo a ancestralidade - como passado, presente e futuro dos povos -, a celebração refletiu a valorização da terra e dos territórios, finalizada com cantos e com a benção das sementes, que simbolizam a continuidade e a resiliência das vidas que brotam das re-existências.
Após a mística, teve início a roda de conversa “Terra e Território”, que contou com as contribuições e partilhas do Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piaui, nas pessoas de Ariomara Alves e de Juarez Celestino. Também, integraram a roda Clara Barbosa, indígena Guarani-Kaiowá (Retomada Laranjeira Ñanderu, Mato Grosso do Sul), o trabalhador rural e coordenador da CPT Goiás Gerailton Ferreira (Assentamento Padre Ilgo, Goiás) e a advogada popular Aryelle Almeida (Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais, AATR-Bahia).
Juarez Celestino, que é liderança da comunidade tradicional ribeirinho-brejeira de Melancias-PI, que acolheu o evento, iniciou sua fala fazendo memória aos processos de luta no território. Ele explicou que a área da Comunidade Melancias era devoluta - uma parcela das terras públicas que não possui uma destinação específica pelo poder público e que não faz parte do patrimônio de um particular -, sendo ocupada pelas famílias que hoje vivem, trabalham e tiram seu sustento dessa terra.
“A gente vem enfrentando toda essa batalha, toda essa luta e resistência, para termos nosso território livre”, expressou Juarez, que denunciou o cotidiano de ameaças e violências contra a comunidade e suas lideranças por parte de grileiros que tentam usurpar as terras. Ele relatou que as famílias colhem os frutos do Cerrado, valorizando e os beneficiando para sua subsistência e renda, mas com a chegada do “desenvolvimento”, começaram a limitar o acesso da comunidade aos frutos.
São muitos anos de luta pela comunidade, em defesa do território, do seu direito à terra e também pela preservação do Cerrado, que dá vida em abundância, água e muitos frutos. Juarez afirma que estar a frente nos enfrentamentos pela conservação do bioma e a vida de seus povos não é uma tarefa fácil, mas é coletiva. As investidas contra a comunidade são várias, desde intimidações e ameaças contra lideranças, até a devastação do território, com queimadas criminosas e desmatamento ilegal por parte dos fazendeiros interessados na exploração da área, que só permanece preservada graças a resistência das famílias ribeirinhas.
“Sou um dos batalhadores para que pelo menos esse nosso pedaço de Cerrado permaneça de pé, e isso faz com que eu seja uma pessoa ameaçada”, relatou Juarez.
Resistindo e insistindo no direito de existir, Ariomara Alves é do Território tradicional ribeirinho-brejeiro da Barra da Lagoa-PI, e integra o Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piaui, reafirmando a juventude organizada em defesa dos territórios e do bem viver. Ela explica que o coletivo surgiu em 2018, com apoio e acompanhamento da CPT, e que antes as lutas eram feitas individualmente por cada comunidade, até que perceberam a importância de se unirem, se fortalecerem e avançarem nas lutas. “Nós lutamos para que nosso modo de vida seja continuado e que as gerações futuras tenham a permanência garantida nesse território”, explicou a liderança. Ariomara afirmou que, se hoje ainda existe Cerrado, é porque os povos e comunidades tradicionais e originárias são guardiãs e guardiões de toda a sociobiodiversidade do bioma.
“Aqui somos diversos povos: ribeirinhos, brejeiros, quilombolas, indígenas… e nossas causas são comuns, nós somos unidos pela resistência. Nós sabemos o quanto sofremos diariamente, lutando por terra e território, pela nossa permanência, pelo nosso Cerrado e nossas vidas”, refletiu Ariomara.
Para garantia dos territórios livres e do direito à terra, é preciso pensar um novo modelo de reforma agrária, afirmou Gerailton Ferreira, que além de agente pastoral e coordenador da CPT Goiás, também é trabalhador rural assentado no Assentamento Padre Ilgo-GO. Ele alerta que o atual modelo de reforma agrária não atende os povos e trabalhadores do campo, e não os deixam livres dos arrendamentos e dos agrotóxicos. “Nós estamos resistindo às titulações nos assentamentos, para impedir que o capital invada os territórios com essa especulação destrutiva que só visa o lucro”, declarou.
