A caminho do marco de 60 anos da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), fundada em 20 de dezembro de 1963, uma série de atividades foi planejada para o dia 28 de novembro, em Brasília/DF.
Por Comunicação CONTAG | Fotos: Luiz Fernandes*
Na manhã de ontem, 28, foi realizada uma Sessão Solene no Plenário da Câmara dos Deputados, requerida pelo deputado federal Bohn Gass (PT-RS), e prestigiada por vários parlamentares. A Solenidade também contou com a presença de representantes de todas Federações e de centenas de Sindicatos. O presidente da CONTAG, Aristides Santos, destacou alguns fatos importantes dessa trajetória de 60 anos e ressaltou a importância da maior entidade sindical de trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares.
“No cenário da fundação da CONTAG, era de ausência de Estado brasileiro para os homens e mulheres do campo e, quando chegava, era através da repressão, seja na luta pela terra ou na luta por direitos. E a fundação da CONTAG perpassa por fundação de Sindicatos, das Ligas Camponesas, de associações de lavradores, da Ultab, do Master, de Federações e, assim, a CONTAG foi fundada reunindo todas essas forças. Ela representa os sonhos e a luta de muitos homens e mulheres do campo, de várias organizações” - Aristides Santos, presidente da CONTAG.
A secretária de Mulheres da CONTAG, Mazé Morais, também agradeceu o reconhecimento do Parlamento ao homenagear a CONTAG com a realização desta Sessão Solene. "Essa homenagem é um reconhecimento à luta e ao trabalho da CONTAG e é gratificante sermos recebidas neste lugar. Estamos aqui celebrando também os 60 anos de resistência e o importante legado dessa trajetória, no combate às desigualdades, à fome e pobreza, de luta pela autonomia dos territórios e com o protagonismo dos sujeitos, em especial das mulheres, da juventude e da terceira idade".
Representando os trabalhadores assalariados e assalariadas rurais, o presidente da CONTAR, Gabriel Bezerra, parabenizou a CONTAG e destacou a sua importância para os homens e mulheres do campo. "Deixo aqui o nosso reconhecimento e destaco algumas conquistas fruto dessa trajetória que também beneficiaram os assalariados e assalariadas rurais, como as convenções coletivas de trabalho e a Política Nacional para os Trabalhadores Rurais Empregados”, destacou.
Roda de Conversa compartilha a história da CONTAG, entrelaçada com a história do Brasil
Foi com poesia e cantoria que começou mais um dos momentos de celebração do aniversário da CONTAG. A Roda de Conversa sobre os 60 anos da Confederação aconteceu durante a tarde, no auditório central, conduzida pela secretária de Jovens da CONTAG, Mônica Bufon, e pelo secretário de Política Agrícola, Alair Luiz dos Santos, que receberam Givanilson Porfírio, assessor da CONTAG e que tem desenvolvido uma pesquisa aprofundada sobre a história de luta da entidade.
Neste momento de prosa, Gil falou sobre os principais marcos da história da CONTAG, que se cruzam com a história do sindicalismo no Brasil, e do reconhecimento da agricultura familiar como setor importante no país. De forma sintética, ele explicou sobre a formação da agricultura familiar, as primeiras greves rurais, o protagonismo das mulheres e outros fatos da história que contextualizaram o momento político de criação da CONTAG, em dezembro de 1963.
Cerimônia de Celebração do 60 anos recebe autoridades e entidades parceiras da CONTAG
Este grande dia de comemorações teve seu desfecho com a Cerimônia de Celebração dos 60 anos da CONTAG. Para este momento, a Confederação recebeu um grande grupo de parceiros e parceiras de luta, de diferentes setores da sociedade. Autoridades governamentais, parlamentares, agências internacionais, centrais sindicais e diversas outras entidades subiram ao palco para homenagear a CONTAG.
“Nós mulheres somos presença, pautamos questões importante para fortalecimento da democracia. Somos hoje as maiores responsáveis pela manutenção da estrutura sindical, por isso não é possível falar dos 60 anos da CONTAG sem falar do processo de organização das mulheres e sem reconhecer nosso legado político para a história do movimento. Não deixaremos de caminhar, continuaremos a caminhar, pois juntas e juntos somos resiliência e resistência. A CONTAG é o resultado dos nossos sonhos, mas também a expressão da nossa força como sujeitos políticos” - Mazé Morais, secretária de Mulheres da CONTAG.
A CONTAG foi saudada e homenageada carinhosamente pelas diversas entidades. Foi uma série de discursos que reforçaram o empoderamento e força da CONTAG nesses 60 anos de história e de luta.
Leia a matéria na íntegra pela publicação original da CONTAG
*Editado por Comunicação CPT Nacional
Entre os dias 20 e 23 de novembro, a Comissão Pastoral da Terra Regional Paraná se integrou às atividades do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, que teve como lema "Agroecologia na Boca do Povo". O regional compôs um espaço de partilha de experiências das comunidades a partir da defesa dos territórios, da valorização das guardiãs e guardiões das sementes crioulas, da produção de alimentos saudáveis e dos mutirões coletivos que envolvem campo e cidade no combate a fome, pela soberania no campo e no prato.
