Do Coletivo Audiovisual Wakoborun,
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
e informações da CPT Itaituba/PA e revista Cenarium
Imagens: Coletivo Audiovisual Wakoborun
Imagens registradas e divulgadas no mês de setembro por jovens comunicadores indígenas do Coletivo Audiovisual Wakoborun, do povo Munduruku no Alto Tapajós, no Pará, denunciam a seca no rio Marupá, localizado na divisa entre o território Munduruku e a Floresta Nacional (Flona) Crepori.
O vídeo com legenda em português pode ser assistido pela página do Coletivo no Instagram (clique aqui).
O grupo também está lançando o documentário “AWAYDIP TIP IMUTAXIPI - FLORESTA DOENTE”, primeira produção de uma série que o Coletivo pretende realizar, mostrando a destruição provocada pelo garimpo na devastação da floresta, violência, poluição dos rios e, consequentemente, dos peixes, aumento significativo de doenças e mortalidade.
A comunidade relata o sofrimento com as consequências da perda desta importante fonte de vida e subsistência e um dos grandes afluentes do Rio Tapajós. “Neste ano de 2024, estamos sofrendo muito com as mudanças climáticas em nosso território. Além dos incêndios, os rios estão secos, as pessoas estão sem água. Em alguns locais, como a região do Rio das Tropas/ Flona Crepori, quando tem rio, ele é uma lama de tanta destruição com o garimpo. Próximo à aldeia Nova Vida, o rio Marupá secou, os rios estão secando mais do que todos os limites de antes. Precisamos lutar por água potável para nosso povo e condições de vida, mesmo com as mudanças climáticas.”
Registro de fumaça e fogo nas raízes das árvores, danificando a estrada de acesso à comunidade em Jacareacanga/PA
Imagem: Ozinaldo Akay (Tuan Parente), fotógrafo e comunicador do Coletivo Wakoborun
Além da falta da água para o consumo das comunidades, o transporte e a comunicação entre as aldeias fica inviável. A fumaça, causada pelos mais de 300 focos de queimadas, dificulta ainda mais a situação e impede a chegada de aeronaves com alimentos e itens de necessidade básica.
Draga do garimpo encalhada em leito de barro no Rio Marupá (Reprodução/Coletivo Audiovisual Indígena Wakoborun)
Até a draga de garimpo ficou dragada. O Rio Kabitutu também está morto, somente repleto com o barro e a degradação dos garimpos ilegais. “É preciso atenção total dos nossos governos, seja para combater o que está errado, seja por tecnologias de acesso à água pra quem tem sede, numa mobilização geral e soma de esforços com a sociedade, academia, empresas, organizações, movimentos sociais… Não dá pra normalizar nem a cultura do ilegalismo (onde legal é o ilegal), nem essa contradição de estresse hídrico na maior bacia de água doce do mundo,” afirmam as comunidades.
A coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Ediene Kirixi, também aponta o impacto das hidrelétricas instaladas na região do Alto Tapajós, que contribuem para a redução do volume de água dos rios.
A coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Ediene Kirixi (Reprodução/Arquivo pessoal)
“Existem quatro hidrelétricas nesse rio, que faz secar de cima para baixo. A gente está vivendo com esse problema do sistema climático muito forte”, enfatiza. O impacto não se limita aos humanos: a vida animal também está em risco. Peixes e outros animais estão morrendo em igarapés secos, e aves, como araras, têm sido encontradas mortas na região.
A coordenadora alerta que a destruição ambiental no território Munduruku não é apenas uma questão de perda de água, mas de sobrevivência para toda a vida na região. “Água faz falta, água é uma vida para nós. A gente sabe que todos os seres humanos e todos os seres vivos também dependem da água”, desabafa.
