Por Lara Tapety | CPT NE2
Com informações da Justiça Global e do G1
Camponeses assistem sentenca da Cortr IDH
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado do trabalhador rural Almir Muniz da Silva. O anúncio foi feito na tarde de ontem (11), durante a leitura da sentença, em São José da Costa Rica, com transmissão pelo YouTube.
O líder camponês desapareceu em 29 de junho de 2002, no município de Itabaiana (PB), enquanto lutava pela reforma agrária e denunciava a violência praticada por milícias rurais na região. A decisão da Corte IDH representa um marco histórico, sendo o primeiro caso de desaparecimento forçado no Brasil, no contexto da luta pela terra, analisado pelo tribunal internacional.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Justiça Global e a organização Dignitatis foram responsáveis por apresentar o caso, denunciando violações aos direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à integridade moral e psíquica dos familiares da vítima.
Na comunidade do assentamento Almir Muniz, camponesas e camponeses, incluindo familiares da vítima, reuniram-se para acompanhar a leitura da sentença, que reconheceu as falhas do Estado na proteção da vida de Muniz da Silva, na condução das investigações e na busca por seu paradeiro. O Tribunal também apontou que o Brasil violou os direitos à verdade, à integridade pessoal, à proteção familiar e às crianças afetadas pelo caso.
Rafael Nascimento, integrante da CPT, conhecido como professor Rafael, participou do encontro e destacou o significado da decisão: "A Justiça tardou, mas chegou. Hoje, um dia memorável, estamos aqui na comunidade Almir Muniz, em Itabaiana, para ler esta sentença e ver o quanto o sangue de Almir Muniz ainda está presente e nos impulsiona para a luta dos trabalhadores rurais, os trabalhadores camponeses, os trabalhadores de todo o Brasil".
A luta pela terra e a repressão
Antes de desaparecer, Almir Muniz denunciava a violência no campo e a atuação de jagunços que ameaçavam os trabalhadores rurais, sob o comando do policial civil Sérgio de Souza Azevedo. Relatos indicam que as famílias da comunidade sofriam agressões físicas e psicológicas constantes.
Almir tinha consciência dos riscos que corria e deixou um legado de resistência com sua frase: "Se alguém me matar, continue a luta. Se me matarem, matarão um homem!". Sua história segue viva na comunidade que leva seu nome. Em 2004, dois anos após seu desaparecimento, a Fazenda Tanques foi desapropriada para fins de reforma agrária, concretizando a reivindicação que motivou sua militância.
No entanto, a impunidade permaneceu: o caso foi arquivado em 2009 sem julgamento, e seu corpo jamais foi encontrado. Seu trator, recuperado dias depois em Pernambuco, estava abandonado em um canavial e coberto de lama, numa aparente tentativa de ocultar provas. Agora, a mais de 20 anos do desaparecimento de Almir, o Estado brasileiro foi condenado.
Outras condenações e medidas determinadas
Além de responsabilizar o Brasil pelo desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, a Corte IDH destacou a falta de garantias para a atuação de defensores de direitos humanos. O Tribunal determinou que o país adote medidas concretas para ampliar a proteção de lideranças ameaçadas e comunidades em conflito agrário. Entre as ações recomendadas, estão a descentralização de unidades especializadas para atender regiões rurais e áreas de alto risco; criação de protocolos de resposta imediata para casos de ameaça; e o fortalecimento dos recursos destinados à proteção de defensores de direitos humanos.
A decisão soma-se a outras condenações recentes do Brasil na Corte IDH. No mês passado, o tribunal responsabilizou o país pelo assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, ocorrido em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu (PB). A sentença reconheceu a impunidade do crime e exigiu medidas para evitar novos casos. Desde então, a CPT estava na expectativa em relação à sentença do caso de Almir Muniz.
A Corte também havia condenado o Brasil pelo assassinato do advogado Gabriel Salles Pimenta, em Marabá (PA), em 1989. Como desdobramento, foi criado um Grupo de Trabalho Técnico que propôs ao governo federal um Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei para a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.
Com a nova condenação, a Corte cobra do Brasil a adoção de mecanismos mais eficazes para garantir a segurança daqueles que lutam por direitos fundamentais, especialmente no campo. A luta de Almir Muniz e de tantos outros trabalhadores continua sendo um símbolo de resistência e justiça.
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que o Estado brasileiro foi notificado sobre a sentença e que um parecer será elaborado para garantir que as autoridades responsáveis cumpram as medidas determinadas pela Corte IDH.
Assista a notificação da sentença na Corte IDH TV:
https://www.youtube.com/live/HNFVFL-xyOg?si=pfCw0RLrrhp-EVtA&t=1054