Para Inês Polidoro, da CPT Paraná, a importância da pastoral em participar de espaços como esse está em levar um pouco da resistência dos territórios no Paraná, frente à monocultura, aos agrotóxicos e toda a contaminação da mãe-terra. "Uma coisa positiva, enquanto Pastoral da Terra, é nos fortalecer junto aos agricultores e aos movimentos, tendo a agroecologia como possibilidade de vida", afirmou.
*Fotos por CPT Paraná
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Como resultado do 1º Encontro de Juventudes da Grande Região Norte, realizado entre os dias 17 a 19 de novembro na Casa Dona Olinda (em Araguaína/TO), o grupo elaborou e aprovou, de forma coletiva, uma carta avaliando suas relações com os territórios, a permanência no campo e a esperança de construir um mundo novo com justiça e dignidade. A carta segue abaixo na íntegra, e também pode ser acessada em arquivo PDF. Baixe aqui o arquivo em PDF.
CARTA DAS JUVENTUDES DA GRANDE REGIÃO NORTE
O 1° Encontro de Juventudes da Grande Região Norte, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) com as juventudes do campo dos estados do Pará, Tocantins, Amapá e Maranhão, surge a partir de urgências, cada uma descrita e vivida, em um chão do conflito compartilhado por aqueles e aquelas que nesse encontro constroem a resistência. O objetivo de reunir essa juventude se encaminha para além de compartilhar o espaço, mas de articular e de semear o viver e não o sobreviver.
A violência que afeta e destrói os povos do campo e a nossa biodiversidade também ameaça e mata as juventudes camponesas. Somente no primeiro semestre de 2023, de acordo com dados parciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram registrados 973 conflitos no campo, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022.
Os conflitos por terra encabeçam a lista de registros de violências, computando 791 ocorrências. No total, somente no primeiro semestre do ano, quase 527 mil pessoas estiveram envolvidas nesses episódios. O primeiro semestre de 2023 também registrou 107 casos de violência contra a mulher no contexto camponês, abarcando casos de estupro, ameaças, agressão e até criminalização.
No enfrentamento a este cenário de morte e violências, as juventudes camponesas resistem.
As juventudes demonstram a pluralidade de saberes, práticas e formulações de enfrentamento do sistema que adoece, expulsa e mata. Somos herdeiros de uma ancestralidade de luta que anseia por correntes desamarradas. A relação corpo e território compreende que cada espaço invadido é um corpo ferido. Assim, estamos de mãos dadas pela Amazônia e por nossa terra.
Compreendemos neste encontro a necessidade de semear a partir de hoje uma realidade de juventude que esteja alicerçada a preservação da tradição, da garantia de permanência em nossas terras e vivendo a juventude que nos faz.
A prática da comunicação será fundamental para a construção de um mundo novo, compreendendo as juventudes a partir das relações e dos saberes tradicionais.
Durante os debates várias questões foram postas, o que nos proporcionou enxergar quão diversa é a juventude do campo na Grande Região Norte e que, apesar dessa diversidade, se formam semelhanças.
Debatemos o que causa as mazelas e os conflitos no campo: a questão sistêmica do capitalismo, a cooptação da mídia, a marginalização e a criminalização das juventudes, o novo colonialismo gerido pelos grileiros ao atacar as comunidades e com isso ameaçar a preservação de suas ancestralidades. Esses são alguns dos desafios que nós, como juventudes campesinas e juventudes da CPT, temos a enfrentar como forma de resistência.
A realidade da juventude campesina é uma realidade de conflito, mas também é a realidade da coletividade, de tradição, de esporte, cultura e resistência. Uma juventude que, se organizada, pode vencer qualquer desafio posto pelos projetos de morte que atuam na lógica destrutiva da produção capitalista, que são nossos inimigos naturais.
Temos o desafio de nos fortalecer enquanto juventudes, para organizar e resistir em nossas comunidades e entendemos que as entidades que fazem parte da luta pela terra na Amazônia precisam estar ainda mais conscientes e participantes das lutas e das vivências das juventudes no e do campo.
O permanecer é ligado ao pertencimento. Por outro lado, o sentimento de distanciamento de seu território, gerado pela expulsão à força do seu local de origem, surge desde o período da escravização colonial até os dias de hoje. Assim, saímos deste encontro reflexivos do que nos incentiva a permanecer e pertencer, e para além, formulando com base em nossas realidades distintas e que nessa pluralidade nos une. Comojuventudes, ansiamos esperançar, mas além disso, viver em um novo mundo, longe das cercas e amarras que nos prendem e nos privam de viver, cultivar e amar.
Pelo fim do latifúndio! Pelo fim da grilagem! Pelo fim do capitalismo!
Araguaína, 19 de novembro de 2023.
