COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da Repórter Brasil e equipes da CPT Xinguara e Marabá (PA)

Famílias acampadas na Fazenda Santa Lúcia participam de audiência. Foto: Acervo CPT

Na última sexta-feira (07), as famílias que residem na ocupação Jane Julia, imóvel da antiga Fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco (PA), comemoraram o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava no sul de Minas Gerais assinando a desapropriação de sete áreas de fazendas para reforma agrária. Contudo, o decreto não garantiu a suspensão do processo de reintegração de posse, que corre na Vara Agrária de Redenção (PA) contra os ocupantes. No mesmo dia da assinatura, as famílias foram intimadas pelo oficial de justiça para comparecer em uma audiência da Comissão de Conciliação de Conflitos do Tribunal de Justiça no próximo dia 25 de março, demonstrando que a caminhada do processo de aquisição da área ainda é muito longa.

As demais fazendas, também ocupadas por trabalhadoras e trabalhadores rurais sem-terra, estão nos estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul. Ao todo, são 13 mil hectares com potencial para assentar 800 famílias, o que é um número muito pequeno em relação à demanda pela regularização de terras em todo o país.

A área da fazenda Santa Lúcia é a maior dentre as demais (mais de 5 mil hectares), e também a mais simbólica da luta pela terra e da violência no campo: em 24 de maio de 2017, dez trabalhadores sem-terra, sendo nove homens e uma mulher, foram executados por policiais no conhecido Massacre de Pau D’Arco, o maior do século no país. Embora 16 policiais tenham sido acusados, todos aguardam julgamento em liberdade, e as investigações sobre os mandantes do crime não avançaram. Após o massacre, cerca de 220 famílias voltaram a ocupar a área, mas a violência continuou. Em janeiro de 2021, Fernando Araújo dos Santos, principal testemunha da chacina, foi assassinado após denunciar ameaças de policiais.

“Fernando sempre dizia que essa propriedade já foi paga com o sangue derramado pelos trabalhadores. Em outras palavras, ele queria dizer que a fazenda Santa Lúcia não tinha outro destino a não ser o assentamento das famílias que ocupam atualmente aquela terra, assim como aconteceu em Eldorado dos Carajás, onde a Fazenda Macaxeira foi destinada e hoje é o Assentamento 17 de abril”, afirma José Batista, advogado da CPT Marabá.

O passo seguinte é o Incra entrar com uma ação judicial de desapropriação do imóvel. Os proprietários terão que comprovar nesta ação que realmente são proprietários legais da área, e se não comprovarem, a área poderá ser arrecadada como terra pública. Nesta espécie de ação a Justiça Federal deve conceder uma liminar de autorização de imissão de posse ao Incra na área, para que em seguida o órgão federal possa efetivar a criação e implantação do assentamento das famílias.

“A desapropriação destes imóveis é uma sinalização positiva de retomada da reforma agrária, mas ainda está acontecendo de forma muito acanhada neste governo, que já está no terceiro ano. As iniciativas são tímidas, mas têm um valor simbólico importante, principalmente no contexto de crescimento da extrema direita no Brasil e no mundo, que defende políticas totalmente contrárias às populações do campo e aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais”, acrescenta Batista.

Para o advogado José Vargas Júnior, do Coletivo Veredas, que representa judicialmente as famílias da ocupação, o momento é de festejar, mas não de criar um clima festivo, como se o problema tivesse sido solucionado: “Tem áreas no Pará que foram decretadas para reforma agrária e posteriormente não foram adquiridas pelo Incra. Também é relevante garantir orçamento para a aquisição desta área e a conclusão do processo administrativo, porque hoje falta recurso, em razão do desmonte das políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária em benefício dos investimentos para o agronegócio.”

A avaliação das famílias acampadas é de que, mesmo sendo um passo importante, a desapropriação é apenas um primeiro passo. A cobrança dos movimentos e entidades deve ser mantida para que o Estado brasileiro dê prioridade, considerando esta área onde houve um massacre que já vai completar oito anos.

“A comunidade está feliz pelo grande avanço no processo que foi a desapropriação da Fazenda Santa Lúcia. Eu já tinha essa esperança de que isto acontecesse com a eleição do presidente Lula, e também com a mobilização dos movimentos sociais, da CPT e outras organizações de direitos humanos e diversos parceiros que nos defendem aqui, que estariam cobrando o governo federal para isso acontecer. Mesmo assim, nós esperamos a finalização do processo de aquisição, porque tem uma decisão judicial de reintegração de posse para nos tirar da área. Existe uma preocupação nossa, e enquanto não finalizar estes processos, a gente fica ansioso pra se resolver logo”, afirma Manoel Gomes Pereira, presidente da Associação Nova Vitória, que reúne os acampados na fazenda Santa Lúcia.

Demanda pela reforma agrária

Além da fazenda Santa Lúcia, as seguintes propriedades também estão na lista de desapropriação para reforma agrária:

  • Fazendas: Ariadnópolis, Mata Caxambu e Potreiro (Campo do Meio/MG);
  • Fazenda Crixás (Formosa/GO);
  • Fazenda São Paulo (Barbosa Ferraz/PR);
  • Fazenda Cesa/Horto Florestal (Cruz Alta/RS).

Segundo dados obtidos pela Repórter Brasil via Lei de Acesso à Informação, pelo menos 145.100 famílias vivem acampadas no Brasil à espera de um lote de terra para cultivar. O governo Lula afirma ter assentado 71 mil famílias em 2024, mas o MST contesta esse número, alegando que apenas 5.800 famílias receberam terras novas. O restante, diz o movimento, teriam sido processos de regularização e reconhecimento de lotes já existentes. Na prática, apenas 4% da demanda total teria sido atendida no ano passado.


Acompanhe algumas notas e matérias publicadas sobre este caso:

24.05.2019 - Nota Pública - Dois anos do massacre de Pau D'Arco: É preciso pôr fim à barbárie no campo!

24.05.2023Nota Pública: O massacre de Pau D’arco e a sede por justiça

24.05.20247 Anos do Massacre de Pau D'arco, um crime que segue violentando pela impunidade

31.05.2024Justiça por Pau D'arco: atividades fazem memória às vítimas do massacre e cobram o fim da impunidade

27.01.2025Nota Pública: Quem mandou matar Fernando,  Zé do Lago, Márcia e Joane?

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