Por Lara Tapety | CPT NE2
Com informações da Justiça Global e do G1
Camponeses assistem sentenca da Cortr IDH
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado do trabalhador rural Almir Muniz da Silva. O anúncio foi feito na tarde de ontem (11), durante a leitura da sentença, em São José da Costa Rica, com transmissão pelo YouTube.
O líder camponês desapareceu em 29 de junho de 2002, no município de Itabaiana (PB), enquanto lutava pela reforma agrária e denunciava a violência praticada por milícias rurais na região. A decisão da Corte IDH representa um marco histórico, sendo o primeiro caso de desaparecimento forçado no Brasil, no contexto da luta pela terra, analisado pelo tribunal internacional.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Justiça Global e a organização Dignitatis foram responsáveis por apresentar o caso, denunciando violações aos direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à integridade moral e psíquica dos familiares da vítima.
Na comunidade do assentamento Almir Muniz, camponesas e camponeses, incluindo familiares da vítima, reuniram-se para acompanhar a leitura da sentença, que reconheceu as falhas do Estado na proteção da vida de Muniz da Silva, na condução das investigações e na busca por seu paradeiro. O Tribunal também apontou que o Brasil violou os direitos à verdade, à integridade pessoal, à proteção familiar e às crianças afetadas pelo caso.
Rafael Nascimento, integrante da CPT, conhecido como professor Rafael, participou do encontro e destacou o significado da decisão: "A Justiça tardou, mas chegou. Hoje, um dia memorável, estamos aqui na comunidade Almir Muniz, em Itabaiana, para ler esta sentença e ver o quanto o sangue de Almir Muniz ainda está presente e nos impulsiona para a luta dos trabalhadores rurais, os trabalhadores camponeses, os trabalhadores de todo o Brasil".
A luta pela terra e a repressão
Antes de desaparecer, Almir Muniz denunciava a violência no campo e a atuação de jagunços que ameaçavam os trabalhadores rurais, sob o comando do policial civil Sérgio de Souza Azevedo. Relatos indicam que as famílias da comunidade sofriam agressões físicas e psicológicas constantes.
Almir tinha consciência dos riscos que corria e deixou um legado de resistência com sua frase: "Se alguém me matar, continue a luta. Se me matarem, matarão um homem!". Sua história segue viva na comunidade que leva seu nome. Em 2004, dois anos após seu desaparecimento, a Fazenda Tanques foi desapropriada para fins de reforma agrária, concretizando a reivindicação que motivou sua militância.
No entanto, a impunidade permaneceu: o caso foi arquivado em 2009 sem julgamento, e seu corpo jamais foi encontrado. Seu trator, recuperado dias depois em Pernambuco, estava abandonado em um canavial e coberto de lama, numa aparente tentativa de ocultar provas. Agora, a mais de 20 anos do desaparecimento de Almir, o Estado brasileiro foi condenado.
Outras condenações e medidas determinadas
Além de responsabilizar o Brasil pelo desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, a Corte IDH destacou a falta de garantias para a atuação de defensores de direitos humanos. O Tribunal determinou que o país adote medidas concretas para ampliar a proteção de lideranças ameaçadas e comunidades em conflito agrário. Entre as ações recomendadas, estão a descentralização de unidades especializadas para atender regiões rurais e áreas de alto risco; criação de protocolos de resposta imediata para casos de ameaça; e o fortalecimento dos recursos destinados à proteção de defensores de direitos humanos.
A decisão soma-se a outras condenações recentes do Brasil na Corte IDH. No mês passado, o tribunal responsabilizou o país pelo assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, ocorrido em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu (PB). A sentença reconheceu a impunidade do crime e exigiu medidas para evitar novos casos. Desde então, a CPT estava na expectativa em relação à sentença do caso de Almir Muniz.
A Corte também havia condenado o Brasil pelo assassinato do advogado Gabriel Salles Pimenta, em Marabá (PA), em 1989. Como desdobramento, foi criado um Grupo de Trabalho Técnico que propôs ao governo federal um Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei para a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.
Com a nova condenação, a Corte cobra do Brasil a adoção de mecanismos mais eficazes para garantir a segurança daqueles que lutam por direitos fundamentais, especialmente no campo. A luta de Almir Muniz e de tantos outros trabalhadores continua sendo um símbolo de resistência e justiça.
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que o Estado brasileiro foi notificado sobre a sentença e que um parecer será elaborado para garantir que as autoridades responsáveis cumpram as medidas determinadas pela Corte IDH.
Assista a notificação da sentença na Corte IDH TV:
https://www.youtube.com/live/HNFVFL-xyOg?si=pfCw0RLrrhp-EVtA&t=1054
Foto: Tiago Miotto | Cimi
Na noite de segunda-feira (10), durante um ataque contra uma comunidade Pataxó da Terra Indígena (TI) Barra Velha do Monte Pascoal, em Porto Seguro, região extremo Sul da Bahia, o jovem indígena, Vitor Braz foi assassinado com disparos de arma de fogo. Ele era morador da retomada Terra à Vista, localizada na área da TI em processo de demarcação.
