Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da Assessoria Jurídica da CPT
Foto: Mário Manzi / Arquivo CPT-AC
Preso desde o dia 05 de março após denunciar tortura e tentativa de homicídio contra agricultores e extrativistas na Comunidade Marielle Franco, no sul do Amazonas, o comunitário Paulo Sérgio Araújo teve convertida a prisão preventiva em domiciliar pelo juiz federal Rodrigo Mello nesta quinta-feira (25).
A sentença veio após quase 2 meses de pressão dos movimentos sociais, atuação de defensores vinculados aos movimentos sociais e à Comissão Pastoral da Terra, além da Defensoria Pública de Lábrea, sendo uma vitória diante de uma realidade de truculências cometidas por fazendeiros e grileiros contra as lideranças que lutam pela terra na Amazônia.
A sentença determinou a circulação restrita ao ambiente familiar, como medida alternativa de cumprimento de pena por 90 dias. A defesa do ambientalista, assim como a Defensoria Pública do Estado do Amazonas, em suas manifestações, declaram que Paulo não oferece perigo para a sociedade, não possui antecedentes criminais, tem profissão definida e residência fixa, além de conviver com comorbidades de saúde como diabetes e hipertensão, precisando de assistência constante de saúde também com o filho autista. "A defesa continuará atuando, tanto com pedidos de habeas corpus já impetrados nos Tribunais, quando da revogação imediata do mandado de prisão", afirma Afonso M. das Chagas, professor da Universidade Federal de Rondônia e assessor jurídico da CPT.
A luta da comunidade é por uma maior agilidade no caso, a fim de que a comunidade seja ouvida e sejam encaminhadas investigações sobre os conflitos sofridos pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais por parte dos fazendeiros da Fazenda Palotina, que até o momento continuam sem responder perante a Justiça sobre as situações de grilagem, ameaça e violência ocorridas desde o ano de 2015, quando as famílias chegaram para ocupar a área de 20 mil hectares, reconhecida pelo Incra como propriedade da União. Atualmente, as 206 famílias reivindicam o uso da terra como assentamento.
Amacro – A violência tem crescido na região da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Segundo dados do relatório Conflitos no Campo Brasil 2023, ao todo, foram registrados 200 conflitos na região, que abrange 32 municípios. No caso dos assassinatos, das 31 mortes no país, 8 foram nesta região, sendo 5 vítimas sem terra e 3 posseiros. Cinco (5) das mortes foram causadas por grileiros.
Romper cercas e tecer teias, a terra a Deus pertence! (Cf. Levítico, 25).
Nós, agentes de pastoral e representantes de povos, comunidades tradicionais e camponeses de vários estados do Brasil, estivemos reunidos em Luziânia, Goiás, entre os dias 19 e 21 de abril de 2024, para nossa 37ª Assembleia Nacional da Comissão Pastoral da Terra. Nestes dias, sob as luzes que impulsionaram o seu nascimento, refletimos e celebramos a caminhada de nossa pastoral rumo ao jubileu, os 50 anos da CPT. Avaliamos o trabalho desenvolvido no último triênio e elegemos as prioridades de ação, nova diretoria, coordenação nacional e conselho fiscal.
Às irmãs e irmãos de caminhada, reafirmamos o nosso compromisso com a luta pela terra compartilhada e pelos territórios livres de todas as opressões, com o protagonismo dos povos do campo, das águas e das florestas, especialmente das mulheres e juventudes.
Durante a Assembleia, a reflexão teve como focos os grandes desafios do presente e os problemas estruturais do Brasil, tais como a continuidade das desigualdades sociais, econômicas e fundiárias. Num país onde amargamos os 60 anos da Ditadura Militar, persiste a impunidade e recrudesce, como ameaças das mazelas mantidas na pauta política da extrema direita. Milhares de pessoas estão sem terra, sem teto e em condições de trabalho escravo em meio a milhões de hectares de terras concentradas em poucas mãos. As comunidades que vivem em seus territórios, inclusive, sofrem ameaças de expulsão e violências contra seus corpos e seus modos de vida.
