Por CPT NE2
É urgente desmistificar a ideia de que o modelo centralizado de energia eólica não causa impactos. A exemplo do agreste pernambucano, a instalação de grandes empreendimentos eólicos tem causado devastação ambiental e levado dor e sofrimento a milhares de famílias camponesas. Essa problemática foi discutida na Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco, no último dia 4. Com o tema "Energia Eólica e o Ecossistema: Impactos e Soluções", o evento reuniu organizações sociais, famílias camponesas afetadas pela geração de energia eólica, pesquisadoras/es, parlamentares e autoridades governamentais. A CPT esteve presente na ocasião para contribuir com o debate.
Durante o evento, foram destacados diversos prejuízos resultantes da instalação de usinas eólicas no estado, tais como o agravamento das condições de saúde da população rural que vive no entorno dos aerogeradores, a celebração de contratos abusivos, a degradação ambiental e a apropriação de territórios camponeses.
"Energia limpa para quê? Para quem?" Foi com essa provocação que a agente pastoral da CPT Eurenice da Silva iniciou a sua intervenção na Audiência Pública. "Se olharmos para a realidade dos agricultores e agricultoras que moram nos territórios afetados, essa energia tem provocado doenças, situações de desequilíbrio, perda do modo de produção e expulsão do povo do campo. É uma energia que mata. Há pessoas à beira da morte naqueles locais, e o Estado não faz nada", enfatizou.
Roselma de Melo, moradora da comunidade camponesa de Sobradinho, em Caetés, também expressou sua indignação. "O que a gente realmente quer é uma solução. O poder público sabe de tudo isso e, até agora, não fez nada. Não sei o que falta para que tomem uma atitude. Estamos todos prejudicados, vivendo a base de medicamentos e sem assistência alguma. O que estão fazendo com as comunidades rurais é matar o pessoal. Hoje, somos obrigados a deixar o nosso canto. Em nome de quê? É preciso deixar de pensar apenas nas grandes empresas e considerar os pequenos também", alertou.
Para detalhar a gravidade do impacto das usinas eólicas à saúde das comunidades rurais, a professora e pesquisadora Wanessa Santos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresentou dados de estudos sobre a exposição constante ao ruído produzido pelas turbinas. De acordo com a pesquisadora, depressão, transtornos mentais, insônia, dores de cabeça, hipertensão, lesões cardiovasculares e alergias aos resíduos lançados no ar são alguns dos problemas e doenças adquiridos por meio de tal exposição.
A pesquisadora destacou ainda que, em estudo realizado na comunidade de Sobradinho, em Caetés, constatou-se que a distância média das residências até as turbinas é de 411 metros, chegando a 100 metros em alguns casos. Contudo, já é comprovado que os infrassons emitidos pelos aerogeradores podem causar danos em um raio de 15 quilômetros, segundo Wanessa. “É um conjunto de problemas. A gente já fala da síndrome da turbina eólica e da doença vibroacústica, que já são devidamente estudadas e mostram que a aproximação e o contínuo convívio com as turbinas levam a essas doenças. Isso já observamos nas comunidades de Pernambuco”, afirmou.
O desrespeito às normas e aos direitos e a operação irregular desses empreendimentos também foram temas de destaque na audiência. A advogada da CPT, Luísa Duque, ressaltou que tais empreendimentos estão sendo licenciados com base em estudos superficiais, incapazes de identificar todos os impactos socioambientais decorrentes desses empreendimentos. “Atualmente, esses complexos eólicos estão licenciados de forma irregular e deveriam ser paralisados até que todos sejam devidamente licenciados com base em EIA-RIMA e com consulta pública informada, prévia e de boa fé”, enfatizou.
A advogada também mencionou que o Ministério Público Estadual elaborou um laudo técnico, produzido no âmbito de um procedimento administrativo instaurado pela Promotoria de Caetés-PE, que constada o dano social decorrente dos ruídos gerados pelos aerogeradores, os quais são inadmissíveis. “O funcionamento desses empreendimentos deveria ser embargado. Precisamos não só de marco regulatório, mas de instituições corajosas, que enfrentem o poder econômico representado por essas grandes empresas”, destacou.
Ao longo do evento, diversos pesquisadores/as, representantes de organizações sociais, entidades de direitos humanos e lideranças comunitárias fizeram uso da tribuna para expressar a indignação diante dos crescentes impactos e violações de direitos causados pelo modelo de geração de energia eólica em curso no estado de Pernambuco. Como encaminhamento, o deputado estadual João Paulo destacou a importância da presença do governo federal para tomar providências. "Como há limitações do ponto de vista da legislação estadual, a presença do Governo Federal foi fundamental para que possam ser tomadas providências. Esperamos que essa Audiência Pública tenha proporcionado iniciativas que venham a parar a instalação dessas novas eólicas no Estado até que haja condições de segurança para as famílias”, pontuou. Além disso, outros encaminhamentos incluíram a pesquisa de normas internacionais e a ampliação da mobilização da sociedade e da bancada federal de Pernambuco em torno do tema.
A CPT avalia que a audiência foi um importante espaço de escuta das comunidades camponesas impactadas, mas que é preciso avançar na garantia de direitos e agir com rigor contra tais empreendimentos, que se revestem do discurso sustentável para violar direitos, devastar o meio ambiente e se apropriar injustamente de territórios tradicionais, sacrificando a vida de milhares de famílias camponesas no estado. A CPT também destaca que, diante da emergência climática, é preciso intensificar a luta pela implementação de experiências e modelos descentralizados de geração de energia, que genuinamente promovam o cuidado com a Casa Comum e que não sacrifiquem as populações do campo, verdadeiras guardiãs do meio ambiente.
A audiência pública foi organizada pelos mandatos dos deputados Doriel Barros, João Paulo e da deputada Rosa Amorim.