Aproximadamente 2000 camponeses caminham 40km por condições dignas para trabalhar e viver no campo
Por Lara Tapety | CPT Alagoas
Fotos: FNL, MST e CPT
Com o objetivo de pautar o avanço nas políticas públicas para a agricultura familiar camponesa, as organizações e movimentos sociais do campo de Alagoas estão realizando juntas a Marcha Estadual em Defesa da Democracia e da Reforma Agrária, que saiu de Messias nesta segunda-feira, 07, e segue para Maceió, capital alagoana. Aproximadamente 2000 camponesas e camponesas estão na caminhada de 40km.
A marcha tem paradas e um conjunto de atividades pelas cidades que passa, com intuito de dialogar com a população sobre a importância da agricultura familiar camponesa e a urgência da reforma agrária para o desenvolvimento do estado e do país, especialmente, para o combate à fome e para a geração de renda.
“É fundamental que a luta dos camponeses e camponesas seja abraçada também por quem vive nas pequenas e médias cidades. Queremos debater com a sociedade o papel da agricultura familiar e camponesa para o desenvolvimento do nosso estado e do nosso país”, apontou Carlos Lima, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
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A ação pretende, ainda, retomar agendas e negociações com os governos estadual e federal, na perspectiva de pautar o desenvolvimento dos assentamentos rurais, além do prosseguimento na negociação das áreas onde hoje famílias Sem Terra vivem acampadas.
De acordo com as organizações, existe uma grande dificuldade de escoar a produção de alimentos das comunidades, por exemplo, por falta de estradas e de apoio para a realização de feiras livres. Já em relação aos acampamentos, algumas áreas emblemáticas foram prometidas pelo governo estadual para fins de reforma agrária há muitos. Esse é o caso das terras da massa falida do grupo João Lyra, ocupadas há 14 anos. Mesmo após um acordo feito entre o Estado e a Justiça, em 2016, as famílias camponesas ainda aguardam um desfecho positivo do caso das usinas Guaxuma e Laginha.
“Teremos dias de caminhada atravessando parte do estado com nossas bandeiras, palavras de ordem e reivindicações na intenção de chegar em Maceió com a força coletiva dos camponeses e camponesas que cotidianamente se organizam nos mais diversos acampamentos e assentamentos pelo estado, produzindo alimentos saudáveis, construindo solidariedade e resistindo na defesa do desenvolvimento do nosso estado”, falou Débora Nunes, da coordenação nacional do MST.
A mobilização, que continua até amanhã, 08, é um iniciativa conjunta da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Frente Nacional de Luta (FNL), do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), do Movimento de Luta pela Terra (MLT) e do Terra Livre.
Lideranças indígenas do povo Tembé são baleadas na manhã de hoje, 07/08, durante preparativos para recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Tomé-Açu/PA. Segundo relatos, três lideranças foram baleadas por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fulls – BBF, sendo duas mulheres e um homem. Uma das vítimas afirma em áudio que pegou dois tiros, sendo um no ombro e outro na coxa.
Em razão de estar filmando a ação, Daiane Tembé foi o principal alvo, atingida no pescoço e no maxilar. Neste momento está sendo levada para Belém/PA por meio da UTI aérea. Todos os demais estão recebendo atendimento médico. Ainda há dois indígenas desaparecidos.
Este é mais um dos atentados cometidos contra o povo Tembé, que denuncia a violação de direitos humanos e a falta de consulta prévia, livre e informada no empreendimento de plantação de dendê da BBF. Durante a abertura dos Diálogos Amazônicos, na última sexta-feira, 04/08, Kauã Tembé, 19 anos, também foi baleado e o principal suspeito da ação é um segurança da empresa.
A cerca 200km de Belém/PA, sede do epicentro global de debates sobre mudanças climáticas e alternativas para a proteção de povos e comunidades tradicionais na Amazônia — e que nos dias 08 e 09 de agosto é palco da Cúpula da Amazônia, que reunirá os presidenciáveis e autoridades da Panamazônia —, Tome-Açú testemunhou, em menos de uma semana, atentados contra quatro lideranças indígenas, que foram alvejadas com tiros e sangram na luta pela defesa de seus territórios.
Então, nesse momento, fica o questionamento: quantos indígenas precisam ser baleados ou morrer para chamar a atenção dos órgãos públicos para a responsabilização dos culpados pelos atentados e para garantir a proteção das comunidades indígenas do Alto Acará.