Nota Pública do Movimento Munduruku Ipereg Ayu
O movimento Ipereg Ayũ publicou uma Nota em que reafirma a luta pela defesa do território Munduruku, do qual também faz parte. "As hidrelétricas no Rio Teles Pires, a invasão do garimpo e toda a destruição causada pelos pariwat [os não-indígenas] são responsáveis por essas mudanças em nosso modo de vida e no clima. Visitamos a região do Rio das Tropas e do Rio Kabitutu, ouvimos os caciques, as mulheres, os pajés e as crianças, e visitamos as aldeias para ver de perto as condições em que vivem. Desde então, não conseguimos deixar de sentir, todos os dias em nossos corações, o impacto devastador da destruição da floresta sobre nosso povo e nossas crianças, que agora se encontram sem peixe, sem caça e sem rio."
"A responsabilidade pela segurança do território Munduruku é do Estado, e não aceitaremos que essa luta recaia apenas sobre nossos ombros. O Estado deve agir imediatamente, antes que seja tarde demais. A defesa do território Munduruku é também a defesa da Amazônia e de todos os que dela dependem. A luta do Movimento Ipereg Ayũ continua, e não descansaremos enquanto nossos direitos não forem plenamente respeitados", conclui a Nota.
A Articulação Agro é Fogo vem a público denunciar a grande ocorrência sistemática e orquestrada de incêndios criminosos em todo o território nacional, gerando grandes impactos à população, à fauna e à flora dos distintos biomas do Brasil.
Esses incêndios têm deixado enormes cicatrizes, principalmente nas comunidades tradicionais e povos indígenas, agravado com a chegada da estiagem. A maioria das comunidades não têm equipamentos e recursos e, por mais que as brigadas voluntárias e auto organizadas venham combatendo bravamente o fogo criminoso, as cicatrizes são severas. Isso tem atingido o patrimônio genético dos territórios e de seus modos de vida, como casas, locais sagrados, espaços comunitários, lavouras, roças; impactando diretamente a segurança alimentar das pessoas, desertificando a terra e ameaçando as bacias de águas do Brasil.
As comunidades, então, têm que lidar com dois problemas: os incêndios e a seca, agravando ainda mais a saúde, com problemas respiratórios, cardíacos e psicológicos. Como diz a liderança indígena de Rondônia, Adriano Karipuna: “Não é uma simples gripe ou um resfriado, é que o clima está seco. ‘Toma muita água’, é isso que falam para nós. Então, está sem solução, tanto para conter o fogo, o incêndio criminoso, tanto pra resolver o problema que as pessoas vêm sofrendo por conta da fumaça, porque inalar essa fumaça tóxica, faz um mal horrível para qualquer ser humano. E os hospitais [estão] cada vez mais lotados do nosso povo”.
Além das ações do Ministério do Meio Ambiente, é necessário que o Ministério da Saúde destine recursos e amplie as políticas de saúde articulados com os municípios e o governo estadual, tomando as medidas para o atendimento imediato da população, principalmente com os povos originários e comunidades tradicionais, povos menos assistidos pelo sistema de saúde público.
Salientamos também, que os incêndios são um dos principais causadores das mudanças climáticas que têm afetado, gradualmente, o país. E nos últimos anos, os seus efeitos têm crescido exponencialmente. Os biomas como Pantanal, Amazônia e Cerrado passaram a sofrer perdas de seus estoques de água, redução do volume de corpos d’água e até mesmo morte de alguns rios, além da irregularidade, nos últimos anos, das chuvas espalhadas pelos rios voadores. Esse cenário de estresse e conflito hídrico são alguns dos desdobramentos das mudanças climáticas acelerada pelo agronegócio que avança sobre os territórios, se tornando um dos principais causadores de incêndios, orquestrando ações de queimadas, desmatamentos e grilagem de terras, superando os dados das queimadas em 2020.
Neste ano, dez cidades das regiões Norte e Centro-Oeste respondem por 20,5% das queimadas que atingem o país desde o início do ano, segundo o Inpe: São Félix do Xingu (PA, 17,1%), Altamira (PA, 13,6%), Corumbá (MS, 11,7%), Novo Progresso (11,6%), Apuí (AM, 11,6%), Lábrea (AM, 9,3%), Itaituba (PA, 7,5%), Porto Velho (RO, 7%), Lagoa da Confusão (TO, 5,8%) e Colniza (MT, 5,6). Veja mais aqui: https://acesse.dev/ar8Np). Exatamente a “área do arco do desmatamento”, onde estão previstos também, projetos de infraestrura do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que poderão trazer mais consequências ao ambiente e às comunidades.
