Em Anapu, Pará, elas falam sobre a continuidade da luta de Dorothy Stang em meio ao aumento da violência agrária
Por Julia Dolce | Agência Pública
Fotos: Julia Dolce
“Essa história aqui é de anos e juízes. Muitos, não só dois ou três”, me adianta a irmã Jane Dwyer, no início da nossa conversa, na sala da casa de madeira, com paredes cobertas por quadros que gritam diferentes palavras de ordem, pedindo reforma agrária, que ninguém solte a mão de ninguém, além de justiça por Dorothy Stang e pelos 19 demais assassinados nos últimos anos na luta pela terra em Anapu, no interior do Pará.
“Anos”, porque o tempo passa e a violência permanece. Entre 2015 e 2019, as vítimas foram se acumulando, e seus nomes foram espremidos na cruz vermelha ao lado do túmulo de Dorothy Stang, com espaçamento entre as letras tão mínimo, para fazer caber, que a leitura é quase comprometida. “Juízes” porque aqueles responsáveis pela segurança pública e jurídica da região entram e saem. Policiais, delegados, promotores. Corrompem-se, demoram, fecham os olhos para o quadro complexo dos conflitos agrários da região. Quem fica, trabalha, e defende, acaba transferido.
As irmãs Jane Dwyer e Katy Webster, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), permanecem. Mesmo após o assassinato de sua companheira, negam proteção estatal, porque acreditam que ela deveria ser para todas famílias de pequenos agricultores ameaçados. Colecionam os dados de cada caso em memórias afiadas que desafiam sua idade. Em quase duas horas de conversa, tentam resgatar o maior número de casos e denúncias que conseguem. Respondem a cada uma das perguntas, formuladas para abarcar um contexto geral, com exemplos concretos e distintos da violência.
Nesta semana, as irmãs foram informadas que um dos condenados pelo homicídio da Dorothy, em 2005, foi alvo de operações contra ocupação ilegal na Amazônia no Acre. Preso preventivamente pela Polícia Federal (PF), Amair Feijoli é suspeito de grilagem e ocupação ilegal de áreas na Amazônia. Em 2006, Feijoli foi condenado por tribunal do júri do Pará por participação no assassinato da missionária norte-americana naturalizada brasileira.
Vocês moram nesta casa há muito tempo?
Jane Dwyer — Desde outubro de 2005. Antes, a gente morava em uma sede da igreja. Depois do assassinato da Dorothy, começaram uma campanha que nós éramos terroristas, que andávamos armadas. Aí tivemos que nos separar fisicamente da igreja e viemos para o bairro. Muita gente ajudou e, dentro de uma semana, de terroristas, nós viramos vizinhas. Essa é a nossa casa, a casa das irmãs. Eles derrubaram nossa antiga casa, onde tínhamos nossas coisas guardadas. A gente levou o processo do assassinato da Dorothy pra Belém e distribuímos as outras coisas, porque não foi oferecido outro espaço, não.
Katy Webster — A madeira da nossa antiga casa ficou no São Rafael [Centro de Formação São Rafael, da CPT, onde está enterrado o corpo de Dorothy Stang]. Fizemos um viveiro.
Jane Dwyer — O viveiro dá suporte a todo o nosso trabalho.
Vocês se sentem seguras vivendo aqui hoje?
Jane Dwyer — A impunidade é a maior ameaça que existe. Eles falam o que querem, falam mal da gente, denunciaram a gente na Câmara Municipal neste ano. Foi um homem que se candidatou a deputado estadual no ano passado.
Katy Webster — Ele é um filho daqui de Anapu. Se juntou com um dos ruralistas daqui e se tornou a “boca” dele. Dizia que ia limpar os lotes ocupados. Perguntava na Câmara: “Por que as irmãs não assentam o povo em terras livres? Por que mexem com terra privada?”. Esse tipo de coisa. Ou falava que a gente devia estar dando aula de inglês, ou que nunca receberam nada da gente, ou perguntava por que a gente não estava fazendo caridade.
Jane Dwyer — Parece besteira, mas são questões sérias. Houve uma investida do Ibama recentemente em alguns lotes da região que estão todos desmatados. Queimaram as máquinas, as serrarias. Os madeireiros disseram que nós travamos o progresso. Porque denunciamos tráfico de madeira.
Nos acusam de incentivar as ocupações, coisa que a gente realmente não faz, porque é perigoso demais. Mas, uma vez que o povo chega lá, nós vamos também, porque se não vão matá-los. Então incentivar suicídio a gente não faz, mas, uma vez que o povo se arrisca, aí temos que ir. A verdade é que o povo informa a gente, ou nós conseguimos as informações dos crimes ambientais e denunciamos, sim. Assumimos que o povo não pode denunciar, se não morre.
Algumas pessoas acham que vão matar a gente, mas eles não entram aqui em casa porque têm medo dos cachorros. O bispo [dom João Muniz Alves, da prelazia do Xingu] não quer a gente andando só, então ele paga um motorista. Coragem de enfrentar e liderar ele não tem, mas apoiar ele apoia, ele diz em público.
Vocês acreditam que deveriam ter maior segurança dos programas públicos de proteção?
Jane Dwyer — Nós somos ameaçadas, mas quem é a maior vítima aqui é quem está defendendo o meio ambiente, o povo. Eles não tem quem defendê-los e quem tenta entrar para organizar acaba entrando nesse rolo. É o nosso caso. Mas eles estão lá primeiro ameaçados. Nos colocam como grandes defensoras, mas nem Dorothy era isso. Ela foi nomeada assim depois do assassinato, mas não se colocava dessa forma. Quando eu me coloco como defensora do meio ambiente, estou desviando a realidade. A realidade é que quem é ameaçado é quem se recusa a sair da terra, quem está resgatando a terra e replantando a floresta. Aí nos usam para desviar isso e o povo fica por conta. Nesse estilo de proteção, todo o foco fica na pessoa que chamam de defensor, mas deixam inúmeras pessoas totalmente abandonadas, totalmente vulneráveis, sendo que são elas que continuam lá, defendendo a terra. Então tiram um ou outro ameaçado, sendo que o povo todo é ameaçado.
