COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Edição: CPT Regional Rondônia

Entre os dias 24 e 26 de janeiro de 2025, no território do povo Puruborá, que resiste e luta por sua demarcação, reuniu-se uma rica diversidade de vozes: juventude, sabedores, anciãs, crianças e mulheres. Esse encontro marcou a última etapa da jornada regional de educomunicação “Somos as Vozes da Terra, das Águas e Florestas”, uma iniciativa fortalecida pelo apoio do Fundo Casa, Fundo Brasil, CESE e Misereor.

(Foro: Aurélio Oro Waram)

A jornada de educomunicação, sonhada e construída pelo coletivo de juventude da Rede dos Povos de Rondônia, é um elo vivo entre jovens lideranças que lutam pela terra, pelo território e pelos direitos de suas comunidades. Dividida em três etapas, essa caminhada se fortalece, tecendo alianças com a CPT Rondônia, o grupo Rádio, Educação e Cidadania (REC), o Comitê de Defesa da Vida na Bacia do Rio Madeira (COMVIDA), o Coletivo Mura, a ASAEX, a Associação Maxajã e o ICMBio – Unidade Guajará-Mirim. A cada encontro, saberes e resistências se entrelaçam, construindo um movimento coletivo de voz e transformação.

“Eu, como Jovem extrativista, venho dizer a importância da  jornada de Educomunicação para a nossa forma de se expressar como um povo tradicional dessa rede, trazendo novos conhecimentos passados durante a jornada com muita atenção, carinho, alegria e bastante energia positiva, fortalecendo a cultura e a troca de novas experiências, seja ela a cultura  religiosa, extrativista, originária, ribeirinha, quilombola, capoeira  e outros territórios presente nessa teia da jornada de Educomunicação e também a própria energia do território que foi muito forte nessa última etapa trazendo inspirações para irmos para a luta por nossos direitos” (Felipe, jovem liderança da RESEX Rio Ouro Preto, membro do CROPS, CPT e COMVIDA)

(Foto: REC)

Memória de Vida

Na primeira etapa da jornada, os participantes imergiram nas RESEX Piquiá e Castanheira. Ali, a juventude vivenciou o cotidiano de territórios extrativistas que resistem às ameaças de madeireiras, à financeirização da floresta e às constantes violações socioambientais e humanas. Descobriram um lugar pulsante de vida, visitando as prensas de borracha, conhecendo as facas tradicionais de corte da seringueira e sapatos feitos do látex e se encantando com a sociobiodiversidade: castanheiras, seringueiras, babaçuais e a rica cultura dos seringueiros.

(Foto: coletivo de juventude)

“O que mais marcou essa etapa foi a presença imponente da árvore seringueira, símbolo da relação histórica e de subsistência das comunidades com a natureza. A seringueira é não apenas fonte de trabalho e renda, mas também um ponto de resistência e sobrevivência diante das pressões externas sobre a floresta.” (Jheneffer Puruborá)

(Desenho feito pelo jovem Gabriel, na RESEX Piquiá)

A segunda etapa levou o grupo à RESEX Rio Ouro Preto, onde foram acolhidos por trilhas cheias de histórias e pela força dos rios, das florestas e da cultura que conecta o povo às suas raízes. Foi nesse cenário que o grito da juventude ecoou ainda mais alto, em uma forte aliança com o Coletivo Rio Ouro Preto Sustentável (CROPS), uma potência que inspira novas gerações da reserva e carrega a esperança.

(Foto: coletivo de juventude)

“Na segunda etapa, também em uma reserva extrativista, a conexão com o rio foi o que mais nos impactou. O rio não é apenas um recurso hídrico, mas uma via de vida, um espaço de convivência e de preservação das práticas culturais. Nesse local, também tivemos a oportunidade de conviver com os povos indígenas, que compartilham de uma visão de mundo profundamente conectada à natureza.” (Jheneffer Puruborá)

A vivência dessas duas etapas sensibilizou profundamente o grupo. Cada encontro foi marcado pelo registro da memória de vida dos territórios, partilhada pelos sabedores e sabedoras que conectaram seus corações e histórias à juventude. Nesse processo, reconheceram-se como protagonistas de uma história que brota do chão, das árvores, dos rios e da resistência de seu povo.