A voracidade do capitalismo continua aprofundando-se no campo: a expansão das fronteiras agrícola, minerária e energética, que invadem os territórios com os monocultivos de soja, as pastagens, a cana-de-açúcar, o eucalipto e o uso das novas tecnologias, expulsam os povos originários, as comunidades tradicionais e camponesas. Cresce a violência no campo, a contaminação da terra, das águas, dos alimentos e dos seres vivos com venenos. Mais grave é a redução da terra destinada à produção de alimentos para abastecer a população brasileira, enquanto aumentam as áreas para a produção de commodities.
Em decorrência desse modelo, sentimos dias cada vez mais quentes. Sofremos diversos desastres ambientais, tais como secas e cheias extremas, com sérios impactos para as populações periféricas ou vulneráveis, especialmente jovens e mulheres. O governo brasileiro levantou a bandeira da transição energética. No entanto, o enfrentamento ao colapso ambiental não ameniza a situação de superexploração da terra e da natureza. Através da comercialização dos créditos de carbono e da implantação do hidrogênio verde e de parques eólicos, o governo recorre à mitigação e às ações de adaptação. Essas políticas de clima avançam com acordos entre os governos e as corporações transnacionais, que avistam na crise climática novas oportunidades para fartos e lucrativos negócios.
A dureza dessa realidade nos convoca às lutas históricas pela Reforma Agrária e pelos territórios, como condição primordial para a superação da pobreza e a permanência dos modos de vida dos povos originários, comunidades tradicionais e camponesas.
Os modos de vida dos povos do campo, das florestas e das águas são projetos de bem viver: nas suas ancestralidades e suas espiritualidades, nos seus territórios coletivos, na produção agroecológica, na prática do mutirão e no cuidado para com a casa comum, nas teias e na sua atuação em redes, eles denunciam e enfrentam o modelo imposto pelo capitalismo.
Em sintonia com o Papa Francisco, em seu discurso no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares de 2015, na Bolívia: “A Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral”. Com o coração ardente por justiça, nos somamos aos povos originários, comunidades tradicionais e camponesas a continuarem a luta que faz bem a todos e todas nós.
Luziânia/GO, 21 de abril de 2024.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Júlia Barbosa e Heloísa Sousa
"Jubileu da terra é repartir o chão / É pôr os pés na terra, é pôr as mãos no chão
É resgatar a terra, que é de cada irmão / Porque a terra é do Senhor"
Presença, Resistência e Profecia: com este tema da celebração do jubileu dos 50 anos que se aproximam, a Comissão Pastoral da Terra realizou a sua XXXVII Assembleia Geral Ordinária, entre os dias 19 a 21 de abril no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO).
O momento reuniu agentes de pastoral de todo o país, bem como representantes de comunidades camponesas e agentes históricos da CPT. Desde a acolhida, o momento foi marcado por alegria, celebração e mística sobre o caráter social e a pastoralidade. Em seguida, uma análise de conjuntura contou com a assessoria de Leila Santana (Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA) e Gerson Teixeira (assessor do Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores), seguida de debate sobre os desafios de uma realidade de mudança de governo no país, mas também de avanço do agronegócio e seus projetos de extermínio dos povos do campo, das águas e florestas, em nível global.
"A realidade é que a maior parte das verbas destinadas para a agricultura no país é para o agronegócio. No ano passado, em Goiás, o recurso não chegou a 14% para a agricultura familiar. A questão do envelhecimento no campo e o abandono da juventude, ao nosso ver, tem a ver com essa dificuldade de acesso ao crédito." (Saulo Reis - CPT Goiás)
Outros desafios apontados foram a necessidade de aproximação com as dioceses, outras pastorais de juventude, como a PJ, PJR e PJMP, e o diálogo com as igrejas pentecostais, diante do distanciamento dos jovens do campo e o envelhecimento da população rural. Outras regiões também apontaram vários desafios, como o avanço do tráfico de drogas e das milícias nos territórios, o afastamento da pauta da luta pela reforma agrária por parte dos movimentos sociais, e a pouca resistência das comunidades diante do avanço do agronegócio e dos programas de reforma agrária governamentais que estão ainda muito limitados.