Em nota de apoio ao povo Pataxó, a Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil “expressa solidariedade ao povo Pataxó e a todos os povos originários que, na luta incansável pelo direito ao seu território, são vítimas de violência. Pela defesa da Vida, pela defesa da nossa Casa Comum, conclamamos que os direitos dos povos indígenas sejam efetivados conforme garante a Constituição Federal. Juntos e juntas, continuaremos a defender a justiça, a vida e dignidade dos povos indígenas”.
De acordo com informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o assassinato ocorreu na noite que antecedeu uma audiência pública em Brasília (DF) sobre a demarcação das TIs Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Barra Velha do Monte Pascoal. Cerca de 300 indígenas dos povos Tupinambá e Pataxó encontram-se na capital federal para participar da atividade, promovida pelo Ministério Público Federal (MPF). A audiência iniciou com um minuto de silêncio em memória de Vitor Braz. Confira os detalhes do assassinato no site do Cimi.
As três TIs, localizadas no sul e extremo sul da Bahia, aguardam há mais de uma década a emissão de suas portarias declaratórias, atribuição do Ministério da Justiça. Não há nenhum impedimento jurídico ou administrativo para a emissão das portarias.
Leia a nota na íntegra:
As pastorais sociais e organismos que integram a Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEPAST-CNBB), junto com os cinco bispos que as coordenam, reunidos de 10 a 12 de março, vêm a público manifestar apoio e solidariedade ao povo Pataxó da Terra Indígena (TI) Barra Velha do Monte Pascoal, localizada em Porto Seguro, Bahia, que na madrugada do dia 11 de março sofreu ataque violento, por grupo ainda não identificado, vitimando jovens com disparos de arma de fogo. O jovem Vitor Braz, morador da retomada Terra à Vista, localizada na área da TI em processo de demarcação, veio a falecer no local e outro jovem segue hospitalizado com ferimentos por arma de fogo. O assassinato do jovem Vitor Braz Pataxó ocorreu no dia em que 300 indígenas Pataxó e Tupinambá estavam na capital federal para participar de audiência pública sobre demarcação de seus territórios.
A Cepast-CNBB expressa solidariedade ao povo Pataxó e a todos os povos originários que, na luta incansável pelo direito ao seu território, são vítimas de violência. Pela defesa da Vida, pela defesa da nossa Casa Comum, conclamamos que os direitos dos povos indígenas sejam efetivados conforme garante a Constituição Federal. Juntos e juntas, continuaremos a defender a justiça, a vida e dignidade dos povos indígenas.
Brasília (DF), 12 de março de 2025.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da Repórter Brasil e equipes da CPT Xinguara e Marabá (PA)
Famílias acampadas na Fazenda Santa Lúcia participam de audiência. Foto: Acervo CPT
Na última sexta-feira (07), as famílias que residem na ocupação Jane Julia, imóvel da antiga Fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco (PA), comemoraram o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava no sul de Minas Gerais assinando a desapropriação de sete áreas de fazendas para reforma agrária. Contudo, o decreto não garantiu a suspensão do processo de reintegração de posse, que corre na Vara Agrária de Redenção (PA) contra os ocupantes. No mesmo dia da assinatura, as famílias foram intimadas pelo oficial de justiça para comparecer em uma audiência da Comissão de Conciliação de Conflitos do Tribunal de Justiça no próximo dia 25 de março, demonstrando que a caminhada do processo de aquisição da área ainda é muito longa.
As demais fazendas, também ocupadas por trabalhadoras e trabalhadores rurais sem-terra, estão nos estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul. Ao todo, são 13 mil hectares com potencial para assentar 800 famílias, o que é um número muito pequeno em relação à demanda pela regularização de terras em todo o país.
A área da fazenda Santa Lúcia é a maior dentre as demais (mais de 5 mil hectares), e também a mais simbólica da luta pela terra e da violência no campo: em 24 de maio de 2017, dez trabalhadores sem-terra, sendo nove homens e uma mulher, foram executados por policiais no conhecido Massacre de Pau D’Arco, o maior do século no país. Embora 16 policiais tenham sido acusados, todos aguardam julgamento em liberdade, e as investigações sobre os mandantes do crime não avançaram. Após o massacre, cerca de 220 famílias voltaram a ocupar a área, mas a violência continuou. Em janeiro de 2021, Fernando Araújo dos Santos, principal testemunha da chacina, foi assassinado após denunciar ameaças de policiais.
“Fernando sempre dizia que essa propriedade já foi paga com o sangue derramado pelos trabalhadores. Em outras palavras, ele queria dizer que a fazenda Santa Lúcia não tinha outro destino a não ser o assentamento das famílias que ocupam atualmente aquela terra, assim como aconteceu em Eldorado dos Carajás, onde a Fazenda Macaxeira foi destinada e hoje é o Assentamento 17 de abril”, afirma José Batista, advogado da CPT Marabá.
O passo seguinte é o Incra entrar com uma ação judicial de desapropriação do imóvel. Os proprietários terão que comprovar nesta ação que realmente são proprietários legais da área, e se não comprovarem, a área poderá ser arrecadada como terra pública. Nesta espécie de ação a Justiça Federal deve conceder uma liminar de autorização de imissão de posse ao Incra na área, para que em seguida o órgão federal possa efetivar a criação e implantação do assentamento das famílias.
