Da CPT Regional Amazonas
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), com informações da DPE/AM
Agentes da CPT Regional Amazonas e Arquidiocesana de Manaus estiveram presentes no último dia 26 de setembro junto à Comunidade Vera Lúcia Castelo Branco (km 13 da Estrada Manaus – Manacapuru, Distrito de Cacau Pirêra), no município de Iranduba, por ocasião da visita da Comissão Judiciária de Conflitos Agrários do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). A comissão foi composta por três juízes e uma juíza, além de defensores públicos e assessores, Ministério Público Estadual de Iranduba, procuradora de Iranduba, um integrante da pasta fundiária de Iranduba e demais assessores da Comissão, que foi instituída no governo do Presidente Lula.
Um dos objetivos foi ouvir os moradores presentes e visitar as residências dos ocupantes da área de conflito, cuja posse está sendo disputada na Justiça. A representante da Associação dos Moradores da Comunidade Vera Lúcia Castelo Branco destacou que essa terra, inserida no antigo “Projeto Integrado de Colonização (PIC) Bela Vista”, foi comprada pela então deputada estadual que deu nome à referida comunidade, sendo cada lote repassado aos moradores na época do assentamento, que sofriam com a grande cheia dos Rios Solimões e Negro, por um preço simbólico de R$ 150,00. Possivelmente, na compra da área, a deputada não transferiu o terreno do antigo dono para o seu nome, nem depois para o nome dos assentados.
Informações dão conta que familiares do primeiro proprietário da terra, ao descobrirem que não havia sido feita a transferência do terreno, articularam a venda da área para o que se diz atual possuidor de um documento dessa terra. Segundo os moradores, o cidadão que reivindica ser dono do terreno, apesar de nunca ter tido a posse do mesmo, na época da nova compra, se apresentou como procurador do antigo dono, comprou a terra para si mesmo e conseguiu a transferência para o seu nome, algo não permitido em lei.
Desde 2012, a comunidade vem sofrendo com uma ação possessória movida pelo pretenso proprietário, que teve ganho de causa em 2017 pela justiça estadual, mas devido à mobilização das moradoras e moradores, a decisão foi suspensa, o que foi reafirmado em 02 de dezembro de 2021, quando a juíza Aline Marcovicz Lins, titular da 1.ª Vara de Iranduba, decidiu suspender o cumprimento da liminar de reintegração de posse (autos de n.º 0600594-19.2021.8.04.4600), devido à vulnerabilidade de toda uma comunidade no contexto da pandemia.
A compra do terreno, mesmo com os moradores já residindo há anos dentro da área, demonstra uma ação articulada de grilagem de terra disfarçada de legalidade, visando vender os lotes para os ocupantes ou receber indenização da prefeitura e do Estado.
Após a visita e saída da Comissão, a CPT, junto com lideranças, moradores e moradoras da comunidade se reuniram na casa da presidente da Associação dos Moradores, para um breve apanhado e informações gerais sobre a visita. Há, inclusive, um processo de reintegração de posse da área com liminar deferida, além de outros dois processos em trâmite sobre a posse do terreno.
A Comissão de Conflitos Fundiários é fruto da Resolução 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Portaria 4847/2023 do TJ/AM, que estabelecem protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis. Antes de realizar ou não a retirada, é necessária análise da Comissão de Conflitos Fundiários. A normativa do CNJ teve origem na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, proposta no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, no contexto da pandemia de Covid-19.
No dia 10 de outubro, quinta-feira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Juazeiro/BA vai realizar o lançamento do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2023. A publicação, organizada desde 1985 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT Nacional, traz um balanço anual dos dados das violências ligadas a questões agrárias no país. O evento contará com a presença de agentes pastorais e trabalhadores rurais que vivenciam situações de conflitos na região do Sertão do São Francisco.
O lançamento do Caderno de Conflitos será às 9h, no Complexo Multieventos da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro. A atividade faz parte do 2º Seminário Política, Cultura e Ambiente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Política, Cultura e Ambiente (PoCAm/Univasf).
O Caderno de Conflitos é uma publicação de referência nacional e internacional sobre a violência no campo no Brasil. Nesta 38ª edição, foram registrados os maiores números desde o início dos levantamentos: ao todo, foram 2.203 conflitos no campo no país. A maioria dos conflitos registrados é pela terra (1.724, sendo também o maior número registrado pela CPT), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225).
