Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
08 de março é o Dia Internacional das Mulheres e a jornada de luta organizada pelos movimentos e organizações sociais aponta novamente a violência do capital no campo em suas diversas faces. Nesse sentido, no dia 11, a partir das 19h, a Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela vida realiza um debate online denunciando os impactos dos agrotóxicos sobre a vida das mulheres e territórios.
Com o lema “Sem veneno e sem violência: mulheres em luta pela vida!”, a atividade pretende dar ênfase nas violências sistemáticas que o agronegócio produz impactando diretamente os corpos das mulheres, se manifestando assim como mais uma face que estrutura o patriarcado e o capitalismo no campo.
Para Fran Paula, pesquisadora em Sistemas Agrícolas Tradicionais, Racismo e Sistemas Alimentares, Impactos dos Agrotóxicos na saúde e meio ambiente, integrante da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, as mulheres são as principais promotoras de saúde e da luta contra os agrotóxicos no territórios. “Os agrotóxicos representam mais uma violência contra os nossos corpos e territórios, lutar contra os agrotóxicos é defender a saúde e a vida das mulheres”.
Dossiê Danos dos Agrotóxicos na Saúde Reprodutiva
No que se refere aos impactos sobre a saúde das mulheres, durante o debate também haverá o lançamento do “Dossiê Danos dos Agrotóxicos na Saúde Reprodutiva: conhecer e agir em defesa da vida” publicado em 2024, juntamente com o Almanaque Mulheres semeiam a vida, agrotóxicos destroem a saúde reprodutiva e o ambiente. A pesquisa foi realizada com um pequeno financiamento do Centro de Direitos Reprodutivos em articulação com a Abrasco e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca.
De acordo Lia Giraldo da Silva Augusto, Coordenadora do Projeto Saúde Reprodutiva e a Nocividade dos Agrotóxicos da Abrasco, o dossiê está dividido em cinco partes e começa com um levantamento do que foi publicado de estudos realizados no Brasil sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde reprodutiva de populações expostas: mulheres, homens, crianças e população geral sem distinguir o sexo. Ao todo foram levantadas publicações de 1980 até 2023, 43 anos desde o primeiro artigo sobre o tema publicado no Brasil.
A invisibilidade das populações que vivem no campo é um indício da desigualdade quando o assunto é a realização de estudos sobre os impactos de grandes projetos do Capital nestes territórios.
“Primeiro vimos que os estudos não referem os contextos territoriais de populações camponesas, tradicionais, quilombolas e indígenas. No máximo divide a população em urbana ou rural. Além dos estudos publicados, se concentrarem na região Sudeste e a maioria realizados por instituições sediadas no Rio de Janeiro. Ficou bem evidente que onde há mais exposição, há menos estudos. A região Norte, por exemplo, não teve nenhum estudo publicado nesses 43 anos. E as regiões Centro-Oeste e Nordeste com muito pouco estudos”, observou a pesquisadora.
A partir do estudo do Dossiê foi possível identificar o tipo e quantificar a exposição ao veneno, já tem uma lista de 81 agrotóxicos que produzem danos no sistema endócrino, que regulam os hormônios femininos e masculinos. Vários são cancerígenos e causam malformação congênita. Os principais cânceres que afetam o aparelho reprodutor feminino decorrentes da exposição aos agrotóxicos são o câncer de mama, de ovário e de tireoide. Para os homens é o câncer de próstata e câncer hematológico. Já as crianças são afetadas com a leucemia, câncer de rim e neurológico.
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Segundo Lia, o dossiê examinou também a falta de notificação de agravos à saúde reprodutiva em situação de exposição aos agrotóxicos e isto é gravíssimo. “Infelizmente o modo como se organiza a vigilância da saúde das populações expostas acaba por não evidenciar esses danos. Vimos que no país a maioria dos agravos à saúde que são identificados são aqueles que acontecem em situações que as pessoas passam mal logo quando aplicam os agrotóxicos, e precisam de ir ao pronto socorro ou ao hospital, e são chamados de casos com intoxicação aguda.”
Porém, a pesquisadora lembra que há “aqueles casos em que a doença ou os sintomas aparecem ao longo da vida são muito pouco diagnosticados e notificados. Esses são chamados de efeitos crônicos. Especialmente porque os profissionais de saúde não perguntam para os pacientes se foram expostos aos agrotóxicos durante a vida, no trabalho, no consumo ou no ambiente. Já no que se refere a saúde reprodutiva, mesmo sabendo que esses efeitos podem ocorrer, os casos não são investigados e não são notificados em populações expostas aos agrotóxicos”, relata.
Mais uma vez a invisibilidade das violências sobre os corpos das mulheres se perpetuam, se o recorte é o mundo do trabalho, a tendência é que novamente as mulheres do campo sejam apartadas das ferramentas de estudo.
“Quando examinamos o tipo de exposição nesses estudos vimos que a situação de trabalho é omitida para as mulheres. Apenas cinco estudos referiram o trabalho agrícola para mulheres. Para a maioria delas o tipo de exposição não está vinculado com o trabalho, mas a situações difusas de exposição ambiental”, ressalta.
Já na cidade, a pesquisa aponta que as mulheres que tiveram detecção de agrotóxicos no leite ou no sangue materno, no cordão umbilical e no sangue fetal, provavelmente foi provenientes de alimentos e água contaminados por agrotóxicos ou pela exposição a agrotóxicos usados no controle de insetos entre outras formas de exposição.
O dossiê fez também análise da desregulação dos agrotóxicos no Brasil que possibilita que agrotóxicos que afetam a saúde reprodutiva continuam sendo liberados para uso, o que aumenta a vulnerabilidade para as mulheres, crianças e trabalhadores em geral. O mesmo ocorre com a pulverização aérea de agrotóxicos que afeta populações, que já estão em condições territoriais vulneráveis, como as camponesas, os quilombolas, indígenas, assentados, entre outras.
Por fim, o estudo apresenta um balanço das mentiras do agronegócio que busca ocultar os danos dos agrotóxicos e convencer as pessoas de que é possível o uso seguro desses venenos. Uma verdadeira guerra ideológica e comunicacional, onde aponta a necessidade de manutenção de uma luta coletiva ampla, principalmente com o envolvimento das mulheres na defesa da vida e da saúde reprodutiva e contra os agrotóxicos no campo, na floresta e na cidade.
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Formação e mobilização
Uma das propostas proveniente da pesquisa elaborada do Dossiê é o modelo para auxiliar a vigilância popular da saúde e a reparação daquelas comunidades atingidas. Nesse sentido, é fundamental que todas estejam cada vez mais capacitadas com as ferramentas de enfrentamento a essas violações em seus territórios.
O acesso ao conhecimento sobre os impactos é uma forma de romper com a cerca da ignorância e permitir que as mulheres e toda a comunidade compreenda como suas vidas são diretamente impactadas por esse processo. Assim, a Campanha organizou um Guia de oficinas mulheres pela vida e contra os agrotóxicos para que possam realizar atividades de debates formativos ao longo deste mês de março e durante todo o ano, promovendo informação e mobilização nos territórios.
Além disso, também disponibilizamos identidades visuais para serem usadas como lambes e também em stencil nos lenços durante a jornada de luta das mulheres.