O agente refletiu, ainda, sobre a importância de um projeto de reforma agrária popular, que não apenas garanta o acesso à terra, mas também as condições necessárias para que as famílias tenham uma vida digna no campo.
“Não é possível pensar uma reforma agrária de sucesso se as pessoas nos assentamentos não tem uma casa digna para morar. A gente precisa mudar essa realidade, para que as famílias cheguem à terra e consigam acessar as políticas públicas de assistência e de incentivos à agricultura familiar”, explicou Gerailton.
Expondo a realidade de luta e resistência dos povos Guarani-Kaiowá, Clara Barbosa, da Retomada Laranjeira Ñanderu-MS, refletiu sobre o direito ancestral dos povos indígenas em retomarem seus territórios.
“Nós queremos a devolução dos nossos territórios. Eu nem digo demarcação, a gente quer de volta o que nos foi roubado quando os invasores chegaram aqui, pois em 1500 nós perdemos tudo, principalmente nossa autonomia”, manifestou.
Clara afirmou, ainda, que os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas se identificam na luta pelos seus territórios, pois compartilham o sofrimento, mas também a resistência. Durante sua fala, a liderança também alertou para a violência do agronegócio e dos projetos de morte contra as comunidades e territórios. “O agronegócio é um monstro sem alma que não se controla. Ele vê uma árvore e não enxerga que ela está cheia de vida, ele vê notas de dinheiro”, refletiu.
Seguindo o testemunho de Clara, a advogada popular Arielly Almeida, da Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais-BA, abriu sua fala reverenciando a resistência dos povos indígenas e como esses são referência de luta, mas também de resiliência ao longo destes 524 anos. “As comunidades tradicionais têm muito o que aprender com os povos originários, pois eles são precursores dessas lutas. Nós [povos negros], que fomos sequestrados nos nossos territórios além-mar, fomos acolhidos pelos povos originários, que nos ensinaram a sobreviver e a resistir nesse território renomeado Brasil”, iniciou Arielly.
A advogada explicou que a AATR foi criada há 45 anos, nascida na Bahia, pela necessidade de fortalecer e fornecer acompanhamento e assistência jurídica aos povos do campo e trabalhadores rurais, frente às violências que enfrentam decorrentes dos conflitos. Além, ainda, de promover formação popular, com o intuito de proporcionar, para as comunidades e lideranças, propriedade sobre o processo jurídico, dando ao povo poder de compreender e decidir sobre todos eles.
Percebendo que os conflitos territoriais estavam se expandindo, especialmente na região do MATOPIBA - fronteira agrícola que corresponde às porções de Cerrado entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia - e afetando cada vez mais os defensores de direitos humanos e as comunidades camponesas, a AATR passou a dialogar e atuar com os estados vizinhos.
“Esse mecanismo da grilagem acontece de forma muito parecida em todos esses territórios que compõem o MATOPIBA. Por isso, nós buscamos nos fortalecer em rede com outros advogados e advogadas populares que estão em outros contextos e estados. A gente chega nos outros estados muito na ideia e intenção de contribuir com as nossas experiências, de compartilhar o que tem dado certo e o que não tem funcionado”, afirmou Arielly.
Após as contribuições da mesa, a fila do povo tomou corpo para as falas-denúncia e os depoimentos de vida e luta dos povos em seus territórios e comunidades. Expedito Ribeiro, do Assentamento Flores-PI, manifestou que, para a luta, é preciso organização. “Nós temos que nos unir e organizar como classe, sem medo, porque com medo não se vence a guerra”, declarou.
Pela tarde, os participantes se dividiram em pequenas rodas, de acordo com suas identidades camponesas e de povos das florestas, para refletirem e definirem coletivamente sobre o fortalecimento das lutas pela articulação e organização dos povos do Cerrado. Após os diálogos, representantes de cada grupo partilharam sobre as discussões, reafirmando as resistências frente às violências do latifúndio, do agronegócio e dos grandes projetos, pois “na luta do povo, ninguém se cansa!”.