“A desapropriação destes imóveis é uma sinalização positiva de retomada da reforma agrária, mas ainda está acontecendo de forma muito acanhada neste governo, que já está no terceiro ano. As iniciativas são tímidas, mas têm um valor simbólico importante, principalmente no contexto de crescimento da extrema direita no Brasil e no mundo, que defende políticas totalmente contrárias às populações do campo e aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais”, acrescenta Batista.
Para o advogado José Vargas Júnior, do Coletivo Veredas, que representa judicialmente as famílias da ocupação, o momento é de festejar, mas não de criar um clima festivo, como se o problema tivesse sido solucionado: “Tem áreas no Pará que foram decretadas para reforma agrária e posteriormente não foram adquiridas pelo Incra. Também é relevante garantir orçamento para a aquisição desta área e a conclusão do processo administrativo, porque hoje falta recurso, em razão do desmonte das políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária em benefício dos investimentos para o agronegócio.”
A avaliação das famílias acampadas é de que, mesmo sendo um passo importante, a desapropriação é apenas um primeiro passo. A cobrança dos movimentos e entidades deve ser mantida para que o Estado brasileiro dê prioridade, considerando esta área onde houve um massacre que já vai completar oito anos.
“A comunidade está feliz pelo grande avanço no processo que foi a desapropriação da Fazenda Santa Lúcia. Eu já tinha essa esperança de que isto acontecesse com a eleição do presidente Lula, e também com a mobilização dos movimentos sociais, da CPT e outras organizações de direitos humanos e diversos parceiros que nos defendem aqui, que estariam cobrando o governo federal para isso acontecer. Mesmo assim, nós esperamos a finalização do processo de aquisição, porque tem uma decisão judicial de reintegração de posse para nos tirar da área. Existe uma preocupação nossa, e enquanto não finalizar estes processos, a gente fica ansioso pra se resolver logo”, afirma Manoel Gomes Pereira, presidente da Associação Nova Vitória, que reúne os acampados na fazenda Santa Lúcia.
Além da fazenda Santa Lúcia, as seguintes propriedades também estão na lista de desapropriação para reforma agrária:
Segundo dados obtidos pela Repórter Brasil via Lei de Acesso à Informação, pelo menos 145.100 famílias vivem acampadas no Brasil à espera de um lote de terra para cultivar. O governo Lula afirma ter assentado 71 mil famílias em 2024, mas o MST contesta esse número, alegando que apenas 5.800 famílias receberam terras novas. O restante, diz o movimento, teriam sido processos de regularização e reconhecimento de lotes já existentes. Na prática, apenas 4% da demanda total teria sido atendida no ano passado.
Acompanhe algumas notas e matérias publicadas sobre este caso:
24.05.2019 - Nota Pública - Dois anos do massacre de Pau D'Arco: É preciso pôr fim à barbárie no campo!
24.05.2023 - Nota Pública: O massacre de Pau D’arco e a sede por justiça
24.05.2024 - 7 Anos do Massacre de Pau D'arco, um crime que segue violentando pela impunidade
31.05.2024 - Justiça por Pau D'arco: atividades fazem memória às vítimas do massacre e cobram o fim da impunidade
27.01.2025 - Nota Pública: Quem mandou matar Fernando, Zé do Lago, Márcia e Joane?
Em referência ao Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, a partir de 8 de março, começa em todo o Brasil a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, com o lema "Agronegócio é violência e crime ambiental. A luta das mulheres é contra o capital".
A jornada ocorrerá em diversos municípios brasileiros, abrangendo todas as regiões do país. Com muita alegria e determinação, mulheres sem terra realizarão uma série de ações de luta e resistência.
Em Maceió, a jornada acontecerá entre os dias 11 e 13 de março. Durante esse período, as mulheres camponesas montarão o Acampamento Dandara dos Palmares na Praça Sinimbu, no Centro da cidade.
A atividade se destaca por ser fruto da unidade entre oito diferentes movimentos e organizações sociais: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frente Nacional de Luta (FNL), Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Luta pela Terra (MLT), Movimento Popular de Luta (MPL), Movimento Social de Luta (MSL), Movimento Via do Trabalho (MVT) e Movimento Terra Livre (TL). Essa unidade tem sido uma característica das mobilizações em Alagoas.
A programação da jornada em Maceió inclui mobilizações, atos públicos e debates entre mulheres do campo e da cidade. Também está prevista uma audiência com o governador de Alagoas, Paulo Dantas, para tratar da reforma agrária das terras da massa falida das usinas Laginha e Guaxuma. Aproximadamente 3.500 famílias estão acampadas nas áreas da massa falida da Usina Laginha, em União dos Palmares, enfrentando ameaças para deixarem a localidade, apesar de um acordo judicial de 2016 garantir a permanência das famílias.
As principais reivindicações da jornada incluem acesso à terra, crédito, apoio às feiras da reforma agrária, construção de moradias e regularização fundiária de áreas emblemáticas. No dia 12 de março, às 18h, está programado um ato político no Acampamento Dandara dos Palmares, reunindo lideranças políticas, dirigentes de movimentos sociais, sindicalistas, representantes do poder público e camponesas acampadas e assentadas.
