Desde terras amazônicas, os 27 anos da Rede dos Advogados e Advogadas Populares - RENAP - é marcado pela reafirmação do compromisso com os movimentos sociais e fortalecimento da assessoria jurídica popular
Via Página do MST
Foto: Reprodução
Entre os dias 05 a 08 de outubro de 2023, cerca de quarenta advogadas e advogados populares de todas as regiões do país se reuniram em Porto Velho – Rondônia para o XXVII Encontro Nacional da Rede de Advogadas e Advogados Populares – RENAP. Também estiveram presentes organizações da sociedade civil, universidades, representantes de órgãos públicos e movimentos sociais e populares ligados à defesa dos direitos humanos e da natureza.
A RENAP se constitui como um dos espaços que historicamente realiza a articulação de advogadas/os que atuam com os movimentos populares no Brasil, em suas diversas dimensões estruturais de classe, gênero, raça, diversidade sexual e geracional, na proteção contra a violência e espoliação pelo modelo de desenvolvimento econômico, na defesa diante da criminalização da luta por direitos, bem como na afirmação de novos direitos que se constroem na luta social organizada.
Reunidos nas margens secas do Rio Madeira, um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas, sentindo o cheiro da fumaça das queimadas, conhecemos um pouco mais dessa realidade. É muito marcante ver que em decorrência da gravidade da crise ambiental as usinas hidrelétricas construídas para gerar energia nesse rio, hoje estão em desuso.
Nos reunimos após quatro anos sem encontros nacionais presenciais em razão da pandemia que deixou cerca de 700 mil mortes causadas pela COVID-19 no Brasil. Um doloroso reflexo do governo genocida de Bolsonaro que nosso país testemunhou, um período caracterizado pela preocupação crescente com o autoritarismo, medidas de exceção e um discurso de ódio que permeou a esfera política do país. Pós-derrota eleitoral ainda houve a tentativa de golpe contra a democracia brasileira, no qual tomou posse um dos congressos mais favoráveis a bala, bíblia e ao boi da nossa história. A polícia mata e as emergências climáticas comprovam o quão nefasto o agronegócio e o modelo primário-exportador são para o país e ao povo.
Sem dúvida, a vitória eleitoral do campo progressista, fruto da luta popular, representa um momento importante na retomada da democracia no Brasil, retomada das políticas públicas e participação ativa da sociedade civil. Nesse encontro também celebramos os 35 anos da Constituição Federal, ao qual instituiu uma ordem jurídica comprometida com a igualdade, o pluralismo e a inclusão, fundamentalmente na defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito.
É nesse contexto sociopolítico que se reuniram não só advogadas/os, mas também estudantes de direito, militantes dos movimentos populares lutadores pela terra, moradia, pelas águas, florestas, igualdade de gênero, contra o racismo, machismo, fascismo, xenofobia, contra qualquer discriminação de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero e características sexuais, contra a criminalização da maconha e contra as injustiças e as desigualdades que afetam especialmente as populações negras e periféricas. Identificados em torno da tarefa da advocacia para jurídica popular, esse encontro anuncia a reconstrução da rede em torno da nossa identidade e causa.
As injustiças que tornaram necessárias a criação de uma rede nacional, apesar de todas as conquistas sociais dos movimentos sociais e populares nesses vinte e sete anos, ainda se fazem presentes e, portanto, segue necessária a articulação nacional de advogadas/os que aderem à rede de forma livre, voluntária e gratuita, adesão irrevogável com as lutas populares, sendo o sentido de suas atuações jurídicas, de forma permanente, urgente e ativa.
Nesses vinte e sete anos a RENAP atuou na luta contra as barragens, as mineradoras, os agrotóxicos, os transgênicos, contra o desmatamento na Amazônia e Cerrado, na defesa da reforma agrária, na promoção dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais; se posicionou pela igualdade de gênero, na garantia de direitos da população negra e combate ao racismo, e direitos das pessoas LGBTQIAPN+, sempre no caminho para a justiça, igualdade e inclusão. Se fez presente na luta dos movimentos sociais e populares, atuando na educação popular em direitos, na defesa em ações judiciais, proteção de defensores de direitos humanos, contra a criminalização de lideranças populares e a violência no campo e cidade. Elaborou coletivamente teses jurídicas que acompanhassem os benefícios e avanços que esses movimentos sociais e populares trouxeram para a sociedade brasileira, realizando atividades de formação para os membros/os da Rede, seminários, cadernos, publicações, pensamento crítico sobre o direito, acesso e democratização do nosso sistema de justiça, bem como, a educação jurídica nacional.