Famílias estão há mais de 12 anos na área, situada às margens da estrada vicinal José Pinto Sobral, próxima ao Município de Álvares Florence (SP)
Por Heloisa Sousa e CPT SP
Na última sexta-feira, 08, o Acampamento Vale do Amanhecer, no município de Álvares Florence (SP), realizou uma Assembleia Geral junto à Comissão Pastoral da Terra Regional São Paulo (CPT-SP). A atividade ocorreu após audiência no fórum de Votuporanga (SP) para tratar da reintegração de posse das mais de 300 famílias do acampamento.
“Nós, da CPT São Paulo, estamos acompanhando esse processo com as famílias acampadas no município de Álvares Florence. A prefeitura local pediu a reintegração de posse da área, que é de domínio da prefeitura e está às margens da rodovia, onde as famílias estão acampadas há 12 anos”, explica Eduardo Cunha, advogado da CPT que acompanha a situação.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Estado de São Paulo (Incra-SP), se fez presente por meio da superintendente Sabrina Diniz, que apontou caminhos que podem ser seguidos para a resolução do conflito. As assessorias dos deputados Nilto Tatto (PT) e Ana Perugini (PT) representaram os parlamentares e se colocaram à disposição das demandas apresentadas.
Segundo Eduardo, boa parte do processo transcorreu sem que os advogados da CPT, que atuam no processo, fossem intimados. “Desse modo, o juiz deu uma sentença concordando com a tese da procuradora do município e nós subimos uma apelação por cerceamento de defesa”, explica.
Sabrina Diniz se propôs a dialogar diretamente com quem, atualmente, possui a propriedade. Na próxima semana, a superintendente irá protocolar um documento apresentando o interesse do Incra na área.
Vale salientar que a terra reivindicada é uma fazenda grilada por fazendeiros ligados ao agronegócio. “As tratativas serão realizadas para que possamos fazer deste grilo um assentamento que produza alimentos saudáveis e ajude a combater a carestia”, destaca Eduardo.
“Acreditamos que, diante de toda essa movimentação, essa reintegração de posse vai ser de fato suspensa. Isso para nós é muito bom porque não ter despejo é muito significativo, mas as famílias também concordam que estão em uma área de risco, às margens da rodovia. Então, estamos tentando sensibilizar a prefeitura para que arrume um local seguro que abrigue o acampamento”, completa Eduardo.
A Comissão Pastoral da Terra São Paulo, acompanha essa demanda por meio dos agentes pastorais e pela assessoria Jurídica, considerando que o princípio pastoral é nenhuma família sem teto, nenhum camponês sem terra e nenhum trabalhador sem direitos.
Por CPT Roraima
Foto: CPT-RR
Nos últimos meses, a comunidade ribeirinha de Panacarica, no Baixo Rio Branco, no município Caracaraí (RR) tem sofrido com a seca do Rio Negro. A falta das chuvas tem afetado a comunidade pelo segundo ano seguido.
As 23 famílias que vivem na região, caminham cerca de 1.600 metros para acessar o lugar mais próximo onde podem buscar água. Já perderam safras de melancia e os pés de banana, além de ter a saúde prejudica pela falta do recurso.
“Nós já estamos há dois meses nessa luta e está sendo difícil. Está sendo mais difícil pros idosos, as crianças não podem tomar banho de manhã pra ir pra escola, a gente tá na luta aqui. A gente apara a água da chuva, mas tem dias que nem chover, chove. Já tem mais de quinze dias que não chove”, conta uma das moradoras da comunidade. Ela explica ainda que já solicitou um motobomba e caixa d’água para representantes públicos, mas não obteve resposta.
Em parceria com a Diocese de Roraima, a CPT-RR mantém essa presença solidária nas comunidades da região do Baixo Rio Branco. “Vendo a situação dessas mudanças climáticas e a situação que as comunidade vêm enfrentando, estamos apoiando e pedindo essa ajuda para os povos da águas por meio de uma Campanha Solidária”, explica Vilma Augusta da Silva, coordenadora da regional CPT-RR.
Solidariedade
A CPT Roraima está realizando uma Campanha Solidária em prol da comunidade ribeirinha de Panacarica. Com objetivo de angariar recursos para a aquisição de um motobomba, mangueiras e caixas d’água que possam ser utilizadas pela comunidade nesse período de seca.
Para ajudar, basta enviar qualquer quantia para os dados abaixo:
Banco: Itaú
Agência: 1352
Conta corrente: 226540
Comissão Pastoral da Terra - Regional Roraima
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