Diante da gravidade da situação e destes recorrentes ataques, exigimos que sejam tomadas providências urgentes no sentido de investigar e apurar rigorosamente estes crimes, com a devida responsabilização dos culpados. Também, exigimos que o governo estadual e federal adote as providências para a solução do conflito territorial existente, garantindo e resguardando os direitos das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. É necessária a intervenção da Polícia Federal.
Tomé Açu/PA, 07 de agosto de 2023.
Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu – AITVA Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu – AITTA Associação Indígena Turiwara do Braço Grande – AITBG Comissão Pastoral da Terra - CPT
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST Movimento dos Atingidos Por Barragens - MAB
Comissão de Direitos humanos da OAB/PA Coletivo de Direitos Humanos na Amazônia Maparajuba
Instituto Zé Claudio e Maria - IZM Comitê Dorothy
Rede Liberdade Instituto Dom Azcona
Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos
Cimi Regional norte 2
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais – WRM
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU
Gesterra (Grupo de estudo sociedade, território e resistência na Amazônia)/Icsa/UFPA (Marcel Hazeu e Solange Gayoso)
A atividade reuniu agentes da CPT e assentados da reforma agrária de sete estados que integram o Cerrado
Por Júlia Barbosa | CPT Nacional
Foto: Júlia Barbosa | CPT Nacional
O I Encontro dos Assentados e Assentadas do Cerrado debateu pautas importantes relacionadas à Reforma Agrária, sobre suas potencialidades e desafios para garantia do direito pleno, não apenas para o acesso à terra, mas especialmente para a permanência na mesma. O encontro aconteceu no Centro Pastoral Dom Fernando, em Goiânia, nos dias 28 e 29 de julho, e reuniu cerca de 40 pessoas, entre agentes e assentados, de sete estados brasileiros que fazem parte do Cerrado: Goiás, Minas Gerais, Roraima, Maranhão, Piauí, Tocantins e Mato Grosso do Sul.
Uma rodada de apresentações iniciou o Encontro, debaixo de uma árvore mangueira, e deu sequência a uma mística que motivou o grupo a refletir palavras que representassem a luta pela terra, desde as ocupações e os acampamentos até os sonhados assentamentos da Reforma Agrária. No momento, os assentados e as assentadas expressaram palavras como resistência, união, partilha, rebeldia, sonho e vitória, mas também foram lembradas as dificuldades e as violências sofridas em todo esse processo.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
O Incra e a Reforma Agrária no Brasil
Após o momento de acolhida, teve início uma mesa de análise de conjuntura sobre o contexto da Reforma Agrária no Brasil atual, que contou com a presença de Marcelo Gosch, Perito Federal Agrário e Superintendente substituto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/GO). Gosch apresentou dados sobre a reforma agrária no país, ressaltando que o Brasil é um dos países que mais concentra terra do mundo, sendo o 5° país com maior concentração fundiária da América Latina, seguindo a medição pelo índice de Gini da distribuição da posse da terra.
Além disso, o Superintendente afirmou que a realidade ainda é atual no Brasil, que continua colocando o agronegócio como o maior beneficiário dos programas de incentivos federais, como o Plano Safra, que se mantém desigual em relação à agricultura familiar, que continua renegada. “Se não houver organização social para cobrar do Incra e do Governo Federal, as coisas não vão acontecer. Se as famílias conseguem acesso aos créditos, ao fomento e às políticas públicas, elas levantam a cabeça e a coisa segue, mas se isso não acontece, as pessoas vendem, vão embora, abandonam. Por isso, a organização social também é muito importante", considerou Gosch.
Dificuldades enfrentadas pelo Incra também foram apontadas por Gosch como um dos desafios a serem superados para a garantia dos direitos e viabilidade do trabalho da instituição junto às comunidades: "A gente precisa da estruturação do Incra para isso também, porque se não tiver estrutura, recurso e tudo mais, a gente não consegue fazer com que as políticas públicas cheguem até as comunidades. Não tem como a gente avançar sem a parceria das comunidades, dos movimentos e organizações sociais”, afirmou.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
Realidade dos assentamentos no Cerrado
Após uma fila do povo, em que os assentados e assentadas puderam fazer apontamentos e perguntas ao Superintendente Gosch, deu-se início a exposição dos dados de duas pesquisas. A primeira, com foco em Goiás e Mato Grosso do Sul, foi coordenada por agentes da CPT da Grande Região Centro Oeste. Já a segunda pesquisa apresentou um panorama geral sobre os 56 assentamentos acompanhados pela CPT no Cerrado, e contou com a contribuição de professores do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) e da estagiária Melyssa Silva (IESA/Labotter).
