Transmissão ao vivo contará com testemunhos de familiares e lançamento de cartaz em reverência à vida e luta de vítimas dos conflitos no campo
Por Júlia Barbosa | Comunicação CPT Nacional
Na próxima sexta-feira (26), a Campanha Contra a Violência no Campo realizará uma atividade virtual, com transmissão ao vivo pelo canal do youtube da Comissão Pastoral da Terra, às 15h, para o lançamento do cartaz oficial da campanha, que presta uma homenagem às lutadoras e lutadores martirizados pela violência no campo, ao mesmo tempo em que denuncia o agravamento dos conflitos e a impunidade à esses crimes.
A data marca os três anos do assassinato de Fernando dos Santos, trabalhador rural sem-terra, executado em 26 de janeiro de 2021. Ele residia na área ocupada da Fazenda Santa Lúcia, local onde presenciou, em 24 de maio de 2017, a execução covarde e cruel de 10 trabalhadores por policiais civis e militares do Estado do Pará, episódio que ficou conhecido como Massacre de Pau D’arco.
A Campanha faz memória, ainda, a dois líderes quilombolas também vítimas da violência no campo: Edvaldo Pereira e Mãe Bernadete Pacífico. Edvaldo era liderança da comunidade de Jacarezinho, no Maranhão, e lutava em defesa de seu território. Alvo de muitas ameaças por parte de latifundiários, foi assassinado a tiros em 29 de abril de 2022.
Já Mãe Bernadete, era ialorixá e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia. Integrava a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e fazia parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). Atuava em defesa do território quilombola, contra grupos ligados à especulação imobiliária. A ialorixá foi executada a tiros em frente aos seus netos no dia 17 de agosto de 2023.
A atividade fará memória à luta destes três mártires da violência no campo, a partir de testemunhos e reflexões acerca dos conflitos por terra no Brasil. De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, os dados parciais de 2023, referentes ao primeiro semestre, revelam um aumento de 8% no número de conflitos no campo registrados, em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso comprova o agravamento dos conflitos e da violência que vitima tantos trabalhadores e trabalhadoras no campo brasileiro.
A mesa será composta por Sandra Andrade, coordenadora executiva da Conaq; Jamyla Carvalho, advogada da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara/PA; Maria da Cruz, viúva de Edvaldo Pereira, da Comunidade Jacarezinho (MA); e Antônio Francisco, também do Quilombo Jacarezinho.
Também estará presente o coordenador executivo da CPT, Carlos Lima, para contribuir com as reflexões a respeito dos conflitos no campo e da violência. A mediação será feita por Letícia Chimini, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e Jardel Lopes, secretário executivo da Campanha contra a Violência no Campo.
A transmissão ao vivo terá início às 15 horas do horário de Brasília, pelo canal do youtube da Comissão Pastoral da Terra (www.youtube.com/@cptnacional). Ainda, será possível acompanhar pelos canais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
SERVIÇO
Live: Lançamento do cartaz oficial da Campanha Contra a Violência no Campo - Em memória dos Mártires da Terra
Data: 26 de janeiro de 2024, às 15h (horário de Brasília)
Youtube: Comissão Pastoral da Terra
Mais informações: contraviolencianocampo@gmail.com
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da comunidade local
Foto: Luis Antonio Fernández
Com cerca de 123 famílias, a Reserva Extrativista (RESEX) do Rio Ituxi, situada no município de Lábrea (sul do Amazonas), continua a enfrentar o adoecimento dos seus moradores e moradoras. As comunidades ribeirinhas já haviam denunciado a morte de peixes e a contaminação da água com suspeita de uso de agrotóxicos, mas muito pouco foi feito de concreto, em relação a políticas públicas de atendimento à Saúde por parte do Estado ou do município.
Através do laudo de análise de amostras da água, realizado pelo Departamento de Ciências Agrárias da Faculdade Metropolitana de Rondônia, foram identificados coliformes fecais, mas numa taxa dentro da normalidade, o que indica outros motivos desconhecidos para o surto de mortandade dos peixes e a coloração do rio, como a mudança de colunas d’água.
