COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O seringal é tradicionalmente ocupado pelas famílias seringueiras desde a década de 90, sendo um território de disputas entre as famílias posseiras e grandes fazendeiros interessados na terra

Por Júlia Barbosa | Comunicação nacional da CPT
(Com informações e fotos da equipe da CPT Acre)

A violência que impera sobre os conflitos no campo no sul do Amazonas é uma constante. Boca do Acre, chamada de “terra sem lei”, mais uma vez é palco da violência promovida pelo latifúndio e vítima do descaso por parte do poder público. Na última terça-feira, 25 de fevereiro, as famílias posseiras do Seringal Entre Rios se depararam com uma equipe de segurança armada dentro do território seringueiro, que acreditam ter sido contratada pelo fazendeiro interessado na área, impedindo a passagem de moradores e controlando a movimentação dos trabalhadores e trabalhadoras, violando seu direito fundamental de ir e vir.

Amedrontadas pela presença dos homens armados, as famílias solicitaram a mediação da CPT para dialogar com a suposta equipe de “segurança” que, perguntada sobre a origem da ordem para ação, se negou a responder, afirmando que estaria cumprindo uma lei federal para fiscalização ambiental, mas sem apresentar qualquer documento e exigindo informações pessoais de todas as famílias posseiras. As famílias questionaram, pois os mesmos não são servidores do Ibama, ICMBio ou identificados por outros órgãos de fiscalização ambiental, portanto não têm competência ou autorização para atuar na área. Além disso, a empresa está, neste momento, iniciando a construção de uma guarita para identificação e controle da entrada e saída das pessoas no seringal.

“Ali, moram mais de quarenta famílias, são tradicionais e trabalham a terra de forma sustentável naquela região. O que acontece é uma tentativa de tomar a terra das famílias para expansão do latifúndio, então estão tentando coibir e amedrontar as famílias dessa forma, o que é ilegal, pois o direito de ir e vir dessas pessoas não pode ser violado. Foi o que percebemos pelo nosso acompanhamento dos conflitos e escutas, mas as famílias permanecem lá e não vão abrir mão”, afirmou um agente da CPT Acre, que acompanha a comunidade no sul do Amazonas pela maior proximidade geográfica e atua na mediação de conflitos e denúncias de violações dos direitos dos povos na região.

O Seringal Entre Rios é tradicionalmente ocupado pelas comunidades seringueiras desde a década de 90, sendo um território de disputas entre as famílias posseiras e grandes fazendeiros interessados na terra. Nestes quase quarenta anos de ocupação, já enfrentaram diversas violências promovidas pelos latifundiários e pela negligência do Estado, tendo, inclusive, um histórico de pistolagem contra as comunidades tradicionais na região.

Questionada por agente da CPT, a equipe se negou a responder sobre a origem da ordem para ação, sem apresentar qualquer documento e exigindo informações pessoais de todas as famílias posseiras.

AMACRO - zona de desenvolvimento ou zona de conflitos?

O município de Boca do Acre, onde está localizado o seringal, integra a região da Amacro, também conhecida como Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira, que abrange porções dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia. Prometida como modelo de desenvolvimento com foco na sociobiodiversidade, a Amacro se tornou epicentro de grilagem para exploração madeireira e criação de gado, com altas taxas de desmatamento, queimadas e conflitos.

Dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, destacam que, no primeiro semestre de 2024, a violência se intensificou na região da Amacro, que junto às zonas de desenvolvimento da Amazônia Legal e do Matopiba, concentrou grande parte dos conflitos no campo nesse período. Esse aumento da violência relacionada aos conflitos agrários na Amacro foi na contramão do panorama nacional de ocorrências de conflitos no campo, que apresentou uma pequena queda em relação ao mesmo período em 2023.

Entre janeiro e junho de 2024, os dados de violência por conflitos na Amacro apresentaram 10 pessoas Ameaçadas de Morte, 9 casos de Criminalização e 7 episódios de Intimidação. Os posseiros estão entre as principais vítimas e os fazendeiros são os maiores causadores dessas violências. De 2023 para 2024, relativo ao primeiro semestre, os números de grilagem tiveram um salto de 117% (de 6 para 13 casos), e os registros de pistolagem cresceram de forma exorbitante, de 2 para 11 casos, um aumento de 450%.

A empresa está, neste momento, iniciando a construção de uma guarita para identificação e controle da entrada e saída das pessoas no seringal.

Não apenas os dados, mas o histórico e o cotidiano de violência na região intensificam a insegurança das famílias do Seringal Entre Rios, que temem pelas suas vidas e se encontram, agora, coagidas pela presença de homens não identificados armados no território, com seus direitos constantemente violados pelo latifúndio e pelo Estado. Com o acompanhamento da CPT, as famílias estão formalizando denúncia aos órgãos competentes, mas as violências a que são submetidas se intensificam a cada minuto, enquanto a política de Reforma Agrária continua paralisada no Brasil.



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