Muitas foram as vitórias nesses vinte e sete anos, desde o primeiro agravo de instrumento que suspendeu ordem de reintegração de posse de imóvel que não cumpria a função social, passando pelo reconhecimento de que ocupação de “terras não é esbulho possessório”, até as decisões que determinam ao estado brasileiro a estruturação de políticas públicas para indígenas e quilombolas, assim como despejo zero em todas as ocupações urbanas e rurais no Brasil durante a pandemia. Muitas são causas do presente que ainda desafiam.
Queremos superar esse sistema econômico, político e jurídico desenhado e imposto para a dominação, expropriação humana pelos próprios humanos que coloca o planeta e a vida em risco.
Enquanto essa superação não acontece, a RENAP segue conectada com as causas no presente, as quais nos motivam a seguir na luta: o enfrentamento territorial dos povos da América Latina que perpassa estruturalmente pelas questões socioambientais; a superação da ideologia do ser, do querer e do ter; a garantia às camponesas e camponeses e aos povos de comunidades tradicionais o livre exercício dos seus modos de vida e produção em seus territórios, baseados no respeito a mãe terra, livre de agrotóxicos e com a preservação das águas, florestas e biomas, garantido a esses sujeitos a sua existência, proteção e permanência; a não mercantilização da água, das florestas e do carbono. Na luta urbana, pelo direito à moradia, acesso aos serviços básicos, busca por justiça social com oportunidade de viver com dignidade. No campo, pela efetivação da dimensão constituinte da reforma agrária, investimento do estado brasileiro na criação de assentamentos que promovam a agroecologia, na titulação célere de todos os territórios quilombolas e demarcação das terras indígenas.
A assessoria jurídica popular segue necessária para a transformação social, haja vista a compreensão que possui do papel e da tarefa das lutas dos movimentos sociais e populares para essas transformações, e do seu lugar nessas lutas. Sabendo que a organização talvez seja a única fonte de poder do povo, ela é o caminho também para a assessoria que pretende pensar e agir coletivamente com ele e com as/os colegas de trabalho e a luta.
Vida longa para as/os advogadas/os populares, que de forma coletiva, com os movimentos sociais e populares, defendem quem luta, promovem direitos humanos, fazem das bandeiras daqueles as suas bandeiras, as mais generosas de nossa sociedade nesse tempo histórico, e das suas vidas, a defesa das outras, especialmente das mais injustiçadas, marginalizadas e necessitadas.
Vida longa para quem vive a serviço do povo organizado!
Vida longa à RENAP!
Porto Velho (RO), 08 de outubro de 2023.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Regional Rondônia
Foto: Valdinei Coelho / CPT Rondônia
Mais de 28 anos depois do massacre de Corumbiara (RO), a comunidade, familiares e demais pessoas envolvidas ganham um espaço para honrarem a memória e fortalecerem a luta e resistência, para continuarem vivendo e produzindo no assentamento. A cerimônia de inauguração do espaço, realizada no último dia 02 de outubro, contou com a presença de lideranças de movimentos sociais, sindicatos, assentadas e assentados da reforma agrária, lideranças religiosas e políticas. Representando a Diocese de Guajará-Mirim, também esteve o pároco local, pe. Josiel Santos.
O monumento conta com um pedestal e placa de metal, personalizada de acordo com a escolha dos moradores, e está localizado no assentamento Alzira Augusto Monteiro, próximo ao local do massacre. A organização do memorial é coordenada por Valdinei Antônio Coelho (Nenzinho), e parceria e acompanhamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - Regional Rondônia.
A reivindicação pelo espaço começou no último mês de agosto, durante o lançamento das Referências Técnicas para Atuação das (os) Psicólogas (os) em Questões Relativas a Terra, publicação organizada pelo Conselho Regional de Psicologia Rondônia/Acre (CRP 24a Região). No momento de escuta, agricultores e agricultoras familiares falaram das dificuldades de atendimento psicológico no campo, sendo a política de saúde mental uma grande lacuna e demanda das comunidades camponesas, ainda mais agravada diante das violências enfrentadas.
