COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

“A Questão Agrária e os desafios da CPT aos 50 anos”

O Encontro Nacional de Formação da CPT ocorreu entre os dias 17 a 20 de outubro de 2023, no Centro de Pastoral Dom Fernando, em Goiânia, onde a CPT foi criada em 1975. Reafirmamos esse importante espaço de elaboração que nos faz sempre refletir e sentir, ao longo desses quase 50 anos, sobre o campo e a sociedade brasileira e nossa atuação. A formação pastoral contínua é imprescindível para nós, pois a espiritualidade libertadora está encarnada na realidade do povo, em suas lutas e resistências, na defesa dos territórios e bens comuns. 

A maneira de ser-estar no mundo, a ecologia e o modo de organização da própria sociedade na base, apontam para caminhos de superação do sistema capitalista. Não precisamos depender de combustíveis fósseis e energias que não são limpas, minerações abusivas, agrotóxicos e monoculturas para produzir o modo de existir daquilo que denominamos humanidade e cumprir o amoroso Plano do Criador.

A agroecologia é um projeto integrador de relações sociais, naturais e técnicas, pois possui como horizonte, na produção de alimentos, a contribuição no combate à fome e à pobreza e o respeito à diversidade dos ritmos e modos de vida. O Bem Con-Viver é amplamente solidário, com centralidade na vida, em defesa de direitos fundamentais que garantem a pluralidade das nossas e todas as dignas existências.

A análise da conjuntura atual demonstrou como o Brasil se insere no contexto mundial, em que a hegemonia dos Estados Unidos está fortemente ameaçada, mas que quer se manter a todo custo apostando nas guerras — a da Ucrânia, a de Israel contra os palestinos e outras dezenas de conflitos armados. Com a crise do neoliberalismo, a direita e a extrema direita vão conquistando espaços cada vez maiores para ódios e violências.

Na Igreja, vimos como também estão em disputa dois modelos: o tridentino e o do Concílio Vaticano II,  que o Papa Francisco quer recuperar e aprofundar. Por isso, a grande oposição que ele encontra é a tentativa de impedir avanços na sinodalidade, de dar espaço e ouvir a voz de todos e todas para caminhar juntos no caminho de Jesus nos dias de hoje.

Na tarde do primeiro dia, foi discutida a questão agrária atual e as ações realizadas em nome da Reforma Agrária, que subordinam-se à ideologia dominante e ao arranjo de poder que nunca democratizou efetivamente o acesso e o uso da terra no Brasil. Com muita luta e sofrimento de trabalhadores e trabalhadoras rurais, áreas são conquistadas e famílias assentadas, mas estes assentamentos acabam sendo uma forma de destinar ao mercado de terras áreas que antes eram de domínio público ou resgatadas. É o que se pretende com os títulos de propriedade, sem condições reais de produção e vida nos assentamentos. Trata-se, mais uma vez, de uma anti-reforma agrária, agora potencializada pelos usos da terra para novas fontes de energia, expansão minerária, mercado de carbono, entre outros empreendimentos.

Os depoimentos de Anacleta Pires da Silva, do Quilombo Santa Rita dos Pretos, no Maranhão, atingido pela Ferrovia da Vale (Ferro Carajás), por rodovias e linhões de energia; e de Roselma de Melo, de Caetés, no Pernambuco, região atingida pelos parques de energia eólica, foram impactantes. Para enfrentar a crise climática, não podemos continuar a estuprar a terra com estes grandes empreendimentos que não atacam as bases do sistema causador, mas fortalecem a lógica do capitalismo, agora mascarado de “verde”, “sustentável”.

As energias eólica e solar, vistas como alternativas limpas e eficientes para substituir as de origem fóssil, sequestradas pelo capital, revelam-se igualmente danosas. Ao se apropriarem dos territórios de ventos e luz solar, perturbam os ciclos naturais e a vida das comunidades camponesas onde se instalam. Muitas famílias destas comunidades se vêem obrigadas a abandonar suas terras por não conseguirem produzir e conviver com os impactos causados pelas torres dos parques eólicos ou pela devastação feita para instalação de imensos parques solares. As famílias deixam de ser agricultoras para serem “fornecedores de energia”, recebendo por ela insuficientes royalties. Em muitos casos, têm que procurar novas áreas ou outro modo de vida.

A resistência dos diversos povos indígenas e das comunidades camponesas tradicionais em seus territórios é o forte contraponto a este modelo. O capitalismo tudo quer transformar em mercadoria, até as falsas “soluções baseadas na natureza” criadas para “resolver” seus crescentes impactos socioambientais, reciclar-se e aproximar ainda mais do fim a humanidade e seu habitat.

Diante deste quadro amplo e preocupante, nos perguntamos: “e nós, agora, CPT, aos 50 anos?”. Com a ajuda do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiæ (Cepis), procuramos sugerir pistas de respostas aos questionamentos e desafios. Buscamos delinear perspectivas que alimentam esperanças e possam contribuir com outros momentos deste percurso cumulativo e celebrativo dos 50 anos da CPT que, ao que parece, ainda é muito necessária aos povos do campo, das águas e das florestas e à Igreja no Brasil. 

Para tanto, com ajuda do Grupo de Pesquisa GeografAR, da Universidade Federal da Bahia, iniciamos a Cartografia Social da CPT, que pretende mapear quem somos, onde estamos, com quem estamos e fazendo o quê. Discutimos três Planos de Formação para o próximo período — para grupos e comunidades, para agentes da CPT e para formadores da CPT.

Como no caminho de Emaús (Lucas 24,23-35), aqueceu nosso coração o partilhar da conversa e do pão que nos alimentam no seguimento de Jesus nas encruzilhadas desafiadoras de hoje!

 

Goiânia, 20 de outubro de 2023.

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