"Na nossa comunidade, incentivamos muito o cultivo do arroz, do feijão, da mandioca, mas a agricultura familiar está perdendo espaço para a soja. Moramos na margem da rodovia Santarém/Curuá-Una (PA-370), e na quinta-feira passada tivemos que fechar as casas porque estavam borrifando o veneno na soja e no milho. Eles já desmataram tudo, e sofremos com a saúde, porque ressecou a garganta, os lábios, deu tontura. Esse avanço é um perigo para a vida, a agricultura familiar está sendo pisoteada, massacrada. Já tivemos visita de empresas de crédito de carbono, e na nossa comunidade nós resistimos e negamos, mas em comunidades vizinhas os agricultores já pararam de plantar por causa desses créditos. Eu peço para que o presidente e os parlamentares que atuam e dizem nos defender, que olhassem mais para a Amazônia." (agricultora do Pará)
O segundo dia contou com uma Romaria que passou por todas as grandes regiões de atuação da CPT pelo país, além das campanhas, articulações e a Secretaria Nacional. Cada grupo apresentou um painel com os desafios, demandas e experiências de resistência vivenciadas nos três últimos anos.
"Estou caminhando com a CPT há cerca de 3 anos, e foi muito emocionante ver a caminhada e as lutas nas comunidades. Queria muito que a minha comunidade estivesse aqui presente e representada também. A Romaria representou a nossa casa comum: a juventude, as mulheres." (agricultora do Mato Grosso)
O último dia da Assembleia foi marcado pela definição das linhas de ação para os próximos três anos: a luta por terra e território, o fortalecimento da pastoralidade e da sustentabilidade, a atuação junto com grupos de mulheres e jovens na perspectiva do protagonismo, geração de renda e fortalecimento da identidade camponesa, além dos processos de formação.
"Esta Assembleia serviu para aquecer o nosso coração e nos animar para o início do ano jubilar de 50 anos de atuação, vivenciando a memória subversiva do Evangelho de Cristo junto ao povo da terra, das águas e das florestas." (Chiquinho, da CPT Ceará)
Em seguida, a Comissão Eleitoral conduziu o processo de eleição da Diretoria, Coordenação Executiva e Conselho Fiscal, ficando assim eleitos, eleitas e empossadas:
✅ Diretoria:
- Presidente - Dom José Ionilton Lisboa (AM)
- Vice-presidente - Dom Sílvio Guterres (RS)
- Secretária - Jeane Bellini (GO)
✅ Coordenação Nacional:
- Cícera (Cecília) Gomes (NE2 / PB)
- José Carlos de Lima (NE2 / AL)
- Ronilson Costa (MA)
- Valéria Santos (TO)
- Maria Petronila (RO) - suplente;
- Valdevino Santiago (MS) - suplente
✅ Conselho Fiscal (titulares):
- Xavier Plassat (TO)
- Albetânia de Souza Santos (BA)
- Luiz Antônio Pasinato (RS)
✅ Conselho Fiscal (suplentes):
- Waldeci Campos (MG)
- Célio Lima (AC)
- Geuza (PA)
O momento também contou com apresentação do balanço financeiro e elaboração de uma Carta conjunta a ser apresentada em breve.
“É missão de todos nós, Deus nos chama e quer ouvir a nossa voz!”
Imagens: Rodolfo Santana / Cáritas Brasileira
“Chega Mãe Bernadete, chega Edvaldo, chega Fernando, chega por aqui, Eu mandei tocar chamada, foi para resistir…” O som deste mantra, entoado por agentes da Comissão Pastoral da Terra nas diversas regiões do país como Amazônia, Cerrado e Caatinga, abriu com muita espiritualidade o lançamento da 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, na sede do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, nesta segunda-feira (22).
As boas-vindas foram dadas pelo bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers: “O trabalho de vocês é muito importante, para que a gente conheça quando um irmão está sofrendo violência e injustiça. Que esses dados cheguem ao Brasil como um alerta. Que bom que vocês são sentinelas, que fazem este alerta e também apontam um caminho de esperança. A casa é de vocês, e muito obrigado por tudo o que vocês fazem.”