Então quem é defensor é quem está lá vivendo com coragem de entrar, de enfrentar o capim, sabendo que o fazendeiro não vai querer, vai atrapalhar, e mesmo assim segue plantando a floresta. A gente ajuda, mas, se você pensar, a gente vive a custo da miséria das ameaças do povo. Se acabar, ficaríamos desempregadas. Sistemicamente é isso.
Desde quando a CPT começou a fazer a lista dos ameaçados em conflitos de terra, eles perguntam pra gente “cadê os nomes de Anapu?”, e a gente sempre fala que não faz essa lista, porque isso destaca pessoas, é prato cheio pra quem quer matar. É confirmar quem é a liderança. Aí a gente recusa. A gente acredita que tem que se lidar com ameaças de forma comunitária, para não deixar as vítimas mais vulneráveis ainda.
Quando o Estado abre um programa de defensores de direitos humanos, ele também confessa a incapacidade de lidar com a questão, porque deveria impedir ameaças e não esconder ameaçados. Vocês duas estão em algum programa?
Jane Dwyer — Não, a gente recusa, porque quem deveria estar é o povo, e, se o povo estivesse protegido, estaríamos protegidas também.
Katy Webster — Estamos criando sistemas de organização entre nós mesmos para que possamos nos proteger, para que a comunidade nos proteja e não seja preciso tirar gente pra fora nem colocar polícia pra dentro, e sim fazer uma proteção entre nós. O povo mesmo tem pensado nisso.
Vocês têm algum exemplo dessa organização?
Jane Dwyer — No Lote 96, a gente tinha montado todo um sistema de segurança, de internet, de câmeras, tudo, por conta dos ataques que estavam acontecendo de três em três meses. Aí a energia foi embora e o povo ficou totalmente isolado e vulnerável. Imagina o medo. Agora, devagarzinho, estamos conseguindo energia solar para pelo menos manter algum tipo de segurança e áreas com internet.
Katy Webster — Durante o Luz para Todos, a energia estava entrando em toda biboca aqui no município, inclusive áreas sub judice, que não estavam 100% regulares. O povo ajudava a colocar os postes. Faz tempo que os conflitos passam por essa questão da energia. Os capangas dos fazendeiros que achavam que eram donos das terras mandavam parar a instalação. Era pra ter energia nos lotes 96 e 97 há anos, mas o Peixoto [falecido fazendeiro proprietário de terras vizinhas aos lotes] travou essa energia e a palavra dele vingou. Agora, de repente, tinha um projeto da Norte Energia para implantar energia lá. Mudou a empresa concessionária, e a Equatorial assumiu e avançou, trouxe os postes, transformadores, fiação e começou. Mas de repente, de novo, tudo foi embargado. O povo conseguiu ficar com o equipamento, os postes, a fiação, e terminaram por conta. Teve energia por um ano e quatro meses. Mas aí apareceram 10 caminhões e 14 viaturas da polícia pra tirar a energia, alegando que era uma área de conflito, sub judice. Isso foi em 29 de novembro do ano passado. Depois, descobrimos que foram os produtores rurais que se reuniram em Belém pra botar pressão em cima da Equatorial lá.
Jane Dwyer — O Silvério [coordenador do núcleo Transamazônica da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa). Silvério, que já foi vice-prefeito de Altamira, representa uma das famílias mais poderosas da região, no sudoeste do Pará, reivindicando milhares de hectares de terras sem titulação definitiva. Em 2018, quando presidia o sindicato rural da cidade de Anapu, ele liderou acusações de associação criminosa e invasão de propriedade que levaram à prisão do padre José Amaro Lopes de Souza, da prelazia do Xingu, por três meses].
E já tem investigação disso?
Jane Dwyer — Não. O Ministério Público convocou uma reunião para ver isso. Diz a promotora que não consegue falar com o advogado da Equatorial em carne e osso. Ele quer fazer virtual e ela não quer. Aí ficam adiando e vão ganhar no cansaço.
Então, mesmo com o falecimento do Peixoto, o fazendeiro que se dizia dono dos lotes 96 e 97, existe essa mobilização de fazendeiros para defender a privatização dessas áreas? Um grupo que se defende entre si mesmo quando não está diretamente envolvido no conflito?
Katy Webster — No caso da fazenda do Peixoto, a herança é uma confusão total. Não sabemos quem da família assumiu, e parece que uma empresa de criação de gado ligada a um frigorífico comprou parte das terras.
Jane Dwyer — O problema é que já vimos o Silvério e outros fazendeiros acompanhando o Peixoto muitas vezes. E no dia que a polícia tirou a energia dos lotes 96 e 97 o Silvério estava lá, dentro de um carro. Ele não desceu, mas viram ele.
Durante o Fórum Agrário do Ministério Público, o Silvério também estava lá, junto à Maria Augusta, presidenta do Sindicato dos Produtores Rurais de Altamira (Siralta). Ele e outros representantes do agronegócio costumam frequentar esses espaços?
Jane Dwyer — Quando o pessoal do Lote 96 entrou na reunião e viu ele, ficaram se tremendo de medo. Parece que eles não faltam em nada, mas nós é que não frequentamos. Se for para sofrer, a gente fica aqui sofrendo com o povo. Nós fomos ontem, porque o MP [Ministério Público] colocou a foto da nossa escola no cartaz e achamos interessante. E ele [Silvério] também foi por isso.
A escola em questão é a escola do Lote 96, que foi incendiada no ano passado, certo?
Jane Dwyer — Sim, foi queimada em agosto do ano passado. A cada três meses, eles atacavam de alguma forma.
Na reunião, o Silvério disse que queria um espaço para discutir a questão da regularização fundiária, e que achava que a questão da educação deveria ser debatida em outro espaço.
