COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Foto: Terra de Direitos / Divulgação

Por Lanna Paula Ramos (Comunicação Terra de Direitos)

Parecer técnico critica avaliação de impactos socioambientais e a governança territorial do projeto que visa ligar Centro-Oeste à Amazônia

O projeto da ferrovia EF – 170, conhecida como Ferrogrão, ganhou mais um capítulo. Especialistas lançaram nesta quinta-feira (20), na Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém, estudo técnico independente que aponta as inconsistências e os altos riscos de impactos socioambientais da construção da linha férrea que prevê criar um corredor logístico para escoamento da produção graneleira de Sinop (MT) até os portos em Miritituba (PA). Coordenado pelo Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), o parecer técnico contou com diversos especialistas, entre eles as assessoras jurídicas da Terra de Direitos, Suzany Brasil e Bruna Balbi, e José Raimundo Santana, advogado Popular da Comissão Pastoral da Terra (CPT).  

Leia o documento completo aqui 

A análise teve como base a atualização do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Ferrogrão realizado pela Estação da Luz Participações (EDLP) e pela consultoria Tetra, no âmbito do Programa de Parcerias Público-Privadas de Investimentos (PPI) e concluído em 2024. No parecer técnico independente os especialistas avaliaram se o novo EVTEA considerou adequadamente os riscos socioambientais, levando em conta as fragilidades da governança territorial nos estados de Mato Grosso e Pará, áreas diretamente impactadas pelo empreendimento.  

No evento de lançamento, os especialistas apresentaram as principais lacunas e falhas encontradas no EVETEA. Suzany Brasil, da Terra de Direitos, analisou como como os estudos desconsideram o aumento dos crimes ambientais e impactos já sofridos pelos povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem na área de influência do projeto.  

“O estudo ignora a existência de crimes ambientais e ameaças contra os defensores ambientais – povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais. O estudo não atualiza de fato e não traz os impactos socioambientais que a Ferrogrão vai trazer para esses povos e para esse território. Então, nesse item a gente percebe mais uma vez o silêncio do estudo e necessidade de adequações e complementações urgentes”, pontuou.   

De acordo com o parecer técnico, dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS-PA), de 2014, ano de início do estudo de viabilidade técnica, até 2022, apontam que o órgão emitiu 6.972 multas por crime ambiental em um raio de 50 km ao redor do traçado da ferrovia, contra 2.389 no período anterior, de 2005 a 2013. Isso demonstra como, mesmo ainda em fase de planejamento, o projeto já exerce uma pressão sobre o território.  

Outro ponto crítico considerado pelos especialistas foi a utilização do Termo de Referência de 2014 para guiar os novos estudos. Para eles, a atualização não levou em conta as condições atuais de governança no território da obra e nem os impactos cumulativos do projeto. 

“Ao utilizar um Termo de Referência defasado para realização dos estudos, o EVETEA ignora, no mínimo, dez anos de mudanças territoriais e socioambientais na área de influência do projeto da Ferrogrão. Para citar um exemplo, nesse período a região do Tapajós, especialmente Santarém e Miritituba, passaram por um avanço da monocultura da soja e um aumento no número de terminais portuários, com fortes impactos sobre a governança territorial e direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais da região”, enfatiza Bruna Balbi, da Terra de Direitos.  

Em seu projeto, o trajeto da ferrovia (em linha amarela) pretende cortar terras indígenas e unidades de conservação. Fonte: Instituto Socioambiental

A Ferrogrão faz parte do Corredor Logístico Tapajós-Xingu, que inclui a BR-163, a hidrovia e portos instalados no Rio Tapajós. Desde 2013, ano em que foi instituída a Lei de Portos, o número de portos para escoamento da produção do agronegócio pelo Rio Tapajós dobrou – um aumento de 105%. Esse é um dado apontado pelo estudo “Portos e Licenciamento Ambiental no Tapajós”, elaborado pela Terra de Direitos.   

Dos 41 portos identificados no estudo, somente 5 possuem a documentação completa do licenciamento ambiental, o que significa que os impactos ambientais, sociais e ao clima da região estão sendo subdimensionados. E sem considerar esse contexto de avanço dos portos e da monocultura na região do Tapajós, os estudos da Ferrogrão exacerbam a falha nas avaliações de impactos negativos ao território.  

O parecer aponta que a ferrovia, junto as estruturas já existentes, pode gerar impactos cumulativos na região, como o aumento do desmatamento e a intensificação de conflitos fundiários. De acordo com os especialistas, a governança territorial fragilizada – caracterizada por uma gestão pública inadequada e conflitos sobre o uso da terra – é um fator crucial que não foi devidamente abordado no estudo.  

O parecer traz ainda uma série de recomendações que buscam subsidiar a continuidade do debate sobre a viabilidade econômica e socioambiental da Ferrogrão, sugerindo alternativas que possam mitigar os danos à região. A análise visa proporcionar uma reflexão mais profunda sobre as dinâmicas socioambientais da Amazônia, que precisam ser consideradas de forma mais rigorosa antes da implementação de grandes projetos na Amazônia. 


Acompanhe o que já publicamos sobre este caso:

27.06.2024Representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais emitem Carta Aberta em protesto contra a Ferrogrão

31.07.2024 Por que a sociedade civil está rompendo com o GT Ferrogrão?

24.10.2024 - Conselho Nacional de Direitos Humanos recomenda ao Governo suspensão do projeto Ferrogrão

08.11.2024Estratégias de destruição: Ferrogrão e outras ferrovias

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