Entre os dias 28 e 30 de janeiro, na comunidade Padre Tiago, localizada no antigo Engenho Una, em Moreno (PE), aconteceu o encontro de mais de cinquenta jovens camponeses e camponesas de assentamentos da Reforma Agrária e de territórios em luta pelo direito à terra na Zona da Mata de Pernambuco. No entorno da Escola comunitária e da sede da Associação de Moradores/as, situada num casarão centenário que outrora fora Casa de Senhores de Engenho, os/as jovens montaram barracas e organizaram-se para participar do “Acampamento da Juventude Camponesa da Zona da Mata de Pernambuco.
Com uma programação repleta de debates, mutirões, trocas de experiências e muita mão na terra, o encontro reforçou a agroecologia como caminho para a permanência da juventude no campo e como prática urgente e necessária para o cuidado com a vida e com a Casa Comum. Durante os três dias de atividades, os/as jovens tiveram a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre os princípios ecológicos que servem de inspiração e base para os sistemas agroflorestais e agroecológicos. Caminharam pela floresta para observar a sucessão ecológica, aprenderam a manusear o tratorito e a roçadeira costal e implementaram uma horta agroecológica enquanto debatiam e aprendiam sobre o valor da agricultura camponesa e dos saberes da natureza e dos povos do campo. No último dia do encontro, o grupo refletiu sobre os aprendizados adquiridos, reafirmou compromissos e enfatizou a importância da organização da juventude camponesa na defesa da terra e da agroecologia.
Como símbolo desse compromisso, os/as jovens plantaram mudas nativas ao redor da Escola Comunitária e da sede da Associação. Cada comunidade participante ainda levou consigo sementes nativas cultivadas pelos agricultores e agricultoras da comunidade Padre Tiago a partir da “Escola da Terra”, espaço de aprendizado de Sistemas Agroflorestais e Agricultura Sintrópica. Esse gesto representou não apenas a continuidade da produção agroecológica, mas também o fortalecimento da aliança entre diferentes as comunidades na luta por terra, território e soberania alimentar.
Agroecologia e resistência: o campo na mão da juventude - Para Carlos Felix, jovem e agente pastoral da CPT, a iniciativa foi fundamental para fortalecer o vínculo dos/as jovens com a terra e ampliar a troca de experiências entre as comunidades da Zona da Mata. “O encontro foi algo que já estávamos planejando há muito tempo - um espaço para os/as jovens se reunirem, colocarem as mãos na terra, conhecerem outras realidades e trocarem experiências. O foco foi a agroecologia, que representa o nosso futuro, se quisermos garantir qualidade de vida para as novas gerações. Além disso, a realização do acampamento na Comunidade Padre Tiago teve um significado especial. O local é marcado por uma história de luta e resistência, além de ser referência na produção agroecológica e na organização comunitária. Toda a comunidade se envolveu, com os agricultores e agricultoras compartilhando seus conhecimentos com os/as jovens. Todo mundo saiu motivado a aumentar as práticas agroecológicas em suas áreas. Além disso, eles/elas também pediram novos encontros como esse, para continuar aprendendo e disseminando a agroecologia”, afirmou.
Joyce Kelly, jovem da comunidade Nova Canaã, em Tracunhaém, destacou como o acampamento a inspirou a levar os aprendizados para sua família. "Pudemos aprender muitas coisas e vivenciar diversas experiências. Isso me incentivou a colocar em prática no meu sítio, junto com minha avó, tudo o que aprendi. Espero que possamos ter mais encontros como esse para continuarmos aprendendo", destacou.
Já o jovem camponês Pedro Gomes Lopes da Silva reforçou que o encontro foi importante porque “aprendi que dá para fazer uma horta agroecológica de forma prática, gastando pouco tempo e trabalho e ainda cuidando muito da natureza. Nossa expectativa para o futuro é que possamos realizar outros encontros como esse e envolver ainda mais jovens", disse.
Misael José também concorda. "Foi um momento de muito aprendizado, principalmente na parte prática. Muitos jovens pensam em desistir da vida no campo e ir para a cidade, e esse tipo de encontro nos faz enxergar a importância de permanecer na terra e valorizar a agricultura”, destaca.
As investidas de latifundiários-grileiros para roubar as terras quilombolas no Maranhão são cada vez mais violentas. O Maranhão continua a figurar como um dos estados que possui o maior número de conflitos agrários em territórios de comunidades tradicionais, muitos deles resultantes em assassinatos de suas lideranças, de acordo com os relatórios da CPT – Comissão Pastoral da Terra.
No território Cancelas, localizado no município de São Benedito do Rio Preto – MA, a realidade não é diferente. A comunidade tem sido atacada recorrentemente e das mais variadas formas por grileiros. Há duas semanas, o povoado teve suas terras invadidas por 14 tratores com correntões que desmataram grande extensão de mata. Na ocasião, cerca de 70 mulheres e homens se puseram à frente das máquinas e enfrentaram os tratoristas, expulsando-os de dentro do território.
Como forma de revide, os grileiros atearam fogo na região provocando grande destruição ambiental nos locais onde os moradores utilizam para fazer seus roçados, caça e coleta de alimentos. O incêndio atingiu mais de mil hectares de mata, segundo as informações dos moradores.
Este conflito já dura alguns anos e mesmo com todas as comprovações legais de ser uma área quilombola que abriga centenas de família, o Poder Judiciário do Maranhão deferiu medida liminar a favor do fazendeiro para impedir as famílias de acessarem suas roças e fazer a coleta de coco babaçu, empurrando homens, mulheres, crianças e idosos para uma situação de fome e desalento, cenário amenizado pela solidariedade de outras comunidades e movimentos sociais que arrecadaram e doaram alimentos para as famílias. O processo judicial é acompanhado pela Defensoria Pública do Maranhão.
O episódio em Cancelas não é um ato isolado, as queimadas tem sido uma estratégia de grilagem de terra em todo o país. Na mesma semana do ato criminoso, a plataforma Monitor do Fogo, do site MapBiomas, apresentou os dados das queimadas do ano de 2024. O documento aponta o estado do Maranhão como um dos que mais houve queimadas na região amazônica.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Felipe Martenexen, da equipe do MapBiomas, enfatizou que “o fogo na Amazônia não é um fenômeno natural e não faz parte de sua dinâmica ecológica, sendo um elemento introduzido por ações humanas.”