Jane Dwyer — Sim, o MP está querendo resgatar a temática das escolas comunitárias do campo. Querem promover a educação do campo, que é toda uma outra educação, com outro currículo e calendário. A lei promove isso, mas nunca foi cumprida. Todos lá estavam a favor. Quando ele questionou [o tema da reunião], a promotora respondeu: ‘Eu sei qual é o meu trabalho e a responsável sou eu’. E ele acabou deixando a reunião.
Quando você tira uma escola de uma comunidade rural, vai contra toda a natureza, a cultura e a história dessa comunidade. Faz ela virar gado e toras de madeira. O que estavam dizendo é que o currículo deveria ser focado no campo, nas águas, na floresta, para manter essas comunidades. A escola é um ponto de referência não só da meninada, mas familiar, comunitário. É onde se reúnem, se organizam, aprendem e discutem, é onde se reúne gente de fora, de sindicatos, para ajudar o povo a entender as coisas. Então, sem a escola, o povo fica sem ponto de união.
Ontem ficou claro o incômodo que o sindicato rural tem com isso. E também se incomodam porque o nome da nossa escola é Paulo Anacleto, que foi um vereador do tempo de Dorothy, de uma família tradicional aqui de Anapu, que era influenciado pelos poderes, à direita. Ele ajudou a declarar Dorothy pessoa non grata [pela Câmara dos Vereadores de Anapu, em 2003]. Mas, com os anos, começou a frequentar espaços diferentes, como o Conselho Tutelar, se tornou presidente da Associação dos Mototaxistas e começou a ver as coisas de outra forma. Se aproximou de nós, frequentou a Comissão em Defesa de Anapu e falou que era uma pessoa errada, que estava entendendo coisas e mudando. Que estava vendo Dorothy e a nós de outra forma. Aí ele foi assassinado, em dezembro de 2019.
Mataram Márcio, um trabalhador de roça que, por não conseguir sustentar a família, por não ter terra, começou a trabalhar como mototaxista. Era protegido pelo Paulo. Mataram ele. [Márcio Rodrigues dos Reis era a principal testemunha de defesa do padre Amaro Lopes, outro colega da CPT que trabalhava próximo à irmã Dorothy Stang e foi acusado de uma série de crimes por fazendeiros do Siralta. Amaro foi preso em 2018. A CPT denuncia armação e assassinato de reputação por parte do sindicato.] Paulo disse que sabia quem tinha matado, começou a cutucar a polícia. E foi assassinado também. Agora ele é nosso, pelo caminho mais torto que existe no mundo. Colocamos o nome dele junto à cruz dos outros 18 assassinados desde que assassinaram Dorothy.
Perguntamos à família dele primeiro, porque eles são da Assembleia de Deus. Mas nós não temos religião, nossa religião aqui é lutar pela terra, é a mistura de todos os encontros. Mas perguntamos por conta da cruz. A família disse pra colocar. Então quem começou acusando Dorothy Stang terminou na mesma cruz que ela. O povo reconhece essa transformação dele, e por isso demos o nome dele pra escola do Lote 96. Isso deixou os fazendeiros com ainda mais raiva da nossa escola.
Vocês chamam de “consórcio da morte” esse grupo de poderosos, ligados ao agronegócio e à política local, que estão por trás do assassinato de todas essas pessoas ao longo das últimas décadas. De que forma os anos do mandato de Bolsonaro impactaram esse “consórcio”? Os fazendeiros e a pistolagem estão mais armados?
Jane Dwyer — Eu acho que o bolsonarismo estava aqui em Anapu antes do Bolsonaro se eleger. Ele não é o fundador desse negócio. Aqui é a direita que manda. Esses fazendeiros acham que têm razão, que têm direito, a propriedade privada reina e acham que povo é burro. E por isso eles dizem que educação não tem nada a ver com a pauta agrária, porque acham que a educação é uma ameaça. A impunidade é a maior ameaça. Além disso, a prefeitura aqui é uma máfia que mata, mata seus próprios até.
Katy Webster — A gente fica um pouco distante disso e só escuta o que falam na rua. Mataram o irmão do Silvério em 2018. O Silvério até tentou dizer que foi a mando do Amaro [padre José Amaro Lopes de Sousa, da CPT, preso em 2018, durante processo de perseguição jurídica pelos fazendeiros da região], mas ninguém acreditou, ninguém. Nem a polícia, porque sabiam que o irmão dele estava envolvido em um conflito com madeireiros. Tinham matado duas pessoas da prefeitura um tempo antes, Raimundinho, secretário das Obras, foi morto na região da 115 Sul. Ninguém foi preso.
Jane Dwyer — Nem uma palavra de luto da prefeitura.
Katy Webster — A própria prefeitura se condenou porque nem uma nota de pesar fizeram. Depois, não faz muito tempo, mataram o Osvaldo, que era secretário de Finanças, e estava pensando na possibilidade de se candidatar a prefeito. Aí foi assassinado aqui perto, no meio de uma casa de material de construção. A gente pensava que finalmente ia ver gente presa, mas nada.
Jane Dwyer — Mesmo quando todo mundo sabe quem matou, eles entram e saem da prisão.
Mas vocês acham que o poder de fogo desse “consórcio” aumentou?
Katy Webster — No final do ano passado, uns pequenos agricultores amigos nossos relataram pra gente que um fazendeiro que mora em um distrito de Senador José Porfírio, município vizinho daqui, está com um esquema de segurança fortíssimo, cheio de gente armada para defender o proprietário. Parece que a polícia foi lá na virada do ano para verificar e tem um arsenal de armas, tudo registrado. A polícia foi pra lá limpar e não tinha condição.
Jane Dwyer — Estavam matando gente por lá, mas nunca houve um processo para confirmar quem era responsável. É um fazendeiro conhecido, que já se envolveu em conflitos aqui em Anapu, como o assentamento Mata Preta. Na época, em 2016 e 2017, pistoleiros invadiam o tempo todo, queimaram as casas, as roças, atiravam em animais, tentando fazer o povo reagir no mesmo nível. E o povo tomou a decisão de não devolver. Esse fazendeiro já foi preso também, mas hoje está solto. Um dos nossos companheiros assassinados tinha chegado a afirmar em entrevista que, se morresse, seria pelas mãos dele. E hoje parece que está fazendo pior, com mais violência e esse arsenal regularizado, legal. Eles fazem, eles estão armados, e mesmo descobertos segue igual.