“São mais de cem famílias que moram aqui, e somente dois agentes comunitários de saúde (ACS) contratados. Não tem médico, enfermeiros e nem técnico de enfermagem pra prestar socorro. Até o agente que trabalha no teste de malária, está afastado”, afirma uma liderança.
“A malária não é o único problema. Tem doenças que a gente pega e ninguém sabe de onde vem”, afirma outra mulher, que está com o esposo de cama com sintomas de febre, vômito e diarreia. O deslocamento para a cidade não é fácil, principalmente se tratando dos segmentos mais vulneráveis como as crianças, idosos e mulheres grávidas, que precisam de acompanhamento constante.
Ainda segundo os moradores, até a Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF), uma estrutura desenvolvida pelo SUS para atender às regiões da Amazônia e do Pantanal através de barcos, apareceu uma única vez na localidade, há dois anos. Uma lancha que faz o trabalho de imunização contra insetos também faz 6 meses que passou nas comunidades, aumentando a proliferação de carapanãs da malária e das baratas nas residências.
Apesar das dificuldades, as comunidades ribeirinhas não perdem a esperança e o ânimo para lutarem por seus direitos e vida plena em sua terra, água e território. A proposta é mobilizar o Ministério Público Estadual e Federal, para reivindicarem atitudes das secretarias de saúde. “Além de tudo isso, tem um posto de saúde dentro da nossa área que precisa sair do papel, mas nós lutando juntos, podemos muita coisa”, afirma um morador.
Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da Assessoria Jurídica da CPT/RO
Foto: Arquivo Pessoal
Famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra do Acampamento Ipê, no município de Machadinho d’Oeste (RO), denunciam o ataque ocorrido na tarde do último sábado (13). Segundo os relatos, desconhecidos chegaram por volta das 14h em um veículo tipo caminhonete Strada de cor branca em frente ao acampamento, e realizaram disparos que foram ouvidos por toda a comunidade, saindo em retirada. Logo depois, chegaram duas viaturas da Polícia Militar apenas utilizando drone para vigiar a comunidade, porém sem abordar o veículo, que ao final da tarde voltou ao mesmo local e realizou novos disparos, conforme os moradores.
Atos de violência como estes têm sido relatados pela comunidade de forma constante, como o assassinato de uma das lideranças do acampamento, José Carlos dos Santos, ocorrido no mês de outubro de 2023.
Crianças, pessoas idosas e mulheres grávidas são as mais vulneráveis com as intimidações armadas que têm sofrido: “Tenho duas crianças, e a mais velha tem trauma. Só de ver, já começa a chorar e querer correr, se esconder. Agora eles estão rondando aqui direto. Pedimos ajuda e socorro, porque a gente não aguenta mais essa situação, está sendo muito complicado”, afirma uma mãe.
“Tá muito difícil pra nós aqui, o pessoal tudo com medo. A polícia só passa na estrada pra abordar, prender ou multar cidadãos de moto, parando todo mundo que é do acampamento. Estamos sendo humilhados, massacrados e precisando de proteção”, relata outro agricultor.
Diante desta situação, a assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia reforçou a reivindicação de providências urgentes da Polícia Federal, Ministério Público Estadual e Federal, Ouvidoria da Defensoria Pública Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO), Conselho Nacional e Conselho Estadual de Direitos Humanos. O objetivo é assegurar a integridade física e emocional da comunidade, enquanto continua a luta pela regularização e reforma agrária.
“Reafirmando nosso compromisso em defesa do acesso à terra para famílias de trabalhadores, nos termos da determinação constitucional e do fundamento cristão da justiça social, denunciamos a violência sofrida pelos povos e conclamamos a ação efetiva das autoridades em defesa do direito humano a vida digna”, afirma a assessoria jurídica.
A pedido das famílias, a CPT e a Ouvidoria da DPE solicitaram uma reunião com o Incra, que está marcada para esta quarta-feira (18).