Não sendo nenhuma surpresa, o município maranhense onde houve maior registro de focos de incêndio foi Balsas, no sul do estado, celeiro da soja e do milho, culturas introduzidas pelos conhecidos “gaúchos”, num violento processo de desmatamento, expulsão dos posseiros e das comunidades tradicionais, reafirmando que o latifúndio e o agronegócio como frutos da grilagem são os principais responsáveis pelos conflitos ambientais e agrários que afetam as comunidades maranhenses.
Não há dúvidas de que a política agrária do estado do Maranhão facilita e prioriza o latifúndio e a monocultura da soja e do eucalipto, além da pecuária extensiva desde muito tempo. Ironicamente, o Ministro da Suprema Corte Judicial Brasileira, Flávio Dino, ex-governador do estado do Maranhão, estabeleceu, na última semana, prazo para que as unidades federativas que compõem os biomas Amazônia e Pantanal apresentassem os seus planos de combate aos incêndios. No entanto, o Ministro, enquanto governador, entregou as terras maranhenses nas mãos dos latifundiários, principais envolvidos nas queimadas criminosas, tendo como principal facilitador, seu vice na época, Carlos Brandão, que é hoje o atual governador e responsável pela nova lei de terras que facilita a grilagem para entregar o restante das terras públicas aos latifundiários.
Vale lembrar que neste mesmo município, São Benedito do Rio Preto, fica a comunidade Baixão dos Rochas, que enfrentou um despejo ilegal em 2023. À época, a comunidade foi invadia no período da noite, destruíram suas plantações, as residências, casas de farinhas, mataram os animais, roubaram os alimentos, além das torturas físicas e psicológicas aos moradores que até hoje sofrem as consequências. Após o episódio, o Governo do Maranhão “pacificou” a área, regularizando cerca de apenas 30% do território para a Associação do Baixão dos Rochas, deixando o restante livre para empresas do latifúndio continuarem degradando a região com o plantio de soja.
O Governo de plantão já deixou claro de qual lado está nesta guerra. Estar com os latifundiários e grileiros!
No entanto, denunciamos publicamente aos órgãos responsáveis legalmente em investigar e punir esses crimes ocorridos no dia 23/01/2025, principalmente a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, SEDIHPOP, Delegacia Agrária, ITERMA, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Exigimos na maior brevidade possível a regularização do Território Cancelas em nome da Associação dos moradores Quilombolas de Cancelas, sob sério risco de o conflito ganhar dimensão ainda mais graves.
Centro de Defesa dos Direitos do Povo Pe. Cláudio Bergamaschi
por Vívian Marler / Assessora de Comunicação do Regional Norte 2
A ocupação indígena, que acontece há 17 dias, reivindica a revogação da lei que substitui as aulas presenciais por ensino à distância nas comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas
Na manhã desta quinta-feira (30), pastorais e organismos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB Regional Norte 2, como a Comissão Pastoral da Terra – CPT e a Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam, visitaram os povos indígenas e comunidades tradicionais que ocupam há 17 dias, de forma legítima, a Secretaria Estadual de Educação – Seduc, em Belém (PA), e reivindicam a revogação da Lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário de Educação, Rossieli Soares.
Dom José Ionilton Lisboa, presidente nacional da CPT, fez parte da comitiva, que contou com a participação de Cristiane Araújo – secretária executiva do regional, Eduardo Souza – da Repam, Francisco Alan, da coordenação da CPT Regional Pará e Articulação das CPTs da Amazônia, e representantes do Conselho dos Religiosos do Brasil – CRB, no regional norte 2.
A lei 10.820/2024 altera o modelo de ensino em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, extinguindo o Sistema de Organização Modular de Ensino – Some, e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena – Somei, substituindo as aulas presenciais por ensino à distância. As lideranças afirmam que a proposta ignora as especificidades da educação indígena e rural.
Para o presidente nacional da CPT, Dom José Ionilton Lisboa, bispo da Prelazia do Marajó, a visita teve como intuito levar o olhar da Igreja Católica: “fomos visitar levando o pensar e o olhar da Igreja Católica diante da situação, dando o nosso apoio as lideranças presentes como os indígenas, quilombolas e professores, que irão se manter no movimento proposto pelos grupos, porque as tentativas de reuniões com o Estado não avançaram”.
Questionado sobre o que encontrou ao chegar na Seduc, Dom Ionilton respondeu que os grupos estão bem-organizados e firmes em seus propósitos “Na visão dos grupos essa lei prejudica, na visão do movimento, aos professores em geral e aos professores que trabalham dos territórios, no caso dos quilombolas e os que trabalham nas aldeias indígenas alterando elementos de direitos dos professores e alterando a forma de fazer a educação dos indígenas e quilombolas”, explicou o bispo.
“Esse é o retrato do pouco do que nós vimos hoje pela manhã. O que fica de ensinamento para todos nós é a grandeza de quando se olha a consciência dos direitos e luta por eles. Acho que seria importante perceber isso. A organização. Eles estão bem, muito bem-organizados. É uma ocupação pacífica, mas há uma tentativa de fake news circulando aí as redes sociais o que não pode ocorrer. Não houve quebra da depredação do patrimônio. Os grupos são muito bem conscientes da importância do patrimônio público e de sua conservação. Eles estão com muita clareza e cobrando, inclusive as lideranças, cobrando das outras pessoas que respeitem o espaço”, contou Dom Ionilton sobre sua conversa com as lideranças.
Como presidente da CPT, secretário da REPAM e bispo da Prelazia do Marajó, Dom José Ionilton espera que o Governo possa atender as reivindicações “esperamos que os governantes sejam sensíveis as questões dos indígenas e quilombolas, e dos professores. O governo do Pará, que está se preparando para a COP 30, que tocará no assunto Amazônia, na Preservação da Amazônia, direito dos povos que estão na Amazônia, que respeitem esses grupos. A nossa esperança é para que quem está do outro lado, possa pensar melhor. Inclusive porque a lei foi feita de uma forma inadequada, sem discutir com as lideranças das aldeias indígenas e territórios dos povos tradicionais para conhecer melhor suas necessidades”, finalizou Dom Ionilton.