Para os baianos, esta edição do documento gera ainda mais preocupação. Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167). Os conflitos envolveram 950.847 pessoas em todo o Brasil e as principais vítimas foram os sem-terra, quilombolas, indígenas, comunidades geraizeiras e de fundo e fecho de pasto.
Para o coordenador do PoCAM/Univasf, professor Adalton Marques, discutir sobre a violência no campo é fundamental, pois um dos principais propósitos do PoCAM é problematizar os efeitos devastadores do chamado “desenvolvimento territorial” provocado pelo neodesenvolvimentismo.
“É nossa tarefa apoiar as lutas de povos e comunidades tradicionais contra a omissão e conivência dos governos executivos municipais, estaduais e federal, que precisam urgentemente realizar a titulação dos quilombos, a demarcação dos territórios indígenas, destinar terras públicas e desapropriar latifúndios para a reforma agrária, além obedecer e defender o que preconiza a Convenção 169 da OIT no que concerne à realização de consultas livres, prévias e informadas”, ressalta o professor Adalton.
No dia 10, agentes pastorais da CPT Bahia e da região de Juazeiro irão apresentar e detalhar esses e outros dados presentes no Caderno de Conflitos. O assessor das Pastorais Sociais da Diocese de Juazeiro, Roberto Malvezzi (Gogó), fará uma análise desses dados e dois trabalhadores dos municípios de Casa Nova e Sento Sé irão relatar como esses conflitos se dão na prática, no dia a dia das comunidades de nossa região.
Serviço
O quê? Lançamento do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2023
Quando? Dia 10 de outubro, às 9h
Local? Complexo Multieventos, Univasf
Realização: CPT Juazeiro e PoCAM/Univasf
Texto: Comunicação CPT Juazeiro/BA
Problemas começaram a partir da implantação do polo Agroindustrial e Bioenergético
Thomas Bauer* (CPT-Bahia/H3000) e Paulo Oliveira (Meus Sertões)
O “Caderno de Conflitos no Campo – Brasil 2023”, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), revela que dos 2.203 conflitos, 249 foram registrados na Bahia. Assim, pela primeira vez, o estado se tornou líder de enfrentamentos, superando Pará e Rondônia. Os relatórios sobre os embates são elaborados desde 1985.
Entre os diversos conflitos, os mais graves hoje situam-se nas comunidades quilombolas Igarité e Curralinho, ambas no município da Barra. No caso do Curralinho, segunda maior comunidade rural, trata-se de uma invasão dos fundos do território tradicionalmente utilizado para o criatório de animais da comunidade pela vizinha Euroeste Bahia Agronegócios Ltda. Já na comunidade Igarité os agricultores estão confrontados com ameaças contra a vida, espalhando terror, e tentativa de grilagem do seu território pela Igarite Agropecuaria S.A. (Igapesa).
Muquém do São Francisco e Barra, municípios localizados na mesorregião do Vale de São Francisco, estão entre os mais conflituosos do estado. Localizados, respectivamente, a 710 km e a 650 km capital (Salvador), ambos são banhados por dois importantes rios, o São Francisco e o Rio Grande, fontes de sustento para centenas de famílias de comunidades tradicionais diversas. E é ali que a iniciativa privada com o apoio do governo do estado iniciou a implantação do Polo Agroindustrial e Bioenergético.
Comunidade quilombola Curralinho na beira do São Francisco, município Barra. Foto:: Thomas Bauer – CPT/H3000
De acordo com a propaganda feita pelo governo baiano, o polo é “a mais nova fronteira agrícola baiana, uma nova Luís Eduardo Magalhães”1. Com os argumentos de que o sol brilha em favor do agro, que o preço da terra ainda é acessível comparado a outros estados e há água em abundância, os governantes atraíam futuros investidores para Muquém e Barra.
As informações são contestadas pelos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, bem como ribeirinhos dos quais alguns vivem nesses territórios há mais de 40 anos. Atualmente são quatro aldeias indígenas, 12 comunidades quilombolas, 12 assentamentos, um acampamento e 26 comunidades ribeirinhas, entre elas Igarité e Curralinho, os principais prejudicados pelas violações de direitos e pelas ameaças feitas aos comunitários.
O POLO AGROINDUSTRIAL E BIOENERGÉTICO
Em 2020 o então vice-governador e secretário de desenvolvimento econômico, João Leão, pernambucano, nascido em uma rica família de proprietários de engenhos, com bom trânsito entre o agro e a política, fez questão de mostrar a região onde foi criado em uma das fazendas de seu pai.
