Da Coluna de Guilherme Amado
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional) e equipe CPT Itaituba/PA
Indígenas de diversos povos protestam contra o projeto da Ferrogrão (Foto: Raissa Azeredo/Arquivo pessoal/Repórter Brasil)
Mais de 20 entidades representantes de povos indígenas, agricultores, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, elaboraram uma Carta Aberta ao diretor-presidente da empresa Estação da Luz Participações (EDLP), empresa responsável pelo projeto da Ferrogrão com o apoio de multinacionais do agronegócio como a ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.
A ferrovia, com dimensão aproximada de 933 quilômetros, planeja ligar as cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA), transportando soja, farelo de soja e milho, a partir do porto no Rio Tapajós, para a China, Europa e Oriente Médio. Em seu trajeto, os vagões pretendem cortar com os trilhos de ferro Unidades de Conservação e 16 Terras Indígenas, incluindo algumas ainda não demarcadas, além de assentamentos e inúmeras propriedades de agricultores e agricultoras familiares.
Tomando forma em 2017, ainda o governo de Michel Temer, o projeto da Ferrogrão atravessou o mandato de Jair Bolsonaro e foi incluído no Programa de Aceleração do crescimento (PAC) do governo do presidente Lula, como obra para realização de estudos. As comunidades afirmam que não foram ouvidas sobre o empreendimento, e que, antes mesmo da construção, a obra já intensificou casos de grilagem, invasões, desmatamento, destruição e poluição de igarapés e ameaças contra os povos e comunidades, agravando os impactos que já existem com a construção da rodovia BR-163.
A falta de coerência apontada pelas entidades populares é de que, além da chefia da EDLP, Guilherme Quintella é vice-presidente do conselho diretor do Instituto Terra, organização fundada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, que junto com a esposa, Lélia Deluiz Wanick Salgado, atuam como ativistas ambientais. A posição de destaque do executivo nesta organização ambientalista iria na contramão dos próprios valores do instituto.
Leia a carta na íntegra:
Prezado Guilherme Quintella,
Escrevemos essa carta juntos, povos indígenas, agricultores e agricultoras, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, depois que você procurou algumas de nossas lideranças. Como não sentamos sozinhos para conversar com empresas e seus representantes, te convidamos para uma reunião durante o Acampamento Terra Livre, mas, depois de aceitar, você disse não poder participar. Então agora nós te escrevemos para que não tenha dúvidas da nossa posição e esperando que você tome a decisão certa: abandone e denuncie o projeto da Ferrogrão e pare de ajudar na destruição dos nossos territórios e do futuro do planeta.
É isso mesmo. Na contramão da missão e valores do próprio Instituto Terra, você e sua empresa já estão promovendo essa destruição antes mesmo de uma decisão sobre a Ferrogrão ter sido tomada: só a possibilidade dessa ferrovia da morte ser construída já faz com que exista ainda mais pressão sobre nós e sobre os nossos territórios. É muita grilagem, é muita especulação, é muita invasão, é muita ameaça, é muito desmatamento, é muita poluição e destruição dos nossos rios, dos igarapés… E tudo isso em cima de um monte de problemas que a gente já enfrenta há muitos anos!
Muitos de nós já sofremos muito com a construção da BR 163 e com o complexo portuário já instalado na região do Tapajós, que não trouxe benefícios e sim muitas violações de direitos. O povo Panará quase acabou, e muitos morreram. Desde então, as plantações de soja e milho só aumentaram e vão aumentar ainda mais, se você e sua empresa continuarem apoiando esse projeto da Ferrogrão. Vão derrubar mais floresta para plantar mais soja e milho, vão jogar veneno, e o veneno vai descer e vai envenenar mais os peixes. Vão destruir mais o rio para fazer hidrovias para as barcaças, e vão fazer ainda mais portos que não deixam a gente pescar.
E tudo isso para quê? Para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras gigantescas? Para facilitar o lucro da Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, enquanto a gente não tem terras demarcadas, não tem direitos respeitados? Nós nem fomos consultados! Você e todos os empresários, políticos e financiadores têm a obrigação de ouvir a nossa voz e respeitar os protocolos de consulta e nosso direito a veto. Deveriam fazer isso pelo bem de vocês, pois a Ferrogrão ameaça todas as gerações que ainda vão vir. O futuro de todos vai ser destruído se a destruição da Amazônia e do Cerrado continuar.
O fato de um trem soltar menos fumaça do que uma frota de caminhões não significa que a Ferrogrão seja boa. Se tivessem feito estudos direito e ouvido os povos e as comunidades afetadas, vocês talvez soubessem disso. Pois saibam: nós não vamos aceitar que a soja e o milho engulam ainda mais os nossos territórios. Não vamos permitir que a Ferrogrão faça ainda mais mal para a natureza para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras. Nós já sofremos demais e isso tem que parar. Você e sua empresa podem escolher estar do lado certo da história e em linha com os princípios do Instituto Terra do qual você é vice-presidente do conselho diretor. Pense em nós, e pense nos seus filhos, nos seus netos e na saúde do planeta.
Assinam esta Carta:
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
- Associação das Comunidades de Montanha e Mangabal
- Associação Iakiô
- Associação Pariri
- Coletivo de Mulheres Indígenas As Karuana
- Comissão Pastoral da Terra – Itaituba
- Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará
- Conselho Indígena Munduruku do Planalto
- Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
- Conselho Indígena Tupinambá do Baixo Tapajós, Amazônia (CITUPI)
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
- Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE)
- Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS)
- Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT)
- Guardiões do Bem Viver
- Instituto Kabu
- Instituto Raoni
- Movimento Tapajós Vivo
- Movimento Xingu Vivo para Sempre
- Rede Agroecológica Trairão
- Rede Xingu+
- Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém
Itaituba, 24 de junho de 2024.