Embora os esforços para captação de recursos para a agenda ambiental e climática do governo sejam visíveis, o objetivo está longe de ser alcançado. Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alertam para a continuidade na falta de investimentos relacionados às políticas socioambientais e climáticas no Brasil: “Balanço Semestral do Orçamento da União (Janeiro a Junho de 2024)” (https://inesc.org.br/balanco-semestral-do-orcamento-da-uniao/). É fundamental que as instituições governamentais executem toda verba destinada para o combate ao fogo. Vale aqui apontar que o PrevFogo, principal estrutura federal no país na questão do combate direto aos incêndios florestais e queimadas não autorizadas, está com mais de 70% de seu orçamento não empenhado e não executado.
As imagens e histórias relatadas são muito impactantes e como já evidenciado por pesquisadores, estamos à beira de um colapso climático, exigindo esforços redobrados dos órgãos públicos articulados nas esferas federal, estadual e municipal. Por isso, é necessário que as autoridades tomem providência, principalmente o ICMBio, IBAMA, Fundação Nacional dos Povos Indígenas, MPI e a Polícia Ambiental. É fundamental que os incêndios criminosos, utilizados para provocar o desmatamento e a destruição da biodiversidade, propositalmente, promovendo o terrorismo ambiental, sejam agilmente apurados, e seus responsáveis multados, repreendidos, presos e, em caso de reincidência, a desapropriação das terras para conversão em área de preservação permanente, destinando estas à reforma agrária e às comunidades tradicionais. Pessoas também perderam suas vidas sem que houvesse responsabilizados, por isso exigimos a devida apuração e punição dos casos.
As comunidades também precisam de apoio emergencial, destinação de água potável e alimentos. Para estas ações é importante a destinação de recursos públicos, com aumento do orçamento público. E, para ações emergenciais: o programa de armazenamento, distribuição de sementes e mudas de plantas, frutíferas e florestais; para o reflorestamento de áreas degradadas, a construção de sistemas agroflorestais; a recuperação de nascentes, do caminho das águas, e a proteção dos rios. Desenvolver programas, a nível nacional, de cisternas para armazenamentos de água para o tempo da seca, que a cada ano é mais recorrente. Além de agilizar e implementar a demarcação das terras indígenas e quilombolas, bem como de assentamentos à população sem-terra, ações que efetivarão, de forma concreta, a conservação dos territórios e enfretamento às mudanças climáticas.
Os biomas são territórios sagrados de vida que consumidos pelo fogo, queima o alimento, a fauna, a flora, o solo, as moradias, locais sagrados, a soberania alimentar, queimam o modo de vida das pessoas, queima a esperança.
É preciso recuperar a terra, a água, o alimento, proteger e esperançar a vida. O futuro é agora!
Baixe a nota completa em PDF aqui.
Articulação Agro é Fogo
É com grande satisfação e compromisso que a Campanha Contra a Violência no Campo convida a todas as organizações parceiras para participar da Plenária Nacional, que será realizada de forma presencial, em Brasília-DF. Este encontro, marcado para os dias 27 a 29 de novembro de 2024, na Casa de Retiro Assunção, é uma oportunidade crucial para fortalecer a luta em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas, bem como compartilhar experiências e traçar estratégias conjuntas no combate à violência no campo.
Cada organização poderá enviar até duas pessoas de sua diretoria ou coordenação, sendo que a Campanha se responsabilizará pelas despesas de hospedagem e alimentação. O início da plenária será com um almoço no dia 27/11 e o encerramento também no horário de almoço, no dia 29/11.