A pesquisadora e agente da CPT Valéria Santos e o agente da CPT e agricultor familiar Gerailton Ferreira detalharam informações levantadas pelas pesquisas. De acordo com o levantamento, nas áreas de Cerrado, somam-se 2.984 assentamentos, totalizando quase 14 milhões de hectares de terras destinadas a cerca de 299.848 famílias. As pesquisas buscaram entender questões relacionadas à titulação dos assentamentos, dificuldades enfrentadas, produção e comercialização, acesso a políticas públicas e impactos da utilização de agrotóxicos.
Partindo dos resultados apresentados, bem como das considerações do perito agrário Gosch, os assentados e assentadas apontaram os desafios percebidos no dia a dia ds assentamentos rurais, além de suas perspectivas e inquietações. Entre as dificuldades mencionadas, a falta de políticas públicas, a ausência de fiscalização e o abandono governamental foram as com mais evidência. Em relação às expectativas, o grupo pautou o enfrentamento ao agronegócio, regularização dos acampamentos e retorno aos trabalhos de base.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
"A gente vê tanta gente que morreu procurando direito nosso e nós não podemos ir atrás também? A gente não pode só esperar alguém fazer algo pela gente, nós precisamos ir também. Não é do jeito que eles estão pensando, às vezes também não é do meu jeito, mas a gente junta e vamos chegar a um denominador comum e que a gente possa melhorar a comunidade”, afirmou Alice Álvares, assentada da reforma agrária no Assentamento Teijin, Mato Grosso do Sul.
Ao final do primeiro dia, uma mística apresentada pela agente da CPT Simone Oliveira ilustrou os desafios e as potencialidades da preservação do Cerrado, seguida de um momento de trocas de sementes, que foram trazidas pelos próprios agricultores e agricultoras diretamente de seus assentamentos.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
Perspectivas para a Reforma Agrária
O segundo dia do Encontro se pautou mais profundamente sobre as potencialidades, as perspectivas de lutas e as oportunidades para a reforma agrária no contexto do atual governo. Nesse sentido, o coordenador executivo nacional da CPT Carlos Lima ressaltou a luta pela conquista da terra: “A constituição brasileira era uma oportunidade de fazer reforma agrária e não foi feita. Nós não ganhamos terra, nós conquistamos terra. Muitos companheiros e companheiras tombaram nessa luta, então nós somos lutadores por terra”, destacou.
Em seguida, o agente da CPT no Mato Grosso do Sul Valdevino Santiago evidenciou a importância da união dos trabalhadores não só até a conquista da terra, mas também após o assentamento das famílias, para a continuidade das lutas: “Hoje, nós vamos falar de nós pra nós mesmos, para a gente sentir e refletir qual é o nosso papel enquanto trabalhadores assentados. Ontem, a gente falava que quando estávamos acampados a gente era mais unido, era mais fácil construir as coisas e depois que conquistamos o assentamento nos tornamos individualistas”, afirmou.
Valdevino também ressaltou a luta pelo bem viver no contexto da reforma agrária. Segundo ele, há dois projetos em conflito: o da terra para o bem viver e o da terra para negócios. “Existe a terra de viver e a terra de produção – Não é só ter a terra para produzir, mas a terra para viver bem, para viver em comunidade. A CPT reflete, sistematiza e reforça o que é para nós o bem viver. Então, nós temos que ter isso como argumento, bem viver pela qualidade de vida nos assentamentos”, enfatizou.
Foto: Júlia Barbosa | CPT Nacional
Na fila do povo, agentes, assentados e assentadas levantaram questões importantes para a reflexão coletiva, como a participação em espaços políticos estratégicos, o retorno ao trabalho de base e o fortalecimento de associações nos assentamentos. Nesse sentido, Valéria Santos pontuou sobre a necessidade de diálogos e entendimento concreto por parte dos trabalhadores e trabalhadoras a respeito de um projeto político popular, com participação nas discussões das políticas públicas para os assentamentos, não só nos micros-espaços.