Na época, durante a gestão do governador Rui Costa (PT), a previsão era que seriam instalados empreendimentos para produção de grãos, cacau, fruticultura, cana de açúcar, criação de bovinos e, no mínimo, 10 usinas sucroalcooleiras. Para que isso acontecesse, o Estado se comprometeu a investir dinheiro público para melhorar as rodovias, criar novas linhas de transmissão de energia e a construir a ponte que interliga os municípios de Barra e Xique-Xique, inaugurada em 2021.
Segundo apresentação do projeto da SDE o polo tem previsão de gerar 26 mil empregos diretos, com um aporte de investimentos privados na ordem de R$ 3,1 bilhões nos sete empreendimentos em implantação e nos cinco em análise, nos municípios de Barra, Muquém de São Francisco e Xique-Xique.
Localização dos empreendimentos divulgados pelo governo do estado sem mencionar as comunidades. Fonte: Governo do Estado da Bahia
O governo estadual empenhado na busca por investidores parece desconsiderar as aldeias indígenas e comunidades tradicionais localizadas ao longo das margens dos rios, que oficialmente nunca foram informadas sobre este projeto. Vale lembrar que, neste caso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), prevista em âmbito internacional deste 1989, do qual o Brasil é signatário, obriga o estado a realizar consultas prévias. Em tese a Consulta Prévia, Livre e Informada deve contribuir efetivamente na defesa dos direitos desses povos.
Não se sabe exatamente quais são os limites do polo. O foco da expansão do agronegócio se concentra atualmente em Muquém do São Francisco e Barra, gerando uma série de conflitos territoriais em terras indígenas demarcadas; em áreas de comunidades tradicionais, em processo de regularização; e assentamentos de reforma agrária. Mais: a previsão é que seria ampliado até os municípios de Xique-Xique, Santa Maria da Vitória e Pilão Arcado.
Questionada sobre a totalidade da área destinada ao projeto, a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (SDE) disse que consultou dois diretores e nenhum deles soube informar detalhes da iniciativa. A assessora chegou a dizer que o projeto não estaria mais na SDE. Ela ficou de confirmar a informação, mas até agora não houve retorno.
Se de um lado as comunidades até hoje não sabem maiores detalhes; do outro é assustador o avanço dos empreendimentos com capital nacional e internacional que cada vez mais surgem, desmatando novas áreas onde antes predominava a caatinga e instalando novas bombas de sucção para retirar grandes quantidades de água dos rios para abastecer pivôs centrais cada vez maiores.
Área desmatada na Fazenda São José, pertencente à empresa Kamesq Agricola Ltda. Foto: Thomas Bauer – CPT/H3000
LEMBRANÇAS TRÁGICAS
Vale a pena lembrar que nos anos 1970 e 1980 uma onda de expansão atingiu esta região e não deixou boas lembranças. Na época, conta Geraldo Bispo dos Santos, popular Geraldão, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Barra, um projeto encabeçado por João Leão e Carlos Simões, ex-prefeito de Barra, contou com o apoio da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e financiamento do Banco do Nordeste atraindo vários empresários pernambucanos.
No livro “Barra - um retrato do Brasil”, os autores Frei Arlindo Itacir Battistel e Joana Camandaroba fazem referência a este tempo:
“A desgraça ocorre quando os baianos vendem as suas fazendas para os pernambucanos ou fazendeiros de fora. Estes, como primeira providência, após tomar posse da fazenda, é expulsar, por bem ou por mal, os moradores da fazenda, que em muitos casos são famílias que moram a mais de cem ou duzentos anos naquele lugar às ordens da família do fazendeiro.”
Áreas imensas de caatinga nativa foram desmatadas para garantir a implantação dos primeiros pivôs centrais e a pecuária extensiva. Sistema de produção tradicional que costuma ocupar pastos em terras de latifúndios. Foi nesta época que começou a grilagem de terras, segundo Geraldão.
De acordo com relatos de antigos moradores, não demorou muito para que boa parte das fazendas que receberam investimentos fossem abandonadas diante das denúncias de superfaturamento e desvio de dinheiro, descoberto por um fiscal do banco, após o auge da primeira fase de expansão, quando a bovinocultura reinava. Os relatos também dão conta que uma das maiores fazendas da época, a Collier na beira do rio Grande, chegou a ter um rebanho de 20 mil bois, oficina mecânica e centenas de quilômetros de cercas de quatro fios de arame.