(Foto: REC)

Como fruto dessa experiência transformadora, nasceu a ideia de criar uma cartilha, um documento vivo para preservar e compartilhar as memórias das vidas tocadas pela jornada, a partir do registro de falas, histórias, lugares sagrados e a luta de cada território que acolheu a jornada. Mais do que uma publicação, essa cartilha se torna um testemunho do compromisso coletivo com a história, a cultura e a resistência de cada território.

Em cada etapa a juventude construía os fios de memória a partir de desenhos feitos por suas próprias mãos, resgatando suas identidades, envolvimento e pertença para contar a história que vêm de nossas vivências e é tecida no seio do povo e pelo povo. Foi possível, assim, realizar uma troca de sentidos e sentimentos sobre as vidas reencontradas em cada jornada, que será nos próximos passos, compartilhada e publicizada. 

Brasil terra indígena, marco temporal não!

(Foto: Roberto Ossak)

Essa frase marca a última etapa, realizada no contexto de luta indígena pela demarcação dos territórios. O encontro aconteceu na aldeia Aperoi do povo Puruborá. Em meio a dias de intensa chuva com o inverno amazônico, a juventude foi agraciada por dias de forte sol, que, para nós, representa a força divina irmanada em cada espírito e o desejo de lutar.

Os tambores ressoavam a cada amanhecer e anoitecer, os maracás moviam corpo e alma em celebração à espiritualidade da floresta. Os berimbaus traziam alegria, enquanto o canto e o gingado celebravam a união de todos os povos: indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e populações tradicionais de terreiro.

“A última etapa aconteceu na minha aldeia, onde recebi essa jornada com um sentimento de acolhimento e união. O que mais marcou esse momento foi a união dos povos – indígenas, extrativistas, quilombolas, pessoas de terreiro e outros povos tradicionais – em torno de um propósito comum: a defesa de nossos territórios e modos de vida. Foi uma celebração da diversidade cultural e da resistência, onde, através da comunicação, conseguimos ecoar nossas vozes e fortalecer nossa luta em um cenário global que muitas vezes tenta silenciar nossas histórias.” (Jheneffer Puruborá)

(Foto: Aurélio Oro Waram)

Educomunicação: vozes da terra, das águas e florestas

Para visibilizar os anúncios e denúncias a partir dos territórios, foram realizadas formações em educomunicação junto ao grupo REC da Universidade Federal de Rondônia, um coletivo que tem buscado lutar junto às comunidades tradicionais e originárias por meio da comunicação e educação popular. Partilhando vivências, histórias, sentimentos e espiritualidade, foram meses de troca de saberes sobre a comunicação popular e comunitária como forma de empoderar nossas vozes.

Com isso, foi possível construir oficinas sobre fotografia e podcast, ferramentas que se tornaram flechas para nós, instrumentos de luta nas mãos dos povos. Na terceira etapa, o encontro possibilitou que diversos grupos de diferentes gerações e territórios se conectassem em torno de temas fundamentais para avançar na resistência.

“Essa jornada foi de grande importância, pois nos permitiu entender que a comunicação não é apenas uma ferramenta de troca de informações, mas uma forma de resistência e afirmação de identidade.” (Jheneffer Puruborá)

Entre os temas discutidos estavam a demarcação dos territórios, proteção de defensores, privatização dos rios, auxílio e bolsa verde para extrativistas, a campanha “De olho aberto para não virar escravo”, capoterapia, luta contra a intolerância religiosa e contra os agrotóxicos. A partir desses debates, serão divulgados pelo menos 8 podcasts feitos pelas vozes envolvidas na construção, amplificando os resultados dessa união e resistência coletiva.