Na dinâmica de grupos, os assentados e assentadas discutiram e apresentaram suas expectativas e demandas, que permearam pela defesa da Reforma Agrária Popular, na luta não só pela terra, mas por condições de vida digna, com garantia de saúde, educação, infraestrutura, lazer e políticas públicas aos assentamentos, com a criação de possibilidades para a permanência na terra.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
O Encontro se encerrou com cantos populares e abraços compartilhados, no esperançar da luta e na certeza da força política e mobilizadora do povo para conquista dos direitos plenos e do bem viver.
Fotos Júlia Barbosa | CPT Nacional
Sob o tema “Haverá Justiça e Reparação? ”, evento reuniu autoridades e representações da sociedade civil organizada, em busca de respostas para andamento do caso
Por Steffanie Schmidt, colaboradora da Ascom - Cimi Regional Norte I
Edição: Carlos Henrique Silva - Comunicação CPT Nacional
Foto: Steffanie Schmidt, colaboradora da Ascom - Cimi Regional Norte I
A mobilização da sociedade civil pela apuração do caso que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis, no Amazonas, trouxe para o debate público a cobrança sobre o andamento do procedimento de denúncia dos envolvidos, ante à constatação do inquérito da Policia Federal (PF) da existência de provas e indícios do envolvimento de agentes públicos de segurança no crime.
O evento organizado pelo laboratório Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – espaço vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), aconteceu entre os dias 02 e 04 de agosto (quarta e sexta-feira), no auditório Rio Solimões, do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), com a memória do caso e atualização sobre o andamento dos procedimentos investigatórios.
Uma série de torturas, ameaças e violações aos direitos humanos foram cometidas por policiais militares entre os meses de agosto e setembro de 2020, sob o pretexto de combate ao tráfico de drogas e à quadrilha que supostamente aterrorizava a comunidade. No entanto, conforme relato da população e parentes das vítimas, a ação policial incluiu prisões ilegais, tortura, humilhações, ameaças, entre outras práticas que denotam a intenção de vingança pela proibição feita pelos comunitários ao ex-secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, de adentrar a Terra Indígena (TI) Kwatá Laranjal para a prática de pesca esportiva.
Ele esteve no local no dia 24 de julho de 2020, a bordo da embarcação Arafat e alega ter sido atingido por um disparo, fato que nunca foi comprovado. Dois dias depois, quatro policiais militares à paisana, à bordo do mesmo, adentram o local, o que provocou confronto e dois policiais morreram, desencadeando a operação por parte do Governo do Amazonas.
A sucessão de acontecimentos que levou à execução de seis pessoas e deixou duas desaparecidas nas comunidades que vivem ao longo do rio Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus), em agosto de 2020, deixa clara a violação de direitos humanos cometida por agentes a serviço do Estado.
“Utilizar a estrutura pública para atender interesses pessoais é uma prática que percebemos na Amazônia em geral, seja na omissão ou em ações efetivas. Aliado a esse contexto, temos órgãos públicos federais sucateados e sem estrutura para cumprir sua missão. O caso da morte de Bruno e Dom, no Vale do Javari, demonstrou isso. A Comissão Pastoral da Terra lançou o relatório que apontou o aumento de conflitos no campo e, tudo isso, em um contexto de Amazônia que tem a maioria dos deputados a favor do garimpo. É um grande desafio somar forças para seguir denunciando”, afirmou o ex-deputado José Ricardo, que também participou da mesa de abertura. Na ocasião do mandato, integrou o trabalho de apuração do caso, no âmbito do coletivo.
No último dia 28 de abril, o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o coronel da Polícia Militar Airton Norte, foram indiciados pela Policia Federal. Ao todo, cerca de 130 policiais, entre civis e militares, suspeitos de participar das ações, são investigados. Antes disso, seis delegados chegaram a passar pelo caso, sem um resultado concreto.
“A PF fez o indiciamento de duas pessoas, ou seja, existem provas e indícios para acusar. O MPF se encontra em demora para apresentar a acusação e houve troca de procurador do caso. Que se possa levar isso adiante”, afirmou Paulo Barausse, padre jesuíta e membro do coletivo que participou das escutas junto à comunidade, na época do massacre.