A primeira reunião, que aconteceu na quarta-feira (29), no Palácio do Governo, entre o Governador do Pará, Helder Barbalho, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajará, e as lideranças, a negociação terminou sem acordo. Diante disso os povos indígenas se mantem reivindicando seus direitos, na sede da Seduc.
Confira também o Manifesto de Apoio da CPT Regional Pará, publicado no último dia 15/01, em apoio aos povos indígenas, na luta pela educação de qualidade nas comunidades.
Seminários, panfletagens, debates e exibições de filmes sobre a temática estão entre as ações realizadas por diversas regiões do País
Atividade em Araguaína (TO)
Na ocasião do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, instituído no dia 28 de janeiro em memória da Chacina de Unaí, quando auditores fiscais sofreram uma emboscada e foram assassinados, regionais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) promovem eventos e ações para a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, entre os dias 27 de janeiro e 02 de fevereiro.
A partir destas iniciativas, os agentes pastorais e voluntários da CPT buscam alertar sobre a persistência deste crime no Brasil e conscientizar a população para ficar de olho aberto contra esse crime.
Ceará
Na segunda-feira (27), em Fortaleza, a CPT Ceará deu início às programações com o seminário “Trabalho Escravo Contemporâneo: Desafios e Perspectivas para a sua Erradicação nos 30 anos do Grupo Móvel". O evento contou com a parceria da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Secretaria dos Direitos Humanos do Estado do Ceará (SEDIH).
O Frei Xavier Plassat, agente da CPT Araguaia-Tocantins e membro da coordenação da campanha da CPT “De olho aberto para não virar escravo”, esteve presente no seminário, ao lado de Maurício Krepsky e Sérgio Carvalho, auditores fiscais do trabalho, e a Dra. Christiane Nogueira, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Juntos, refletimos sobre os desafios e perspectivas para erradicar o trabalho escravo em nosso estado e país, como também os avanços realizados pela CPT, com a Campanha de Olho Aberto para Não Virar Escravo, e Rede Móvel”, explicou Francisco Silva, coordenador da regional cearense.
No dia 28, a equipe da CPT-CE no município de Sobral, realizou a roda de conversa "30 anos do combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil - Lições e perspectivas”, no Auditório da OAB-Sobral. O evento fez parte contou com o apoio da OAB Sobral - Comissões da Igualdade Racial e Direitos Humanos.
O momento contou com participação do Frei Xavier Plassat, Igor Barreto de Menezes Pereira, defensor público do Estado do Ceará e membro da Rede um Grito pela Vida Núcleo SIT/Sobral, e também de trabalhadores resgatados dos municípios de Pacujá e Jijoca.
O público presente incluía agentes da CPT, CEBs, Cáritas, pastorais sociais, membros das comissões da igualdade racial, direitos humanos, professores, membros da RGPV e estudantes.
Na quarta-feira, a regional realizou uma roda de conversa na Comunidade Quilombola de Batoque, no município de Pacujá. O momento contou com a presença de jovens da Escola Camponesa de Juventude e também de lideranças locais.
As atividades continuam até o dia 30 de janeiro, com incidências em rádios e programas de televisão. A equipe de agentes do regional cearense vai conceder entrevistas sobre a temática do trabalho escravo nas Rádios de Sobral (CE).
Tocantins
Na manhã de terça-feira (28), a CPT Tocantins realizou uma Blitz Educativa no posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) do município de Araguaína (TO), em parceria com o Núcleo de agroecologia da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) e a Casa da Capoeira.
“Estamos aqui, mais uma vez, distribuindo panfletos para conscientizar a população sobre o trabalho escravo. Muita gente no nosso Brasil, no nosso Tocantins é submetida a trabalhos análogos à escravidão”, declarou Lucivaldo Pereira, liderança da articulação camponesa. O regional ainda seguiu com a panfletagem na Rodoviária do município na quarta-feira (29).
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“Foi uma satisfação enorme, para nós, da área de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal, ter participado desta ação juntamente com a Pastoral da Terra. A PRF, órgão do Governo Federal, combate de maneira eficaz o trabalho escravo, podem contar conosco nestas ações”, afirmou o policial rodoviário do escritório de Direitos Humanos da PRF no estado do Tocantins, Marcos Gomes.
As atividades do regional tocantinense seguem até o sábado (01), com formações e distribuição de panfletos no Mercado Municipal de Araguaína, em parceria com a Casa de Capoeira. No dia 11 de fevereiro, a equipe da CPT no estado conduzirá uma caminhada contra o trabalho escravo no município de Muricilândia (TO).
Pará
Ainda no último dia 27, a equipe da CPT Pará, juntamente com estudantes do Centro Acadêmico de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), realizou panfletagem e distribuição de materiais educativos sobre trabalho escravo no Terminal Rodoviário do município de Xinguara (PA). Os agentes pastorais e estudantes também realizaram ações em estabelecimentos comerciais nos arredores da rodoviária.
“Apesar de ser um tema pouco falado, as pessoas têm uma consciência, mesmo que silenciosa, sobre as violações que ocorrem aqui. Então, ficou óbvio para mim que as pessoas tinham essa disposição em se informar melhor. Foi gratificante”, relatou Eric Luciano Goltara, estudante do curso de história da Unifesspa, à CPT.
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No dia 30, Marabá recebeu o seminário “Combate ao Trabalho Escravo nas regiões Sul e Sudeste do Pará”, realizado na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Organizado pelo MPT, Unifesspa, CPT-PA, OAB, Sódireitos, Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA (CCTE) e TRT - 8° Região, o seminário contou fala da agente da CPT Thaiane Sousa, onde foi apresentada a estratégia Raice desenvolvida no município de Itupiranga (PA). A Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão (Raice) é um projeto desenvolvido pela Pastoral que busca articular sociedade civil, órgãos públicos e comunidades no combate ao ciclo do trabalho escravo.
