Durante quatro dias de encontro, programação trouxe os novos desafios socioambientais e agrários enfrentados pelas comunidades, além dos desafios da CPT rumo ao seu meio século
Por Heloisa Sousa | CPT Nacional
Foto: Heloisa Sousa
Entre os dias 17 e 20 de outubro, agentes, coordenações de regionais e assessores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) se reuniram em Goiânia (GO), para a Semana Nacional de Formação. Este ano, com o tema “Questão agrária e os desafios nos 50 anos da CPT”, os quatro dias de partilha trouxeram momentos de diálogos e reflexão sobre a igreja do Deus dos pobres, sua reaproximação e caminhada juntos às comunidades, aos povos do campo, das águas e das florestas na construção de um modelo de sociedade mais justo e fraterno.
Após a mística que deu início ao encontro, trazendo de maneira simbólica as águas dos rios das regiões onde a CPT está presente, a vereadora Silvia Ferraro (Psol - SP) e o Pe. Manoel Godoy facilitaram o debate sobre a análise de conjuntura e como o Brasil se encontra no atual contexto mundial. O momento destacou a importância de organizar o enfrentamento ao capitalismo e às crises trazidas por esse sistema, além da defesa de um novo projeto de vida, respeitando a natureza e os povos, que têm a espiritualidade libertadora encarnada em suas resistências.
O economista Guilherme Delgado, Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Julciane Anzilago, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), abriram o painel “Questão agrária hoje e os mitos do agronegócio”. A mesa destrinchou o modelo histórico de concentração de terras no país, desde a colonização, até os dias de hoje. As relações com a reforma agrária como projeto popular de enfrentamento e ruptura definitiva a esse sistema também foram destacadas.
“Não basta, para nós, conquistar território para reproduzir o modelo do agronegócio. O agronegócio não só matou, mas também convenceu de que os valores da meritocracia, da concorrência e do individualismo são válidos para a sociedade, e isso se reverberou nas nossas comunidades e assentamentos. Nós sobrevivemos a uma tentativa de padronização e aniquilamento”, completou Ayala.
Para Julcilane, a organização popular e formação de consciência política dos trabalhadores é o caminho na construção de uma nova sociedade e com garantia de soberania alimentar para todos. “Há sinais de que a resistência ainda está organizada, seguimos esperançando esse projeto popular”.
Somos a terra, somos a vida
A renovação da espiritualidade por meio de místicas, músicas e resgate da memória das irmãs, irmãos de caminhada e comunidades em luta, delinearam a semana de formação, trazidas por representantes de diversas regiões e comunidades do país. A dimensão do sagrado nos territórios foi apontado também por Anacleta Pires da Silva, do Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim/MA), que denunciou as violências do Estado no território onde vive. “Quando alguém fala de vender a terra, eu vejo o meu corpo ser negociado. Eu sou a terra. Terra é para cuidar. A terra é a nossa vida e é preciso ter respeito por ela".
O avanço dos empreendimentos de energia eólica, que têm impactado a vida dos agricultores, especialmente no Nordeste do país, fez parte da fala de Roselma de Melo, da Comunidade Sobradinho (Caetés/PE). “A gente sabe que a eólica é só a porta de entrada, que depois vem a energia solar e vai ser às nossas custas, mais uma vez. E é muito difícil pra quem está numa comunidade resistindo, porque a gente escuta do prefeito que a gente está sendo beneficiado daquilo, mas isso não existe”.
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Em seguida, dando continuidade à discussão sobre a mercantilização dos bens naturais e tentativa de desterritorialização das comunidades, a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Camila Moreno, e a assessora nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Julianna Malerba, falaram sobre o mercado de carbono, o discurso do controle climático e as disputas territoriais no Brasil.
A realidade do mundo do carbono é muito distante das compreensões e vivências de ecologia integral, comunidades e espiritualidade, destacou Camila. “A descarbonização é uma visão totalmente centrada no lucro da compra do direito de poluir, como sempre foi o capitalismo. Nas Nações Unidas, cada vez mais as empresas estão ocupando espaços de assento equivalentes aos governos dos países”.
Segundo Julianna, as questões agrárias e de posse são a outra face da discussão ambiental, uma forma de disputa das terras públicas brasileiras está se dando por meio do mercado de carbono.
Caminhos da CPT
A história e a missão pastoral da CPT, sua atuação macro-ecumênica, a terra como fonte de mística e a formação dos agentes como um processo contínuo e coletivo foi tema de debate trazido pelo educador popular do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (Cepis), Ranulfo Peloso. Para ele, na caminhada ao meio século de existência, é importante que a Pastoral da Terra “conheça os terrenos para semear em terra boa”, entendendo os contextos sociais da atualidade.
“Um dos objetivos da formação, em uma entidade como a CPT, é preparar agentes que sejam apóstolos e missionários de uma causa. Ser agente significa mobilizar pessoas e comunidades que possam andar com seus próprios pés, por isso se diz ‘trabalho de base’. O objetivo deste trabalho deve ser de estar junto com o povo, comunicando com as suas lutas”, explicou Ranulfo.
Dando continuidade ao processo de pensar os 50 anos da CPT, no último dia de encontro, o grupo iniciou o mapeamento das regionais e equipes da pastoral, orientadas pelas pesquisadoras Carla Craice da Silva e Francielly da Fonseca Costa, do grupo Geografar (UFBA). O processo, que irá ouvir agentes de todas as regionais para a composição da Cartografia Social da CPT, auxiliará na compreensão das particularidades e diversidade da CPT pelo Brasil e sua unidade como instituição.
Confira aqui a Carta do Encontro Nacional de Formação da CPT