A confirmação de presença deve ser feita até o dia 10 de outubro de 2024, por meio do formulário disponível no link: https://forms.gle/XMfH6dBx1f44rKPd9. Para mais informações, entre em contato através do e-mail contraviolencianocampo@gmail.com ou pelo telefone (62) 9307-4305.
Estamos juntos e juntas nessa luta pela superação das violências que afetam as populações do campo, e contamos com a participação de todos para reforçar esse movimento. Agradecemos desde já o apoio e comprometimento de todos!
Por CPT Nordeste 2 / Equipe CPT João Pessoa
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da Assessoria de Comunicação do Incra/PB
Imagens: Equipe CPT João Pessoa
As famílias da comunidade Dom José Maria Pires, localizada em Santa Rita (PB), celebraram mais um capítulo na luta e conquista da terra. Na segunda-feira (30/09), representantes do Incra Nacional e Regional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Ministério Públicos Federal (MPF) estiveram presentes na comunidade para oficializar a imissão de posse do imóvel rural denominado Fazenda Tambauzinho - terras nas quais as cerca de 40 famílias do grupo vivem há mais de 100 anos.
A imissão na posse é um termo jurídico que se refere ao ato de colocar alguém na posse efetiva de um bem, móvel ou imóvel, por meio de um processo legal. É um procedimento utilizado para garantir que uma pessoa que detém um direito de posse sobre um bem possa exercê-lo de forma tranquila e sem obstáculos.
O processo de imissão de posse da terra já estava concluso na Justiça Federal há quase seis meses, porém sem que fosse determinada a sua execução. As famílias da comunidade, juntamente com a CPT e sua assessoria jurídica, mantiveram constante pressão até que houvesse um desfecho.
Participaram do ato oficial, companheiras e companheiros que caminharam - e ainda caminham - junto às famílias nos momentos mais desafiadores de conflitos, ameaças de morte, despejos, queimas de barracos e de lavouras dentre tantas outras formas de violência. Dentre elas, frei Anastácio e agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A comunidade preparou um ato celebrativo para fazer memória da luta do grupo, recordando companheiras e companheiros que já não se fazem mais presentes, mas que seguem vivos na história das famílias que conduzem a comunidade.
A Fazenda Tambauzinho foi objeto de um decreto presidencial de desapropriação em 2010. Porém, à época, houve contestação por parte do expropriado. Após um longo imbróglio judicial, em março de 2023 foi decidido pela manutenção do decreto e que o expropriado teria 60 dias, contados a partir de agosto daquele ano, para se retirar do imóvel. Iniciou-se, então, uma nova batalha com repetidas tentativas de impedir a imissão de posse até o último dia 30 de setembro de 2024.
O imóvel, com aproximadamente 125 hectares, fica em uma região valorizada e de terras férteis, historicamente utilizada para o plantio de cana-de-açúcar, e cobiçada por empresários da construção civil e por criadores de camarão.
A área original do Tambauzinho era formada por três imóveis que somam aproximadamente 375 hectares. Os conflitos começaram em 1996, após o falecimento do antigo proprietário da fazenda. Segundo Frei Anastácio, na época o Incra/PB tentou comprar as terras por meio do decreto 433/82, mas não houve acordo em relação ao valor do imóvel.
“Em 2002, a situação das famílias se complicou ainda mais, depois que a fazenda foi vendida. Os novos proprietários fizeram de tudo para despejar os posseiros. Além disso, eles colocaram milícias armadas que destruíram plantações, queimaram casas, espancaram e chegaram a atirar em trabalhadores. As ameaças eram constantes, sem falar nos despejos realizados por centenas de policiais que muitas vezes chegaram a usar até gás lacrimogêneo contra os trabalhadores”, relatou Frei Anastácio.
O Incra se imitiu no primeiro imóvel em 3 de julho de 2008. Em 8 de abril de 2009, foi criado o assentamento Dom José Maria Pires, onde as 32 famílias de agricultores já vivem.
O decreto de desapropriação dessa segunda parte da área original do imóvel Tambauzinho foi publicado em dezembro de 2008 e a imissão do Incra na posse do imóvel aconteceu em 26 de outubro de 2010, mas foi posteriormente suspensa pela Justiça.