Para o psicólogo Cleibson André Nunes Torres, presidente do CRP-24, o espaço servirá para relembrar o passado e olhar para o futuro.
“Nós somos solidários a esta causa desde o início, porque tantos anos depois, é um fato que ainda reverbera dentro das unidades de saúde e das escolas. Este espaço é pra que todos nós possamos dizer que se passaram 28 anos, mas a história continua. Não é um projeto ou palanque político, mas é pra que nós nunca mais esqueçamos o que aconteceu aqui, e também para reivindicarmos políticas públicas de demarcação e titularização de terra, que ainda não estão resolvidas no Brasil”, afirmou.
A opinião foi reforçada por Denise Monteiro, presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Cerejeiras e Pimenteiras: “É preciso lembrarmos do quanto aquelas mulheres sofreram, com suas filhas e filhos, seus companheiros. Penso que devemos nos organizar e manter o compromisso de sempre estar neste local, todos os dias 09 de agosto, pra relembrar o dia do massacre. Isto é reviver a história, honrar as vidas que foram perdidas e renovar a luta.”
“Este memorial é algo pequeno, diante da simbologia do que ocorreu aqui. Mesmo com a realização da prefeitura, este espaço é fruto das mãos e do suor de toda a comunidade”, afirmou o prefeito Leandro Teixeira Vieira, também presente no evento.
Já o agricultor Moacir Camargo, uma das vítimas sobreviventes do massacre, falou que mesmo com a marca muito dolorosa deixada pela violência, comemora a construção do memorial: “Hoje eu me sinto muito honroso, porque muitas crianças que nem tinham noção da violência na época, hoje são homens e mulheres assentadas, lideranças atuantes. Depois de tudo que passamos, somos vitoriosos; tiramos a terra da mão do latifundiário e hoje ela está nas mãos de quem realmente produz”, afirmou.
Ao final da cerimônia, foram plantados três ipês em torno do memorial, sendo a árvore escolhida como símbolo de resistência.
Histórico do massacre – A violência ocorreu em 09 de agosto de 1995, quando 8 trabalhadores rurais sem-terra, incluindo uma criança, foram mortos durante a madrugada, em uma investida de cerca de 300 pistoleiros e policiais contra um acampamento na ocupação da Fazenda Santa Elina, com bombas e tiroteio por cerca de quatro horas. A ação aconteceu de surpresa, enquanto as famílias dormiam. No confronto, houve reação dos trabalhadores e dois policiais morreram. Do lado dos sem-terra, além dos mortos, outras 20 pessoas ficaram desaparecidas, 350 gravemente feridas e 200 presas. A perícia e as investigações também apontaram casos de espancamento e tortura entre os sobreviventes. No julgamento acontecido em 2000, saíram condenados dois posseiros e três policiais militares.
Por Comunicação CPT Piauí
Na tarde do último domingo (15), Carlos Rone Salgim ameaçou de morte o Sr. Juarez Celestino, liderança no território Melancias, município de Gilbués, no Piauí.
A ameaça ocorreu junto aos moradores da comunidade Passagem da Nega, no mesmo território. Segundo os moradores, Salgim estava bastante exaltado e, além de dizer que os moradores deveriam sair daquela área, afirmou ainda que “já estava encomendada a pessoa que irá matar o Sr. Juarez”. Rone, como é conhecido na região, já ameaçou Juarez em outras ocasiões.
Nesta segunda feira (16), foi registrado um boletim de ocorrência no município de Corrente e as autoridades estaduais e nacionais foram também comunicadas.
As 42 famílias que vivem há gerações de modo tradicional no território Melancias vêm sofrendo com o avanço do agronegócio, que desmata, abusa de agrotóxicos, contamina suas águas e plantações. Além disso, são vítimas de ameaças de expulsão e de morte, como as ocorridas recentemente.
O Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado no Piauí, a Comissão Pastoral da Terra-PI e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos repudiam e denunciam mais essa violência, ao mesmo tempo em que cobram das autoridades competentes as medidas necessárias para garantir a vida e a dignidade das famílias do território Melancias.
Erosão no território Melancias. Crédito: Mariella Paulino.