A atividade reuniu cerca de 30 jovens dos municípios de Fortaleza, Sobral, Itapipoca, Crateús, Limoeiro do Norte e Iguatu, no Ceará
Com informações da CPT Ceará
Fotos: CPT Ceará
A Comissão Pastoral da Terra Ceará realizou, entre os dias 12 a 14 de janeiro, a oficina "Comunicação Popular e Mídias Sociais" para cerca de 30 jovens camponeses e camponesas vindos de várias regiões do Ceará. A atividade ocorreu no Centro de Formação da Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé, localizada na Comunidade de Olho d'Água dos Currais, município de Tabuleiro do Norte (CE).
A oficina, que teve como objetivo promover a formação dos jovens camponeses sobre a comunicação como instrumento de incidência política e transformação social, contou com uma programação recheada de conteúdos sobre o tema. Também foram apresentadas as ferramentas de comunicação disponíveis para fortalecer a luta. Participaram do processo como facilitadores Alisson Chaves, da assessoria de comunicação da EFA, e Aline Oliveira, da assessoria de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Os momentos de partilha foram inspiradores para os participantes, que voltaram renovados para suas comunidades. “Foi um encontro maravilhoso e de grandiosidade. Nós pudemos, além de aprender, também refletir e ver outras formas de fazer incidência política. Também foi bom ver e registrar momentos no intercâmbio em que os agricultores visitados ficaram felizes e empolgados de mostrar as suas vivências. Essa alegria transbordou para nós e trouxe vida às nossas imagens, que a gente tirou no momento do intercâmbio e percebemos que podemos também fazer mais e mostrar a realidade de nossas comunidades através da comunicação”, explica Francisco Talison Silva, da equipe de Sobral.
Nos momentos de intercâmbio, os jovens visitaram algumas experiências de convivência com o semiárido, onde colocaram em prática o aprendizado adquirido na formação. Como produto final da oficina, será produzido uma edição especial do Boletim Carnaúba dedicado às vivências realizadas no encontro, além de um podcast com as entrevistas coletadas durante a realização da atividade.
Para Lucimar Dios de Oliveira, da coordenação regional da CPT-CE, cada jovem que participou da formação continuará fortalecendo as experiências de suas comunidades, contribuindo para que esses trabalhos sejam motivo de animação e de clareza inspiradora para outros jovens e famílias. “A Oficina de Comunicação Popular e Mídias Sociais que realizamos é mais um processo formativo muito importante para fortalecer a nossa caminhada. Nosso muito obrigada também a cada um e a cada uma, os facilitadores de cada dia e os que nos acompanharam nas visitas das experiências do intercâmbio”, completa ela.
No dia 9 de janeiro de 2022, foram assassinados, em São Félix do Xingu, JOSÉ GOMES - conhecido como Zé do Lago - de 61 anos; sua esposa, MARCIA NUNES LISBOA, de 39 anos; e sua filha JOANE NUNES LISBOA, de 17 anos. O fato ficou conhecido como Chacina de São Félix do Xingu.
A família de José Gomes já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingu, uma área de preservação com mais de 1,5 milhão de hectares. Nos últimos anos, o desmatamento para exploração de madeira e criação extensiva do gado têm avançado de forma descontrolada dentro da reserva, se aproximando cada vez mais da região onde a família de Zé do Lago tinha sua propriedade.
Passados dois anos do crime, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará não disse uma única palavra sobre as investigações e a identificação dos responsáveis pelos crimes. O inquérito instaurado pela polícia civil foi devolvido para o Ministério Público no final do ano passado, sem identificar qualquer responsável pelas mortes. Os executores e os mandantes dos crimes foram beneficiados pela inoperância da polícia e pela conivência das autoridades de Segurança Pública do Estado do Pará.