As ações continuam até a próxima sexta-feira (31), com seminários, entrevistas, distribuição de materiais, exibição de filmes e panfletagem.
Minas Gerais
A CPT regional Minas Gerais, em parceria com a Cáritas Brasileira-MG e outras organizações e movimentos sociais, participou da transmissão “Trabalho Escravo Hoje: Relatos e Reflexões para o Combate”, no último dia 28. O momento contou com os depoimentos e histórias de trabalhadores e trabalhadoras resgatados, além de informações sobre a identificação e denúncia dos casos de exploração.
O Momento também contou com o depoimento de Madalena Gordiano, trabalhadora resgatada em 2020 no município mineiro de Patos de Minas, após passar 38 anos em condição análogas à escravidão em uma residência.
“É importante fazer a discussão dessa questão do trabalho escravo no Brasil, uma vez que os números só aumentam, e é importante salientar – no nosso caso de Minas Gerais – que, durante 10 anos, entre 2013 e 2023, nós fomos o estado onde houve maior número de resgates e fiscalização de trabalho escravo”, ressaltou Waldeci Campos, coordenador da CPT-MG.
Amazonas
No estado do Amazonas, a CPT também participou de ações de conscientização e defesa das vítimas de trabalho escravo, por meio da distribuição de materiais informativos, no Santuário Nossa Senhora Aparecida, em Manaus (AM), na terça-feira. A iniciativa foi conduzida em parceria com a rede Um Grito pela Vida – da qual a Irmã Michele da Silva, que esteve presente, é articuladora –, a Arquidiocese de Manaus, a Equipe Itinerante, o Pároco José Amarildo e o Padre Geraldo Bendaham.
No mesmo dia, Osvaldina Pinheiro, da CPT Amazonas, concedeu uma entrevista à Rádio Rio Mar, no programa Arquidiocese em Notícias, a respeito da negligência com a questão do trabalho escravo no estado. “É preciso ter essa ‘Rede’ para acompanhar o trabalho escravo porque ele existe, só que, às vezes, não se percebe por falta de conhecimento”, declara Osvaldina em entrevista.
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Bahia
Em Salvador, a população pôde acompanhar a Caminhada do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, manifestação realizada na manhã do dia 28. Com concentração ao lado da Igreja da Vitória e seguindo rumo à Praça do Campo Grande, a atividade foi organizada pela Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia (Coetrae-BA).
A manifestação reuniu cerca de 200 pessoas ligadas aos órgãos públicos e sindicais afeitos e às entidades da sociedade civil representadas na Coetrae-BA, da qual a CPT-BA faz parte.
“É a primeira vez que algo do tipo, com este tema do trabalho escravo contemporâneo, acontece em Salvador. O que não deixa de ser sintomático: o recrudescimento da atividade criminosa. O roteiro seguido não é usual deste tipo de manifestação popular de rua, em Salvador, concentrar-se no Largo da Vitória e percorrer o Corredor da Vitória até o mais central Campo Grande – o objetivo, creio eu, era que o grito “Não ao Trabalho Escravo” ressoasse num bairro rico da cidade”, explica Ruben Siqueira, agente da CPT na Bahia.
Na luta pela conscientização
Ao longo da semana, outras regionais também levam o debate sobre o trabalho escravo para o público de suas regiões. A regional Mato Grosso, irá realizar a exibição do filme “Pureza” no barracão da Igreja Católica, no município de Porto Alegre do Norte (MT).
No Mato Grosso do Sul, será realizado das 14h às 17h, no dia 31/01, o Seminário “Combate ao Trabalho Escravo no MS: Histórico, Desafios e Perspectivas”, em Campo Grande (MS). A atividade, que ocorrerá no Auditório do Ministério Público do Trabalho (MPT), é uma iniciativa da Coetrae/MS, juntamente com a CPT-MS e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Nos dias 01 e 02 de fevereiro, a CPT MS promove ainda a exibição do filme "Pureza” com oficinas e debate nos municípios de Corumbá – na Comunidade Santo Antônio do Assentamento Taquaral – e Três Lagoas – na ocupação urbana São João.
Entre os dias 24 e 26 de janeiro de 2025, no território do povo Puruborá, que resiste e luta por sua demarcação, reuniu-se uma rica diversidade de vozes: juventude, sabedores, anciãs, crianças e mulheres. Esse encontro marcou a última etapa da jornada regional de educomunicação “Somos as Vozes da Terra, das Águas e Florestas”, uma iniciativa fortalecida pelo apoio do Fundo Casa, Fundo Brasil, CESE e Misereor.
(Foro: Aurélio Oro Waram)
A jornada de educomunicação, sonhada e construída pelo coletivo de juventude da Rede dos Povos de Rondônia, é um elo vivo entre jovens lideranças que lutam pela terra, pelo território e pelos direitos de suas comunidades. Dividida em três etapas, essa caminhada se fortalece, tecendo alianças com a CPT Rondônia, o grupo Rádio, Educação e Cidadania (REC), o Comitê de Defesa da Vida na Bacia do Rio Madeira (COMVIDA), o Coletivo Mura, a ASAEX, a Associação Maxajã e o ICMBio – Unidade Guajará-Mirim. A cada encontro, saberes e resistências se entrelaçam, construindo um movimento coletivo de voz e transformação.
“Eu, como Jovem extrativista, venho dizer a importância da jornada de Educomunicação para a nossa forma de se expressar como um povo tradicional dessa rede, trazendo novos conhecimentos passados durante a jornada com muita atenção, carinho, alegria e bastante energia positiva, fortalecendo a cultura e a troca de novas experiências, seja ela a cultura religiosa, extrativista, originária, ribeirinha, quilombola, capoeira e outros territórios presente nessa teia da jornada de Educomunicação e também a própria energia do território que foi muito forte nessa última etapa trazendo inspirações para irmos para a luta por nossos direitos” (Felipe, jovem liderança da RESEX Rio Ouro Preto, membro do CROPS, CPT e COMVIDA)
(Foto: REC)
Memória de Vida
Na primeira etapa da jornada, os participantes imergiram nas RESEX Piquiá e Castanheira. Ali, a juventude vivenciou o cotidiano de territórios extrativistas que resistem às ameaças de madeireiras, à financeirização da floresta e às constantes violações socioambientais e humanas. Descobriram um lugar pulsante de vida, visitando as prensas de borracha, conhecendo as facas tradicionais de corte da seringueira e sapatos feitos do látex e se encantando com a sociobiodiversidade: castanheiras, seringueiras, babaçuais e a rica cultura dos seringueiros.