“Eu vim de longe para encontrar o meu caminho, tinha um sorriso e o sorriso ainda valia, achei difícil a chegada até aqui, mas nós chegamos, nós chegamos...”
Foto: Ludmila Pereira (Articulação Agro É Fogo)
(De 04 a 07 de outubro de 2023 em Montes Claros – Minas Gerais)
Chegamos acolhidas pelo Centro de Agricultura Alternativa (CAA), chegamos com a justiça no romper da madrugada, de lugares e jeitos diferentes cheias de expectativas, saberes e fazeres; estamos chegando pelas portas e janelas, rios e vielas. Nós estamos chegando com nossos cantos, poesia, sonhos, ancestralidade, espiritualidade, fortalecidas pelas vozes de espaços políticos como a Marcha das Margaridas e Marcha das Mulheres indígenas. Somos mulheres de vários povos, Apinajé, Xerente, Xakriabá, Akroá Gamela, Kiriri, Tuxá, Comunidades Quilombolas, geraizeiras, ribeirinhas, veredeiras, sem-terra, raizeiras, benzedeiras, caatingueiras, apanhadoras de flores, vacarianas e quebradeiras de coco babaçu, reafirmando nossos modos de vida tradicionais como plantadeiras de semente boa. Somos a Sociobiodiversidade do Cerrado!
Tempos de reconstrução, antigos desafios
Permanecem os problemas estruturais que impactam a vida dos povos e seguem as violações dos direitos à terra e território, à água e a biodiversidade. O avanço do agronegócio, do hidronegócio e da mineração traz a concentração e grilagem e o cercamento das terras, desmatamento, levando ao esgotamento, a poluição do solo, das águas e dos alimentos. Vivemos situações extremas: onde há comida, mas não há água para preparação. A riqueza da biodiversidade do Cerrado é celebrada nos nomes de lugares e de coletivos de mulheres, como o Grupo de Mulheres Flores de Pequi e os lugares como Bocaiúva e Fruta de Leite. Mas essas frutas que são tão importantes nas culturas alimentares, no uso medicinal e na fonte de renda das mulheres estão mais escassas.
A destruição das chapadas que são áreas de recargas hídricas do Cerrado, somada ao aumento da captação de água dos aquíferos, está reduzindo a vazão dos córregos, rios e provocando a seca das veredas, e consequentemente diminuindo a safra de frutos de áreas úmidas e impactando a reprodução dos peixes que são fonte de proteínas para mulheres e suas comunidades. Ao mesmo tempo, crescem as propostas mercadológicas de apropriação privada dos bens comuns e de projetos de crédito de carbono, que se configuram mais como falsas soluções.
Denunciamos o avanço da mineração: lá onde existiam animais, plantas medicinais, frutos nativos, hoje, são crateras que extraem lucros em detrimento das condições de vida dos povos, deixando cicatrizes profundas nos corpos das mulheres, na saúde das comunidades e nas paisagens dos territórios.
Denunciamos a orquestração de normativas que buscam bloquear conquistas históricas de proteção e reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A votação do Supremo Tribunal Federal sobre o Marco Temporal representou uma vitória parcial, carregada de graves condicionantes. Além disso, mantém-se a ofensiva legislativa contra o direito originário dos povos indígenas.
Clamamos pelo fim de todas as formas de violência de gênero e raça, que expressam o ódio, aprisionam, silenciam, dominam, adoecem e matam as mulheres. Manifestamos a nossa firme oposição à invisibilidade da violência da esfera doméstica distanciando-a da sociedade e do Estado. Numa sociedade patriarcal e racista, não podemos ignorar e deixar de protestar contra as formas de violência institucionais que precisam ser combatidas.
Nas terras e nas águas das resistências recontamos nossas histórias
Continuamos com os nossos ritos e ancestralidades, (Re)existindo e reinventando novas formas de organização, de produção, acessando os mercados institucionais, revitalizando as feiras, reafirmando as interconexões entre o Cerrado e a Caatinga em na convivência com a natureza.
Estamos protagonizando inovações a partir dos lugares que ocupamos, como cooperativas, associações, coletivos de mulheres e sindicatos. Nos reinventamos com saberes e sabores com o aproveitamento dos frutos nativos e construção de tecnologias alternativas e artesanais, que se expressam em práticas como os canteiros econômicos e ecológicos e nos diversos usos que fazemos do buriti, do pequi, do jatobá e tantos outros.