Mais recente em meados de 1995 outro projeto encabeçado por João Leão, o Projeto Distrito Brejos da Barra, em parceria com a empresa italiana Parmalat, desde 1972 com presença no Brasil, causou grande alvoroço na região. Atraídos com a promessa de emprego e melhoria na renda, as famílias dos brejeiros acreditaram no discurso promissor, que se tornou um fracasso. Segundo conversas com moradores, além de algumas casas populares, um grande galpão com equipamentos para beneficiamento de frutas, edificado na cidade de Barra, nunca foi utilizado. Não sobrou praticamente nada das mudas de caju e mangaba melhorada plantadas, bem como da pisicultura prometida.
DE VOLTA PARA O MOMENTO ATUAL
A atual expansão em diferentes casos têm gerado grande preocupação entre as comunidades que lidam com invasões nos seus territórios e ameaças de morte contra as lideranças. São conflitos graves envolvendo diversos crimes contra pessoas que nasceram e se criaram, ou ocupam há décadas, estas terras na beira de rio.
Os povos indígenas desta região ainda hoje sofrem com a invisibilização e o preconceito. Além dos povos oríginários oriundos da região, como os Tapuia, existem as aldeias dos Tuxá, Kiriri e Pankaru do norte do estado - afetadas nos anos 80 pelas construções das hidrelétricas no São Francisco e expansão de fazendas de gado -, bem como os Potiguara que vieram do estado da Paraíba. Com exceção dos Tapuia, os reassentados em Muquém do São Francisco contam com territórios reconhecidos, porém pequenos demais para as famílias que enfrentam grandes dificuldades.
Aldeia dos Tuxá na beira do São Francisco, em Muquém. Foto: Thomas Bauer – CPT/H3000
Já as comunidades quilombolas, apenas Conceição em Barra não reconhecida pela Fundação Palmares, estão com seus processos de regularização dos territórios em andamento há anos. Devido à demora, encontram-se cada vez mais encurraladas entre a beira do rio São Francisco e as fazendas ao fundo sobrepondo-se aos seus territórios.
Aqui vale lembrar que mesmo que o processo de regularização do território não esteja concluído, as comunidades que utilizam as terras, que têm a posse do território, possuem direitos. E o estado tem a obrigação de garantir a regularização em favor delas. O atraso nos processos aumenta a pressão e violência contra os posseiros na tentativa de que estes desistam dos seus direitos.
Comunidade Ribeirão encurralado entre o rio e os pivôs centrais. Foto: Thomas Bauer – CPT/H3000
Novas cercas impedem o acesso ao território usado tradicionalmente para criar seus animais, plantar suas roças e o acesso ao rio para pescar. Inclusive, quando conseguem acessar políticas públicas. O programa de habitação para comunidades quilombolas, por exemplo, não tem como implementar os recursos porque não tem terra para construir novas casas.
Inclusive as terras da união sob responsabilidade da Secretaria do Patrimônio da União; os lameiros, terrenos marginais de rio que compreendem uma faixa de 15 metros contados a partir da Linha Média das Enchentes Ordinárias (LMEO) - faixa usada tradicionalmente; as lagoas marginais e as ilhas utilizadas para o plantio pelas comunidades hoje estão em disputa. Isso, apesar de a legislação ser clara em relação ao uso. A portaria n° 89/20102, no artigo 1°, frisa: “disciplinar a utilização e o aproveitamento dos imovéis da União em favor das comunidades tradicionais.” E no artigo 4° consta: “é vedada a outorga da Autorização de Uso para atividades extensivas de agricultura, pecuária ou outras formas de exploração (…)”.
Existem vários relatos e boletins de ocorrências que acusam os fazendeiros e seus capangas de terem destruídos casas e impedidos o acesso dos agricultores e das agricultoras. Além disso há confrontos na base da ameaça, da pistolagem e tentativas de expulsões na força.
A propaganda e os incentivos do governo trouxeram também a volta da especulação em cima de fazendas possivelmente griladas anteriormente e abandonadas. Hoje, as vendas são protegidas por seguranças armadas.