Hoje, esse fazendeiro está nessa gleba “Belo Monte”, que é uma nova fronteira agrícola. Aqui em Anapu, a terra era considerada melhor, mas já está quase cheia, mesmo que ainda vazia de agricultura familiar. Esses últimos decretos do Bolsonaro, entre 15 e 22 de dezembro, foram feitos pra isso aqui voltar aos anos 1970, no início da colonização, para garantir direito a quem estava aqui antes. Eles estavam aqui primeiro, porque grilaram tudo, e venderam em consórcio.
E houve alguma mudança no caráter das ameaças?
Jane Dwyer — Os fazendeiros hoje fazem churrascos e gravam vídeos, esse é um dos jeitos de ameaçar aqui. Passam uma mensagem de WhatsApp: “Esse é fulano, esse é beltrano. Estamos unidos, ninguém vai ocupar aqui”. A gente avisa, denuncia, mas não dá em nada. Foram para Brasília, mandaram um vídeo em reunião com o presidente do Incra, com o senador Zequinha Marinho. Tudo é mandado assim, as ameaças vêm assim. Mas o povo não entra na lógica, o povo é calado, reúne conosco e segura a peteca na medida do possível. Nesses anos todinhos, Anapu, sendo tão violenta, nunca morreu um fazendeiro pelas mãos de um trabalhador. Nunca, até hoje.
Mas na pandemia nosso povo se firmou. Não nos reunimos, mas nos comunicamos por WhatsApp. Depois de alguns meses, começamos a seguir madeireiros – eles não sabiam que era nosso carro – e pegamos muita informação e denunciamos assim.
Mas de que forma essas denúncias são feitas? Porque, pelo que estou entendendo, o poder público está ligado a esse “consórcio”. Existe uma segurança pública efetiva?
Jane Dwyer — A segurança pública sempre foi contra o povo. Nunca teve. Nem a Deca [Delegacia Especializada de Conflitos Agrários]. Teve uma época que tinham seis pessoas ameaçadas lá no PA Mata Preta. Tinham me dado um nome de um policial em Belém, para eu telefonar quando as coisas apertassem, e eu telefonei. Enquanto eu falava com esse policial, os assentados estavam na delegacia falando com o delegado, denunciando um assassinato. Tinham acabado de descobrir um corpo de um agricultor desaparecido há dias, o corpo todo apodrecido, e queriam que a polícia fosse lá. Ouviram do delegado que “trabalhador se mata toda hora, que a polícia não podia correr atrás disso”. Mas aí o meu contato em Belém telefonou para o delegado, enquanto o povo ainda estava lá, e ele mudou na hora, disse que ia organizar a operação. É uma impunidade e corrupção tão grandes que não tem como. A gente já teve uma ótima delegada, mas não deixaram ela trabalhar. O prefeito foi denunciar ela em Belém, e transferiram ela.
O último delegado da Deca Altamira nós tentamos tirar, e parece que conseguimos. Foi o Ivan Pinto. Ele já havia sido transferido da Deca Marabá por conta da sujeira que fez por lá. Foi denunciado pela Alepa [Assembleia Legislativa do Pará], pela CPT e pela defensoria pública.
E vocês têm contato com o atual delegado da Deca Altamira?
Jane Dwyer — Não.
Katy Webster — Tivemos uma live com o novo delegado, não lembro o nome dele. Ele nunca mais apareceu.
Jane Dwyer — Muda tanto. A gente nunca conhece. Porque nosso estilo não é de lidar com isso, e sim agilizar para que o povo assuma e determine seu futuro. A gente orienta, porque eles têm que aprender a usar e forçar o sistema público para defendê-los.
Então, aqui vocês não confiam na polícia para denunciar?
Jane Dwyer — Nada. A gente até tem contato, mas confiar na polícia… Teve um tempo agora, no ano retrasado, a gente estava denunciando extração ilegal de madeira para o MPF e MPE [Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual], e eles protegiam a gente, nunca divulgavam nossos nomes e conseguiam fazer o Ibama agir. Mas, no ano retrasado, entrou um novo procurador, ex-delegado da Polícia Federal, e acho que a presença dele mudou o sistema. Disseram que a gente teria que passar a denunciar diretamente para a Polícia Rodoviária Federal [PRF]. Aí nós pedimos um nome de confiança e disseram que não poderiam passar. Então, não tem como. Telefonar para um lugar aberto que ninguém sabe quem vai atender? Provavelmente, vão nos matar e matar nossos companheiros. Passamos um ano sofrendo, vendo a madeira saindo daqui, as castanheiras, oh, meu Deus… Mas a gente não entrou em contato. E hoje sabemos de todo o escândalo na PRF. Então, confiar na polícia?
Por conta de toda a violência e impunidade, foi a Dorothy que conseguiu convocar a Polícia Civil aqui. Antes não tinha. E, então, o delegado da Polícia Civil ficou contra ela. Foi ele que criou todo esse problema, junto com os fazendeiros.
Como assim?
Jane Dwyer — Esse delegado ficou do lado dos fazendeiros. Ela pedia acompanhamento, escolta, mas ele nunca deu. Chegou a dizer que o carro estava quebrado. E foi ele que montou todo o esquema contra o Geraldo Magela [técnico agrícola e ex-prestador de serviços do Incra que era braço-direito de Dorothy]. Ele era muito forte na defesa do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança. Lá tem madeira, minério e o melhor solo de Anapu. Ele ajudava a Dorothy a segurar a entrada de criminosos. Mas queriam matá-lo também. O plano era criar um tiroteio lá mesmo e matar os dois, mas eles não estavam juntos. Dorothy morreu de manhã e à noite morreu o agricultor Adalberto Xavier, o Cabeludo. Aí o delegado tentou incriminar o Magela, dizendo que ele era o mandante dos assassinatos. Ele teve que ficar 18 anos foragido, e no ano passado houve o julgamento do caso, e ele foi inocentado. O nosso advogado viu no processo da Dorothy que o Magela estava fazendo um Boletim de Ocorrência do assassinato dela na mesma hora do assassinato do Cabeludo. Então tinha uma prova dentro do processo o tempo todo de que ele estava na Delegacia da Polícia Civil de Anapu fazendo BO, na hora do segundo assassinato. O rapaz passou 18 anos foragido para não ser preso. Se fosse preso, provavelmente teria sido assassinado. E o delegado que criou tudo isso tinha a prova da inocência nas mãos dele o tempo todo. É tão macabro.