Depois de três anos, o caso encontra-se na 2ª vara criminal da Justiça Federal à espera de denúncia. Na Procuradoria do 9ª ofício, responsável pela parte Criminal, Controle Externo da Atividade Policial, além de Custos Legis Tributário e Custos Legis Previdenciário, o caso está sem procurador responsável. Ainda não há denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF).
A falta de identificação e responsabilização dos envolvidos nos crimes tem sido um fator de influência na saúde coletiva vivenciada pelas comunidades.
O secretário nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione Torquato, membro do coletivo, lembrou que conflitos já aconteciam na região desde 2014 e que a situação era de conhecimento do Governo do Estado. Já havia, inclusive, denúncia no âmbito do MPF.
“O Governo do Amazonas autorizou esse massacre; o próprio governador, e hoje temos sofrido as consequências da irresponsabilidade dele. Quantas autoridades, juízes e delegados já passaram por esse caso? Quem teve a coragem e competência para dizer que o Governo é culpado? Nós sabemos que ele é culpado”. Um misto de dor, indignação e esperança marcou o segundo dia do ciclo de debates sobre Massacre do Rio Abacaxis, que trouxe representantes das comunidades ribeirinhas e indígenas dos rios Mari-Mari e Abacaxis, de Nova Olinda do Norte, para relatar as violações que vêm sofrendo desde a chacina, ocorrida entre os dias 03 e 09 de agosto de 2020.
Mesmo sob ameaças e correndo risco de morte, as vítimas cobram justiça em relação aos envolvidos. No dia em que se completa três anos do massacre, tristeza, desabafo, choro e também coragem estiveram presentes nos relatos de quem vivencia as consequências de crimes como abuso de autoridade, coação, agressões verbais e física, tortura e descaso.
A perda da liberdade de circulação na região, além da invasão maciça de todo o tipo de exploração ilegal como madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores e grileiros de terras, que foi intensificada após o massacre, foi unânime nas falas das sete pessoas que compuseram a mesa.
As vítimas relataram assistirem, desde 2021, a crescente invasão do território com embarcações carregando todo o tipo de riqueza da floresta, incluindo caça e pesca. “O rio ficou pior do que já era, ficou sendo saqueado sem que ninguém pudesse falar nada”, explicou a liderança. Eles cobram a construção de uma base de segurança da Polícia Federal no local, que chegou a ser prometida à época.
“Não estamos aqui para pedir indenização. Só queremos Justiça. Queremos que as pessoas que torturaram, que mataram, que estavam nesse movimento, sejam punidas. Perdemos nossas vidas, paz, liberdade e autonomia. Não matamos ninguém. Não roubamos ninguém. Não fizemos nada disso, mas estamos pagando”, afirmou uma liderança indígena do povo Maraguá.
“Nossos parentes pagaram por uma coisa que não tinham nada a ver. Foram mortos como se fossem um animal. Amanheceu o dia, e encontramos só o corpo, a cabeça estava toda estraçalhada. Na nossa área, do rio Mari-Mari tem uma placa, da demarcação, conseguimos com muita luta, há 20 anos. Agora estamos pedindo por socorro enquanto somos massacrados”, afirmou outra liderança indígena, do povo Munduruku.
“A lancha entrou no rio errado, eles alegam. Mas eles não estavam com um mapa ou um GPS? Do lado do governo parece que está tudo tranquilo. Às vezes dá vontade de desistir, mas peço ajuda de Deus e força pra lutar: se for para morrer, que eu morra vendo a justiça ser feita”, completou o indígena Munduruku.
Em meio a lágrimas e soluços, uma representante das vítimas silenciou o auditório, diante dos questionamentos: “Será que essas pessoas são dignas de usar essa farda? Será que elas têm esse direito? Esperávamos a chegada do nosso parente em casa e até hoje ele não apareceu. O que fizeram? Onde ele está? Também é um ser humano. Peço por Justiça, peço a Deus que me mostre onde ele está, o que aconteceu. Deus deu a vida e a liberdade a todos. Temos um advogado muito grande acima de nós, Deus. Uma hora vai sair a resposta”, relatou, emocionada. “Para nós, não é dinheiro não. Queria vê-lo de novo. É muito revoltante, triste o que aconteceu”, completou.
O evento organizado pelo laboratório Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – espaço vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), iniciou nesta quarta-feira (2), no auditório Rio Solimões, do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS).
