COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Personagem emblemático no Pará, em todo o Brasil e no planeta, por sua luta contra a ditadura militar, o padre francês François Gouriou fez sua Páscoa na França, neste domingo (9).

 

Por Franssinete Florenzano | Portal Uruá-Tapera

Naquele fevereiro de 1978, quando o bispo Dom Estevão Cardoso de Avelar apresentou os padres franceses Francisco Gouriou como pároco de Xinguara e Aristides Camio, de São Geraldo do Araguaia, ambos da Congregação “Missions Etrageres de Paris”, ligados às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), à população local, o clima era muito pesado. O último padre que tinha passado por São Geraldo tinha sido o italiano Florentino Maboni, que em 1976 foi à área de Perdidos, enviado por Dom Estevão para apoiar os posseiros que tinham entrado em confronto com a Polícia Militar quando técnicos do Incra tentaram demarcar as terras da IMPAR – Indústria Madeireira Paraense e Agropecuária do Pará Ltda., do grupo Indústria Óleo Pacaembu. Em confronto armado, dois policiais foram mortos e dois saíram feridos. O Exército interveio. Cinquenta policiais entraram na área, queimaram casas, prenderam e torturaram cerca de cem pessoas. Trinta posseiros foram presos e levados para Belém, enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Padre Florentino Maboni e o seminarista Hilário Lopes, que o acompanhava, foram presos e torturados. Hilário foi liberado algum tempo depois, mas Maboni foi levado preso para Belém e, sob tortura, denunciou Dom Estevão às Forças Armadas e à imprensa.

Durante o governo do general presidente João Baptista Figueiredo, a tensão política entre parte da igreja católica e os militares culminou, no dia 13 de agosto de 1981, em confronto entre posseiros de São Geraldo do Araguaia (PA) com agentes da Polícia Federal e do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), ligado ao Conselho de Segurança Nacional, matando Luiz Antônio dos Santos Trindade Nunes, gerente na Fazenda Cajueiro, de um deputado do PDS, o partido de situação. Os padres Francisco Gouriou e Aristides Camio foram presos pela PF, acusados de incitar os posseiros à violência e enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Nos dias 21 e 22 de junho de 1982, a sessão do Conselho Permanente de Justiça da 8ª Região Militar, com sede em Belém, durou vinte horas e condenou os dois missionários católicos franceses e 13 posseiros por crime contra a segurança nacional. As penas variaram entre 8 e 15 anos. A maior delas foi aplicada ao padre Aristides Camio, acusado de ter incitado os lavradores à revolta. François Gouriou foi condenado a 10 anos. As penas foram menores para os posseiros. A maior, de 9 anos, foi a do líder do grupo, João Mathias, que não esteve presente à leitura da sentença por ter sido internado de madrugada no Hospital da Aeronáutica. Os demais foram sentenciados a 8 anos.

As prisões de padres franceses e agricultores paraenses pela ditadura militar mobilizaram entidades e movimentos sociais até a libertação deles, em 17 de dezembro de 1983. Durante o julgamento e condenação das 15 pessoas, a coordenação do Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia orientou a quem não poderia acompanhar o momento que acendesse uma vela e a colocasse no parapeito da janela como manifestação de solidariedade. Foi uma grande comoção. No dia do julgamento, a polícia encurralou manifestantes dentro da Igreja da Trindade, que ficou cercada; ninguém entrava e nem saía.

Grupos cristãos, católicos, luteranos e também de religiões de matriz africana e inclusive ateus integraram uma rede solidária que se estendeu por todo o Brasil, outros países da América Latina e mundo afora. Durante o Círio de Nazaré, em 1981 e 1982, o MPLPA abriu uma faixa bem no meio da procissão, para todos verem. Uma das vezes, em frente ao arcebispo Dom Alberto Ramos.

Em 1983, em razão das articulações internacionais, o governo federal decidiu mudar a Lei de Segurança Nacional. E em 11 de novembro de 1983, por coincidência no mesmo dia em que foi inaugurada a Paróquia Cristo Libertador, construída em homenagem aos padres, eles foram libertados. Durante os dois anos, três meses e dezoito dias em que estiveram presos, os padres franceses e os posseiros do Araguaia ficaram em diferentes cárceres: do Grupo de Trabalho Araguaia Tocantins (GTAT), em São Geraldo do Araguaia; 2º Batalhão de Infantaria de Selva; no Comando Militar Aeronáutico (Comar), na sede da Polícia Federal, no Presídio São José (somente os agricultores), em Belém (PA) e no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.

Vá em paz, padre François Gouriou!

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