A pistolagem também é formada por policiais?
Jane Dwyer — Tem envolvimento de policiais, sim. Isso tem sido comprovado.
E o sindicato rural tem proximidade com a polícia?
Jane Dwyer — Deve ter, mas a gente não frequenta esse povo. Ficamos o mais longe possível. Nossa porta não é aberta para eles, eles não chegam nem perto de nossa casa.
Nosso trabalho é fazer o Incra criar coração. Temos um secretário de Agricultura que confiamos hoje em dia, o bichinho numa situação terrível. Numa prefeitura da morte, ele é a vida. Ele está começando a promover feiras com produtos fornecidos pelo nosso povo. Lá no Lote 96 tem macaxeira, farinha, melancia, limão, biribá, mais de 300 abóboras. Isso no lugar que disseram que deveria ficar o gado, porque o povo não trabalhava. Tá lindo.
A marcha até o local e a ocupação do prédio da DPE acontece na tarde desta quarta-feira (30). Pedidos de reunião foram protocolados na defensoria, Governo do Estado e Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT).
Por: 3ª Semana de Resistência Camponesa
Cerca de 350 camponeses e camponesas, organizados desde segunda-feira, 28, na 3ª Semana de Resistência Camponesa, em Cuiabá (MT), ocupam, neste momento, a sede da Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso (DPE), situada no Centro Político Administrativo (DPE). Na capital, o grupo está acampando na Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). As famílias também já ocuparam o pátio da Justiça Federal.
O Núcleo Agrário da DPE de Mato Grosso é um órgão estratégico para o povo do campo. São milhares de famílias camponesas no estado em extrema situação de vulnerabilidade, que dependem exclusivamente do atendimento do órgão. O fortalecimento do núcleo é essencial devido a existência da Vara Especializada em Direito Agrário da Justiça Estadual, a qual centraliza todos os processos relacionados aos conflitos fundiários coletivos do estado.
O objetivo do ato é cobrar da DPE o fortalecimento do Núcleo Agrário, a partir da constituição de uma equipe técnica multidisciplinar, e que sejam nomeados defensores(as) públicos que tenham perfil, conhecimento e sensibilidade para as causas do campo. As famílias pedem também um atendimento diferenciado por parte da DPE, devido às pessoas que necessitam de atendimento, em sua maioria, viveram há centenas de quilômetros da capital.
A 3ª Semana da Resistência Camponesa tem como objetivo chamar a atenção da sociedade e das autoridades para a importância e a necessidade urgente de reforma agrária em Mato Grosso, além de denunciar casos de grilagem de terras públicas e de judicialização dos processos das famílias camponesas.
A organização da 3ª Semana é da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-MT). A iniciativa conta com o apoio do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).
Mais informações:
Elvis Marques (assessoria de comunicação) 62 99113-8277; Kamila Picalho (Comissão Pastoral da Terra) 66 99662-2764; Devanir de Araújo (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) 65 99932-0803.
Acompanhe todas as informações e atualizações sobre a 3ª Semana de ResistênciaCamponesa nas redes sociais da @cptnacional, @formadmt e @movimentosemterra.
Entre os dias 25 e 27 de agosto, a cidade de Cruzeiro do Sul (AC), no coração da Amazônia brasileira, testemunhou o nascimento de um movimento que tem como intenção ecoar vozes para além das fronteiras geográficas e geracionais. Sob o céu generoso e a vegetação exuberante da região, o encontro intitulado "Juventude Preparando Seus Quintais" congregou quase 40 jovens de diversos lugares, unidos por uma visão ousada e um espírito de rebeldia que prometem transformar quintais em florestas de mudança social.
A cidade ribeirinha, com suas riquezas naturais e culturais, foi o cenário ideal para o nascente movimento. Representantes de comunidades do Brasil, Bolívia e Peru se reuniram para dar os primeiros passos em uma trajetória que busca superar as fronteiras nacionais e construir uma rede que atravesse culturas e línguas. Esse encontro, conforme explica Darlene Braga, da Articulação das CPTs da Amazônia, é o prelúdio de um caminho que levará a um encontro internacional ainda maior, onde a voz da juventude ecoará em coros de transformação.
Quintais
A mística do sábado (26), lançou um olhar profundo sobre as raízes desse movimento. Ancorados em suas ancestralidades, os jovens reconheceram as luzes que iluminaram o caminho até ali. Antepassados e visionários, eles evocaram, mostrando que cada passo dado tem sido moldado por vozes que ecoaram através do tempo. A mística destacou o legado de resistência que permeia as diversas trajetórias das pessoas presentes, chamamento a forjar o próprio caminho, tendo como guia omesmo espírito de ousadia.
A violência que muitas vezes passa despercebida, mas que deixa cicatrizes profundas nas trajetórias juvenis, emergiu como um dos temas cruciais das discussões. Sem se limitar unicamente à violência física, os participantes enfatizaram a violência institucional que corrói a confiança das pessoas e limita suas possibilidades. Em diálogos profundos, eles compartilharam suas experiências e elaboraram um mosaico de desafios enfrentados. Da falta de acesso à saúde à busca por reconhecimento de territórios, passando pela escassez de oportunidades, esses jovens corajosos trouxeram à tona uma tapeçaria de obstáculos que eles se desafiam a superar.