Por Lara Tapety | CPT Alagoas
Fotos: Cortesia
Na manhã desta terça-feira, 28 de novembro, trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem-terra, ligados a sete movimentos e organizações sociais do campo de Alagoas, bloquearam a rodovia BR 104, na entrada da antiga Usina Laginha, no município de União dos Palmares. O objetivo da mobilização é cobrar dos governos estadual e federal o cumprimento do acordo de destinar as terras da massa falida da referida usina para fins de reforma agrária.
Desde o anúncio da abertura de falência do Grupo João Lyra, os movimentos e organizações sociais reivindicam assentar milhares de famílias camponesas nos milhares de hectares de terras do grupo em Alagoas. Tendo em vista a demanda dos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra no estado, juntos, nos anos de 2011 a 2014, ocuparam áreas das três usinas falidas: Guaxuma, na região de Coruripe, Teotônio Vilela e Junqueiro; Uruba, no município de Atalaia; e Laginha, em União dos Palmares e Branquinha.
Em 2016, foi iniciado o processo de negociações entre os movimentos e organizações sociais, o governo do estado, a massa falida e o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Na tratativa, propôs-se um acordo que levou em conta a necessidade de pelo menos uma das usinas voltar a moer cana-de-açúcar visando gerar recursos para honrar o pagamento aos credores. A proposta de acordo foi que as famílias Sem Terra desocupassem a Usina Uruba, em Atalaia, que tinha maior possibilidade de retomar o trabalho de imediato, e como contrapartida, seriam destinados cerca de 1500 hectares de terra da Usina Guaxuma para que as organizações que a ocupavam e toda a Usina Laginha seria destinada para fins de reforma agrária.
De acordo com a coordenação dos movimentos e organizações do campo, a proposição foi aceita. Foi dado um prazo de 90 dias para a desocupação da Usina Uruba, mas a área foi desocupada antes, em 30 dias. Os movimentos cumpriram a parte deles no acordo e seguem na cobrança para que o Estado e a justiça cumpram a parte deles.
Durante os 8 anos do acordo, não houve qualquer ação efetiva por parte do Estado. Inclusive, alguns mandados de reintegração de posse foram recebidos anteriormente nas ocupações, mas não houve despejo.
Entretanto, as lideranças dos movimentos relatam que, recentemente, foram surpreendidas com tentativas de reintegração de posse de áreas da massa falida, especificamente no município de Teotônio Vilela, como, também, com audiências da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça (TJ) de Alagoas.
Nas audiências da comissão do TJ, representantes da massa falida afirmaram que não existe acordo sobre a Usina Laginha, mas apenas referente aos 1500 hectares da Usina Guaxuma. Para as coordenações dos movimentos e organizações sociais, isso é preocupante, porque é um desrespeito a um acordo que afeta a vida de milhares de famílias acampadas. Há 8 anos as pessoas estão na expectativa do cumprimento do acordo por parte dos governos estadual e federal, com intermediação do Tribunal de Justiça. Porém, o que se prevê é mais de duas dezenas novos mandados de reintegração de posse.
"Nós estamos falando da necessidade do cumprimento de um acordo firmado. É preciso fazer um encontro de contas para que efetivamente a situação seja resolvida e essas famílias possam serem assentadas ali com a garantia de políticas públicas e, assim, avançar a reforma agrária no nosso estado", afirmam as coordenações.
A mobilização pela reforma agrária das terras da Usina Laginha reúne a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frente Nacional de Luta (FNL), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), o Movimento de Luta pela Terra (MLT), o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) e o Movimento Terra Livre (TL).
A rodovia permanece bloqueada. Os movimentos e organizações afirmam que o desbloqueio ocorrerá quando as autoridades dos governos acordarem para a dura realidade das famílias. Eles reivindicam uma audiência com o governador Paulo Dantas, no Palácio República dos Palmares; a presença do presidente do Incra, César Aldrighi; e representação do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Espera-se por um posicionamento no sentido do cumprimento do acordo firmado
Famílias relatam intimidação por empresa que atua na área; Defensoria do estado pede revogação de licenças ambientais.
“Aqui era um aguão. Secou por causa do desmatamento que a firma fez. Secaram tudo pelo desmatamento, para plantar pinus, esses ‘trens’ deles lá, para ser bom para eles”.
Os “trens” aos quais dona Eurica Gomes Pestana se refere são as plantações de pinus e eucalipto que cercam o Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, localizado no norte de Minas Gerais, a cerca de 150 quilômetros de Montes Claros. “Eles”, no caso, são as empresas que avançam sobre as comunidades tradicionais desde a década de 1970 e expandem, cada vez mais, o monocultivo das espécies que são amplamente utilizadas nas indústrias de papel e celulose e da construção civil.
O cenário relatado pelo povo geraizeiro foi constatado pelo Brasil de Fato, que retornou ao local três anos depois da última visita para a produção desta reportagem especial.
Assista ao documentário completo
A vegetação rasteira – característica do Cerrado – composta por arbustos de pequeno porte, onde o gado era criado à solta, deu lugar a árvores que superam facilmente os 30 metros de altura. A transformação não se limitou à paisagem, mas refletiu, também, no modo de vida dos geraizeiros, que foram empurrados das chapadas (parte alta) para as grotas (parte baixa) com suas criações de animais.
