COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Edson Sato/ISA

Em recente decisão, o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7052 (ADI-7052). Essa ação, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e subscrita na condição de Amicus Curie pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e diversas outras entidades de defesa de direitos, busca garantir, por meio de decisão judicial do STF, que seja dada uma interpretação conforme a Constituição Federal no sentido de que as terras públicas transferidas do domínio da União para os estados do Amapá, Rondônia e Roraima sejam destinadas à Política Nacional de Reforma Agrária, incluindo a proteção dos Direitos Territoriais.

Este entendimento constitucional, aliás, está devidamente disciplinado no Art. 188 da mesma Constituição Federal ao dispor que a "destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária."

No entanto, as legislações aplicadas para a execução dessas transferências, as leis federais 10.304/2001, 11.949/2009 e 14.004/2020, dos respectivos estados, deixaram de aplicar o sentido original presente na Constituição Federal para uso dessas terras públicas. Assim, na forma como tem sido feita, tal destinação é inconciliável com as demandas das agricultoras e agricultores familiares, dos camponeses e camponesas e dos povos e comunidades tradicionais em seus modos de produção e defesa da vida. 

Tanto as restrições ao acesso às terras públicas quanto às políticas públicas específicas indicam um verdadeiro retrocesso à Política de Reforma Agrária nestes estados. Isso significa um desvio de finalidade da própria política pública, remontando uma vez mais tantos prejuízos à classe trabalhadora no campo. Essa foi a razão principal da ADI-7052 requerer ao  STF que se pronuncie sobre PARA QUÊ e PARA QUEM as terras públicas serão destinadas.
Na decisão, que negou seguimento à Ação, o Ministro Relator alega a falta de representatividade da Contag para formular o pedido e, ainda, não haver dúvidas sobre outra interpretação constitucional das leis indicadas. Tais razões, entretanto, não subsistem, uma vez que em vários casos, já apreciados pelo STF, tanto a Contag tem demandado, e por isso é representante legítima para promover a Ação. Por outro lado, é publicamente conhecido o quanto se age nas lacunas da lei e, por isso, a interpretação conforme a Constituição é justamente para impedir isto.

Não bastasse os históricos problemas em dar efetividade a uma Política de Reforma Agrária no plano executivo, percebe-se também o quanto esse assunto ainda encontra resistências também no Poder Judiciário. Enquanto isso, o direito à terra e ao território continuam sendo negados, impedindo inclusive o próprio “direito de existir” a milhares de famílias. 

A face que perdura e se revela cruel, mesmo que invisível aos olhos do judiciário, é aquela continuamente vivida pelos pequenos posseiros e que agora, nas mãos dos estados que têm legislação própria de uso da terra, serão, e já estão sendo, entregues ao agronegócio, da soja, do boi, da madeira e da mineração.
Incontáveis têm sido os casos de violência contra os povos do campo na região dos três estados abrangidos: Amapá, Roraima e Rondônia. No recorte de dez anos entre 2014 e 2023, foram: 2.124 ocorrências de conflitos envolvendo, principalmente, posseiros, sem-terra, indígenas, assentados e quilombolas; 115 assassinatos, sendo 96 em Rondônia, 16 em Roraima e 03 no Amapá; 256 lideranças ameaçadas de mortes; 9.057 famílias despejadas e 2.650 famílias expulsas.

Esta violência, inclusive, muitas vezes conta com a leniência e atuação do próprio Estado. Ao mesmo tempo, percebe-se uma verdadeira renúncia de patrimônio público através de concessões de áreas públicas para interesses particulares e comerciais, como planos suspeitos de manejos florestais, recrudescimento na fiscalização das pequenas posses e ocupações, descaso em relação às Políticas Públicas, etc. Em regra, as terras públicas destes estados têm servido principalmente ao propósito do favorecimento a grandes interesses e projetos em detrimento da política de Reforma Agrária e Soberania Alimentar.

A expectativa gerada em torno da ADI 7052 é justamente no sentido de que essas terras públicas contemplassem os direitos daqueles que realmente precisam dela para sua existência e dignidade: posseiros, ribeirinhos, extrativistas, pequenos agricultores. Por isso, nosso repúdio à esta decisão que acaba, enfim, legitimando a distorção de direitos adquiridos. Contra esta violação, protestamos!

Diante da decisão monocrática que negou seguimento à ADI 7052, a CPT, Contag e demais Organizações externam sua indignação, uma vez que afronta diretamente direitos dos povos do campo, das florestas e das águas. Afronta, ainda, o Bem Público, pelo qual é obrigação proteger, preservar e garantir uma destinação no mínimo conforme dispõe a Constituição. 

Clamamos para que, agora submetida ao Tribunal Pleno do STF, sejam corrigidos estes equívocos e dado prosseguimento à Ação até que seja assumido provimento de forma plena. Assim, cremos, Direito e Justiça se farão em defesa das Terras Públicas e de sua correta e constitucional destinação. 

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