O encontro, inicialmente repleto de timidez, floresceu em um espaço de confiança e liberdade, onde cada voz encontrou ressonância. Com os quintais de suas comunidades como ponto de partida, os jovens compartilharam histórias de suas vidas, anseios e lutas. Como sementes lançadas ao vento, suas experiências pessoais convergiram para criar um terreno fértil de reflexão coletiva. Um terreno onde eles estão plantando a semente da transformação.
Emerge então a visão do "quintal ideal". Para esses jovens, o quintal ideal transcende os limites físicos das comunidades. É um lugar onde a vida floresce em harmonia, onde as sementes do futuro são regadas com igualdade e justiça. Eles expressaram um forte desejo de agirem coletivamente, de cultivarem uma floresta de ideias e ações que abrace todos os quintais. A juventude que se uniu em Cruzeiro do Sul rejeita a ideia de quintais isolados, optando por um jardim compartilhado onde cada flor contribui para a beleza do todo.
O encontro culminou em um momento de avaliação, onde os participantes expressaram profunda satisfação com as discussões e os laços forjados. A semente foi plantada, a rebeldia foi nutrida e a esperança cresce vigorosa. A visão de um mundo transformado pelas mãos e vozes da juventude ganha forma, e a cidade ribeirinha de Cruzeiro do Sul se torna um marco na jornada para construir um futuro coletivo.
Silvania Flores, jovem de 28 anos do departamento de Pando, do município de Bella Flor, na Bolívia, destacou a aliança traçada entre as juventudes presentes em busca da solução de problemas comuns. "Por meio deste encontro pudemos compartilhar ideias, apresentar os problemas que sentimos e enfrentamos em nossos países. Foi um encontro muito significativo, pois trocamos ideias e compartilhamos nossos problemas, buscando soluções e propondo maneiras de melhorar as coisas. Aprendi muitas coisas e conheci novas pessoas das quais me orgulho muito ao levar de volta para o meu país. Guardo tudo isso no meu coração e agradeço muito por nos incluírem nesse encontro de jovens", completou.
Tendo sua juventude atravessada por conflitos em sua comunidade, Tamires Oliveira dos Santos, de 21 anos, compartilhou a vivência dela no Seringal São Bernardo. "A gente é muito perseguido pelos fazendeiros e já está nessa luta há muito tempo. Eu gostaria de dizer que esse encontro foi muito importante, uma troca de experiências que eu vou levar pra vida. Aqui fiz amizades novas e fui muito bem acolhida", encerrou.
Em Busca do Bem Viver: Sonhos e Desafios das Comunidades
No seio das comunidades, o conceito de "bem viver" encontra solo fértil. É lá que as raízes da vida se entrelaçam com a terra, onde plantar e colher são rituais diários, e a fartura é um resultado natural. Contrapondo-se à vida na cidade, onde a maioria dos produtos é comprada, essas comunidades são ilhas de autossuficiência e conexão com a natureza. Entretanto, mesmo em um ambiente tão rico, os sonhos colidem com realidades complexas.
O horizonte educacional é cercado por desafios, conforme foi dito nos relatos. Aqueles que estudam frequentemente chegam apenas ao ensino fundamental, pois o ensino médio é um privilégio raro nas comunidades. Quando disponível, a qualidade é muitas vezes precária, limitando as possibilidades para os jovens. Essa carência de educação de qualidade se traduz em oportunidades perdidas, tanto no mercado de trabalho quanto no acesso ao ensino superior.
A jornada educacional também esbarra na carência de apoio familiar. A falta de compreensão sobre a importância da educação e as mudanças frequentes muitas vezes comprometem a permanência dos alunos nas escolas. A ausência de suporte familiar, embora compreensível em um contexto de desafios socioeconômicos, cria um obstáculo adicional na trilha educacional dos jovens.
A busca por uma qualidade de vida melhor é entrelaçada com a necessidade de ter seus sonhos e aspirações atendidos sem a necessidade de sair de seu ambiente familiar. Terra regularizada, segurança e tranquilidade são parte do quintal dos sonhos, onde a comunidade pode florescer sem medo do despejo e da insegurança.
Emerge também o anseio por liberdade e escolha. A liberdade de expressão, de falar e ser escutado, é um elemento vital para essas comunidades. O sonho é de um espaço onde suas vozes são ouvidas, onde a influência externa dê espaço à autenticidade e às decisões tomadas livremente.
Estes são sonhos que respiram em harmonia com a terra, cultura e tradições. Mas os desafios, muitos dos quais enraizados em circunstâncias estruturais e falta de acesso, são sombras que atravessam esse caminho. A busca por um "bem viver" é, portanto, uma jornada complexa, onde o equilíbrio entre tradição e progresso, autonomia e apoio, se torna a essência da luta por uma vida que vale a pena ser vivida.
O encontro, que teve como objetivo proporcionar um espaço de reflexão, troca de experiências e planejamento coletivo entre as juventudes foi realizado pela Comissão Pastoral da Terra Regional Acre (CPT-AC), Pastoral Rural (PR) da Diocese de Cruzeiro do Sul, núcleo da assessoria jurídica e assessorado pelo coordenação dos jovens da Diocese de Cruzeiro do Sul. A série de encontros busca fortalecer a participação comunitária na construção de um futuro melhor para as comunidades, reconhecendo que é imprescindível lutar por mudanças socioambientais significativas.
Nos dias 29 e 30 de agosto de 2023, estiveram reunidos no Centro de Formação Católica, em Lages (SC), membros da Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para assessorar o Seminário Regional sobre o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
O objetivo do Seminário foi a apresentação e estudo do Caderno “Nas Trilhas do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” às lideranças da CNBB Sul 4 e fortalecer o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas junto às Pastorais Sociais nas dioceses do Regional. Estavam presentes: o bispo da Diocese de Tubarão e membro da CEETH, dom Adilson Pedro Busin, CS, padres, freiras e leigas e leigos de diversas regiões de Santa Catarina. O Seminário contou com a assessoria de Brígida Rocha dos Santos, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Nordeste 5 e Francisco Alan Santos Lima, membro da CEETH.