As mobilizações também denunciam as violências estruturais do sistema capitalista, que afetam diretamente a vida das mulheres por meio do patriarcado, racismo e LGBTQI+fobia. Além disso, a jornada protesta contra desigualdades sociais, fome, pobreza e a mercantilização da vida e da natureza.
A convocação da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra é dirigida a todas as trabalhadoras do campo e da cidade, chamando à luta pela Reforma Agrária Popular, pela produção de alimentos saudáveis e pela construção do Feminismo Camponês Popular. A reforma agrária é vista como uma medida fundamental para combater a violência no campo e a fome, garantindo trabalho, renda e dignidade.
O avanço da agroecologia é outro eixo da jornada, com a defesa da produção de alimentos saudáveis como alternativa ao uso massivo de agrotóxicos, que têm causado graves danos às populações rurais.
A Jornada também chama atenção para o aumento da violência no campo. O Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) da CPT registrou 1.056 ocorrências de conflitos no campo no primeiro semestre de 2024, sendo 872 conflitos pela terra, 125 conflitos pela água e 59 casos de trabalho escravo. A contaminação por agrotóxicos teve um crescimento alarmante, saltando de 19 ocorrências em 2023 para 182 em 2024, afetando gravemente comunidades rurais.
Com reivindicações urgentes, a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra será um importante momento de mobilização, combate às violências no campo e exigência de direitos para as mulheres trabalhadoras. O Acampamento Dandara dos Palmares, em Maceió, simboliza essa resistência, colocando em evidência a força da luta coletiva e a necessidade de avanços concretos na reforma agrária e nas políticas públicas para as populações do campo.
Mais informações:
Lara Tapety (Assessora de comunicação da CPT) - 82 99697-1000
Gustavo Marinho (Assessor de comunicação do MST) - 82 99613-3314
Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
08 de março é o Dia Internacional das Mulheres e a jornada de luta organizada pelos movimentos e organizações sociais aponta novamente a violência do capital no campo em suas diversas faces. Nesse sentido, no dia 11, a partir das 19h, a Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela vida realiza um debate online denunciando os impactos dos agrotóxicos sobre a vida das mulheres e territórios.
Com o lema “Sem veneno e sem violência: mulheres em luta pela vida!”, a atividade pretende dar ênfase nas violências sistemáticas que o agronegócio produz impactando diretamente os corpos das mulheres, se manifestando assim como mais uma face que estrutura o patriarcado e o capitalismo no campo.
Para Fran Paula, pesquisadora em Sistemas Agrícolas Tradicionais, Racismo e Sistemas Alimentares, Impactos dos Agrotóxicos na saúde e meio ambiente, integrante da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, as mulheres são as principais promotoras de saúde e da luta contra os agrotóxicos no territórios. “Os agrotóxicos representam mais uma violência contra os nossos corpos e territórios, lutar contra os agrotóxicos é defender a saúde e a vida das mulheres”.
Assista o vídeo da Plenária neste link.
No que se refere aos impactos sobre a saúde das mulheres, durante o debate também haverá o lançamento do “Dossiê Danos dos Agrotóxicos na Saúde Reprodutiva: conhecer e agir em defesa da vida” publicado em 2024, juntamente com o Almanaque Mulheres semeiam a vida, agrotóxicos destroem a saúde reprodutiva e o ambiente. A pesquisa foi realizada com um pequeno financiamento do Centro de Direitos Reprodutivos em articulação com a Abrasco e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca.
De acordo Lia Giraldo da Silva Augusto, Coordenadora do Projeto Saúde Reprodutiva e a Nocividade dos Agrotóxicos da Abrasco, o dossiê está dividido em cinco partes e começa com um levantamento do que foi publicado de estudos realizados no Brasil sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde reprodutiva de populações expostas: mulheres, homens, crianças e população geral sem distinguir o sexo. Ao todo foram levantadas publicações de 1980 até 2023, 43 anos desde o primeiro artigo sobre o tema publicado no Brasil.
A invisibilidade das populações que vivem no campo é um indício da desigualdade quando o assunto é a realização de estudos sobre os impactos de grandes projetos do Capital nestes territórios.
“Primeiro vimos que os estudos não referem os contextos territoriais de populações camponesas, tradicionais, quilombolas e indígenas. No máximo divide a população em urbana ou rural. Além dos estudos publicados, se concentrarem na região Sudeste e a maioria realizados por instituições sediadas no Rio de Janeiro. Ficou bem evidente que onde há mais exposição, há menos estudos. A região Norte, por exemplo, não teve nenhum estudo publicado nesses 43 anos. E as regiões Centro-Oeste e Nordeste com muito pouco estudos”, observou a pesquisadora.
A partir do estudo do Dossiê foi possível identificar o tipo e quantificar a exposição ao veneno, já tem uma lista de 81 agrotóxicos que produzem danos no sistema endócrino, que regulam os hormônios femininos e masculinos. Vários são cancerígenos e causam malformação congênita. Os principais cânceres que afetam o aparelho reprodutor feminino decorrentes da exposição aos agrotóxicos são o câncer de mama, de ovário e de tireoide. Para os homens é o câncer de próstata e câncer hematológico. Já as crianças são afetadas com a leucemia, câncer de rim e neurológico.