(Foto: coletivo de juventude)
“O que mais marcou essa etapa foi a presença imponente da árvore seringueira, símbolo da relação histórica e de subsistência das comunidades com a natureza. A seringueira é não apenas fonte de trabalho e renda, mas também um ponto de resistência e sobrevivência diante das pressões externas sobre a floresta.” (Jheniffer Puruborá)
(Desenho feito pelo jovem Gabriel, na RESEX Piquiá)
A segunda etapa levou o grupo à RESEX Rio Ouro Preto, onde foram acolhidos por trilhas cheias de histórias e pela força dos rios, das florestas e da cultura que conecta o povo às suas raízes. Foi nesse cenário que o grito da juventude ecoou ainda mais alto, em uma forte aliança com o Coletivo Rio Ouro Preto Sustentável (CROPS), uma potência que inspira novas gerações da reserva e carrega a esperança.
(Foto: coletivo de juventude)
“Na segunda etapa, também em uma reserva extrativista, a conexão com o rio foi o que mais nos impactou. O rio não é apenas um recurso hídrico, mas uma via de vida, um espaço de convivência e de preservação das práticas culturais. Nesse local, também tivemos a oportunidade de conviver com os povos indígenas, que compartilham de uma visão de mundo profundamente conectada à natureza.” (Jheniffer Puruborá)
A vivência dessas duas etapas sensibilizou profundamente o grupo. Cada encontro foi marcado pelo registro da memória de vida dos territórios, partilhada pelos sabedores e sabedoras que conectaram seus corações e histórias à juventude. Nesse processo, reconheceram-se como protagonistas de uma história que brota do chão, das árvores, dos rios e da resistência de seu povo.
(Foto: REC)
Como fruto dessa experiência transformadora, nasceu a ideia de criar uma cartilha, um documento vivo para preservar e compartilhar as memórias das vidas tocadas pela jornada, a partir do registro de falas, histórias, lugares sagrados e a luta de cada território que acolheu a jornada. Mais do que uma publicação, essa cartilha se torna um testemunho do compromisso coletivo com a história, a cultura e a resistência de cada território.
Em cada etapa a juventude construía os fios de memória a partir de desenhos feitos por suas próprias mãos, resgatando suas identidades, envolvimento e pertença para contar a história que vêm de nossas vivências e é tecida no seio do povo e pelo povo. Foi possível, assim, realizar uma troca de sentidos e sentimentos sobre as vidas reencontradas em cada jornada, que será nos próximos passos, compartilhada e publicizada.
Brasil terra indígena, marco temporal não!
(Foto: Roberto Ossak)
Essa frase marca a última etapa, realizada no contexto de luta indígena pela demarcação dos territórios. O encontro aconteceu na aldeia Aperoi do povo Puruborá. Em meio a dias de intensa chuva com o inverno amazônico, a juventude foi agraciada por dias de forte sol, que, para nós, representa a força divina irmanada em cada espírito e o desejo de lutar.
Os tambores ressoavam a cada amanhecer e anoitecer, os maracás moviam corpo e alma em celebração à espiritualidade da floresta. Os berimbaus traziam alegria, enquanto o canto e o gingado celebravam a união de todos os povos: indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e populações tradicionais de terreiro.
“A última etapa aconteceu na minha aldeia, onde recebi essa jornada com um sentimento de acolhimento e união. O que mais marcou esse momento foi a união dos povos – indígenas, extrativistas, quilombolas, pessoas de terreiro e outros povos tradicionais – em torno de um propósito comum: a defesa de nossos territórios e modos de vida. Foi uma celebração da diversidade cultural e da resistência, onde, através da comunicação, conseguimos ecoar nossas vozes e fortalecer nossa luta em um cenário global que muitas vezes tenta silenciar nossas histórias.” (Jheniffer Puruborá)
(Foto: Aurélio Oro Waram)
Educomunicação: vozes da terra, das águas e florestas
Para visibilizar os anúncios e denúncias a partir dos territórios, foram realizadas formações em educomunicação junto ao grupo REC da Universidade Federal de Rondônia, um coletivo que tem buscado lutar junto às comunidades tradicionais e originárias por meio da comunicação e educação popular. Partilhando vivências, histórias, sentimentos e espiritualidade, foram meses de troca de saberes sobre a comunicação popular e comunitária como forma de empoderar nossas vozes.
Com isso, foi possível construir oficinas sobre fotografia e podcast, ferramentas que se tornaram flechas para nós, instrumentos de luta nas mãos dos povos. Na terceira etapa, o encontro possibilitou que diversos grupos de diferentes gerações e territórios se conectassem em torno de temas fundamentais para avançar na resistência.
“Essa jornada foi de grande importância, pois nos permitiu entender que a comunicação não é apenas uma ferramenta de troca de informações, mas uma forma de resistência e afirmação de identidade.” (Jheniffer Puruborá)
Entre os temas discutidos estavam a demarcação dos territórios, proteção de defensores, privatização dos rios, auxílio e bolsa verde para extrativistas, a campanha “De olho aberto para não virar escravo”, capoterapia, luta contra a intolerância religiosa e contra os agrotóxicos. A partir desses debates, serão divulgados pelo menos 8 podcasts feitos pelas vozes envolvidas na construção, amplificando os resultados dessa união e resistência coletiva.