Neste período, as famílias resistiram a quatro ordens de despejo e continuaram na área, onde plantam macaxeira/mandioca, inhame, batata-doce, milho e hortaliças.
O nosso voto nestas eleições municipais é fundamental, especialmente para os povos e comunidades tradicionais, que possuem um histórico de luta em defesa da vida e garantia da terra e territórios
*Por Cláudia Pereira | Articulação das Pastorais do Campo
*Artigo publicado originalmente no Jornal Pastoral da Terra (CPT)
Houve um tempo em nosso processo histórico eleitoral em que a classe trabalhadora, os povos indígenas e os negros não tinham o direito de votar. O direito de voto das mulheres brasileiras foi garantido na década de 1930. Finalmente, na constituição de 1988, brasileiras/os conquistaram o pleno direito de escolher seus representantes. Um marco significativo. O ato de votar não é essencialmente para a participação na Democracia brasileira, que tem sido ameaçada nos últimos tempos, mas permite a possibilidade de promover transformações sociais, especialmente para os povos do campo, das florestas, das águas, e também para os povos da cidade.
Neste ano, o nosso compromisso nas urnas durante as eleições tem poder de causar impactos significativos nos municípios e no país. Por que as eleições do seu município afetam toda a nação? Como sabemos, as funções dos poderes em nosso extenso Brasil são divididas entre o legislativo, executivo e judiciário, os quais devem atuar de forma conjunta e independentes entre si. Nos municípios, essa divisão é semelhante, com a câmara legislativa atuando no mesmo sentido. É nesse espaço de poder que os vereadores assumem a função de representar os interesses da população, criar leis e fiscalizar as ações da prefeitura. O poder executivo é atribuído ao prefeito, responsável pelos interesses públicos e por administrar os recursos de forma responsável.
As eleições municipais têm efeito na esfera política em todo país, através da disputa partidária, na formação de prefeituras e câmaras municipais, que podem afetar as relações entre o estado e o governo federal, de forma negativa ou positiva. Além das políticas municipais, que podem ser conduzidas de forma eficiente ou desastrosa.
O voto consciente é uma ferramenta poderosa da soberania popular. É ele que vai influenciar de forma direta a vida de todos nós. O nosso voto nestas eleições é fundamental, especialmente para os povos e comunidades tradicionais, que possuem um histórico de luta em defesa da vida e garantia da terra e territórios. É importante que façamos escolhas por candidatos/as que de fato tenham compromisso, transparência e histórico de prioridade aos temas que envolvem o acesso à terra, reforma agrária, segurança alimentar, políticas de desenvolvimento sustentável, proteção aos direitos dos povos. Estes candidatos/as a prefeitos e vereadores precisam assumir as demandas que impactam as políticas públicas das comunidades em seus programas de governos e não somente nas promessas de palanque.
É importante alertar que compra e venda de voto é um crime contra a democracia e causa consequências graves aos municípios. Portanto, nada de cair nas ciladas de candidatos que fazem “doações”, promessas de empregos, cargos ou qualquer troca de favores. O código eleitoral determina multas e até quatro anos de prisão para estes casos.
O voto nas eleições municipais deste ano é uma ferramenta poderosa para escolher a representação dos povos. Não podemos votar em branco, não podemos nos privar de utilizar esta ferramenta democrática e votar com responsabilidade, afinal, é o nosso futuro que está em jogo.
O cargo executivo de prefeito ou legislativo dos vereadores deve ser ocupado por lideranças que representam a luta de classes, os operários, quilombolas, indígenas, LGBTQIAP+, ribeirinhos, pescadores, pessoas compromissadas com as causas. Claro que não teremos este cenário ideal, mas certamente podemos escolher candidatos e partidos que possuem transparência, políticas com objetivos concretos que beneficiam o município e os territórios, candidatos que de fato têm compromisso em combater a violência contra os povos e a corrupção.