Clique no Dossiê para visualizar e baixar
Segundo Lia, o dossiê examinou também a falta de notificação de agravos à saúde reprodutiva em situação de exposição aos agrotóxicos e isto é gravíssimo. “Infelizmente o modo como se organiza a vigilância da saúde das populações expostas acaba por não evidenciar esses danos. Vimos que no país a maioria dos agravos à saúde que são identificados são aqueles que acontecem em situações que as pessoas passam mal logo quando aplicam os agrotóxicos, e precisam de ir ao pronto socorro ou ao hospital, e são chamados de casos com intoxicação aguda.”
Porém, a pesquisadora lembra que há “aqueles casos em que a doença ou os sintomas aparecem ao longo da vida são muito pouco diagnosticados e notificados. Esses são chamados de efeitos crônicos. Especialmente porque os profissionais de saúde não perguntam para os pacientes se foram expostos aos agrotóxicos durante a vida, no trabalho, no consumo ou no ambiente. Já no que se refere a saúde reprodutiva, mesmo sabendo que esses efeitos podem ocorrer, os casos não são investigados e não são notificados em populações expostas aos agrotóxicos”, relata.
Mais uma vez a invisibilidade das violências sobre os corpos das mulheres se perpetuam, se o recorte é o mundo do trabalho, a tendência é que novamente as mulheres do campo sejam apartadas das ferramentas de estudo.
“Quando examinamos o tipo de exposição nesses estudos vimos que a situação de trabalho é omitida para as mulheres. Apenas cinco estudos referiram o trabalho agrícola para mulheres. Para a maioria delas o tipo de exposição não está vinculado com o trabalho, mas a situações difusas de exposição ambiental”, ressalta.
Já na cidade, a pesquisa aponta que as mulheres que tiveram detecção de agrotóxicos no leite ou no sangue materno, no cordão umbilical e no sangue fetal, provavelmente foi provenientes de alimentos e água contaminados por agrotóxicos ou pela exposição a agrotóxicos usados no controle de insetos entre outras formas de exposição.
O dossiê fez também análise da desregulação dos agrotóxicos no Brasil que possibilita que agrotóxicos que afetam a saúde reprodutiva continuam sendo liberados para uso, o que aumenta a vulnerabilidade para as mulheres, crianças e trabalhadores em geral. O mesmo ocorre com a pulverização aérea de agrotóxicos que afeta populações, que já estão em condições territoriais vulneráveis, como as camponesas, os quilombolas, indígenas, assentados, entre outras.
Por fim, o estudo apresenta um balanço das mentiras do agronegócio que busca ocultar os danos dos agrotóxicos e convencer as pessoas de que é possível o uso seguro desses venenos. Uma verdadeira guerra ideológica e comunicacional, onde aponta a necessidade de manutenção de uma luta coletiva ampla, principalmente com o envolvimento das mulheres na defesa da vida e da saúde reprodutiva e contra os agrotóxicos no campo, na floresta e na cidade.
Clique para visualizar e baixar o Almanaque.
Uma das propostas proveniente da pesquisa elaborada do Dossiê é o modelo para auxiliar a vigilância popular da saúde e a reparação daquelas comunidades atingidas. Nesse sentido, é fundamental que todas estejam cada vez mais capacitadas com as ferramentas de enfrentamento a essas violações em seus territórios.
O acesso ao conhecimento sobre os impactos é uma forma de romper com a cerca da ignorância e permitir que as mulheres e toda a comunidade compreenda como suas vidas são diretamente impactadas por esse processo. Assim, a Campanha organizou um Guia de oficinas mulheres pela vida e contra os agrotóxicos para que possam realizar atividades de debates formativos ao longo deste mês de março e durante todo o ano, promovendo informação e mobilização nos territórios.
Além disso, também disponibilizamos identidades visuais para serem usadas como lambes e também em stencil nos lenços durante a jornada de luta das mulheres.
Mais de 5 mil romeiros e romeiras se reúnem por moradia, trabalho e reconstrução de comunidades atingidas por enchentes
Por Fabiana Reinholz, Katia Marko, Marcela Brandes e Marcos Corbari | Brasil de Fato RS
Romaria neste ano foi realizada em uma das cidades mais atingidas pelas enchentes no RS - Foto: Nilton Filmes
Com o tema “Reconstruir e cuidar da Casa Comum com fé, esperança e solidariedade”, a 47ª Romaria da Terra aconteceu nesta terça-feira de Carnaval (4), na cidade gaúcha de Arroio do Meio, no Vale do Taquari. A região escolhida para a edição deste ano foi bastante afetada pelos desastres climáticos que se abateram sobre o RS desde 2023, intensificado com a enchente de maio de 2024, que deixou o bairro Navegantes completamente destruído no município. Romeiros e romeiras de diferentes regiões do estado, e também de fora, reuniram-se para celebrar a fé e a luta pela defesa do planeta, do meio ambiente, da moradia, da população e da justiça social.
