Romper cercas e tecer teias, a terra a Deus pertence! (Cf. Levítico, 25).
Nós, agentes de pastoral e representantes de povos, comunidades tradicionais e camponeses de vários estados do Brasil, estivemos reunidos em Luziânia, Goiás, entre os dias 19 e 21 de abril de 2024, para nossa 37ª Assembleia Nacional da Comissão Pastoral da Terra. Nestes dias, sob as luzes que impulsionaram o seu nascimento, refletimos e celebramos a caminhada de nossa pastoral rumo ao jubileu, os 50 anos da CPT. Avaliamos o trabalho desenvolvido no último triênio e elegemos as prioridades de ação, nova diretoria, coordenação nacional e conselho fiscal.
Às irmãs e irmãos de caminhada, reafirmamos o nosso compromisso com a luta pela terra compartilhada e pelos territórios livres de todas as opressões, com o protagonismo dos povos do campo, das águas e das florestas, especialmente das mulheres e juventudes.
Durante a Assembleia, a reflexão teve como focos os grandes desafios do presente e os problemas estruturais do Brasil, tais como a continuidade das desigualdades sociais, econômicas e fundiárias. Num país onde amargamos os 60 anos da Ditadura Militar, persiste a impunidade e recrudesce, como ameaças das mazelas mantidas na pauta política da extrema direita. Milhares de pessoas estão sem terra, sem teto e em condições de trabalho escravo em meio a milhões de hectares de terras concentradas em poucas mãos. As comunidades que vivem em seus territórios, inclusive, sofrem ameaças de expulsão e violências contra seus corpos e seus modos de vida.
A voracidade do capitalismo continua aprofundando-se no campo: a expansão das fronteiras agrícola, minerária e energética, que invadem os territórios com os monocultivos de soja, as pastagens, a cana-de-açúcar, o eucalipto e o uso das novas tecnologias, expulsam os povos originários, as comunidades tradicionais e camponesas. Cresce a violência no campo, a contaminação da terra, das águas, dos alimentos e dos seres vivos com venenos. Mais grave é a redução da terra destinada à produção de alimentos para abastecer a população brasileira, enquanto aumentam as áreas para a produção de commodities.
Em decorrência desse modelo, sentimos dias cada vez mais quentes. Sofremos diversos desastres ambientais, tais como secas e cheias extremas, com sérios impactos para as populações periféricas ou vulneráveis, especialmente jovens e mulheres. O governo brasileiro levantou a bandeira da transição energética. No entanto, o enfrentamento ao colapso ambiental não ameniza a situação de superexploração da terra e da natureza. Através da comercialização dos créditos de carbono e da implantação do hidrogênio verde e de parques eólicos, o governo recorre à mitigação e às ações de adaptação. Essas políticas de clima avançam com acordos entre os governos e as corporações transnacionais, que avistam na crise climática novas oportunidades para fartos e lucrativos negócios.
A dureza dessa realidade nos convoca às lutas históricas pela Reforma Agrária e pelos territórios, como condição primordial para a superação da pobreza e a permanência dos modos de vida dos povos originários, comunidades tradicionais e camponesas.
Os modos de vida dos povos do campo, das florestas e das águas são projetos de bem viver: nas suas ancestralidades e suas espiritualidades, nos seus territórios coletivos, na produção agroecológica, na prática do mutirão e no cuidado para com a casa comum, nas teias e na sua atuação em redes, eles denunciam e enfrentam o modelo imposto pelo capitalismo.
Em sintonia com o Papa Francisco, em seu discurso no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares de 2015, na Bolívia: “A Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral”. Com o coração ardente por justiça, nos somamos aos povos originários, comunidades tradicionais e camponesas a continuarem a luta que faz bem a todos e todas nós.
Luziânia/GO, 21 de abril de 2024.