Nós, mulheres, ressignificamos a agroecologia e seu diálogo com a agricultura tradicional. Aplicamos os princípios da diversidade, do autoconsumo, reciprocidade, solidariedade e seus sentidos sociais e econômicos para a soberania alimentar.
Nossas vozes ecoam com importantes recomendações para o fortalecimento das mulheres na sociedade e nos seus territórios:
Priorizar, por parte dos órgãos federais e estaduais, a identificação, demarcação e titulação dos territórios indígenas, quilombolas, de povos e comunidades tradicionais, bem como a implementação da política de reforma agrária, condição fundamental para o enfrentamento à violência e para o fortalecimento da organização política das mulheres. Reconhecer a importância dos Protocolos de Consulta Livre, Prévia e Informada (Convenção 169, da OIT) como instrumento de defesa dos povos em seus territórios.
Rever a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Decreto no 5.813/2006), para garantir proteção e fomento para as práticas tradicionais de produção e comercialização de remédios caseiros, bem como reconhecer o ofício das raizeiras e respeitar seus protocolos comunitários bioculturais;
Garantir leis que apoiem e protejam as práticas de agroextrativismo vegetal sustentável (como do pequi, buriti, mangaba, cajuzinho, capim dourado, flores sempre-vivas e outros) e da fauna conservados pela nossa sociobiodiversidade. Respeitar o livre uso e acesso da biodiversidade pelos povos e comunidades tradicionais e camponesas.
Garantir recursos e as condições necessárias de acesso para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Garantia de Preços Mínimo para os Produtos da Sociobiobidiversidade (PGPM-Bio), com aplicação das cotas de participação das mulheres agroextrativistas e camponesas e assegurar orçamento para o III Plano Nacional de Agroecologia.
Adotar metodologia que garanta preços justos e acesso desburocratizado à PGPMBio e equiparação de preços para compras dos alimentos destinados ao PNAE e PAA.
Efetivar a implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI). E criar políticas de fomento para a produção de alimento em terras indígenas;
Formular e efetivar as políticas públicas de acesso prioritário à água e ao saneamento básico vinculado diretamente ao direito humano à saúde, à alimentação e soberania alimentar;
Garantir o reconhecimento, proteção e promoção, por parte do Estado, às tecnologias tradicionais de uso, gestão e aplicação de princípios da agricultura tradicional e agroecológica para a conservação do meio ambiente e produção de alimentos saudável;
Efetivar a participação igualitária das mulheres nos espaços políticos de decisões das organizações da sociedade e nos espaços de gestão de políticas públicas. E incorporar medidas contra todas as formas de violências, preconceitos e discriminação para afirmar a igualdade étnico-racial.
Convocamos a sociedade para aderir à campanha #VetaLula PL 2903/2023 que fere o direito constitucional originário dos povos indígenas. E convocamos também, a sociedade e parlamentares para aprovarem a Emenda Constitucional que reconhece o Cerrado e Caatinga como Patrimônios Nacionais (PEC 504/2010).
Seguiremos nosso caminho fortalecendo a Articulação das Mulheres do Cerrado com ações coletivas, organização nas comunidades, realização de intercâmbios e com aprofundamento de temas como eliminação dos agrotóxicos, acolhimento das juventudes e construção de uma estratégia política de comunicação popular, contanto e registrando nossas histórias.
Montes Claros, 07 de outubro de 2023
*Baixe a Carta Final do III Encontro Nacional das Mulheres do Cerrado na íntegra e compartilhe!
Por CPT-AT
Fotos: Ludimila Carvalho
Na última quinta-feira (12), as comunidades camponesas tradicionais da Serra do Centro, localizada no município de Campos Lindos-TO, se reuniram na comunidade Raposa para a “I Festa das Sementes Crioulas”, um espaço místico, que remete a tradição ancestral, celebrando a vida que nasce da terra. Durante a festa, que contou com o apoio da CPT Araguaia-Tocantins, houve uma celebração ecumênica e trocas de sementes.
Para os camponeses, a preservação e troca das sementes crioulas é um ato de resistência contra o avanço massivo do agronegócio e uma resposta aos projetos de morte que produzem a destruição da Mãe Terra e violenta o bem-viver dos povos, territórios e comunidades.