Ali tinha uma cachoeira onde as mulheres iam tomar banho. Era igual um chuveirão, muito forte. Hoje só ‘tá’ o mato. A enchente veio e aterrou tudo. Encheu tudo da terra da chapada. - Eurica Pestana, geraizeira, 71 anos
A lembrança de dona Eurica remonta aos tempos de juventude, quando havia água em abundância e terra para plantar. Hoje, a geraizeira de 71 anos, cuja experiência de dias melhores floresce na aparência, ainda luta para que as gerações futuras possam ver os rios cheios novamente.
:: Grande Sertão Ameaçado: o monocultivo de eucalipto no norte de Minas Gerais ::
A nascente que fica próxima à casa da família, no passado, era fonte de abastecimento para a comunidade. Agora, resta apenas um fio de água.
[A água da mina] já foi umas cinco vezes mais do que isso, porque, na verdade, era muita gente que apanhava água em casa. Eles vinham apanhar água. Hoje eles não vêm mais porque a água é muito pouca. Como é que a gente vai morar numa terra sem água? - Olivar Pestana da Costa, de 36 anos, é o segundo filho de dona Eurica
A responsabilidade pelo assoreamento das nascentes é atribuída às empresas de reflorestamento que atuam na região, especialmente à Rio Rancho Agropecuária S/A. A substituição da vegetação das encostas das chapadas comprometeu a barreira natural que segurava a enxurrada de sedimentos, como apontam os pesquisadores Gildarly Costa da Cruz, Eduardo Magalhães Ribeiro e Flávia Maria Galizoni, no artigo “Semiárido, seca e ‘Gerais’ do Norte de Minas: uma revisão da bibliografia sobre o Alto-Médio São Francisco”.
“Com os desmatamentos das encostas, esses materiais foram transportados para os cursos d’água, e muitos desses foram soterrados e contaminados com os insumos [utilizados nas plantações]”, explicam os autores.
A constatação apontada pelos pesquisadores é corroborada pelas comunidades geraizeiras, que temem, ainda, serem “castigadas” pelas empresas.
“A terra que vem entope as minas todas. Muita gente fica com medo de falar, com medo da empresa castigar. Se colocar um veneno lá em cima vem parar tudo nas minas de água, acaba com o gado e com a nossa saúde”, lamenta Olivar Pestana com o olhar fixo no fio de água que ainda brota da nascente ao lado da casa de sua família.
Os impactos do eucalipto na disponibilidade hídrica relatados pelos geraizeiros encontram amparo científico. Um estudo realizado em 2013 pelo engenheiro agrícola Vico Mendes Pereira Lima, doutor em ciência do solo, constatou que a substituição da vegetação do Cerrado por eucalipto pode reduzir a recarga de água nos lençóis freáticos em aproximadamente 345 milhões de metros cúbicos por ano.
O dado foi produzido com a espécie eucalyptus grandis, com cinco anos de idade, em uma região do semiárido do Vale do Jequitinhonha que tem características semelhantes às do Vale das Cancelas. O engenheiro utilizou dados que mostram que a cobertura vegetal de eucalipto apresenta uma taxa de evaporação e transpiração de seis litros de água por metro quadrado. Enquanto isso, o cerrado apresenta uma taxa de 1,5 a 2,6 litros por metro quadrado.
O dado foi produzido com a espécie eucalyptus grandis, com cinco anos de idade, em uma região do semiárido do Vale do Jequitinhonha que tem características semelhantes às do Vale das Cancelas. O engenheiro utilizou dados que mostram que a cobertura vegetal de eucalipto apresenta uma taxa de evaporação e transpiração de seis litros de água por metro quadrado. Enquanto isso, o cerrado apresenta uma taxa de 1,5 a 2,6 litros por metro quadrado.
O engenheiro também levou em consideração a diminuição média anual da recarga de 218 milímetros e multiplicando-a pela área reflorestada com eucalipto de 158 mil hectares, na região do Vale do Jequitinhonha. Com esses dados, ocorre uma diminuição da recarga de cerca de 345 milhões de metros cúbicos por ano. Dos 1.060 milímetros de média de chuvas anuais, as áreas de cerrado aproveitam 49,6% para o abastecimento de suas reservas, enquanto as áreas de eucalipto aproveitam 29,1%.
Os dados do estudo de Pereira Lima, quando transportados para a realidade do território geraizeiro, com aproximadamente 230 mil hectares, indicam que a diminuição da recarga dos aquíferos atinge um volume na ordem de 500 milhões de metros cúbicos por ano. A estimativa foi calculada pelo antropólogo João Batista Almeida Costa, professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e pesquisador da Comissão da Verdade do Grande Sertão, que desenterrou conflitos fundiários do período da ditadura.