Vamos utilizar de nossa ferramenta soberana e popular de forma consciente e em defesa da vida e da democracia.
Polo agroindustrial, seca relâmpago e crise climática estão sugando as águas dos rios São Francisco e Grande
Thomas Bauer (CPT-Bahia/ H3000) e Paulo Oliveira* (Meus Sertões)
“Quem lançar seu olhar sobre as águas do Rio São Francisco,
bem verá sob as ondas tranquila e um barco a vagar.
Leva o homem que tem sua pele bastante curtida
pelo sol e também pelo tempo daquele lugar”.
Homenagem do Cacique João Eudes, do povo Tuxá, ao rio São Francisco
As águas dos rios São Francisco e Grande já não correm mais como antes afirmam os ribeirinhos sem hesitação. São eles que nasceram e se criaram nas beiras que conhecem como ninguém as mudanças que aconteceram ao longo das últimas décadas.
“Hoje o rio tá praticamente morto. Cê olha, cê só vê croa (banco de areia). Chega a cortar o coração quando você vê” (sic) – afirma a cacique Maria Kiriri, moradora do município Muquém do São Francisco, praticamente na metade do caminho entre Salvador (716 km de distância) e Brasília (778 km).
O velho Chico, como é chamado carinhosamente pela população, é a veia vital que nasce no bioma do cerrado, em Minas Gerais, banha a caatinga na Bahia e deságua no Oceano Atlântico, definindo a divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas. O rio Grande, por sua vez, é um dos principais afluentes do São Francisco. Ele nasce na Serra Geral de Goiás, no município baiano de São Desidério. Os dois rios se juntam na cidade de Barra.
Antes considerado um pai e uma mãe pelos ribeirinhos, de onde se tirava todo sustento, as comunidades tradicionais hoje acompanham com aflição os braços dos rios que secaram. Em parte do ano quando o nível da água baixa impede até a circulação de canoas, dificultando o ir e vir. Segundo o MapBiomas ao longo dos últimos 50 anos o rio São Francisco perdeu 30% do seu espelho d`água.
A lenta morte dos rios contrasta com a propaganda do governo do estado que fala da “abundante oferta hídrica” para atrair investidores em vista da concretização do Polo Agroindustrial e Bioenergético no Médio São Francisco.
Apresentado como “nova fronteira agrícola da Bahia”, os governantes contavam com investimentos privados de R$ 3 bilhões na implantação de sete empreendimentos, além de cinco que estavam em análise, nas cidades de Barra, Muquém de São Francisco e Xique-Xique. Dados como certos estavam duas usinas de álcool e etanol (Serpasa e Bevap), quatro produtores de grãos (Barracatu, Canaã, Ouroland e Desterro) e duas grandes empresas de pecuária (Euroeste e Canto da Salina). Outras quatro usinas e uma produtora de cacau e grãos eram esperadas.
Os seis primeiros empreendimentos, que totalizam 24.225 hectares (ou 242,25 quilômetros quadrados) receberam as seguintes vantagens: solicitação de outorga preventiva no Inema e na ANA, aceleração do processo de análise no órgão ambiental estadual, acesso a financiamentos com baixos juros, incentivos fiscais, isenção de impostos.
IRRIGAÇÃO POR PIVÔS CENTRAIS
Segundo a Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico (ANA), os principais usos de água na Bacia do rio São Francisco são irrigação (77%) e abastecimento humano (12%). Vale ressaltar que os irrigantes gastam seis vezes mais água do que a população de 512 municípios de seis estados abastecidos pelo São Francisco.
Ao longo do trecho da rodovia BA 160 que liga os municípios de Muquém do São Francisco e Barra chama atenção a supressão da caatinga em favor de áreas irrigadas por pivôs centrais. Segundo levantamento feito por satélite por um dos autores da reportagem, existem pelo menos 57 pivôs centrais na beira do São Francisco e 17 no rio Grande, entre a fazenda Boqueirão e a sede do município de Barra.