O cardeal Dom Jaime Spengler destaca a tradição de 47 anos de dinamismo pastoral envolvendo a questão da terra. “Vale recordar aquilo que o Papa Francisco há anos atrás pontuou como uma necessidade urgente: terra, teto e trabalho para todos. A Romaria da Terra de alguma forma repercute esse desejo do Santo Padre. Esse ano nós estamos aqui numa região marcada pela tragédia climática do ano passado, então celebrar a Romaria da Terra neste pedaço de chão aqui em Arroio do Meio é também trazer a memória daquilo que aconteceu e ao mesmo tempo dar atenção e promover consciência a respeito da necessidade de carinho, cuidado e necessidade de moradia, porque todos têm direito a viver com dignidade. Teto e trabalho são a condição mínima para ter uma vida digna”, pontua.
Momentos de mística permearam a Romaria. Foto: Luiz Pasinato - CPT RS
A concentração para a procissão aconteceu no Seminário Sagrado Coração de Jesus, local que durante a enchente de maio de 2024 acolheu muitas pessoas atingidas da região. As boas vindas aos romeiros e romeiras foi realizada pelo bispo Dom Itacir Bassani. “Viemos aqui para agradecer a presença de vocês durante esses dois anos de luta para sobreviver e para reconstruir a nossa vida, a nossa cidade e cuidar da nossa terra, da nossa casa comum. Aqui não estamos como fugitivos e desertores, mas como peregrinos de esperança, fé e solidariedade”, disse.
A caminhada de 2,5 km foi em direção ao centro do município e durou cerca de duas horas debaixo de um sol muito forte. Mas nem o extremo calor afetou a alegria dos envolvidos em estarem reunidos em manifestação de esperança e fé. Estavam presentes entidades sindicais, movimentos sociais, religiosos de diversas religiões, indígenas, idosos, crianças, jovens.
Solidariedade dos de baixo
O frei José Frey, que trabalha nos assentamentos da reforma agrária de Hulha Negra, Candiota e Aceguá, no RS, ressaltou que o povo, quando precisa manifestar a solidariedade, enfrenta tempestades e sol quente com sorriso no rosto. “Estamos em milhares de pessoas aqui e se você observar a classe dessas pessoas vai perceber que são pobres. Em toda solidariedade, sempre quem mais é solidário é o pobre. É o pobre quem trabalha, que sabe o que é trabalhar, o quão pesado é. E quando vê seus companheiros nessa situação de tragédia, são os primeiros que vão ajudar. Enquanto que as pessoas que poderiam ter condições muito melhores de solidariedade não aparecem. E ainda criticam quem vem fazer a solidariedade.”
Para a romeira Elizabeth Gerhardt, de São Caetano (RS), que teve sua lavoura atingida pela enchente, estar na celebração neste ano significa recomeço. “Muito importante esta Romaria aqui em Arroio do Meio para as pessoas verem a tragédia. Uma pena que não dá para ver a tragédia do interior, da agricultura mesmo.”
Foto: Luiz Pasinato - CPT RS
Nelir Casotti, 62 anos, moradora há 38 de Arroio do Meio no bairro Navegantes, ainda chora ao lembrar do que aconteceu quando perdeu tudo em sua casa e seu armazém. “Em setembro a água entrou 20 cm do piso, e em 2024, a água passou o telhado. Eu voltei para minha casa, mas minha filha perdeu tudo. Morou por nove meses comigo e agora conseguiu um espaço pela compra assistida do Governo Federal.”
Ela comenta sobre a atual situação de quem foi atingido na região. “Essa Romaria representa muita esperança e fé em Deus. Nós sofremos muito, ficamos 21 dias na casa de parentes e tivemos muita ajuda. Foi tudo muito triste, ficamos sem água, internet, luz, nada. Rezo para que as coisas voltem a ser como antes. Mas aqui quase ninguém voltou. Muita gente segue em conteiners.”
Romaria itinerante
Gerson Borges, membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), de Santa Cruz do Sul (RS), ressalta que após 10 meses da enchente, observa-se uma reconstrução muito lenta. Ao longe, parece tudo resolvido, mas pouco foi solucionado até o momento.
Destaca que a Romaria da Terra se diferencia de todas as outras romarias por ser itinerante. “Normalmente aonde tem um problema social é o local escolhido. Principalmente pelo problema agrário, mas também por questões climáticas como no caso. Então essa Romaria, aqui em Arroio do Meio, está acontecendo porque as pessoas viveram uma grave crise climática, e é uma oportunidade para que as pessoas conheçam o que esses habitantes daqui viveram, mas também numa perspectiva de futuro, pensando que é possível superar os problemas tanto da questão agrária quanto dos problemas climáticos a partir de muita luta do povo organizado.”
Foto: Luiz Pasinato - CPT RS
Crise climática
Vanderleia Nicoline, também do MPA, de Progresso (RS), complementa, lembrando da Missão Sementes de Solidariedade. “Todas as romarias são muito importantes, mas essa em especial é o marco do recomeço, da resistência dessas famílias e desse povo que foi duramente atingido por essas cheias, por essa catástrofe. É o momento da gente trazer esperança e partilha para esses refugiados dessa crise climática. De retornar aqui e dar um abraço fraterno em todos aqueles que estivemos juntos visitando e preenchendo cadastros num período tão difícil. A Missão Sementes de Solidariedade representa isso, a resistência, o novo, a fartura, o recomeço.”