Ao final, um jovem Maraguá, filho de liderança, pediu por oportunidades para os jovens da região que acabam sendo aliciados pelo tráfico de drogas e demais atividades criminosas. “Agora que a região passou a ser uma ‘novidade’, que ‘descobriram’ que existem pessoas, indígenas, venho pedir como um jovem: a gente quer é oportunidade. Como morador de lá, já passei por perdas para traficantes. O que tiverem de encontros, de oportunidades de aprendizados, nós queremos. Sinto esse prazer de lutar pelo meu povo, quero aproveitar para ter mais conhecimento”, afirmou.
As vítimas denunciaram ainda o clima de tensão e preconceito vivenciado na cidade por parte do poder público municipal que acaba contaminando a população local. Em Nova Olinda do Norte foi retirada a disciplina de língua indígena nas escolas.
O procurador da República no Amazonas, Fernando Merloto, responsável pelo 5º ofício do MPF, relacionado a populações indígenas e comunidades tradicionais, afirmou que os conflitos na região acontecem já há alguns anos e houve uma tentativa de mediar um ordenamento fundiário e pesqueiro na região, pelo MPF. “Temos aqui um procurador responsável agora para apurar os reflexos civis do massacre, paralelo ao acompanhamento criminal”, explicou.
O evento contou ainda com a participação da perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) Ana Valeska Duarte.
Por Andréia Silvério (Coordenação Nacional), Raione Lima e Francisco Alan (CPT Regional Pará)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
A Comissão Pastoral da Terra participa, durante os dias 03 e 04, de reunião descentralizada do pleno do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), encontro realizado em Belém (PA). Na abertura desta atividade, a CPT apresentou dados sobre conflitos no campo, com enfoque para realidade da Amazônia Legal e Pará, além de ter sido apresentado o Relatório final da Missão do Conselho à região oeste do Pará, realizada em maio deste ano.
Além desta reunião, até o dia 09 de agosto, o CNDH promoverá uma série de atividades e ações estratégicas de incidência no estado, alvo de elevado número de denúncias sobre violações de direitos humanos no campo e nas cidades. A atividade ocorre no mesmo período em que o Brasil e outros países da América Latina promovem dois eventos importantes também em Belém/PA: os Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia. Para participar estão mobilizados atores da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos públicos e organismos internacionais. Segundo a Secretaria Geral da Presidência da República, trata-se de momentos de escuta da sociedade civil e debate com o poder público para discutir o futuro da Amazônia, com enfoque na construção de políticas públicas e preservação da sociobiodiversidade.
Os dados trazidos pela CPT durante a reunião revelam a necessidade de que sejam realizados não apenas eventos de escuta da sociedade civil na Amazônia brasileira, mas ações concretas, em respeito ao meio ambiente e aos diferentes modos de vida das populações originárias e tradicionais, dentre tantas outras identidades sociais dependentes desse bioma.
Na Amazônia, é possível identificar o aumento do número de conflitos no campo, que ano após ano, concentra cerca de 60% do total de ocorrências de todo o País. Especialmente nos últimos 4 anos, entre 2019 a 2022, os posseiros, povos indígenas, sem terras, quilombolas e assentados foram as principais vítimas da violência decorrentes de conflitos. Dentre as principais ocorrências que vitimaram as famílias nesses co nflitos estão as invasões, a grilagem e a pistolagem, ameaças de expulsão e ameaças de despejos judiciais.
Nesse aspecto, o Relatório de Missão do CNDH ao Oeste do Pará, apresentado durante a reunião, destaca a necessidade de fortalecimento das ações de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos ameaçados de morte no estado, dentre tantas outras ações necessárias à cessação da violência e alteração deste cenário. De acordo com o documento, para além das medidas protetivas visando a proteção física, é necessário a promoção de ações articuladas que ponham fim às causas da violência.
Em relação às ocorrências de trabalho escravo na Amazônia Legal na última década, também apontadas pela CPT como uma forma de violência no campo, é possível identificar um decréscimo do número de casos, bem como em relação ao número de trabalhadores libertados. A queda dos números nesta série histórica está relacionada à diminuição do número de ações de fiscalização realizadas pelos órgãos públicos. Desde 2010, observa-se uma queda na proporção de estabelecimentos fiscalizados na Amazônia em comparação à totalidade do Brasil.