As comunidades da Serra do Centro, historicamente localizadas na região, atualmente encontram-se ameaçadas pelo projeto de expansão das fronteiras agrícolas do Matopiba. São vítimas da grilagem dos seus territórios e cercadas pelos desertos verdes do monocultivo de soja, enfrentam o envenenamento de suas águas e corpos por agrotóxicos.
Diante dessas ameaças, as comunidades da Serra do Centro unem forças e, este ano, promoveram a Festa das sementes crioulas como uma forma de manter a autonomia sobre seus modos tradicionais de produção e proteger a sociobiodiversidade local. Os camponeses e camponesas compartilham suas variedades de sementes alimentícias e medicinais, que são símbolos da sua identidade e resistem ao agronegócio.
As comunidades também realizaram uma celebração ecumênica durante a festa, unindo-se em uma demonstração de solidariedade e compromisso com a proteção de seus territórios. Nessa celebração, fizeram memória aos seus ancestrais e festejaram a vida que germina das ‘sementes boas’ de suas lutas. Com cantos e orações, finalizaram com o plantio de mudas de árvores frutíferas na escola da comunidade, simbolizando o compromisso com a construção de um presente e futuro saudável e sustentável para todos e todas.
Lavouras comunitárias de Transição Agroecológica fortalecem processos coletivos por Reforma Agrária e pela permanência de comunidades na terra em Goiás
Por Marília da Silva | CPT Goiás
Colheita de feijão na lavoura comunitária do Assentamento Oziel Alves, em Baliza/GO, em maio de 2023. Foto: Everton Antunes | Magnífica Mundi/UFG.
No ano agrícola 2022-2023, aproximadamente 200 famílias de 30 comunidades acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra Regional Goiás, em 18 municípios do interior do estado, produziram alimentos saudáveis em Lavouras Comunitárias de Transição Agroecológica.
Sem utilizar agrotóxicos, nem sementes transgênicas - condições indispensáveis para as monoculturas do agronegócio - a roças coletivas produziram toneladas de alimentos saudáveis, garantindo não apenas a segurança alimentar das famílias agricultoras, mas também alimentos para doação em ações de combate à fome em comunidades urbanas periféricas.
Em Catalão, no sudeste de Goiás, a comunidade do Acampamento Oziel Alves Pereira plantou e colheu mais de mil quilos de feijão e três mil quilos de milho. “Esse ano tivemos uma produção excelente. Trabalhando coletivamente nesse projeto, a gente tirou toda nossa alimentação, uma alimentação saudável, livre de todo agrotóxico, e também distribuímos para as pessoas que têm necessidade nas periferias das cidades vizinhas aqui, Santo Antônio do Rio verde e Catalão”, conta a agricultora Luciene Silva.
Para a comunidade, que vive na área desde 2017, enfrentando grandes desafios para garantir sua destinação para a Reforma Agrária, a produção de alimentos é um fator de fortalecimento para prosseguir rumo a este objetivo coletivo. “Com esse trabalho nós mostramos para a sociedade porque estamos na terra”, diz Luciene.
Em maio deste ano, o acampamento passou por duas visitas de inspeção da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça de Goiás (CSF TJ-GO) e foi elogiada por autoridades estaduais e federais por sua produção de alimentos. O reconhecimento de seu direito e da importância de sua produção de alimentos é uma vitória para famílias que já foram notificadas e ameaçadas a ter que pagar multas por plantar e que já tiveram roças destruídas em tentativa de despejo.
Acampamento Oziel Alves, em Catalão, recebe visitas de inspeção da Comissão de Soluções Fundiárias com cestas de alimentos agroecológicos produzidos pela comunidade**
Plantar e resgatar o valor da vida humana
Para a CPT Goiás, as lavouras comunitárias têm o sentido pastoral de fortalecer a organização das comunidades que lutam para permanecer na terra ou para conquistar um pedaço de chão. Para Saulo Reis, coordenador da pastoral, além de beneficiar diretamente famílias que estão em situação de vulnerabilidade social e econômica, sem acesso a trabalho e renda, este trabalho resgata o valor da vida humana para vítimas da violência no campo.