“Para se ter uma ideia do que representa esse valor, em termos de metros cúbicos de água, seria o mesmo que, se armazenado, caberia em um reservatório, em forma de caixa d’água, com 100 metros de diâmetro e 64 metros de altura, equivalente a um prédio de 22 mil andares”, explica o professor numa estimativa aproximada.
Apesar de não haver números consolidados sobre o consumo de água pela plantação de eucalipto devido à quantidade expressiva de variáveis como tipo de solo e a espécie da planta, como ressalta o geógrafo Cássio Alexandre da Silva, é possível afirmar que a substituição da vegetação nativa pela monocultura provoca um “grande choque sistêmico” na natureza.
No caso dos Gerais, o professor do departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimonte) explica que os solos têm dificuldade com uma única espécie – ainda mais quando se trata de uma planta exótica, como o eucalipto, que é originário da Austrália.
:: Eucalipto domina dois terços das florestas plantadas no Brasil ::
Soma-se a isso o fato de as raízes da árvore serem pivotantes, ou seja, elas não se espalham lateralmente, mas penetram profundamente o solo em busca de água. Assim, elas alcançam,, por exemplo, os lençóis freáticos e influenciam nas características da "caixa d'água" na parte superior da chapada e afetando as áreas de veredas.
“Toda e qualquer planta exótica em qualquer um novo ambiente causa impacto na relação com as outras espécies. Temos que lembrar, também, que o norte de Minas já tem de maneira natural duas perspectivas climáticas: a seca e as águas. Se tem quatro a cinco meses de chuva e sete a oito meses de seca, o impacto já é gigantesco com essa espécie exótica”, pontua Silva.
As plantações de pinus e eucalipto estão por toda a parte no território de Vale das Cancelas. É possível andar por quilômetros na estrada que corta as plantações, e a paisagem das chapadas do Gerais permanecer intacta num verde imenso e homogêneo.
:: Grande Sertão Ameaçado: os geraizeiros diante do megaprojeto de mineração chinês ::
Aos desavisados, o balanço das árvores pode dar à plantação as características de algo belo, não fossem os impactos causados à região: erosão do solo, redução da biodiversidade, contaminação por agrotóxicos nos arredores, uso excessivo de recursos hídricos e perda de qualidade do solo.
Somam-se a esse conjunto as consequências sociais para a população local, como concentração de terra, insegurança alimentar e diminuição de renda. “A gente ficou encurralado aí, sem saída”, resume dona Eurica, que vive na região abarcada pelos municípios de Grão Mogol e Padre Carvalho.
O encurralamento dos geraizeiros começou há cerca de 50 anos, como parte de uma política de modernização agrícola promovida pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) durante a ditadura militar, que ignorou completamente a existência dos povos tradicionais da região.
A situação dos geraizeiros não mudou muito de lá pra cá, as comunidades seguem ignoradas pelo estado, como se não existissem no território ancestral que ocupam há pelo menos 200 anos.
“As firmas invadiram, meteram o trator. Aí eu peguei esse papel aqui, essa escriturinha, e fui lá. Eles disseram que iam plantar e depois iam entregar a terra, e a gente, besta, tinha até medo de conversar, voltei com a escritura para trás. A firma agora já está tomando a terra. Arrancou meus postes. Agora está tomando a minha terra”, relata Alvino Nunes de Araújo, em posse da escritura do terreno onde vive há quase sete décadas.
O avanço das empresas no território de Vale das Cancelas se deu por meio de contratos de arrendamento de terras públicas, com duração de 23 a 25 anos, a partir de 1975. Desde então, as famílias vivem sob uma grave insegurança jurídica.
Os geraizeiros relatam que os episódios de intimidação são recorrentes no território. Em um dos casos, um vídeo registrado pelos moradores mostra o momento em que funcionários que seriam da empresa Rio Rancho derrubam cercas construídas pela comunidade.
:: Geraizeiros filmam funcionários da Rio Rancho derrubando cercas de moradores ::A gente fica abatido. Ninguém esperava que isso fosse acontecer um dia, não. Depois que a gente viu que estava destruindo mesmo, derrubando a mata, derrubando tudo do modo que eles queriam. Ninguém dá conta de resolver esse problema, porque eles têm muito dinheiro, ninguém tem essa dinheirada para mexer com eles. - Josefa Araújo, geraizeira, 70 anos.
O desalento de dona Josefa Araújo é justificado diante de uma disputa que envolve forças desproporcionais. Do outro lado estão grandes empresas, como a Rio Rancho Agropecuária S/A, do ex-governador mineiro Newton Cardoso e de seu filho, o deputado federal Newton Cardoso Júnior (MDB). O patrimônio da família dá um indício do poderio da firma: além de empresas, 145 fazendas, uma praia na Bahia, uma ilha em Angra dos Reis, dois aviões, um helicóptero e um apartamento em Nova Iorque.
As corporações contam com o aval do governo para a manutenção das atividades no território dos geraizeiros, que, em 2018, foram reconhecidos como comunidade tradicional no âmbito da lei estadual 21.147.