Em seguida, o bispo da prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da CPT, Dom Ionilton Lisboa, também destacou a importância do caderno para a população do país: “O caderno permite conhecer o tamanho da violência sofrida pelos povos do campo e também suas resistências. Nós cremos no Deus dos pobres, que ouve o clamor do seu povo e está presente na luta dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito da luta social justa. A denúncia dos dados revela que precisa existir uma sociedade organizada, que combata a violência e salve vidas.”
A apresentação dos dados foi feita pela documentalista do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), Lira Furtado, destacando o maior número de conflitos da história da publicação desde 1985 (2.203), sendo a maior parte relacionada aos conflitos por terra (78,2%), representando 1.724 ocorrências. “Quando falamos destes números, não são apenas números, são vidas, famílias, pessoas que são lideranças das comunidades, impactadas pela violência, mas que continuam resistindo”, destacou Lira.
“Estamos em um governo dito aliado dos povos do campo, numa expectativa de redução do número de conflitos, mas os dados de violência também são recordes. E quando falamos de democracia, estamos falando de condições de vida plena para as comunidades e populações mais vulneráveis”, afirmou Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
O agricultor Antônio Francisco (sr. Salarial), da comunidade quilombola Jacarezinho em São João do Sóter (MA), compartilhou as ameaças sofridas em seu território: “Posso dizer que eu enfrento a violência no campo desde que me entendo de gente. A nossa comunidade quilombola é muito atacada por fazendeiros que vem logo com documento de licença ambiental, sem consultar a comunidade, e muito disso é a responsabilidade do governo estadual e municipal.”
Também do Maranhão, o trabalhador rural Francisco Batista trouxe um testemunho sobre sua experiência como resgatado do trabalho escravo de uma carvoaria próxima à divisa com o Piauí: “A gente ia trabalhar longe de casa, tendo que voltar tarde da noite e sair novamente no outro dia de madrugada, com promessas de pagamento que atrasavam vários meses. Infelizmente a situação que eu passei, acontece em muitas outras fazendas e nas cidades.”
Uma segunda mesa mediada por Andréia Silvério, da coordenação nacional da CPT, contou com as análises de Paulo Alentejano, professor da GeoAgrária da UERJ, e Ayala Ferreira, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
De acordo com a análise do prof. Paulo, o país passa por um processo de contrarreforma agrária, com explosão na expansão do agronegócio e redução na distribuição de terras e na demarcação de terras indígenas: “Infelizmente, uma parte da esquerda brasileira infelizmente não acredita mais na reforma agrária, e agora aposta no agronegócio como carro chefe da economia brasileira.”
Já Ayala Ferreira destacou o processo de avanço das violências contra os povos do campo em todo o mundo, o que se reflete também no país: “Vivemos um sistema capitalista em crise, com a precarização dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, avanço do agronegócio e das estratégias do capital para se manter e se colocar como o único modelo e forma de vida possível.”
Andreia Silvério destacou que, mesmo com o sentimento de renovação da esperança e do diálogo a partir da mudança de gestão no governo federal, são marcantes a redução de investimentos e a omissão do Estado brasileiro diante da concentração de terras públicas estaduais ou federais que estão nas mãos do latifúndio, que não estão sendo destinadas para as comunidades camponesas e tradicionais, além da demarcação das terras indígenas, desrespeitando o que está previsto na Constituição. A falta de investigação e a impunidade diante dos assassinatos e demais violências no campo também são motivos de julgamento do Estado em instâncias internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O momento também contou com apresentação da Campanha Nacional contra a Violência no Campo e o lançamento da campanha “Chega de Escravidão”, direcionada à sustentabilidade da CPT. E, seguida, falas durante o lançamento do relatório Conflitos no Campo 2023 denunciam as violências e injustiças no campo brasileiro.
Carlos Lima (Coordenação da CPT Nacional): “Infelizmente estamos com um governo que não tinha e não tem um programa para a reforma agrária. Entendo que este caderno é um instrumento de denúncia para o governo e esperança para as famílias do campo.”