Oitivas promovidas pela Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo – Foto: Thomas Bauer – CPT/H3000
Toda esta realidade já foi denunciada amplamente aos órgãos públicos e recentemente reforçado durante a 4° Missão da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, coordenada pela Cláudia Maria Dadico, durante as oitivas dos representantes das comunidades no dia 27 de agosto deste ano. Nesta ocasião, mesmo sofrendo na pele com os graves crimes nos seus territórios e ameaça à vida as lideranças comunitárias não perderam a oportunidade de manifestar a grande preocupação com a situação das águas dos rios já que o território preservado e a água são necessários para garantir a sua sobrevivência.
Portanto, há pouco o que comemorar na semana em que o São Francisco completa o 523º aniversário desde que o navio dos navegadores Américo Vespúcio (italiano) e André Gonçalves (português) chegaram à foz do rio e o batizaram com o nome do santo do dia 4 de outubro.
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[1] Pessoas de diferentes pontos do Brasil, principalmente do Sul do país, transformaram Luís Eduardo Magalhães na capital do agronegócio baiano. Com 24 anos de emancipação, é uma das cidades que mais crescem no país. Quando se desmembrou de Barreiras, o então povoado de Mimoso do Oeste era ponto de apoio na BR-242 (Bahia-Goiás). Hoje a cidade é a principal referência de Matopiba, divisa entre os estados do Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí. A expansão da soja e algodão e a chegada de indústrias e grandes revendedoras mudaram o perfil do local. A população saltou de 18 mil para 116 mil habitantes. A ampliação gerou problemas sociais e ambientais.
[2] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/patrimonio-da-uniao/arquivos-anteriores-privados/portarias-da-spu/arquivos/2016/portaria-89-2010-tau.pdf
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Leia na próxima quinta-feira: Reportagem sobre a disputa pela água e os desmatamentos.
(*) Reportagem feita em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT-BA).
Com informações da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
e do Brasil de Fato | Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Zé Maria do Tomé se voltou contra a prática da pulverização aérea
e mobilizou luta contra o uso de agrotóxicos - Foto: Marilu Cabañas
Após 14 anos de espera e ninguém responsabilizado pelo crime, está marcado para o próximo dia 09 de outubro de 2024, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza (CE), o júri popular de um dos envolvidos no assassinato de José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, agricultor e defensor dos direitos humanos na Chapada do Apodi, região de divisa entre os estados do Ceará e Rio Grande do Norte afetada por grandes projetos de infraestrutura hídrica e irrigação, financiados pelos governos federal e estadual, através de instituições como o Banco Mundial.
Zé Maria lutava contra a pulverização aérea de agrotóxicos e a favor da agricultura familiar e da saúde e meio ambiente. Em 2010, ele foi brutalmente executado com mais de 20 tiros por defender essas causas.
Quando viu sua filha e outras crianças da comunidade sentindo coceira depois do banho, sintoma que só melhorava quando usava água engarrafada para banhar as crianças, Zé Maria do Tomé, acertadamente, relacionou o sintoma à contaminação por agrotóxicos, da água fornecida pela prefeitura às comunidades.
Esta foi a chave para que o líder comunitário iniciasse uma série de lutas, visando a proteção da saúde e do ambiente. Sem apoio das empresas ou do Estado, ele procurou analisar amostras de água para identificar a contaminação; difundiu informações para que todos pudessem compreender o que estava acontecendo naquele território; acionou o Ministério Público e, junto com moradores/as, pressionou a Câmara de Vereadores pela proibição da forma mais grave de contaminação ambiental que estava afetando as comunidades – a pulverização aérea.
As Universidades também foram demandadas pelo MST, CPT e Cáritas Diocesana, e as pesquisas, desde então, vêm reunindo fortes evidências da contaminação da água e do ar, das intoxicações agudas, da elevação da taxa de mortalidade por câncer, de más-formações congênitas, e outros efeitos crônicos dos agrotóxicos.
Estudos realizados pela COGERH, em 2009, mostraram a contaminação das águas do aquífero Jandaíra pelos agrotóxicos, inclusive os ingredientes ativos utilizados na pulverização aérea – os fungicidas. Também as pesquisas realizadas pela UFC evidenciaram a contaminação das águas do aquífero, bem como, das águas destinadas às comunidades, em 100% das amostras.