O reconhecimento permitiu avançar no processo de regularização fundiária e titulação do território, além de enfatizar o direito à consulta prévia sobre empreendimentos que possam afetar seus bens e direitos, conforme previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Mas, na prática, nada mudou. O governo, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), segue com as concessões de licenciamentos ambientais às empresas instaladas no território, segundo as comunidades, sem qualquer participação dos moradores.
A defensora pública Ana Cláudia Alexandre Storch, que atua no caso por meio da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), afirma que as consecutivas licenças ambientais autorizadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) representam uma omissão do estado diante da situação de vulnerabilidade dos geraizeiros.
“Há uma disputa possessória alimentada pelo próprio Estado. Esse é o ponto central desse caso, porque a empresa junta ao processo que obteve licenciamento ambiental. Essa é a contradição: os geraizeiros estão na fase final do processo de elaboração de seu laudo antropológico na Seapa [Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento]. Mas, na Semad, estão autorizando as empresas a entrarem dentro desse território.”
Storch explica que a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), obrigatório para todos os imóveis rurais do país, é importante para o processo de regularização, ainda que não seja uma etapa obrigatória. Os territórios de uso coletivo devem ser inscritos no CAR pelo estado. Quando é título de propriedade individual, o próprio proprietário pode solicitar.
No caso do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, o estado deveria ter feito o cadastro, mas não fez. O CAR funciona como um instrumento de consulta, que deveria apontar para a presença do território tradicional, mesmo que em sobreposição a outras posses e matrículas. Por isso, a “falta de um instrumento de consulta obrigatório que localize a existência de um povo ou comunidade tradicional no mapa, faz com que os procedimentos estejam sendo aprovados sem considerar a existência das comunidades e sem direito de consulta”, afirma Storch.
Assim, a Semad, ao liberar o licenciamento para as empresas, atua como se não houvesse uma comunidade tradicional no local.
Tudo foi feito pelo estado desconsiderando que aquelas terras estão sendo inclusive objeto de um procedimento dentro do próprio estado para regularizar. Eu não tenho como dizer que não há uma responsabilidade estatal por tudo que está acontecendo. - Ana Cláudia Alexandre Storch, defensora pública de MG.
De acordo com um parecer técnico da Semad, publicado em 9 de fevereiro de 2022, o Bloco Cancela foi adquirido pela Rio Rancho em 2000. Somente 15 anos depois, deu-se início ao processo de regularização dos empreendimentos, finalizado em 2020, paralelamente ao processo de homologação do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas na Seapa.
O documento também aponta que a Rio Rancho possui 24,5 mil hectares, somente no Bloco Cancela, espalhados por sete fazendas, entre os municípios de Grão Mogol e Padre Carvalho: Batalha/São Francisco, Campinho, Cancela, Carinhanha, Curral de Varas, Lambedor e Ribeirãozinho. O contrato de arrendamento de uma das fazendas, a Lambedor, foi adquirido em 2005, da Floresta Rio Doce. A transferência do contrato da área de 1,6 mil hectares foi realizada dois anos antes do contrato ser extinto.
Durante os processos de licenciamento e repasse de contratos, as comunidades geraizeiras alegam que não foram consultadas, como prevê a Convenção 169 da OIT, e nem mesmo audiências públicas foram realizadas, como consta no próprio parecer técnico da Semad. Ainda assim, em 2021, a empresa entrou com um pedido de regularização da ampliação da atividade, o que foi concedido no ano seguinte.
Atualmente, o processo de homologação do Território Tradicional de Vale das Cancelas está em fase de elaboração de laudos antropológicos que atestem a presença histórica de geraizeiros no local.
Serão três, no total, um para cada núcleo: Tingui, Lamarão e Josenópolis. O primeiro, sob responsabilidade do antropólogo João Batista Almeida Costa, já está pronto. O laudo do núcleo Lamarão está em desenvolvimento, enquanto o núcleo Josenópolis aguarda contratação de equipe pelo governo para dar início à elaboração do documento.
O relatório de Almeida Costa contraria o estado e atesta a presença da comunidade tradicional geraizeira na região há pelo menos 200 anos. “É possível afirmar que a população geraizeira está lá desde o período do garimpo em Grão Mogol, no século 18. A comunidade começa com escravos fugindo e formando quilombo”, afirma Costa.
Alvino Araújo, cuja ancestralidade que mantém com o território é parte fundamental de sua identidade, sabe melhor do que ninguém que a história de sua família se entrelaça com a história do Vale das Cancelas. “Nessa roseira, nasceu meu pai André Nunes de Araújo e minha mãe Almerinda Cardoso. Os outros avós a gente não lembra porque morreram, e a gente nem nascido não tinha”, conta o geraizeiro.
Ao falar sobre seus antepassados, Alvino afirma que os cemitérios construídos pelos geraizeiros são testemunhas silenciosas da longa jornada das comunidades na região. O laudo antropológico de João Batista Almeida Costa, atesta a existência de cemitérios na comunidade Tingui, que inclusive foram destruídos para dar lugar às plantações de eucalipto.
