Vivência, resistência e organização dos Fechos de Pasto inspiram novos caminhos
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No oeste da Bahia, às margens do Rio Arrojado, entre nascentes e veredas - veias do Cerrado que sustentam a vida -, as famílias do Fecho de Pasto do Clemente, na Comunidade de Praia, em Correntina-BA, acolheram o Encontro de Planejamento e Avaliação da Articulação das CPT's do Cerrado, entre os dias 04 e 07 de fevereiro de 2025. A atividade contou com a presença de diversas comunidades de fechos de pasto e de agentes das CPT's da Bahia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rondônia, Piauí e Goiás, além da coordenação da Articulação das CPT's do Cerrado, o que reforçou o compromisso coletivo em enfrentar as crescentes ameaças à terra e à vida das comunidades e territórios.
O encontro teve início com uma visita ao Fecho de Pasto do Clemente, em intercâmbio com os demais fechos de pasto do Vale do Rio Arrojado, como os Fechos do Capão Grosso, Tatu, Bonito, Brejo Verde, Morrinhos, Entre Morros, Tarto e Gado Bravo. Entre as principais questões levantadas pelos fecheiros, se destacaram a luta contra a grilagem, a destruição ambiental promovida pelo agronegócio e os desafios jurídicos enfrentados pelos povos tradicionais no reconhecimento e na titulação de seus territórios.
O Coletivo de Fundos e Fechos de Pasto da Bahia, acompanhado pela CPT Bahia, tem articulado estratégias de defesa territorial, formação política e incidência nos espaços institucionais para garantir os direitos das comunidades. Durante a vivência, relatos de conflitos fundiários, criminalização de lideranças e ataques aos modos de vida tradicionais foram compartilhados pelas famílias, evidenciando a necessidade de reforçar as redes de apoio e ampliar a visibilidade das lutas em curso.
Cerrado, berço das águas
A água, elemento central na vida das comunidades do Cerrado, foi um dos fios condutores da vivência. As nascentes, rios e veredas conectam os povos fecheiros - entre si e à sua ancestralidade. Mas a água também é alvo de disputas: de quem preserva e tem seu modo de vida intrinsecamente ligado ao território e suas águas, contra quem a enxerga como recurso a ser explorado, até o seu esgotamento, em nome do lucro e às custas dos povos e da natureza.
As comunidades ribeirinhas e de fundo e fecho de pasto que vivem próximo ao Rio Arrojado, cujas águas acolheram o encontro, há muito enfrentam as violências dos conflitos por água na região. Elas denunciam o uso abusivo das águas do rio e o seu baixo nível em consequência do intenso desmatamento, da retirada de água superficial e subterrânea, sobretudo pelas empresas do agronegócio, e das mudanças climáticas. Em 2017, em um protesto contra a apropriação das águas da pelo agronegócio, uma jovem gritou diante da polícia, que reprimia o movimento popular: “Ninguém vai morrer de sede às margens do Rio Arrojado!”.
A frase simboliza a resistência das comunidades do oeste da Bahia, que vivenciam a progressiva morte de seus rios, riachos e nascentes devido a construção de grandes estruturas de desvio e drenagem de leitos e extração de água do subsolo para irrigação da monocultura. “Ninguém vai morrer de sede na margem do rio” se tornou um grito em defesa das águas do Cerrado, sendo ecoada por diversos povos e comunidades em luta.
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Avaliação e planejamento
Após a visita, o encontro seguiu para um momento de retrospectiva das ações realizadas pela Articulação, com partilhas sobre o que foi vivenciado no último ano nas regionais da CPT que integram o Cerrado, a partir das comunidades acompanhadas e das conjunturas nacional e internacional, além das perspectivas de luta. Com as partilhas, agentes de diferentes estados e realidades agrárias refletiram sobre o que tem impactado as comunidades e os desafios e estratégias nos processos de disputa e conquista da terra.
A falta de conquistas concretas para as comunidades, os impactos dos grandes projetos, os desafios para a transição energética e o crescimento dos conflitos no campo foram algumas das problemáticas trabalhadas durante a atividade. Além de refletir sobre o fortalecimento das lutas e resistências dos povos, foi também momento de olhar para dentro, para os desafios na construção de relações igualitárias, humanas e justas na sociedade e na CPT, como a iniciativa da criação de uma política de gênero na Articulação do Cerrado.
Ainda, as perspectivas de futuro para as ações da Articulação destacam o fortalecimento das mulheres camponesas, do trabalho com as juventudes rurais e com as pessoas LGBT+ no campo. Também, a reafirmação da pastoralidade, da importância do trabalho de base e da motivação profética para que as comunidades renovem sua espiritualidade e mística para se fortalecerem na caminhada rumo à terra sem males.
A resistência dos fecheiros se fortifica na defesa do Cerrado e na afirmação de seus modos de vida tradicionais como alternativas de cuidado com a casa comum e soberania alimentar. Finalizado o Encontro, a vivência, a resistência e a organização dos fechos de pasto do oeste da Bahia inspiram e iluminam os próximos passos da Articulação das CPT's do Cerrado. As águas que nascem e correm no coração do Cerrado, que banham as sementes e alimentam a vida, inundam de esperançar os caminhos adiante.
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