(Foto: Aurélio Oro Waram)
"A partir da jornada pudemos conhecer novos caminhos, novos conhecimentos, se comunicar, mostrar um pouco mais da nossa cultura religiosa, onde a gente foi bem recebido, todos participaram, mostraram que a diversidade é boa, a sociedade nos aceitou. E isso é bom porque a gente teve um lugar onde a gente pôde falar, onde a gente pôde mostrar a nossa fala, mostrar o que somos, o que realmente somos. Ninguém teve medo de se impor, ninguém teve nenhum preconceito, lutando por demarcação e pelas nossas culturas." (Heloisa Gomes, representante do povo de terreiro)
(Foto: Roberto Ossak)
Joabe Cruz e Serginho Mura, Semente!
(Foto: acervo pessoal de Sérgio Mura)
Durante o encerramento realizamos um ato simbólico com plantio de mudas de mutamba, representando o elo entre as comunidades que receberam as etapas das jornadas e povos e aliados envolvidos nas lutas com a juventude e a Rede dos Povos.
(Foto: Roberto Ossak)
“Ao final da jornada, juntos, plantamos árvores, primeiro para colaborar com a Mãe Natureza com a mãe terra, nesse cuidado para renovar o ar puro que precisamos para viver, segundo como gesto de unidade entre os diferentes povos e comunidades tradicionais, que apesar das diferenças nos mantemos Unidos para a luta contra o etnocídio, contra a destruição do meio ambiente, contra tudo o que destrói a vida. Seguimos fortalecidos fazendo ecoar as nossas vozes em favor do Bem Viver” (Berenice Azevedo, conselheira da CPT-RO)
Foi nesse momento que selamos nossas lutas, sonhos e reivindicações pela proteção e defesa de nossos corpos e territórios, lembrando a presença profunda de nossa juventude das lutas, ecoando os nomes de Joabe Oliveira da Cruz, extrativista filho de nossa liderança Vera Oliveira da Cruz, que deixa um legado marcante para a luta da juventude.
(Foto dos agradecimentos em memória que foi entregue a família de Joabe)
Juventude empoderada, fortalece a educomunicação popular!
Durante as etapas da jornada, a juventude esteve empoderada para consolidar uma formação potente na comunicação popular e comunitária. Dessa maneira, foi possível garantir a certificação e envolvimento de mais de 90 jovens, lideranças, aliados com rodas de conversa, oficinas, vivências culturais e troca de saberes sobre comunicação popular e comunitária nos territórios.
“Essa jornada foi um exemplo real e concreto de união, comprometimento e colaboração mútua entre diferentes sujeitas e sujeitos viventes nos territórios da nossa Amazônia. O ‘com’, o comum, o comunitário, a comunicação, se fizeram presentes para reverberação da denúncia e do anúncio de proteção das paisagens amazônicas, e para fortalecer os ecossistemas comunicativos de cada povo presente em nossa caminhada nesse projeto. Que as sementes da Jornada Regional de Educomunicação floresçam e se multipliquem na vida e ação de cada uma e cada um, em suas individualidades e na totalidade de seus espaços de luta. Esperancemos!”, reflete a professora Evelyn Morales, coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Rádio Educação Cidadania (REC), da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Assim, o coletivo de juventude da Rede dos Povos de Rondônia sela o compromisso e o ânimo de lutar, com seus rostos, corpos, territórios e vozes, contra qualquer silenciamento, opressão e violência para o hoje e o amanhã. A juventude encerrou o plantio com a declamação do poema:
Violências e insegurança jurídica marcam a trajetória de luta pela Reforma Agrária de centenas de famílias. Área da União é explorada por grileiros com influência política e econômica para seguirem impunes.
Em Jaciara, Mato Grosso, 198 famílias acampadas na Gleba Mestre I vivem sob a constante ameaça de despejo. A Gleba Mestre I, área pública pertencente à União e destinada à reforma agrária, é alvo de disputas jurídicas devido à influência de grileiros e empresas que se apropriaram ilegalmente da terra.
Entre os dias 29 e 31 de janeiro, a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso realizará um julgamento decisivo para o futuro dessas famílias. Enquanto ocorre o julgamento, as 198 famílias se mobilizam em frente ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso na esperança dos desembargadores reconhecerem a legitimidade da União sobre a área.
A Gleba Mestre I faz parte do patrimônio da União desde 1984, conforme processo conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). No entanto, ao longo dos anos, a área passou a ser reivindicada por empresas privadas, que alegam posse da terra com base em matrículas de propriedade que, segundo a União, foram abertas de forma fraudulenta no Cartório de Registro de Imóveis de Jaciara.
Entre os principais envolvidos nesse contexto jurídico estão os Irmãos Naoum, a Usina Pantanal, Porto Seguro Negocios Empreendimentos E Participações S/A e o Grupo Bom Jesus, que, segundo documentos da União, os dois primeiros teriam ocupado a área ilegalmente e registrado títulos de posse que não possuem respaldo legal. Essas matrículas, posteriormente, foram incluídas como ativos em um processo de recuperação judicial das usinas Jaciara e Pantanal, onde a empresa Porto Seguro foi a arrematante da Unidade Produtiva Isolada (UPI), criada para supostamente pagar os credores das Usinas Pantanal e Jaciara.
Além de ilegal a inclusão de terras públicas da União para compor a UPI, a empresa Porto Seguro assim que tomou posse da área, depredou o patrimônio, arrendou ao Grupo Bom Jesus, e nunca pagou por isso, e hojeé quem busca legalizar a posse das terras através de processos judiciais, mesmo com evidências de fraudes e descumprimento de obrigações contratuais, de acordo com avaliação jurídica feita pela Comissão Pastoral da Terra de Mato Grosso (CPT/MT), e das defesas e documentos apresentados pela Advocacia Geral da União.
As famílias que vivem acampadas na Gleba Mestre I ocupam a área há mais de 20 anos e dependem da terra para sua subsistência. Eles produzem uma grande variedade de alimentos que são comercializados principalmente em Jaciara, Juscimeira, Rondonópolis, Cuiabá e região. Estas famílias, mesmo sem nenhum incentivo do governo, por não serem assentadas, conseguem produzir e sobreviver com o que plantam, abastecendo a mesa de diversas pessoas da região.