Na margem do São Francisco, a Serpasa Agroindustrial (Grupo Paranhos) conta com 22 pivôs e a primeira usina sucroalcooleira instalado. Os pivôs, em média, têm capacidade de irrigar 110 hectares de cana de açúcar. O case é considerado um sucesso entre os representantes do governo estadual, que esperam a instalação de mais 10 novas usinas no futuro.
“O pivô gasta mais ou menos um litro de por segundo por hectare irrigado. Ou seja, aquele pivô que tem captação direta do rio, se ele irriga uma área de 110 hectares, gasta 110 litros por segundo. Quando este pivô está abastecido por uma estrutura que a gente chama de piscinão, reservatório fora do rio, muitas vezes esta proporção cai pela metade” – explica especialista que pede para não ser identificado.
Outros fatores tornam a situação mais complexa de acordo com levantamentos feitos nos últimos anos. Segundo o relatório anual produzido pelo MapBiomas [1] alerta:
Já os pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas apresentaram em agosto passado estudo demonstrando que a vazão anual do Rio São Francisco diminuiu mais de 60% nas últimas três décadas. Levantamento feito pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da instituição revela que houve perda de 15% da cobertura vegetal da bacia hidrográfica entre 2012 e 2020, quando ocorreu uma das secas mais longas da história da região centro-norte do rio.
Para isto colaboraram intensamente as secas-relâmpago, extremo climático de início rápido e intenso combinado com altas temperaturas. O fenômeno sempre existiu, mas se intensificou nas últimas décadas, de acordo com o pesquisador e meteorologista Humberto Barbosa.
“Temperaturas mais altas aumentam o uso diário da água pelas plantas, além da evaporação dos corpos d’água e dos solos. As ondas de calor extremo foram cruciais para reduzir o volume do rio. À medida que fica mais quente, a atmosfera retira mais água das fontes da superfície e a principal consequência é que menos água flui para o rio São Francisco. Essas descobertas da pesquisa podem ser aplicadas a todos os rios brasileiros” – ressalta Humberto.
A bacia do São Francisco é formada por 504 municípios e 168 afluentes temporários e permanentes. Durante a seca de 2011 a 2017, a nascente do rio secou, em Minas Gerais. Nesse período, a barragem de Sobradinho (BA), maior lago artificial da América Latina, atingiu o volume morto.
DESMATAMENTO DA CAATINGA
Ao longo dos anos 2019 e 2023, segundo o Relatório anual do Desmatamento no Brasil (RAD2023) do MapBiomas, foram derrubados 13.972,40 hectares do bioma caatinga no município de Barra. A variação no período aumentou 17.493,73% (ver gráfico abaixo).
De acordo com o alerta código 912386, em 2023, a maior área desmatada foi detectada na Fazenda Boqueirão, em Barra. Levantamento do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) no Sistema Estadual de Informações Ambientais e Recursos Hídricos (SEIA), não foi identificada Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASV) concedida pelo órgão em nome do titular cadastrado.
Adicionalmente, o Inema informou que, em pesquisa ao Diário Oficial da Prefeitura Municipal da Barra, foi identificada a existência de três ASVs emitidas pelo poder público municipal, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Meio Ambiente e Turismo, e todas para poligonais indicadas no imóvel citado. Conclusão apontada pelo relatório do Mapbiomas: “é possível deduzir que as áreas relacionadas ao alerta foram autorizadas pela prefeitura”.
A Fazenda Boqueirão passou a fazer parte da Agropecuária Sul Brasil – Unidade Bahia, em 16 de junho de 2023. A Sul Brasil faz parte do grupo Adriano Cobuccio, conglomerado que reúne 53 empresas[2] de diversos setores, incluindo mineração, tecnologia, fundos de investimentos, usinas hidrelétricas (seis), rede de postos de gasolina, commodities, pelo menos 17 fazendas, empreendimentos imobiliários, aluguel de veículos e equipamentos e até plano funerário. A sede do grupo está localizada em Monte Belo, Minas Gerais.