A despeito da presença ancestral dos geraizeiros na região, o estado vendeu o discurso de “vazio populacional” na região para poder ocupá-la com empresas de reflorestamento. A pesquisadora Dayana Martins Silveira, em sua tese de doutorado “Comunidades Tradicionais do Norte de Minas: estratégias de luta e acesso a direitos territoriais”, afirma que essa narrativa “serviu apenas para legitimar os processos de dominação, exploração e expropriação das populações nativas. Ao contrário das ideias do discurso modernizador, sabe-se que essas terras já foram ocupadas por povos e comunidades tradicionais desde o século XVII”.
Um documento de 1998 da Fundação Rural Mineira (Ruralminas), inclusive, mostra que o órgão considerava que “Norte, Noroeste e Vale do Jequitinhonha têm como base áreas de terras devolutas, de propriedade do Estado de Minas Gerais, inteiramente desocupadas e inaproveitadas”.
Nesse contexto, o antropólogo explica que o laudo antropológico é a parte mais importante do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que deve ser aprovado pela própria comunidade. O documento, posteriormente, é publicado pelo governo de Minas Gerais, quando as partes envolvidas no processo podem se contrapor ao documento. A Seapa, então, realiza uma espécie de julgamento das contraposições apresentadas.
Após a publicação do relatório, deve ser feito um levantamento da cadeia dominial dos imóveis envolvidos no processo de reconhecimento das comunidades, antes da Portaria de Reconhecimento. Nesse momento, é feito um estudo das propriedades privadas no local e seus respectivos valores e a indenização de cada proprietário. Com a portaria, vem o título, então, de propriedade coletiva.
O andamento do processo de regularização fundiária também esbarra na disputa pela posse da área em processos judiciais individuais. Segundo audiência final do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) dedicada às violações dos direitos humanos, ambientais e territoriais dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado e seus modos de vida, que ocorreu em julho do ano passado, há uma avalanche de processos individuais na justiça contra as famílias geraizeiras, “para descaracterizar conflitos e direitos coletivos”.
Somente a Rio Rancho acumula 86 processos judiciais contra moradores das comunidades. Em 2023, a empresa entrou com uma ação de reintegração e manutenção de posse contra seis moradores da região de Curral de Varas, também conhecida como Meladinho e Forquilha. De acordo com a empresa, Juversino Nunes de Araújo, Nelson Marques Pimentel, Olivar Pestana da Costa, José Reginaldo Pestana da Costa, Dedio Rosário Ferreira e Sidnei Nunes de Araújo teriam invadido uma área supostamente pertencente à empresa “de forma violenta e arbitrária” e erguido cercas. A área em questão corresponde a 2.980 hectares e foi adquirida da empresa Florestas Rio Doce.
Em 30 de agosto deste ano, no entanto, o juiz Nilton José Gomes Júnior, da Primeira Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Salinas, declarou a incompetência da primeira instância para tratar do caso ao considerá-lo um conflito coletivo pela posse da terra rural.
“Verifica-se que se trata de conflito coletivo, uma vez que a área litigiosa encontra-se inserida no âmbito da discussão acerca do território tradicional geraizeiro do Vale das Cancelas, conflito este que abrange a Comunidade Geraizeira do Núcleo Tingui”, escreveu o juiz em sua decisão.
Por isso, o juiz encaminhou o processo para a Vara de Conflitos Agrários de Belo Horizonte, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A defensora pública do estado mineiro, Ana Cláudia Alexandre Storch, que atua no caso por meio da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), afirma que a DPE-MG faz a defesa do território coletivo na demanda possessória, que tem potencialmente, neste momento, a possibilidade de fixar a posse que os geraizeiros exercem sobre aquele território.
O Brasil de Fato enviou questionamentos à Rio Rancho sobre as denúncias relatadas pelos geraizeiros, mas não obteve retorno da empresa. A Seapa e a Semad também foram questionadas sobre os processos de regularização e concessão de licenciamentos na região do Vale das Cancelas, mas não houve resposta.
O processo de reconhecimento do território coletivo e a sua regularização enquanto tal enfrenta um dado estrutural e histórico, intrínseco à formação do estado brasileiro e das legislações sobre propriedade privada: a prática de grilagem de terras.
Segundo a geógrafa Sandra Helena Gonçalves Costa, a ocupação por empresas de reflorestamento no Vale das Cancelas se confunde com essa forma de se apropriar da terra, que é fundamental para compreender como se formou a estrutura fundiária brasileira. A própria Rio Rancho Agropecuária S/A já foi investigada pelo Ministério Público Federal por grilagem de terras devolutas da União.
Na formação do país, a legislação fundiária brasileira não abarcou a ocupação dos povos originários. A Constituição de 1824 inaugurou dentro do território brasileiro a propriedade privada da terra, e, em 1850, foi autorizado a comprar e vender terras no Brasil. “Quem tinha dinheiro podia comprar terras, mas houve uma população nos Gerais que não pôde adquirir terras, em nenhum contexto. Foi cerceado esse direito”, afirma.