Ações concretas a serem adotadas pelo estado brasileiro diante do cenário de violência ano campo
Diante deste cenário, e considerando a importância do momento político que vivenciamos hoje no Brasil e especialmente na Amazônia, destacamos a necessidade da retomada e fortalecimento de algumas políticas públicas centrais, dentre elas:
a-) Estamos diante da necessidade premente de uma Reforma Agrária efetiva que garanta justa distribuição da terra, oferecendo condições reais de permanência das famílias assentadas em um ambiente seguro para produzir e comercializar seus alimentos, assegurando educação adequada para crianças, adolescentes jovens e adultos, acesso a saúde de qualidade, e a tantos outros direitos que lhes foram historicamente negados;
b-) É necessário avançarmos concretamente com uma política de demarcação e homologação de territórios indígenas, inclusive aqueles que são objeto de retomada pelos povos originários, garantindo-lhes o usufruto exclusivo sobre suas terras.
c-) Da mesma maneira, os Povos e Comunidades Tradicionais precisam ter seus direitos territoriais assegurados, com a devida valorização de seus modos de vida e reais condições de existência.
d-) O fortalecimento da Política de Proteção a pessoas defensoras de direitos humanos: violência no campo deve ser fatalmente combatida para que aqueles e aquelas que lutam por seus direitos - homens, mulheres, crianças, adolescentes - não sejam obrigados a conviver cotidianamente com inúmeras ameaças e violações sobre seus corpos e territórios.
e-) Intensificação das ações de fiscalização de combate ao trabalho escravo de forma integrada com outros órgãos de fiscalização, principalmente em áreas que sofrem desmatamento, extração de madeira ilegal e garimpo.
f-) Necessidade de ampliar a proteção ambiental como instrumento de fortalecer a permanência de comunidades indígenas e tradicionais em seus territórios.
g-) Ademais, diante das situações de violência é necessário que a prestação jurisdicional do Estado para as vítimas seja efetiva, célere e imparcial. Sem o combate à impunidade, é impossível acreditar que a Justiça pode ser real.
Agenda da CPT:
Durante o período de realização dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia, representantes do Regional Pará e da Coordenação Nacional da CPT estarão presentes participando das seguintes atividades:
03 e 04/08 - Participação na reunião da 71ª Reunião Ordinária do CNDH e apresentação dos dados do caderno de conflitos no campo da CPT, 9h.
04/08 - Mesa de diálogo - Territórios Quilombolas do estado do Pará: diagnóstico, necessidades e prioridades, às 16h, sala 01 Hangar Centro de Convenções e Eventos da Amazônia.
04/08 - Proteção aos defensores da Amazonia: Direitos humanos são fundamentais para a mudança climática; 16h com participação da coordenação regional da CPT.
04/08 - Abertura Oficial dos Diálogos da Amazônia.
05/08 - Audiência Pública promovida pelo CNDH e CPT Pará, 9h no auditório da Ordem dos/das advogados do Brasil.
06/08 - Seminário “Desafios da transição energética popular na Amazônia”. Hangar Centro de Convenções, das 14h às 18h.
07/08 - Visita do CNDH e CPT Pará aos territórios em conflitos do Vale do Acará, distrito Quatro Bocas - Tome Açu.
08 e 09/08 – Participação do CNDH e CPT em ações de incidência na Cúpula da Amazônia e junto a órgãos públicos do Estado do Pará.
UM ANO DE #CAMPANHACONTRAVIOLÊNCIANOCAMPO
Por Nathalia Carvalho / Campanha Contra Violência no Campo
Nesta quarta-feira (2/8), às 10h, a Campanha Contra Violência no Campo celebrou o seu primeiro ano ativa em prol do enfrentamento à injustiça, à opressão e à desumanidade sofrida pelos que resistem em defesa das suas terras e de seus territórios.
A data foi marcada com uma roda de debate online disponível pelas redes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da rede Brasil de Fato (RS) e da Cáritas Brasileira.
“O objetivo dessa campanha é que um dia ela não precise mais existir, porque não vai haver mais violência no campo. Mas, enquanto houver, a gente vai estar mobilizado e organizado, e é por isso que estamos aqui hoje”, destacou Letícia Chimini, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e uma das mediadoras do evento.
Com mediação também composta por Alair Luiz dos Santos, secretário de política agrária da Contag, o debate lançou luz à omissão do Estado em relação às demandas por políticas públicas dos povos tradicionais e apresentou os principais dados dos relatórios: Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pelo CPT com dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno; e Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo Cimi na última semana.