Luiz Antônio Pasinatto, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destacou a importância de sentir na pele todo sofrimento das pessoas que perderam suas casas, seus animais, suas terras, muitos dos quais, perderam a vida. “Essa Romaria é uma das últimas romarias que está acontecendo que tem maior número de romeiros e romeiras. Todos ouviram o chamado e estão aqui motivados para participar e sentir, aqui no chão de Arroio do Meio, esse momento tão significativo que é caminhar onde as águas ocuparam há pouco tempo toda a cidade. A Romaria vem aqui para prestar essa solidariedade e para a gente pensar no novo modelo de sociedade sustentável, baseado na agroecologia, no cuidado de todas as vidas.”
Foto: Nilton Filmes
Celebrar a vida e as lutas do povo
“Eu tenho um compromisso de fé, venho há anos na Romaria celebrar a vida, as lutas do povo principalmente e pedir forças pelas lutas que vêm pela frente”, comenta Célio Cadona, do MPA de Ijuí.
Agatha, de Carlos Barbosa, pela primeira vez participando da Romaria, comenta emocionada com o evento que participa para levar apoio. “Eu vim aqui para ajudar esse povo sofrido porque eu emociono muito por tudo o que eles passaram. Estou aqui para ajudar eles. Esse é o mínimo que podemos fazer.”
Também em sua primeira participação, Trinidad Aguilar, da Colômbia, ativista do Movimento Nación Pachamama, está muito contente e surpresa por encontrar tanta gente reunida lutando pela terra e por todos os seres que habitam nela. “O movimento acompanha a Romaria há alguns anos, mas é a primeira vez que participamos. Uma grande festa coletiva rural e campesina. Estamos aqui por uma mensagem de esperança em meio a crise climática planetária, ainda somos muitas pessoas que queremos ter outras opções, de não nos render a tudo que está acontecendo e cultivar a esperança, o espírito da fraternidade dos seres humanos.”
Foto: Nilton Filmes
João Jair, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de Estrela, afirma que o tema da luta pela moradia digna e das causas dos crimes climáticos são pautas do movimento. “Somos milhares de pessoas que deixamos as nossas casas pela solidariedade, para trazer um alento para essas pessoas que foram atingidas. Estamos em busca de que os direitos sejam aplicados na prática, segurança por moradia e alimentar.”
Ele ressalta que os programas sociais não estão sendo satisfatórios. “O setor imobiliário inflacionou o valor das casas e estamos vendo pessoas tendo que se mudar do seu território, em busca de moradia em outros lugares. Esse bairro, Navegantes, foi atingido fortemente por todas as enchentes, aqui todos os moradores foram deslocados de forma provisória, poucas casas definitivas, maioria em conteiners, nesse calor que tem assolado o estado nas últimas semanas. Precisamos da força dessas pessoas aqui hoje para fazer essas coisas mudarem.”
O caminho das águas
Ao longo da caminhada, na primeira parada na igreja Nossa Senhora dos Navegantes foi fixada uma cruz, feita com madeiras dos escombros, com uma faixa com o nome das vítimas da enchente e desaparecidos. Também foi colocada uma pedra em memória da enchente. Poucas estruturas ficaram em pé, entre elas a igreja. O posto de saúde, a escola, inúmeras casas, tudo foi destruído. No percurso, além de canções religiosas, foram ouvidos depoimentos de atingidos e apontado por onde as águas da enchente passaram. Marcas vermelhas mostraram a altura que a água alcançou.
“A água veio sem aviso e quando a água baixou, o cenário era devastador. Lama, somente lama por todo lugar. Perdemos noção das horas, dias, semanas. O objetivo era apenas limpar para poder continuar. Algumas marmitas feitas pelas cozinhas solidárias chegaram a nós e, mesmo frias, tinham um gosto especial”, narrou a agricultora atingida Sandra, em cima do caminhão de som. “Nove meses passaram, para muitos as lembranças, para nós a luta diária pela reconstrução do que foi perdido”, finalizou.
Foto: Nilton Filmes
A professora Luciana Moraes Pillar, da escola Construindo o Saber, que foi atingida pelas três enchentes e está condenada, relata com tristeza. “Há árvores no telhado, a estrutura toda foi mexida e danificada. Aqui estudavam quase 150 alunos, do nível A até o quarto ano, e abrigava a população do bairro que hoje já não reside mais aqui porque não tem condições, isso é muito dolorido. A gente mesmo ainda não acredita no que passou. Essas crianças estão realocadas em outras escolas e as famílias seguem em casas provisórias”, conta.
Cuidar da terra e dos mais pobres
O bispo Humberto Maiztegui Gonçalves, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, reflete, ao observar o cenário, como as águas passaram violentamente pela região. “Ainda vemos tocos de árvores nos telhados, a cinco, seis, oito, dez metros de altura. Casas abandonadas. O que chama mais a atenção é o enorme sofrimento e o pânico, o impacto disso nas pessoas que moravam e que moram aqui. E depois de quase um ano estar assim, não como um monumento ao que aconteceu, mas como um testemunho do que não aconteceu. O posto de saúde, as escolas, a igreja continuam aos pedaços. Mostra que temos uma sociedade que não está preparada para acolher as pessoas que vieram a ser vítimas da crise climática. Principalmente os mais pobres.”