Dom Adilson Pedro apresenta o trabalho da Comissão e ressalta que “o tráfico é uma ferida presente ao longo da história da humanidade e que ainda persiste como uma expressão da maldade e da usurpação da dignidade e da vida dos outros semelhantes” e cita, João Batista Scalabrini, “os traficantes de imigrantes são os chacais de carne humana”. Acrescenta que “a cura desta ferida que ainda chaga a humanidade, como Igreja, mas, também, aqui nós temos organismos da igreja e organismos para a sociedade civil, que este seminário seja para somar forças e nos robustecer os braços e dar as mãos no enfrentamento ao tráfico de seres humanos no Brasil e em nosso Regional Sul 4”, finaliza.
Desde a criação da CEETH, em 2016, a igreja tem avançado nas articulações de combate e prevenção em todo do país. A partir de então, têm-se multiplicado iniciativas de sensibilização da sociedade sobre o tráfico humano. Muito além de exercer o papel da igreja, a Comissão luta em defesa da vida de forma permanente. Além de exercer como pastoral com gestos e ações de solidariedade para com as vítimas, realiza formação para fazer incidência política e chamar atenção da sociedade para o crime do Tráfico de Pessoas.
Pesquisa feita pela Organização Nações Unidas (ONU) aponta que anualmente 50 milhões de pessoas são vítimas do tráfico, que se expandiu no século 21. Atualmente é considerado o terceiro maior comércio ilícito no mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas. No Brasil, o número de pessoas aliciadas aumentou após a pandemia de COVID-19 e da crise econômica que o país vive. O público-alvo, dos aliciadores, são pessoas com maior situação de vulnerabilidade social.
A Espanha é o País que mais recebe as vítimas traficadas do Brasil. Seguido de Portugal, Itália, Suíça, Suriname, EUA… Grupos criminosos no Brasil têm sujeitado mulheres e meninas ao tráfico sexual nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Em Santa Catarina o trabalho escravo está com maior índice de casos no: desmatamento, reflorestamento, produção da maçã, produção da cebolinha, produção de alho e no trabalho doméstico. Hoje as principais denúncias são das condições degradantes e as jornadas excessivas de trabalho, principalmente nas produções e colheitas de alimentos. As pessoas são aliciadas em outros estados e, também, de migrantes vindo de outros países que chegam no Estado a procura de oportunidades e se submetem a trabalhar para se manterem.
Para Francisco Alan o Seminário é para capacitação de pessoas em “busca de parcerias para levar as comunidades mais vulneráveis, a fim de prevenir e mobilizar toda sociedade para o enfrentamento deste crime”. Brígida comenta o que caracteriza o trabalho escravo: “jornada exaustiva, trabalho forçado, servidão por dívida e a retirada do direito do trabalhador de ir e vir”.
Dom Adilson apresenta os principais pontos que devem ser levados em consideração para a realização do trabalho a ser desenvolvido contra o Tráfico de Pessoas: “Reforçar a cooperação internacional intereclesial e da sociedade civil; Formação para novos agentes regionais e locais; e como fazer a acolhida e acompanhamento das pessoas traficadas”, finaliza.
A denúncia é o mecanismo mais adequado e essencial para reprimir esse crime. Abaixo segue números para denunciar e locais competentes para cada situação:
Competências para investigação e responsabilização penal do crime de tráfico de pessoas. No âmbito do tráfico internacional de pessoas, a Polícia Federal é competente para a realização de operações, prisão e instauração de inquéritos policiais para iniciar o procedimento de responsabilização de traficantes. Em se tratando de crime de tráfico interno de pessoas, onde haja dois ou mais Estados envolvidos, a competência também é da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal.
CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER – LIGUE -180- funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, no Brasil e em outros 16 (dezesseis) países: Argentina, Bélgica, Espanha, EUA (São Francisco e Boston), França, Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Paraguai, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela.
DISQUE DIREITOS HUMANOS – DISQUE 100
As pessoas que se encontram fora do Brasil podem denunciar, inclusive solicitando auxílio, se dirigindo a Embaixada ou Consulado mais próximo.
III Plano Nacional ETP; Conatrap, Núcleos de enfrentamento ao TP
Comitiva de servidores do Incra esteve na capital de Mato Grosso nesta terça, 29. Aluguel de sede provisória do Incra e reforma do atual prédio estão entre os compromissos firmados pelos servidores nacionais do órgão com os trabalhadores
Por: 3ª Semana de Resistência Camponesa
Foto: Júlio César | MST MT
As lideranças das famílias acampadas na Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), situado no Centro Político Administrativo (CPA), em Cuiabá (MT), se reuniram, na tarde de terça-feira, 29, no auditório Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat), com representantes nacionais e regionais do órgão.
Desde segunda-feira, 28, mais de 350 camponeses e camponesas ocupam a sede do Incra, onde reivindicam a retomada das terras públicas da União no estado de Mato Grosso e a destinação das mesmas para a Política Pública de Reforma Agrária; a disponibilização de recursos para garantir a estrutura dos assentamentos no estado; a viabilização de estrutura física da Superintendência Regional do Incra e o fortalecimento do Programa de Educação da Reforma Agrária (Pronera).
Na audiência realizada na Adufmat, participaram Maria Rosilene Bezerra Rodrigues, diretora de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do Incra Nacional, e Edtânio Oliveira, superintendente Regional do Incra; além dos servidores Luiz Evangelista, Carlos Eduardo Barbieri, José Neto e Raul Afonso Filho.
Estiveram presentes, ainda, Renan Sotto Mayor, Defensor Público da União e vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH); Eduardo Nunes de Queiroz, Defensor Público Federal e Coordenador do Grupo de Trabalho Moradia e Conflitos Fundiários; e Marco Aurélio Bezerra da Rocha, Ouvidor Agrário Nacional.
Durante o evento, foram expostas as demandas gerais e específicas de cada grupo acompanhado pela Comissão Pastoral da Terra Regional Mato Grosso (CPT-MT) e pela direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-MT).