Os estudos foram apresentados pelo coordenador do CPT Nacional, Ronilson Costa e pelo secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo.
“Nós tivemos no ano passado cerca de 909.450 pessoas envolvidas em situações de conflitos no campo. Foram 2.018 casos de violência envolvendo questões de água, terra e trabalho escravo. São números muito altos, compreendendo a extensão territorial que tem o nosso país”, alertou Costa.
Segundo dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil, em 2021 foram registrados 33 casos de tentativas de assassinato, e em 2022 cerca de 123 casos. Um aumento de 272% em relação ao ano anterior.
O debate também trouxe à memória o Massacre do Rio Abacaxis, ocorrido em agosto de 2020, próximo a Manaus. Na ocasião, ribeirinhos e indígenas Munduruku foram mortos durante uma ação policial da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas.
“Este é um caso muito emblemático, porque envolve forças policiais do Estado de forma direta em operações de massacre de um povo. O fato de até o momento não ter se avançado tanto nesse processo de investigação revela uma outra questão preocupante, que é a impunidade por parte do Estado”, completou o coordenador do CPT.
O estudo registrou, durante o governo Bolsonaro, um total de 136 pessoas assassinadas por estarem na linha de frente nos processos de luta, organização e resistência em defesa dos seus territórios.
Ao apresentar dados do relatório Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, Antônio Eduardo, secretário executivo do Cimi destaca:
“O ano de 2022 encerrou um ciclo de 4 anos no qual nenhuma terra foi demarcada. O poder executivo não apenas ignorou a obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários como também atuou na prática para flexibilizar esse direito. Houve uma intensificação na violência, que refletiu um ciclo de violação sistemática e ataque direto à luta desses povos”.
O relatório apresentou 416 casos de violência contra a pessoa e 180 assassinatos de lideranças indígenas em 2022. Em relação à omissão do Estado, foram registrados 243 casos, sendo 87 deles por desassistências na área de saúde.
“Não é com satisfação que a gente traz esse relato. A gente torce para que um dia não tenhamos relatórios de violência, mas infelizmente temos que fazer essa denúncia.”, completa ele.
A CAMPANHA
“Queremos encontrar uma saída para que a violência no campo possa diminuir e acabar, a partir da nossa participação, incidência política, cobrança junto às instâncias do governo a nível federal, estadual e municipal, e com a nossa ação direta a partir das pastorais, do trabalho da CPT e a partir do trabalho de cada organização e movimento popular que também abraça esta causa”, destacou Dom José Ionilton, presidente do CPT Nacional, em vídeo-depoimento.
A Campanha Contra Violência no Campo já é formada por mais de 60 organizações e movimentos sociais e pastorais que unem forças diariamente na busca por justiça, reconhecimento e visibilidade da pauta, com o objetivo de fortalecer as ações de enfrentamento à violência no campo.
“A campanha é um instrumento de resistência contra o aumento da violência e da impunidade que é gerada por meio do Estado. Infelizmente, sem a regularização fundiária, a tendência é que essa violência cresça. Torcemos muito para que, em breve, possamos interromper a campanha com o estabelecimento de uma reforma agrária”, destaca Jardel Lopes, articulador da campanha.
As principais demandas da campanha também englobam dialogar e sensibilizar a opinião pública nacional e internacional, articular redes de apoio às vítimas dos conflitos do campo, anunciar a proposta de reforma agrária popular e demarcação dos territórios para o campo brasileiro e tornar pública a real situação de conflitos que ocorrem no campo, nas águas e nas florestas.
“Assim como a questão agrária não é somente uma questão para quem está no meio rural, a violência no campo também atinge diretamente quem está na cidade. Quanto menos os povos ocuparem terra e território, mais violência, menos comida saudável e meio ambiente teremos”, completa Letícia Chimini.
*Confira a Live completa no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=35FnhooD-aM
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Massacres no campo
#TelesPiresResiste | O capital francês está diretamente ligado ao desrespeito ao meio ambiente e à vida dos povos na Amazônia. A Bacia do Rio Teles Pires agoniza por conta da construção e do funcionamento de uma série de Hidrelétricas que passam por cima de leis ambientais brasileiras e dos direitos e da dignidade das comunidades locais.