A cidade de Jordânia, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, se tornou palco de mais um episódio de violência no campo. No último mês, famílias camponesas do Acampamento Vida Nova sofreram ataques armados coordenados por latifundiários locais, como denunciado pela Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais (CPT-MG) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG).
O caso, formalmente apresentado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) por meio de um ofício assinado pelas entidades, revela uma escalada de violência na disputa por terras na região. O documento narra dois ataques recentes: o primeiro, ocorrido no dia 9 de fevereiro de 2025, quando indivíduos armados invadiram o acampamento, destruíram cercas e instalaram um contêiner de forma irregular; e o segundo, ainda mais grave, no dia 14 de fevereiro, quando cerca de 20 homens armados atacaram brutalmente os trabalhadores e trabalhadoras do acampamento, utilizando armas de fogo e força física, com disparos e espancamentos.
Neste verdadeiro cenário de guerra, em que o lado mais vulnerável é o dos pobres da terra, o que mais preocupa as entidades é a omissão do Estado. Segundo a denúncia, a Polícia Militar foi acionada, mas não interveio para impedir as agressões, e, até o momento, nenhum dos responsáveis foi identificado e responsabilizado. A impunidade nesses casos, segundo as entidades, fere os princípios fundamentais da Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Cobrança por justiça e medidas de proteção
As organizações que assinam a denúncia ressaltam que a violência no campo não é um caso isolado, mas parte de uma estrutura sistemática de repressão contra camponeses, indígenas e quilombolas que lutam pelo direito à terra. A CPT-MG e a FETAEMG agora cobram do CNDH ações imediatas para garantir a segurança das famílias camponesas e evitar novas tragédias. O ofício solicita que o CNDH:
1. Requisite informações às autoridades responsáveis pela segurança pública de Minas Gerais sobre a negligência no atendimento às famílias ameaçadas;
2. Encaminhe recomendações ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Segurança Pública, cobrando medidas de proteção imediata aos trabalhadores e a investigação rigorosa dos crimes cometidos;
3. Acione a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal para garantir a responsabilização dos envolvidos e assegurar os direitos das famílias camponesas;
4. Monitore continuamente o caso, de forma a evitar novas investidas violentas e garantir a atuação do Estado na proteção dos direitos humanos no campo.
Histórico de conflitos fundiários em Minas Gerais
Minas Gerais possui um histórico de conflitos fundiários e violência no campo, impulsionados pela concentração de terras e o avanço do agronegócio sobre territórios tradicionais e áreas de reforma agrária. Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que o estado é um dos que mais registram conflitos agrários no Brasil, com assassinatos de lideranças comunitárias, despejos forçados e ameaças constantes contra trabalhadores rurais. Segundo o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc/CPT), entre 2014 e 2023, Minas Gerais foi o quarto estado com maior registro de conflitos por terra, água e trabalho no Brasil. Ainda, dados da CPT destacam que, no primeiro semestre de 2024, o estado apresentou o maior número de casos de trabalho escravo, liderando pelo segundo ano consecutivo as ocorrências nesse período.
A violência recente em Jordânia evidencia a falta de proteção efetiva para as populações camponesas, que continuam expostas a ataques organizados sem qualquer resposta concreta por parte do Estado. A omissão das autoridades diante de situações como esta reforça a necessidade de uma intervenção mais firme do governo federal e dos órgãos de direitos humanos, segundo os movimentos sociais.
O Silêncio do Estado e a resistência popular
A ausência de respostas das forças de segurança e do governo de Minas Gerais gera indignação e revolta entre os trabalhadores rurais, que há décadas enfrentam uma luta desigual pela terra. A organização e mobilização popular, segundo as entidades, são as principais ferramentas para enfrentar o avanço do latifúndio e a violência no campo.
“O Estado tem o dever de proteger a vida e garantir os direitos das famílias camponesas. Não podemos aceitar que a violência seja usada como instrumento de intimidação e expulsão dessas comunidades”, afirma Ítalo Kant, da coordenação da CPT-MG.
Enquanto aguardam uma resposta concreta do CNDH e das autoridades competentes, as famílias do Acampamento Vida Nova seguem resistindo, sem saber se estarão seguras no dia seguinte. A luta pela terra, no Brasil, continua sendo uma batalha desigual, onde aqueles que plantam e vivem da terra precisam enfrentar não apenas a força bruta do latifúndio, mas também o silêncio e a conivência do Estado. A CPT-MG e a FETAEMG seguirão acompanhando o caso e trazendo atualizações sobre as ações das autoridades e a mobilização das comunidades camponesas da região.