Para ele, a Romaria tem uma longa história e começa com a luta dos camponeses pelo direito à terra. “Hoje, estamos cada vez mais vendo que temos que cuidar da terra para poder nos alimentar e viver nela. Qualquer coisa que se fale de terra é importante, mas aqui temos movimentos populares de agricultores, indígenas, que trabalham com cultura orgânica e familiar, pessoas que realmente querem cuidar da terra e viver com a terra, não apenas viver da terra”, comenta.
Foto: Luiz Pasinato - CPT RS
O pastor Roberto Zwetsch, membro da coordenação nacional da Pastoral Popular Luterana (PPL), observa que a Romaria da Terra dentro do catolicismo não é majoritária, mas é uma expressão viva da pluralidade e da abertura para todos os seguimentos da sociedade que lutam por justiça social, mudanças, transformações. “Essa Romaria é muito oportuna, trazer esse povo todo para esta pequena cidade e mostrar a solidariedade presencial, ativa é importante para todos e principalmente para as pessoas daqui, para mostrar que elas não estão sozinhas e que a reconstrução não precisa vir apenas dos órgãos públicos, pode vir de baixo também.”
“Reconstruir, recuperar terra e esperança”
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, lembrou do importante trabalho das cozinhas solidárias que deram conta de levar alimento de qualidade para os atingidos e contribuíram nessa rede de solidariedade tão necessária que esta romaria traz para reflexão. “Muitos agricultores perderam não só a casa, o galpão, seus animais, sua criação, perderam inclusive a terra. A terra agricultável, a terra forte, foi para dentro dos rios.”
Ele ressalta que é preciso reconstruir, recuperar terra e esperança. “Porque locais aonde moravam seus avós e pais, a água levou embora. Vemos aqui locais onde as casas estão condenadas, não será mais possível habitar. E o Poder Público tem que dar conta de colocar essas pessoas num lugar habitável. Onde elas realmente possam recomeçar as suas vidas emocionalmente, socialmente e economicamente.”
O ex-ministro Olívio Dutra pontuou a necessidade de preservar e respeitar o meio ambiente para manter um desenvolvimento ecologicamente sustentável. “A mãe natureza é mãe de todos nós, mas que o capitalismo na fase neoliberal quer tirar da mãe natureza tudo o que é riqueza para aumentar seus lucros e socializar a miséria e a pobreza. E o que aconteceu aqui foi a natureza se rebelando com décadas de agressão que vem sofrendo. E esta Romaria é para relembrar tudo isso e mostrar a solidariedade com as famílias que perderam tudo e alguns perderam até pessoas queridas.”
A mística e a missa
Após a caminhada, na praça central, na mística foi feita a leitura da carta da 47ª Romaria da Terra e realizada a missa. Houve um momento da bênção às cozinhas solidárias, a voluntárias e voluntários, à Missão Sementes de Solidariedade e às doações recebidas ao longo do evento.
Foto: Luiz Pasinato - CPT RS
Durante a apresentação da Missão Sementes de Solidariedade, a secretária executiva da Cáritas Regional RS, Jacira Teresinha Dias Ruiz, lembrou que questões climáticas estão aí e não podem ser evitadas. “Temos que estar organizados e mobilizados para enfrentar, com políticas públicas que de fato preparem as comunidades e as famílias para os impactos das mudanças climáticas. No caso da nossa missão, das Sementes Solidárias, são políticas públicas para produção de alimentos através da agricultura familiar e camponesa.”
“Infelizmente o agro tem tomado conta do que é mais sagrado para gente, os recursos naturais. Em todo território brasileiro que ainda tem indígena, a terra continua intacta. Estou me colocando aqui como parte de tudo que está acontecendo e tomar isso como aprendizado para não acontecer novamente. Ser um chacoalhão para cada um de nós”, afirmou Eloir de Oliveira, indígena Mbyá Guarani da retomada Nhe’engatu, de Viamão.
Preparando a Romaria de 2026
O encerramento contou com apresentações artísticas e uma intervenção da Nación Pachamama. Também foram anunciados data e tema da próxima Romaria, que vai destacar a questão indígena, na região das Missões.
“A próxima Romaria da Terra vai acontecer no dia 17 de fevereiro de 2026 no santuário do Caaró, no município de Caibaté. Para nós é de extrema alegria levar essa Romaria para lá após essa, tão profética, sobre a casa comum”, disse a coordenadora da próxima romaria Lisiane Dutra, da Diocese de Santo Ângelo.
Ela destaca que o aprendizado inicia já com a preparação para o evento de 2026. “Teremos a oportunidade de aprofundar ainda mais essa Campanha da Fraternidade. Ano que vem fará 400 anos das Missões e será um momento de refletir sobre essa caminhada, e também dos 270 anos de martírio do Sepé Tiaraju“, complementou Lisiane.
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