Isto levou à aprovação da lei municipal que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos, em Limoeiro do Norte. Mas cinco meses depois da aprovação, Zé Maria do Tomé foi brutalmente assassinado, com 25 tiros, em 21 de abril de 2010, e a lei foi revogada um mês após a sua morte. Nove anos depois, foi aprovada a lei estadual nº 16.820, de 20 de janeiro de 2019 (Lei Zé Maria do Tomé), proibindo a pulverização aérea em todo o Ceará. Além do assassinato, outras mortes foram decorrentes de doenças em virtude da contaminação por agrotóxicos.
O conflito está ligado à expansão do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, que teve sua primeira etapa iniciada em 1987, responsável por conflitos socioambientais decorrentes do uso de agrotóxicos e da contaminação das águas e das populações rurais do entorno do projeto, além de conflitos socioterritoriais em virtude da desapropriação de comunidades camponesas da região.
Familiares e amigos em frente ao local onde Zé Maria foi morto na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. (Foto: Sara Maia/O POVO)
O agricultor também é homenageado pela Romaria do Tomé, que todos os anos faz memória Escola Família Agrícola (EFA), que leva o nome de Zé Maria do Tomé, em Tabuleiro do Norte; por várias turmas de cursos formais e informais que homenagearam o Zé Maria; o M21, movimento regional; e a comunidade de resistência, o Acampamento Zé Maria do Tomé, do MST.
Confira abaixo na íntegra a carta de apoio de várias instituições para que a justiça seja feita:
José Maria Filho, mais conhecido como Zé Maria do Tomé, era agricultor e líder comunitário na região da Chapada do Apodi, município de Limoeiro do Norte, tendo como luta o combate da pulverização aérea de agrotóxicos e o assentamento de pequenos agricultores nos perímetros irrigados Jaguaribe-Apodi.
Foi assim que Zé Maria, juntamente com organizações comunitárias, pastorais da igreja, movimentos populares, pesquisadores(as) e a sociedade civil, conseguiu realizar pressão social sobre a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte, para que esta aprovasse a Lei n° 1.278/2009, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos no município.
Inédita no Brasil, esta lei passou a ganhar repercussão, e Zé Maria se dedicou a denunciar seu descumprimento. Com isso, as ameaças à sua integridade começaram a se intensificar.
Em 21 de abril de 2010, por volta de 15h, na localidade do Sítio Tomé, quando estava retornando para casa em uma estrada pouco movimentada e com vasta vegetação, Zé Maria do Tomé foi alvo de emboscada, sendo executado com mais de 20 tiros. Um mês após seu assassinato a lei pela qual Zé Maria tanto batalhou foi revogada, causando ainda maior revolta e indignação.
14 anos depois do seu assassinato, o caso finalmente irá a julgamento. Marcado para o dia 09 de outubro de 2024, apenas Francisco Marcos Lima Barros, morador da comunidade de Tomé que teria dado suporte ao crime, irá a júri popular. Isso porque dos 6 suspeitos identificados pela investigação policial e pronunciados pela justiça estadual de Limoeiro do Norte (CE), em 19 de agosto de 2015, os dois acusados de serem mandantes do crime, dentre eles um grande empresário da região, conseguiram através de recurso ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, serem despronunciados. Dos outros 4 suspeitos, 3 vieram a falecer ao longo dos anos.
O Brasil ocupa o triste ranking de 4° país no mundo onde mais defensores de direitos humanos são assassinados. Não por menos, a complexidade relacionada ao crime levou que este fosse deslocado de Limoeiro do Norte para a capital do Estado do Ceará, 5a Vara do Júri de Fortaleza.
O caso Zé Maria é emblemático no contexto dos crimes, assassinatos e violência no campo brasileiro. José Maria Filho foi assassinado por defender direitos humanos: direito ao meio ambiente, à terra e ao território, à saúde e à vida.
Nós, integrantes de organizações de direitos humanos, movimentos populares, pesquisadores/as que atuam na região, organismos da Igreja e militantes sociais, continuamos cada vez mais firmes em defesa da Chapada do Apodi, do meio ambiente, e da agricultura familiar e camponesa. Seguimos na denúncia dos males causados pelo agronegócio, que envenena e mata o povo brasileiro.
Esperamos que o julgamento ocorra e que haja a condenação. Contudo, esperamos igualmente que novos elementos possam levar os mandantes desse crime, maiores responsáveis por essa atrocidade, a sentarem no banco dos réus, podendo a justiça por fim se concretizar.
“Companheiro Zé Maria, aqui estamos nós, falando por você já que calaram sua voz!”