“Em muitos casos as famílias em situação de conflito sofrem ameaças contra a própria vida, e a produção de alimentos é um sinal profético de proteção à vida humana em si, ao corpo que resiste às ameaças da pistolagem, e também uma defesa da vida por meio da produção de alimentos saudáveis, livre de venenos”, diz Saulo Reis. “É a afirmação da permanência na terra como fonte de vida e uma forma de abrir caminhos às famílias que lutam para conquistar a terra por meio da Reforma Agrária”, completa.
Maria Aparecida de Melo, agricultora e moradora do Projeto de Assentamento Nova Jerusalém, em Planaltina de Goiás (GO), no entorno do Distrito Federal, narra como o trabalho da lavoura comunitária reanimou a comunidade, após um momento de desmotivação diante das dificuldades enfrentadas pelo direito à terra.
“Esse ano a gente tava com cansaço físico e mental, com o psicológico ruim. A gente tinha até pensado em desistir. A gente vinha há dois anos plantando feijão, um plantio lindo, mas a gente optou pelo plantio de abóbora, porque era o que a gente conseguia fazer. No primeiro momento, eu duvidei que ia dar. Mas a gente viu que tem potencial de produzir qualquer coisa que a gente quiser aqui. Foi uma alegria só essa colheita”, conta Maria Aparecida.
Colheita de Arroz do Assentamento Oziel e de abóbora no P.A. Nova Jerusalém**
Alimento na mesa e renda para famílias acampadas
Os projetos de Lavouras Comunitárias apoiados pela CPT Goiás tiveram início entre 2020 e 2021, período em que o Brasil voltou oficialmente ao Mapa da Fome. Os coletivos de agricultoras e agricultores envolvidos nos plantios priorizaram, desde o início, o cultivo de alimentos básicos de sua alimentação: arroz, feijões, milho, amendoim, gergelim, abóbora e mandioca.
O senhor Sebastião dos Santos participou da lavoura comunitária do Assentamento Oziel Alves Pereira*, em Baliza, região noroeste de Goiás, e se diz bastante satisfeito com o resultado dos trabalhos. “Temos arroz e feijão para passar o ano e ainda temos o amendoim para colher”, conta Sebastião. Ao todo, a comunidade colheu 200 sacas de 60 kg de arroz, aproximadamente 1,2 tonelada do alimento.
Senhor Sebastião durante a colheita de feijão da lavoura comunitária do Assentamento Oziel Alves, em Baliza/GO, em maio de 2023. Foto: Everton Antunes | Magnífica Mundi/UFG.
No Acampamento Dom Tomás Balduíno, em Formosa, nordeste de Goiás, além do arroz e feijão para consumo, a comunidade plantou uma grande roça de mandioca, que rendeu 600 caixas do alimento. Parte delas foi comercializada, gerando renda para as famílias que participaram dos trabalhos. Todo o trabalho nas roças comunitárias, no Dom Tomás, foi protagonizado pelas mulheres da comunidade, que também trabalham juntas em uma horta para produção de alimentos para doação.
Após as colheitas, o acompanhamento do processo de seleção e armazenamento de sementes tem colaborado para a construção de bancos de sementes locais, garantindo importantes passos para superação do desafio que é a conquista da autonomia de produção para os agricultores familiares.
Trabalho coletivo e colheita de mandioca no Acampamento Dom Tomás Balduino, em Formosa/GO**
Agricultoras e pesquisadoras das experiências agroecológicas
O grande empenho das mulheres nos trabalhos das lavouras comunitárias foi notório em muitas outras comunidades. Simone Oliveira, da coordenação da CPT Goiás, avalia os diversos aspectos das contribuições das agricultoras nas experiências agroecológicas que acompanha.
“Em nossas vivências, as mulheres demonstram mais paciência de observar e acreditar nas propostas da agroecologia, seja nas lavouras ou em seus quintais. Elas são grandes pesquisadoras das experiências agroecológicas, têm o tempo da terra, acreditam, esperam e observam os resultados. Ao identificar o que dá certo, elas fazem anotações, como em livros de receita, e trocam essas experiências entre si”, narra.