Foto: Elvis Marques | CPT MT
Entre os compromissos acordados pelas lideranças camponesas e os servidores do Incra, estão: a realização de uma reunião presencial com o presidente do órgão, César Fernando Schiavon Aldrighi, em Brasília, até o dia 15 de setembro de 2023; e o aluguel de um prédio temporário para abrigar a Superintendência Regional, enquanto a atual sede é reformada. O acordo é que, até o dia 9 de setembro de 2023, a autarquia tenha uma sede provisória para abrigar os servidores, arquivos e receber a população.
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Confira abaixo os demais compromissos, prazos e explicações feitas pelos representantes do Incra Nacional e Regional:
Programa Titula Brasil: está em processo de reformulação pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, sob o comando de Paulo Teixeira.
Aumento do orçamento nacional do Incra e para o MT, de modo que atenda as demandas existentes: é de desejo do órgão, que está pleiteando um orçamento maior para o próximo ano. Segundo a diretora do Incra, o orçamento foi todo descaracterizado e o órgão estava operando, inclusive, com emenda parlamentar no governo federal passado.
Aquisição pelo Incra das áreas das Fazenda Santa Maria, em Jaciara (MT), e da Fazenda Modelo, na região sul; e da Fazenda Santa Cecília, na região norte. Há famílias acampadas há mais de oitos anos: a diretora do órgão se comprometeu com o superintendente regional para que ele e sua equipe possam ir a campo para fazer a perícia das áreas e a atualização de valores para a aquisição das mesmas.
O assentamento Zé da Paz, na Baixada Cuiabana, é composto por 72 famílias, mas 14 outras ficaram de fora do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA): a diretora do Incra explicou que o edital de seleção das famílias para serem assentadas foi suspenso. Agora, com a nova portaria publicada pelo atual governo federal, mais famílias poderão ser atendidas. Em Brasília, a servidora se comprometeu a conversar com a equipe do órgão para atender especificamente o caso de famílias que não foram assentadas na área do Zé da Paz.
Indeferimento dos pedidos de regularização fundiária na área da Fazenda Cinco Estrelas, em Novo Mundo (MT): todos os pedidos estão suspensos, inclusive em todas as áreas da União onde foi declarado o interesse social em Mato Grosso.
Prosseguimento na criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Boa Esperança, em Novo Mundo (MT): o órgão aguarda o cumprimento de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) pela da Justiça federal de Sinop (MT) para a imissão na posse. Já foi repassado ao Incra o recurso de R$ 20 mil para a imissão de posse e criação do PDS Boa Esperança.
Realizar Estudo de Viabilidade de criação de PDS Nova Conquista II, em Novo Mundo (MT), no restante da área da Fazenda Recanto: Segundo o órgão, é necessário apenas mais duas semanas para concluir o Relatório, a partir do dia 29 de agosto de 2023.
Finalização do relatório da vistoria ocupacional e criação do PDS e realização urgente do georreferenciamento na área do Pré-assentamento Lote 10, em Nova Guarita (MT): foi informado que o relatório de viabilidade já está pronto. A equipe do Incra esteve na área e irá liberar imediatamente o valor das diárias para a realização do georreferenciamento. O prazo estabelecido para essa liberação é de 15 dias a partir do dia 29 de agosto de 2023
Com informações dos Varadouros de Rio Branco e da Agência Brasil
Polícia Federal realiza operação de combate ao desmatamento na região Amacro; entre os presos está mandante do assassinato de missionária americana
A Polícia Federal realiza nesta terça-feira, 29, duas importantes operações de combate ao desmatamento da Floresta Amazônica na tríplice divisa Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). Entre os alvos da ação policial estão um dos mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang, crime ocorrido em 2005 no Pará, e um de seus filhos, que possui mandado de prisão expedido pela Justiça de Sena Madureira por tentativa de homicídio. Os dois são suspeitos de integrar organização criminosa responsável por desmatar uma área de quase 600 hectares dentro da Floresta Estadual do Antimary, localizada em Sena Madureira.
Amair Feijoli da Cunha, conhecido como Tato, foi condenado a 27 anos de prisão por ser o intermediário que contratou os executores da missionária Dorothy Stang, no Pará, é um dos alvos da Operação Terra Prometida. Ele foi beneficiado com redução de pena pela delação premiada, e teve a condenação reduzida para 18 anos de reclusão.
Nos últimos quatro anos, a unidade de conservação foi uma das mais impactadas pelo avanço do desmatamento e queimadas para a expansão da agropecuária. A operação detectou que os prejuízos ocasionados pelos crimes ambientais praticados pelos atuais e ex-proprietários da Fazenda Canaã somam montante de R$ 18 milhões ao bioma amazônico.
De acordo com as investigações, as organizações criminosas investigadas atuavam na invasão de terras públicas da União no norte do Acre e sul do Amazonas. Juntas, as áreas desmatadas nos dois estados somam mais de 1.400 hectares – uma área equivalente a 1.400 campos de futebol.
Operação Xingu
Outra operação deflagrada pela PF foi a Xingu, cujo foco de atuação são os municípios amazonenses de Boca do Acre e Lábrea. Na região – grande foco do desmatamento da Floresta Amazônica entre 2019 e 2022 – as investigações concluíram que a área desmatada pelo grupo criminoso é de 800 hectares. Toda essa devastação, segundo a polícia, se deu apenas ao longo do ano passado. Os danos ao meio ambiente chegam a um valor de R$ 17 milhões – sem levar em consideração os danos de perda da fauna e da flora amazônica. Ainda conforme a PF, o mandante da morte de Dorothy Stang também estaria envolvido nesta invasão e destruição da floresta dentro do Amazonas.
Os investigados poderão responder judicialmente pelos crimes de associação a organização criminosa, invasão de terras públicas, desmatamento, falsidade ideológica, estelionato e lavagem de dinheiro, entre outros delitos acessórios, cujas penas somadas podem ultrapassar 20 (vinte) anos de prisão. Os mandados foram expedidos pelas Justiças do Acre e do Amazonas.
Ao todo, foram cumpridos quatro mandados de prisão preventiva, 25 mandados de busca e apreensão e seis mandados de proibição de acesso e frequência à área Floresta Estadual do Antimary.