Marco Jaques (Agente da CPT/BA): “Que Estado é este? São tantas promessas de reforma agrária e uma esperança para as maiores vítimas da violência no campo, mas a situação não avança. Há altos investimentos do estado para as eólicas, mineração e empreendimentos do agronegócio danosos às comunidades. O que vamos fazer pra superar esse clamor das vítimas assassinadas e assassinados na luta por justiça neste país?”
Em 2023, o Brasil testemunhou um recorde de resgates de pessoas em situações de escravidão nos últimos dez anos. É nesse contexto que a CPT lança a campanha “Chega de Escravidão!” e chama a população para unir forças contra essa gravíssima violação aos direitos humanos.
Momento do lançamento da campanha "Chega de Escravidão!". Foto: Marília Rodrigues - CPT GO
Nesta segunda-feira, 22, a Comissão Pastoral da Terra lançou a Campanha "Chega de Escravidão", criada para sensibilizar e engajar a população a contribuir com o seu trabalho pela erradicação do trabalho escravo no País. O anúncio da iniciativa ocorreu durante o lançamento da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, elaborado pela Pastoral.
Desde sua fundação, em 1975, a CPT tem sido uma voz ativa na luta contra o trabalho escravo no Brasil, com ações de conscientização, prevenção, denúncia e apoio às vítimas. Com a campanha “Chega de Escravidão!”, a expectativa é que a CPT possa ampliar o alcance de suas ações contra esta chaga que afeta anualmente milhares de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a escravidão nunca saiu de cena, mas adquiriu novas roupagens desde a assinatura da Lei Áurea, em 1888. A prova é que o ano de 2023 apresentou o maior número de pessoas resgatadas do trabalho escravo nos últimos dez anos. Foram 3.191 pessoas resgatadas, segundo a ação permanente da CPT “De Olho Aberto Para Não Virar Escravo”. Desse total, 2.663 pessoas foram resgatadas em atividades laborais rurais, de acordo com os dados recém lançados pela Pastoral.
Umas das peças elaboradas para a campanha.
Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, ressalta que os casos de trabalho escravo no Brasil são subnotificados e que a realidade é ainda mais grave. “É preciso que o Estado garanta mais fiscalizações e é preciso que a sociedade brasileira se some à luta, porque é impossível conviver com o trabalho escravo. Precisamos acabar de uma vez por todas com essa chaga, que se liga ao nosso passado mas que está muito viva na realidade de muitos trabalhadores e trabalhadoras”.
Frente a essa realidade desumana, é preciso mobilização e luta. “Nós enfrentamos a dificuldade para erradicar a cultura escravocrata. São quatro séculos de legalização e naturalização da prática do trabalho escravo”, destaca Frei Xavier Plassat, agente da CPT e membro da ação permanente “De olho aberto para não virar escravo”. Por isso, a CPT convida toda a sociedade brasileira a se aliar à luta contra essa chaga. Informações sobre a campanha, bem como dados sobre trabalho escravo, as ações realizadas e formas de contribuição do trabalho da CPT poderão ser encontradas na página eletrônica chegadeescravidao.org.br.
CPT e a luta contra o Trabalho Escravo
A luta pela erradicação do trabalho escravo no Brasil está nas raízes da CPT. A primeira denúncia dessa violação foi feita em outubro de 1971, por meio da carta pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, escrita pelo bispo da prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da Pastoral. É nesse contexto, de grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas à de escravo e expulsos das terras que ocupavam, que nasce a Comissão Pastoral da Terra, em junho de 1975.
Passados mais de quarenta anos da carta de Pedro Casaldáliga, a exploração de mão de obra escravizada ainda é uma realidade no País. Por isso, a CPT segue junto aos povos da terra, das águas e das florestas no combate a grave situação de violência e abusos vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Francisco Batista, trabalhador submetido ao trabalho escravo em 2008, durante fala no lançamento do relatório Conflitos no Campo 2023. Foto: Marília Rodrigues - CPT GO
O propósito e missão fundamental da Comissão Pastoral da Terra parte da defesa dos trabalhadores e trabalhadoras e da justiça social. A Pastoral luta contra o trabalho escravo por meio de ações de conscientização, prevenção e incidência sobre o tema, além de dar apoio às pessoas resgatadas. Ademais, atua registrando os dados de fiscalização dos estabelecimentos denunciados, atividades que mais utilizam mão de obra escravizada e quantidade de trabalhadores resgatados a cada ano.