A União já obteve decisões favoráveis na Justiça Federal, que reconheceram sua propriedade sobre a Gleba Mestre I, avaliada em meio bilhão de reais, além de antecipar os efeitos da sentença para garantir sua posse sobre a área. O Mandado de Imissão na Posse, expedido em favor da União, foi cumprido no começo de 2024. Para a CPT/MT, essa decisão judicial evidencia que a terra está sendo ilegalmente explorada por grupos que não contribuem financeiramente para os cofres públicos nem quitam suas dívidas com credores. Além disso, faz-se uso indevido de um bem público para obtenção de benefícios privados, sustentado por disputas jurídicas complexas no âmbito do Poder Judiciário.
Um novo desdobramento jurídico ameaça os acampados. De acordo com a análise da CPT/MT, o processo judicial em tramitação na Justiça Estadual, na Vara de Falência, incluiu indevidamente terras públicas como parte de um ativo em recuperação judicial. Além dessa irregularidade, o arrematante da área, a empresa Porto Seguro, não cumpriu as obrigações assumidas no contrato de arrendamento e, há mais de 10 anos, faz uso do bem público sem repassar os valores devidos ao Grupo Naoum e à Usina Pantanal. Consequentemente, os credores, em sua maioria trabalhadores, seguem sem receber pelos serviços prestados, apesar de anos de reivindicação por seus direitos.
“Diante de decisões judiciais conflitantes, uma da Justiça Federal, que reconhece a Gleba Mestre I como propriedade da União, e outra da Vara Estadual de Falência, que homologou o Plano de Recuperação Judicial prevendo o arrendamento da Unidade Produtiva Individual (UPI), incluindo terras públicas federais, instaurou-se um impasse jurídico. Ao converter a recuperação judicial em falência, após mais de 10 anos sem que os credores fossem pagos, a Justiça Estadual manteve a essencialidade da UPI, apesar desta nunca ter cumprido sua finalidade de gerar recursos para o pagamento das dívidas”, reforçou análise jurídica feita pela CPT/MT.
Devido ao impasse jurídico, o juiz da Vara de Falência levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para definir qual instância deveria decidir sobre a posse da terra. De maneira controversa, o ministro relator do caso determinou que a decisão caberia ao Juízo Falimentar.
Julgamento Decisivo
Entre os dias 29 e 31 de janeiro, a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso julgará um recurso apresentado pela União na Justiça Estadual. O principal aspecto em análise é a essencialidade dos bens incluídos na Ação de Falência, que atualmente compõem a Unidade Produtiva Isolada (UPI), onde a União pleiteia que a essencialidade seja retirada sobre as áreas que são públicas.
A Porto Seguro argumenta que adquiriu os direitos de arrendamento da terra no processo de recuperação judicial e, por isso, teria legitimidade para reivindicar a posse. No entanto, a União contesta essa alegação, afirmando que a venda de ativos incluiu terras públicas de maneira irregular, já que áreas pertencentes à União não podem ser comercializadas sem a devida autorização legal.
A decisão da Justiça Estadual pode agravar ainda mais a situação das famílias acampadas, que temem ser removidas da terra onde construíram suas vidas. “Estamos aqui há mais de 20 anos, plantando, criando nossos filhos. A terra é pública, e a gente só quer o direito de continuar vivendo e trabalhando aqui”, afirma uma das lideranças das famílias acampadas, que preferiu não ser identificada por questões de segurança.
Interesses Econômicos vs. Reforma Agrária
O caso da Gleba Mestre I não é isolado. Em diversas partes do Brasil, comunidades de trabalhadores rurais enfrentam conflitos com grandes empresas e grupos de influência política que tentam se apropriar de terras públicas para fins privados. Em muitos casos, essas disputas são marcadas por decisões judiciais que favorecem os grandes empresários, deixando os trabalhadores em situação de vulnerabilidade.
Segundo a CPT/MT, a estratégia utilizada pelos grileiros neste caso segue um padrão conhecido: primeiro, registra-se ilegalmente uma área pública como propriedade privada; depois, esses títulos são utilizados em negociações financeiras, incluindo processos de recuperação judicial ou venda de ativos; por fim, com base nesses registros, busca-se a posse da terra por meio da Justiça estadual.
“O que temos aqui é um processo clássico de grilagem de terras públicas, onde documentos irregulares foram utilizados para tentar dar legitimidade a um esquema que, na prática, busca expulsar pequenos produtores de uma área destinada à reforma agrária”, afirma a coordenação regional da CPT/MT que acompanha o caso.
O Destino das 198 famílias
Com o julgamento se aproximando, cresce a mobilização de movimentos sociais e organizações de defesa dos trabalhadores rurais para garantir que as famílias não sejam despejadas injustamente. A expectativa é que a União continue a recorrer de qualquer decisão que tente legitimar a posse privada da Gleba Mestre I.
No entanto, para as 198 famílias acampadas, o tempo corre contra. Muitas já sofreram tentativas de despejo e vivem sob o medo constante da remoção forçada. “Querem tomar a nossa terra sem qualquer justificativa legal. O que está em jogo aqui é a dignidade das famílias que lutam para sobreviver”, denuncia um acampado.
A decisão judicial pode marcar um ponto de virada na história da Gleba Mestre I. Se a Justiça Estadual decidir em favor dos grileiros, validando os indícios de fraudes processuais, as famílias poderão ser despejadas da terra que reivindicam há décadas. Se a decisão for favorável à União, pode ser estabelecido um precedente importante para a proteção de terras públicas destinadas à reforma agrária.
O caso da Gleba Mestre I reflete um embate que vai além do município de Jaciara. Trata-se de um capítulo a mais na luta pelo direito à terra no Brasil, um país onde os interesses do agronegócio e do capital frequentemente se sobrepõem aos direitos das comunidades que historicamente dependem da terra para viver.
Entenda os pontos da luta pela terra deste caso com base nos documentos de acompanhamento jurídico organizados pela CPT/MT.
O que aconteceu?
A Terra é Pública
A Gleba Mestre I é oficialmente da União Federal e foi registrada assim desde 1984.
Essas terras foram identificadas como públicas por meio de um processo realizado pelo INCRA.
Ocupação Ilegal
Empresas privadas e indivíduos (Irmãos Naoum e Usina Pantanal de Açúcar e Álcool LTDA) ocuparam ilegalmente a área.