26/04/2010 – Um grito de denúncia, uma nota contra a violência: justiça ao companheiro José Maria Filho
26/06/2012 – Dois anos depois do crime, o Ministério Público do Ceará realiza a denúncia à Comarca de Limoeiro do Norte. A juíza Flávia Setúbal aceita a denúncia contra João Teixeira Júnior, empresário, proprietário da Frutacor Comercialização e Produção de Frutas, acusado de autoria intelectual do crime; José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa Frutacor, que também seria autor intelectual; Francisco Marcos Lima Barros, que teria dado apoio à emboscada, morador do Tomé, Westilly Hytler e Antônio Wellington Ferreira Lima, supostos executores e moradores do Tomé.
23/04/2014 – Quatro anos do assassinato de Zé Maria, uma luta contra os agrotóxicos e por justiça!
19/08/2015 – A Justiça de Limoeiro do Norte pronuncia ou manda a júri popular João Teixeira Júnior, José Aldair Gomes Costa, Francisco Marcos Lima Barros e Antônio Wellington Ferreira Lima. Westilly Hytler (morto em 2010) e Antônio Wellington (em 2015) morreram antes de serem julgados, ambos em ações policiais que não tinham a ver com o caso.
24/08/2015 – Acusados de assassinar Zé Maria do Tomé vão à Júri Popular
25/01/2016 – Os advogados Paulo Quezado e João Marcelo Pedrosa, defensores dos réus, entram com um recurso contra a decisão da Justiça de Limoeiro do Norte.
14/12/2016 – O recurso, segundo o desembargador e relator Francisco Martônio, estava pronto para ser julgado pela 2ª Câmara Criminal. No entanto, foi retirado da pauta a pedido dos advogados de defesa dos réus.
25/01/2017 – O recurso voltou à pauta da 2ª Câmara Criminal dia 25 e, depois, em 01/02/2017. Mas as datas coincidiram com as férias (9/1 a 7/2) do desembargador Francisco Martônio.
08/02/2017 – Ao retornar das férias, o desembargador Francisco Martônio pautou o processo para a sessão de 08/02. Porém, segundo o TJCE, ele teve de retirá-lo para fazer adaptações no voto. O advogado Cláudio Silva, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), o Movimento 21 de Abril e a Cáritas do Ceará, denunciam os constantes adiamentos e a morosidade da Justiça cearense.
15/02/2017 – Feitas as mudanças, seria apreciado nesta data. No entanto, foi retirado da pauta em cumprimento ao Regimento Interno do TJCE.
22/02/2017 – Na Sessão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o desembargador Francisco Martônio votou pela absolvição dos acusados pelo assassinato do líder rural José Maria de Tomé. A sessão foi suspensa quando o desembargador Haroldo Máximo, presidente da Câmara, pediu vistas do Processo, que volta à pauta em 15/03/2017.
15/03/2017 – João Teixeira e José Aldair, acusados de serem os mandantes, foram despronunciados pelo Tribunal de Justiça. Por dois votos a um, a Corte entendeu que não haveria indícios suficientes contra eles.
06/09/2020 – O júri popular do único réu que restou no caso, Francisco Marcos, foi remarcado por tempo indeterminado, depois de pedido do advogado de defesa, Timóteo Fernando da Silva, alegando falta de tempo hábil para se preparar para o julgamento e ausência de intimação pessoal do caseiro Francisco Marcos Lima Barros.
O advogado pediu a transferência do processo para o município de Russas, alegando o risco que o réu corria em razão da proximidade, mas o juiz da comarca do Município pediu o desaforamento para Fortaleza, por ser um caso de grande repercussão.
Na noite deste domingo (29/09), o sangue de mais um companheiro da luta pela terra foi derramado. Mataram Zaqueu!
Zaqueu Fernandes Balieiro, 45 anos, acampado da Reforma Agrária e liderança dos Acampamentos Tamburi, Terra Preta e Terra Verde, em Gameleiras, Norte de Minas Gerais, vivia há anos sob ameaças de latifundiários e poderosos da região.
Durante os últimos meses, Zaqueu estava envolvido em uma campanha promissora para a vereança do município, que foi interrompida por meio da opressão e violência.
Neste momento de dor e indignação, o MST e a CPT-MG se solidarizam com a família de Zaqueu e dos acampados e acampadas de Tamburi, Terra Preta e Terra Verde. Exigimos uma investigação rigorosa, em que os culpados e mandantes sejam identificados e punidos.