(Foto: Aurélio Oro Waram)

"A partir da jornada pudemos conhecer novos caminhos, novos conhecimentos, se comunicar, mostrar um pouco mais da nossa cultura religiosa, onde a gente foi bem recebido, todos participaram, mostraram que a diversidade é boa, a sociedade nos aceitou. E isso é bom porque a gente teve um lugar onde a gente pôde falar, onde a gente pôde mostrar a nossa fala, mostrar o que somos, o que realmente somos. Ninguém teve medo de se impor, ninguém teve nenhum preconceito, lutando por demarcação e pelas nossas culturas." (Heloisa Gomes, representante do povo de terreiro)

(Foto: Roberto Ossak)

Joabe Cruz e Serginho Mura, Semente!

(Foto: acervo pessoal de Sérgio Mura)

Durante o encerramento realizamos um ato simbólico com plantio de mudas de mutamba, representando o elo entre as comunidades que receberam as etapas das jornadas e povos e aliados envolvidos nas lutas com a juventude e a Rede dos Povos. 

(Foto: Roberto Ossak)

“Ao final da jornada, juntos, plantamos árvores, primeiro para colaborar com a Mãe Natureza com a mãe terra, nesse cuidado para renovar o ar puro que precisamos para viver, segundo como gesto de unidade entre os diferentes povos e comunidades tradicionais, que apesar das diferenças nos mantemos Unidos para a luta contra o etnocídio, contra a destruição do meio ambiente, contra tudo o que destrói a vida. Seguimos fortalecidos fazendo ecoar as nossas vozes em favor do Bem Viver” (Brenice Azevedo, conselheira da CPT-RO)

Foi nesse momento que selamos nossas lutas, sonhos e reivindicações pela proteção e defesa de nossos corpos e territórios, lembrando a presença profunda de nossa juventude das lutas, ecoando os nomes de Joabe Oliveira da Cruz, extrativista filho de nossa liderança Vera Oliveira da Cruz, que deixa um legado marcante para a luta da juventude.

(Foto dos agradecimentos em memória que foi entregue a família de Joabe)

Juventude empoderada, fortalece a educomunicação popular!

Durante as etapas da jornada, a juventude esteve empoderada para consolidar uma formação potente na comunicação popular e comunitária. Dessa maneira, foi possível garantir a certificação e envolvimento de mais de 90 jovens, lideranças, aliados com  rodas de conversa, oficinas, vivências culturais e troca de saberes sobre comunicação popular e comunitária nos territórios.

“Essa jornada foi um exemplo real e concreto de união, comprometimento e colaboração mútua entre diferentes sujeitas e sujeitos viventes nos territórios da nossa Amazônia. O ‘com’, o comum, o comunitário, a comunicação, se fizeram presentes para reverberação da denúncia e do anúncio de proteção das paisagens amazônicas, e para fortalecer os ecossistemas comunicativos de cada povo presente em nossa caminhada nesse projeto. Que as sementes da Jornada Regional de Educomunicação floresçam e se multipliquem na vida e ação de cada uma e cada um, em suas individualidades e na totalidade de seus espaços de luta. Esperancemos!”, reflete a professora Evelyn Morales, coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Rádio Educação Cidadania (REC), da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Assim, o coletivo de juventude da Rede dos Povos de Rondônia sela o compromisso e o ânimo de lutar, com seus rostos, corpos, territórios e vozes, contra qualquer silenciamento, opressão e violência para o hoje e o amanhã. A juventude encerrou o plantio com a declamação do poema:

“Somos sementes que o amanhã sustenta,

comunicação que informa e a luta alimenta.

Da Rede dos Povos, levamos a esperança,

e o compromisso de lutar com perseverança.

Que os tambores nunca parem de soar,

que os maracás continuem a vibrar.

Contra a violência que tenta calar,

contra o veneno que busca matar,

somos escudo, memória e ação,

somos o grito de cada geração

Terra, água e floresta, somos tua oração,

caminhando contigo, até o último chão.”

(Foto: Roberto Ossak)

(Foto: Aurélio Oro Waram)

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