Atualmente, as denúncias podem ser realizadas online, com total sigilo, acessando diretamente a Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, por meio do Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br). Ou ainda por meio do Ministério Público do Trabalho mais próximo da sua localidade. Como sempre fez, em cada região do país, a CPT também está à disposição de quem se dispor a cumprir este ato cidadão: denunciar o crime para resgatar a dignidade de muitos e muitas.
Se você se identificou com o trabalho da CPT e também se indigna com o trabalho escravo, ao qual tantas pessoas ainda são submetidas, conheça mais da atuação da Pastoral pelo site www.cptnacional.org.br e seja uma doadora ou doador por meio do site chegadeescravidao.org.br.
CARTA DA 18ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA REGIONAL RONDÔNIA – CPT/RO
Irmanados pela força da terra conquistada em luta, neste chão de reforma agrária, nos reunimos para celebrar nossos 40 anos de presença missionária e profética neste chão de Rondônia no Assentamento Padre Ezequiel Ramin, no município de Mirante da Serra, entre os dias 12 e 14 de abril de 2024.
Animados pelas trajetórias de lutas, conquistas, dores e alegrias, rememorando nossos companheiros e companheiras que fizeram sua Páscoa, deixando o exemplo de luta, reafirmamos o nosso comprometimento com a causa dos camponeses, camponesas, comunidades tradicionais e Povos Indígenas em defesa da terra e do território neste chão amazônico.
Denunciamos a perversidade da ganância do capital, sob a embalagem do agronegócio, que por meio da violência física, psicológica, inclusive amparado pelas forças da repressão militar e segurança pública, de forma sistemática, expropria territórios e privatiza a terra, a água e nossas florestas, expulsando famílias de extrativistas, indígenas, quilombolas e posseiros que aqui estão há muitos anos.
Denunciamos com veemência a atuação do Estado, sobretudo em âmbito federal e estadual, omisso no papel de executor de políticas públicas, violento e repressor na sua função de justiça, irresponsável em concretizar direitos assegurados, cúmplice na função de remover ou alterar direitos dos povos, das águas e das florestas e, por isso legitimador da violência, da grilarem, do desmatamento, do envenenamento das águas, das florestas e dos seus povos. Neste sentido, denunciamos também a impunidade com as mortes no campo, as ameaças e ataques aos povos como formas de perpetuação da violência contra os corpos tombados na luta.
Denunciamos a AMACRO, a forma de avanço do agronegócio, em pleno curso, como uma economia de morte e destruição da terra, das águas e do ar, e que, envenena nossa terra, nossas águas e nosso ar com o uso de agrotóxicos, com a grilagem de terras públicas, invasão de Terras Indígenas e de Áreas protegidas, tudo isso com a tutela perversa do Estado brasileiro, através de suas instituições.
Repudiamos toda e qualquer tentativa de mercantilização e privatização das nossas florestas e nossos rios.
Repudiamos as ações de grupos milicianos intitulados “Invasão Zero”, com amplo apoio de parlamentares, que visam levar o terror e a morte nas ocupações rurais.
Repudiamos a aprovação de leis que visam criminalizar a luta pela terra e retiram direitos das populações do campo, da floresta e das águas.
Da mesma forma, reivindicamos a urgente necessidade de garantir a demarcação, justa e correta, dos territórios tradicionais quilombolas, indígenas e camponeses que lutam por um pedaço de chão.
Renovamos nossa fé e esperança ao Deus dos pobres, a terra de Deus e aos pobres da terra, e por isso, desde o chão da Amazônia, atendemos à convocação feita a partir da memória subversiva do evangelho, da luta dos povos e do grito da floresta e das águas.
Mirante da Serra/RO. 14 de abril de 2024.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA RONDÔNIA
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