Mesmo sendo notificados para saírem, continuaram explorando as terras.
Ações na Justiça
O INCRA processou os ocupantes ilegais, mas perdeu o caso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região porque o tribunal entendeu que o INCRA não tinha legitimidade para reivindicar terras públicas.
Então, a própria União Federal entrou com um novo processo em 2012 e, dessa vez, ganhou. O tribunal determinou que a União Federal retomasse a posse das terras.
Fraude nas Matrículas das Terras
Os Irmãos Naoum falsificaram registros imobiliários, criando documentos que indicavam falsamente que a Gleba Mestre I era propriedade privada.
Com esses documentos falsos, eles incluíram as terras como parte dos bens da empresa Usina Pantanal, que estava em recuperação judicial.
Leilão Fraudulento
Em 2014, essas terras foram incluídas num leilão de ativos da empresa Usina Pantanal, como se fossem bens privados.
A empresa Porto Seguro Negócios Imobiliários S/A arrematou os supostos "direitos de arrendamento" sobre essas terras por R$ 200 milhões.
Impacto nas Famílias Sem Terra
Há cerca de 198 famílias sem terra que ocupam aproximadamente 400 ha e reivindicam os mais de 5 mil ha para fins de Reforma Agrária há mais de 20 anos, e mais uma vez correm o risco de despejo por conta das decisões tomadas na recuperação judicial da Usina Pantanal.
Decisão Judicial Recente
A Justiça Federal determinou que as terras voltassem para a União, mas o juízo da recuperação judicial suspendeu essa decisão, argumentando que os "direitos de arrendamento" são essenciais para a recuperação da Usina.
O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu que houve fraude e conflito de competência, mas manteve o caso na Justiça Estadual da recuperação judicial.
O que isso significa na prática?
A União quer retomar a posse das terras públicas e cancelar os registros fraudulentos.
Empresas privadas usaram documentos falsos para simular a posse da terra e revendê-la.
A Justiça Estadual de recuperação judicial permitiu que as terras públicas fossem leiloadas, contrariando a decisão da Justiça Federal.
Cerca de 198 famílias de trabalhadores rurais estão ameaçadas de despejo, pois a empresa arrematante quer ficar com a terra.
A União está tentando reverter essa situação e garantir que a terra continue sendo pública
Linha do Tempo dos Acontecimentos
1971 – Decreto 1.164/71 determina que terras devolutas (sem dono registrado) até 100 km das rodovias federais na Amazônia Legal passem para o patrimônio da União Federal.
1984 – O INCRA conclui o processo de reconhecimento da Gleba Mestre I como terra pública da União e registra a área oficialmente no Cartório de Jaciara/MT.
Década de 1990 – Os Irmãos Naoum adquirem terras da Gleba Mestre I de antigos ocupantes, mesmo sabendo que elas ainda não estavam regularizadas.
2003 – O INCRA descobre que os Irmãos Naoum e a Usina Pantanal ocupavam ilegalmente a área e entra com uma ação judicial para recuperar a terra (processo nº 0017135-22.2003.4.01.3600).
A ação foi ganha na 1ª instância, mas foi extinta pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que alegou que o INCRA não era parte legítima para reivindicar terras da União.
2004 – A ocupação irregular continua, e as terras seguem sendo exploradas ilegalmente pelos grileiros.
2012 – A União Federal entra com um novo processo (ação reivindicatória nº 0004393-34.2012.4.01.3602), agora diretamente na Justiça Federal, para recuperar a Gleba Mestre I.
A União vence o processo e recebe uma decisão favorável com antecipação de tutela, ou seja, poderia retomar a terra imediatamente.
2014 – Fraude e Leilão Ilegal
A Usina Pantanal, que estava em recuperação judicial, inclui a Gleba Mestre I em um leilão de ativos, mesmo sem ter a posse legal das terras.
A empresa Porto Seguro Negócios Imobiliários S/A arremata os supostos “direitos de arrendamento” sobre a Gleba Mestre I por R$ 200 milhões, com pagamentos divididos em 12 prestações anuais.
O STJ posteriormente invalidou esse Plano de Recuperação Judicial, mas o juízo da recuperação manteve a arrematação.
2018 – Quando a União tenta recuperar a posse da terra, a empresa Porto Seguro entra com embargos de terceiro (processo nº 1000620-58.2018.4.01.3602), alegando que tinha comprado os direitos no leilão da Usina Pantanal.
2019 – A Justiça Federal confirma que os registros de propriedade usados pela Usina Pantanal eram fraudulentos. A União tenta cancelar os registros e retomar a área.
2021 – A União entra com uma nova ação civil pública (processo nº 1003339-08.2021.4.01.3602) para anular definitivamente os registros de propriedade ilegais e impedir que os ocupantes ilegais continuem explorando a terra.
2023 – Decisão judicial em conflito
A Justiça Federal reafirma que a terra pertence à União e que os registros imobiliários usados para o leilão eram falsos.
No entanto, a Justiça Estadual de recuperação judicial suspende a decisão e mantém a posse das terras com a Porto Seguro, alegando que as terras são essenciais para a Usina Pantanal.
O STJ reconhece o conflito de competência, mas mantém o caso no juízo da recuperação judicial, complicando a retomada das terras.
Janeiro 2025 – A União segue tentando reverter essas decisões e garantir que as terras públicas não sejam usadas ilegalmente por empresas privadas. Enquanto isso, cerca de 198 famílias sem terra vivem na área e correm risco de despejo.
O que isso mostra?
Houve uma fraude na regularização de terras públicas, o que permitiu que fossem usadas ilegalmente no processo de recuperação judicial da Usina Pantanal.
A União já venceu processos para recuperar a terra, mas a Justiça Estadual da recuperação judicial suspendeu essas decisões.
Cerca de 198 famílias podem ser despejadas por causa desse conflito entre as decisões da Justiça Federal e da Justiça Estadual da recuperação judicial
Agora a questão central é se a União conseguirá retomar a terra ou se a decisão da recuperação judicial permanecerá valendo, validando as evidências fraudulentas dos grileiros.