A Serpasa é o nome utilizado pela Companhia Agropastoril Vale da Piragiba, cuja matriz está localizada na Avenida Conselheiro Aguiar, 1748, Praia da Boa Viagem, em Pernambuco. A filial de Muquém se localiza numa estrada rural à beira do rio São Francisco.
No registro de CNPJ da Receita Federal, a matriz e a filial estão inaptas por omissão de declarações desde 20 de agosto de 2024. Consta ainda a autuação de infrações, emitidas pelo Ibama, no valor total de R$ 640 mil, em função de “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou em seus regulamentos” (artigo 64 do decreto 6514/2008).
Além disso, dois dos empresários também são diretores da Japasa – Japaranduba Agropastoril, dedicada à pecuária. Essa empresa possui dívida ativa com a União no valor de R$ 7 milhões 883 mil. O passivo é formado por débitos previdenciários, trabalhistas e não previdenciários. Os dois são, respectivamente, diretor e presidente da empresa Baixadão Agropecuária, que deve R$ 3 milhões e 841 mil.
Um deles dirige ainda a Paranhos Ltda, cujo nome fantasia é Paranhos S.A Serviços de Motomecanização. A dívida ativa da firma com a União, segundo consulta em 28/09/2024, é de R$ 30 milhões e 291 mil.
TRANSPOSIÇÕES PARTICULARES
Para garantir a água necessária pelo menos dois empreendimentos, a Serpasa Agroindustrial e a Kamesq Agricola Ltda, mais conhecida na região como Fazenda São José, contam com enormes canais abertos. Sem nenhum tipo de revestimento, eles desviam água do rio São Francisco para abastecer seus pivôs centrais.
Os acessos à água do rio São Francisco, corpo d´água sob domínio da União, para os empreendimentos ou proprietários são concedidos pela Agência Nacional de Águas e Saneamento básico (ANA) diante de uma autorização ou outorga.
Chama atenção a inadimplência dos usuários, que segundo dados da ANA, não pagam a taxa fixada pela retirada d´água há anos. No caso específico dos irmãos Paranhos, Luís Sérgio Paranhos Ferreira e Luiz Eduardo da Fonte Paranhos Ferreira ocupam o 10º e o 18º no ranking dos 100 maiores devedores de outorga da água na Bacia do São Francisco. Os valores corrigidos são, respectivamente, de R$ 867 mil e 118 e R$ 472 mil e 029. Já a Kamesqu Agricola Ltda, ocupa a 39º colocação, devendo R$ 261 mil e 865 à união. Os valores estão sujeitos a alterações.
Outro fato preocupante segundo os moradores locais é um canal (funciona como uma espécie de dreno) construído na Fazenda Barracatu, vizinha da comunidade Curralinho, perto da cidade da Barra, no qual a água excedente dos pivôs é devolvida para o rio. Os mesmo questionam a qualidade desta água sabendo que a agricultura irrigada utiliza agrotóxicos em larga escala.
Enquanto isso, as aldeias indígenas e comunidades tradicionais na beira dos rios contam com uma estrutura precária de abastecimento de água e não possuem esgotamento sanitário. A comunidade é obrigada a utilizar água sem tratamento para todas as necessidades dentro de casa. Água potável apenas para quem tem dinheiro e pode comprar.
O drama aumenta consideravelmente no período chuvoso. Mesmo utilizando um coador de pano, filtro de barro e algumas gotas de hipoclorito, o líquido continua turvo. São frequentes os surtos de diarreia, mal-estar e coceiras no corpo depois de tomar banho. Poucas comunidades têm poços artesianos e só uma, Brejo Seco, recebe água tratada em carro pipa da Embasa.
Notas de pé de página
[1] O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG/OC) e é produzido por uma rede colaborativa de co-criadores formado por ONGs, universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais.
[2] Dados do grupo postados no LinkedIn. Visualizado no dia 28/09/2024, às 8h23min.
(*) Reportagem feita em parceria com Meus Sertões.
Leia mais:
:: Grilagem e invasões ameaçam comunidades da Barra e de Muquém de São Francisco: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=As+aventura+de+giba
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