Simone afirma também que, em geral, as mulheres valorizam mais a cadeia de saúde gerada pela produção livre de agrotóxicos: “Elas observam a melhora em sua saúde quando fazem uso das plantas em seus hortos medicinais e quando se alimentam daquilo que plantam, sem ingerir veneno, então elas conseguem realmente dar valor a essas práticas”, avalia Simone.
Mulheres do Assentamento Oziel Alves na colheita de feijão da lavoura comunitária. Foto: Júlia Barbosa | Magnífica Mundi/UFG.
Produzir e compartilhar, por uma relação sagrada com a terra
Entre as comunidades que participaram das lavouras comunitárias, acampamentos da Reforma Agrária ligados ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) realizaram grandes Festas da Pamonha após as colheitas de milho. Luciene Silva fala da festa como um importante momento de partilha no Acampamento Oziel Alves, em Catalão. “Colhemos 3 toneladas de milho caiano e fizemos uma bela pamonhada. Servimos para toda a comunidade e ainda convidamos a comunidade do assentamento vizinho”, conta a agricultora.
A história bíblica do Povo de Deus também narra antigos modos de relação com a terra e com a produção. Antônio Baiano, da coordenação da CPT Goiás, conta que quando a terra não tinha dono, tudo o que se produzia era para ser compartilhado. “Anualmente se faziam as festas das tendas, da colheita e da páscoa, que tinham objetivo de socializar a produção. Cada família só deveria guardar o necessário para o período de entressafra”, narra Baiano.
Ao longo da história, a terra - e o alimento que ela dá - foi se tornando mercadoria e sendo acumulada por poucos. Antônio Baiano relaciona a Reforma Agrária, no período atual, ao Ano Jubilar, descrito no livro bíblico Levítico, em que as terras eram redistribuídas ao povo. De modo semelhante, para a criação de um assentamento, divide-se um único latifúndio para muitas famílias.
Após a conquista coletiva da terra, os movimentos do campo propõem modos de produção diferentes dos monocultivos agroindustriais, voltados para o mercado de commodities. “Hoje, quando se propõe a organização de lavouras comunitárias, é na perspectiva de resgatar a união do grupo. A roça coletiva é um espaço de repensar a forma de produzir, de compartilhar a mão de obra e o que é produzido. A produção coletiva promove o encontro, fortalece a organização popular e o modelo de produção agroecológico”, explica Antônio Baiano.
O agronegócio, que desconsidera a sacralidade da terra e a vê apenas como fonte de lucro, diz Baiano, trata a terra sem nenhum cuidado, a exemplo da grande carga tóxica que é jogada nos monocultivos, sem considerar os riscos de contaminação da água e a qualidade do ar para as famílias que vivem ali em volta. “O agronegócio é um projeto de acumulação, não de partilha. Não visa a diminuição da fome, da pobreza. A Reforma Agrária, por sua vez, contraria a lógica de manter a riqueza na mão de poucas pessoas, tendo como meta garantir o que o Papa Francisco tem dito: quem tem a terra, tem o teto e tem o trabalho. Reforma Agrária significa garantir que as pessoas que vão para a terra tenham terra para trabalhar e tenham moradia, tendo também sustentação, alimentação“, conclui Antônio Baiano.
Trabalho coletivo na Festa da Pamonha do Acampamento Leonir Orback, em fevereiro de 2023** // Pamonhada no Assentamento Oziel Alves, em Baliza/GO, em maio de 2023. Foto: João Vitor | Magnífica Mundi/UFG.
*Há duas comunidades acompanhadas pela CPT Goiás em regiões distintas com nomes semelhantes: o Acampamento (ou Assentamento Popular) Oziel Alves Pereira, no município de Catalão, e o Assentamento Oziel Alves Pereira, no município de Baliza.
**Fotos: Equipes pastorais da CPT Goiás e comunidades acompanhadas.
***Este relato faz parte da série de experiências da campanha 'Fraternidade Sem Fome, pão na mesa e justiça social'
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Traz informações sobre a Amazônia e as ações da CPT na defesa deste bioma.
Massacres no campo
#TelesPiresResiste | O capital francês está diretamente ligado ao desrespeito ao meio ambiente e à vida dos povos na Amazônia. A Bacia do Rio Teles Pires agoniza por conta da construção e do funcionamento de uma série de Hidrelétricas que passam por cima de leis ambientais brasileiras e dos direitos e da dignidade das comunidades locais.