Imagens: Rodolfo Santana / Cáritas Brasileira
“Chega Mãe Bernadete, chega Edvaldo, chega Fernando, chega por aqui, Eu mandei tocar chamada, foi para resistir…” O som deste mantra, entoado por agentes da Comissão Pastoral da Terra nas diversas regiões do país como Amazônia, Cerrado e Caatinga, abriu com muita espiritualidade o lançamento da 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, na sede do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, nesta segunda-feira (22).
As boas-vindas foram dadas pelo bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers: “O trabalho de vocês é muito importante, para que a gente conheça quando um irmão está sofrendo violência e injustiça. Que esses dados cheguem ao Brasil como um alerta. Que bom que vocês são sentinelas, que fazem este alerta e também apontam um caminho de esperança. A casa é de vocês, e muito obrigado por tudo o que vocês fazem.”
Em seguida, o bispo da prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da CPT, Dom Ionilton Lisboa, também destacou a importância do caderno para a população do país: “O caderno permite conhecer o tamanho da violência sofrida pelos povos do campo e também suas resistências. Nós cremos no Deus dos pobres, que ouve o clamor do seu povo e está presente na luta dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito da luta social justa. A denúncia dos dados revela que precisa existir uma sociedade organizada, que combata a violência e salve vidas.”
A apresentação dos dados foi feita pela documentalista do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), Lira Furtado, destacando o maior número de conflitos da história da publicação desde 1985 (2.203), sendo a maior parte relacionada aos conflitos por terra (78,2%), representando 1.724 ocorrências. “Quando falamos destes números, não são apenas números, são vidas, famílias, pessoas que são lideranças das comunidades, impactadas pela violência, mas que continuam resistindo”, destacou Lira.
“Estamos em um governo dito aliado dos povos do campo, numa expectativa de redução do número de conflitos, mas os dados de violência também são recordes. E quando falamos de democracia, estamos falando de condições de vida plena para as comunidades e populações mais vulneráveis”, afirmou Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
O agricultor Antônio Francisco (sr. Salarial), da comunidade quilombola Jacarezinho em São João do Sóter (MA), compartilhou as ameaças sofridas em seu território: “Posso dizer que eu enfrento a violência no campo desde que me entendo de gente. A nossa comunidade quilombola é muito atacada por fazendeiros que vem logo com documento de licença ambiental, sem consultar a comunidade, e muito disso é a responsabilidade do governo estadual e municipal.”
Também do Maranhão, o trabalhador rural Francisco Batista trouxe um testemunho sobre sua experiência como resgatado do trabalho escravo de uma carvoaria próxima à divisa com o Piauí: “A gente ia trabalhar longe de casa, tendo que voltar tarde da noite e sair novamente no outro dia de madrugada, com promessas de pagamento que atrasavam vários meses. Infelizmente a situação que eu passei, acontece em muitas outras fazendas e nas cidades.”
Uma segunda mesa mediada por Andréia Silvério, da coordenação nacional da CPT, contou com as análises de Paulo Alentejano, professor da GeoAgrária da UERJ, e Ayala Ferreira, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
De acordo com a análise do prof. Paulo, o país passa por um processo de contrarreforma agrária, com explosão na expansão do agronegócio e redução na distribuição de terras e na demarcação de terras indígenas: “Infelizmente, uma parte da esquerda brasileira infelizmente não acredita mais na reforma agrária, e agora aposta no agronegócio como carro chefe da economia brasileira.”
Já Ayala Ferreira destacou o processo de avanço das violências contra os povos do campo em todo o mundo, o que se reflete também no país: “Vivemos um sistema capitalista em crise, com a precarização dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, avanço do agronegócio e das estratégias do capital para se manter e se colocar como o único modelo e forma de vida possível.”
Andreia Silvério destacou que, mesmo com o sentimento de renovação da esperança e do diálogo a partir da mudança de gestão no governo federal, são marcantes a redução de investimentos e a omissão do Estado brasileiro diante da concentração de terras públicas estaduais ou federais que estão nas mãos do latifúndio, que não estão sendo destinadas para as comunidades camponesas e tradicionais, além da demarcação das terras indígenas, desrespeitando o que está previsto na Constituição. A falta de investigação e a impunidade diante dos assassinatos e demais violências no campo também são motivos de julgamento do Estado em instâncias internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O momento também contou com apresentação da Campanha Nacional contra a Violência no Campo e o lançamento da campanha “Chega de Escravidão”, direcionada à sustentabilidade da CPT. E, seguida, falas durante o lançamento do relatório Conflitos no Campo 2023 denunciam as violências e injustiças no campo brasileiro.
Carlos Lima (Coordenação da CPT Nacional): “Infelizmente estamos com um governo que não tinha e não tem um programa para a reforma agrária. Entendo que este caderno é um instrumento de denúncia para o governo e esperança para as famílias do campo.”
Marco Jaques (Agente da CPT/BA): “Que Estado é este? São tantas promessas de reforma agrária e uma esperança para as maiores vítimas da violência no campo, mas a situação não avança. Há altos investimentos do estado para as eólicas, mineração e empreendimentos do agronegócio danosos às comunidades. O que vamos fazer pra superar esse clamor das vítimas assassinadas e assassinados na luta por justiça neste país?”