É urgente que os órgãos do sistema de justiça e de defesa dos direitos humanos acompanhem o caso e assegurem os direitos e a proteção dos familiares de trabalhadores rurais, sobretudo através da efetivação da reforma agrária.
A memória e os sonhos de Zaqueu seguirão vivos em nós!
Sua luta será honrada com a continuidade da organização do povo camponês.
Zaqueu presente hoje e sempre!
Montes Claros, aos 30 de setembro de 2024.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) / Direção Regional do Norte de Minas
Comissão Pastoral da Terra - Minas Gerais
Na comunidade, há mais de 40 crianças em idade escolar e bebês ainda em amamentação. (Foto: João Evilson/Vip Araguaia)
As famílias que ocupam a área da Gleba Pelissioli, em Santa Terezinha-MT, se depararam ontem com a iminência de despejo judicial, após emitida liminar de reintegração de posse da área. As mais de 300 pessoas, que constituem cerca de 100 famílias, ocupam e reivindicam a terra desde 2008, em uma área próxima a 5 mil hectares. A liminar foi emitida em favor de uma fazenda com mais de 100 mil hectares de terra, que há anos contrata uma empresa de segurança truculenta, que já chegou a prender ilegalmente motos de moradores e até torturar e matar trabalhadores na região, de acordo com lideranças da comunidade e agentes da CPT que atuam no local.
No entanto, já há a comprovação, por meio de documentos e dados do Instituto de Terras de Mato Grosso - Intermat, que parte da área se trata de uma terra pública devoluta, pertencente ao estado de Mato Grosso, que deveria ser destinada ao assentamento das famílias agricultoras. Diante disso, o Conselho Estadual de Direitos Humanos - CEDH/MT produziu relatório com recomendação ao governador do estado para arrecadar a área para reforma agrária. Importante destacar que a própria Constituição do Estado de Mato Grosso, na Seção II, que trata “Da Política Agrícola, Fundiária e da Reforma Agrária”, atesta a competência do estado para promover a discriminação ou arrecadação de terras devolutas, afirmando, ainda, que as mesmas devem ser destinadas preferencialmente a famílias de trabalhadores rurais, que é o caso das ocupantes da área da Gleba Pelissioli:
Art. 323 Compete ao Estado promover a discriminação ou arrecadação de terras devolutas, através do órgão específico.
§ 1o As terras públicas e as devolutas discriminadas e arrecadadas serão destinadas preferencialmente a famílias de trabalhadores rurais que comprovarem não possuir outro imóvel rural, ressalvando os minifundiários, e que nelas pretendam fixar moradia e explorá-las individual ou coletivamente.
As mais de 100 famílias estão mobilizadas em resistência ao despejo na área. (Foto: João Evilson/Vip Araguaia)
A comunidade que se formou pela ocupação da Gleba Pelissioli já está bem desenvolvida e estruturada, sendo uma bacia leiteira consolidada, com refrigeradores de leite, com energia elétrica, água encanada, moradias, igrejas e mercados. As cerca de 40 crianças que residem na área estão matriculadas e frequentam regularmente as escolas municipais da região, com acesso, também, ao transporte escolar. A comunidade está organizada a partir da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Santa Terezinha – MT e as mulheres se articulam por autonomia na geração de renda, recebendo cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR.
As famílias agricultoras, há 16 anos, atribuem sentido àquela terra, constituem suas vidas, cultivam alimentos saudáveis e criam pequenos animais, pelos quais tiram seu sustento. No entanto, esta já é a terceira liminar de reintegração que enfrentam, já havendo sido despejadas outras duas vezes, em 2008 e 2014. A cada despejo, todo esse sentido de vida é violentado. "A gente vive dessa terra, a gente mora, trabalha e depende dela. Toda a nossa vida está aqui", declarou, com angústia, uma moradora. As lideranças clamam à justiça brasileira e à sociedade que olhem pelas vidas das mulheres, das mais de 40 crianças em idade escolar e bebês ainda em amamentação, das jovens famílias e de tantos trabalhadores e trabalhadoras, que têm suas existências e seu futuro profundamente ligados àquela terra, onde investiram suas vidas pelo sonho do chão conquistado, com dignidade e livres de violência.
(Foto: João Evilson/Vip Araguaia)
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