Na mesma linha, a geógrafa afirma que historicamente aqueles com condições de adquirir terras foram e são os mesmos que elaboram as legislações. Basta observar a bancada ruralista no Congresso Nacional. “Tem lá senadores e deputados federais que são a extensão dos oligarcas desde o século 19, e se ramificam pelo Estado, como juízes, desembargadores, prefeitos”, ressalta a geógrafa.
Newton Cardoso Júnior, diretor da Rio Rancho, por exemplo, que faz parte da bancada ruralista e da Frente Parlamentar Agropecuária, é autor do Projeto de Lei 6.411, de 2016, que foi arquivado, mas previa a dispensa de licenciamento ambiental para áreas consolidadas em reflorestamento, como a plantação de eucalipto. Em 2017, inclusive, ele votou a favor da Medida Provisória 759, conhecida como “MP da Grilagem”, que dava brechas para a legalização de áreas públicas invadidas.
Por esses motivos, a defensora pública do estado mineiro Ana Cláudia Alexandre Storch afirma que o fato de um imóvel estar registrado em cartório não implica na legitimidade da propriedade, uma vez que existem registros sem lastro suficiente tal. Muitas vezes, afirma a defensora, trata-se de documentos "esquentados" pelo Judiciário.
É por isso que Storch bate na tecla da necessidade de levantar a cadeia dominial dos territórios para chegar no documento original em que o estado teria passado a propriedade para um particular. Somente a partir disso, é possível afirmar se há ou não uma propriedade privada. “Na maior parte dessas terras onde os geraizeiros estão não existiu essa transferência dos bens do estado para o particular”, diz Storch.
Enquanto os processos de suspensão de licenciamentos ambientais e de reconhecimento do território coletivo não avançam, os geraizeiros vivem cotidianamente com o medo de serem expulsos do local onde seus antepassados deixaram como herança, tradição e memória.
“A gente sente tristeza, tristeza, raiva e tristeza e tem hora que nem dorme de noite imaginando esse povo fazendo esse piseiro com as terras da gente. A gente tem medo. Se um dia precisar sair, para onde vai? Querer ninguém quer sair mesmo. Nasceu e criou aqui, a gente quer morrer aqui”, conclui Alvino Nunes de Araújo, de 68 anos, que resume o sentimento coletivo do povo geraizeiro do Vale das Cancelas.
*Acesse a reportagem na íntegra, com elementos e gráficos interativos, na publicação original do Brasil de Fato
**Esta reportagem foi realizada com o apoio da ONG ARTIGO 19 e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
Texto: Caroline Oliveira
Produção e reportagem: Caroline Oliveira e Carolina Caldeira
Imagem e vídeo: Vitor Shimomura
Edição: Geisa Marques
Identidade visual: Fernando Bertolo e Mayara Fujitani
Ilustrações: Fernando Bertolo
Programação: Fernando Bertolo, Rafael Cavaletti e Stephanie Heffer
Coordenação de jornalismo: Rodrigo Chagas
Coordenação de rádio e vídeo: Monyse Ravena
Por Heloisa Sousa | CPT Nacional
Elaine Ferreira de Oliveira, da CPT regional RJ, recebendo a premiação. Foto: Rafael David | Coletivo Magnífica Mundi.
Na última quinta-feira (23), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi homenageada II Festival Internacional de Cinema Agroecológico (FicaEco). Na cerimônia, que ocorreu no Rio e Janeiro (RJ) e fez parte da programação do 12° Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), a pastoral recebeu o Prêmio Ana Primavesi.
Elaine Ferreira, coordenadora da CPT regional Rio de Janeiro, que representou a instituição na premiação, conta que o momento foi de visibilidade e reconhecimento das diversas ações desenvolvidas pela CPT e seu apoio nas inúmeras lutas em defesa da vida.
Fotos: CPT regional RJ
"A linda estatueta, que representa uma figura feminina indígena, representa também nossa incansável luta pelos povos do campo, da terra, das águas e das florestas", completa, fazendo menção ao prêmio — a estatueta Omama. Desenvolvida pelo artista plástico Felipe Corcione em parceria com a Urihi - Associação Yanomami e apoio da agência DM9, a estatueta é a materialização simbólica de Omama: espírito guerreiro, criador, protetor da Amazônia e do povo Yanomami.
A CPT também marcou presença da Feira Nacional Saberes e Sabores da Agroecologia e Economia Solidária, que fez parte do Congresso. No espaço, contou com uma banquinha informativa, onde ficaram disponíveis materiais como edições do Jornal Pastoral da Terra, o Caderno de Conflitos 2022, o Almanaque Poronga, entre outras publicações.
Também estiveram entre os homenageados a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e o Bispo Dom Tomás Balduíno (in memoriam).
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Massacres no campo
#TelesPiresResiste | O capital francês está diretamente ligado ao desrespeito ao meio ambiente e à vida dos povos na Amazônia. A Bacia do Rio Teles Pires agoniza por conta da construção e do funcionamento de uma série de Hidrelétricas que passam por cima de leis ambientais brasileiras e dos direitos e da dignidade das comunidades locais.