A forma como a polícia civil e a Secretaria de Segurança Pública se comportaram em relação aos crimes, desde o início das supostas investigações, não poderia produzir um resultado diferente. As investigações iniciaram na delegacia de São Félix. Depois, foram temporariamente coordenadas por um delegado de polícia de Marabá. Por último, foram conduzidas por um delegado de polícia lotado em Belém. Ou seja, a autoridade policial responsável pela investigação está lotada em uma delegacia da capital, localizada a mais de mil quilômetros do local onde ocorreram as mortes.
Nesse período, várias reportagens foram publicadas sobre o caso, por diferentes meios de comunicação, apontando fortes indícios de que as mortes estariam relacionadas a interesses de grandes proprietários de terras, localizadas nas imediações da área ocupada pela família de Zé do Lago. Pelas informações divulgadas, a motivação do crime estaria relacionada a interesses dos mandantes das mortes em se apropriarem, posteriormente, das terras ocupadas pela família de ambientalistas. Os nomes de pecuaristas que exercem funções políticas em São Félix foram citados nessas reportagens, mas não sabemos se foram investigados. Afinal, o inquérito tramitou durante esses dois anos sob segredo de justiça. Esse tipo de medida é adotado nos casos em que se pretende proteger as investigações para se chegar mais rapidamente aos culpados, mas, nesse caso, tudo indica que a intenção foi apenas proteger os culpados e impedir que a sociedade tivesse acesso às informações.
Outro fato que chama a atenção é que, embora o Estado do Pará tenha criado as Delegacias de Conflitos Agrários - DECAs - com atribuição para investigar crimes decorrentes de conflitos pela terra, o caso não foi investigado pela DECA de Redenção. Outro caso ocorrido na mesma região, o assassinato do sindicalista Raimundo Paulino da Silva, também não foi investigado pela mesma delegacia. De acordo com o banco de dados da CPT, nos últimos 10 anos, 23 lideranças camponesas foram assassinadas nas regiões sul e sudeste do Pará. Do total, a DECA atuou somente em 13 casos, e em apenas 6 deles conseguiu indiciar algum responsável pelo crime. Por outro lado, quando a DECA é acionada pelos fazendeiros para apurar alguma denúncia contra os trabalhadores, os delegados com suas equipes comparecem imediatamente na porteira da fazenda. Fato é que, na região, as DECAs se comportam mais como delegacias de proteção do latifúndio do que de investigação de crimes no campo.
No banco de dados da CPT de Marabá, há uma relação de 39 mandados de prisão expedidos pela Justiça contra executores e mandantes de assassinatos de trabalhadores rurais e suas lideranças no Estado do Pará. Não há informações de nenhuma diligência em curso para cumprir esses mandados. Em muitos desses casos, os foragidos já foram favorecidos pela prescrição da pretensão executória prevista no Código Penal, ou seja, o Estado não poderá mais prender os condenados. Esse benefício já livrou da cadeia o pistoleiro Welington de Jesus Silva, condenado a 29 anos de prisão pelo assassinato do sindicalista José Dutra da Costa - o Dezinho - e também os dois mandantes do assassinato do sindicalista João Canuto de Oliveira, Adilson Laranjeira e Vantuir de Paula, ambos condenados a 19 anos e 10 meses de prisão. A omissão e a impunidade, mais uma vez, favoreceram os criminosos.
Apenas na região sul e sudeste do Estado, nas últimas quatro décadas, a CPT já registrou 43 chacinas de trabalhadores rurais, com 236 mortos. Em apenas quatro delas houve julgamento de algum responsável, e apenas dois condenados chegaram a ser presos. Ao que tudo indica, se depender apenas das autoridades do Estado do Pará, a chacina de São Félix do Xingu, a exemplo de tantas outras, será mais um caso no qual a impunidade prevalecerá.
Entre os foragidos estão: o fazendeiro Marlon Lopes Pidde, mandante da chacina de 5 camponeses, crime ocorrido em 27/09/1985, no município de Marabá. Em Júri ocorrido em 08/05/2014, Marlon foi condenado a 130 anos de prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. Outro caso é o do fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante do assassinato do casal de extrativistas José Claudio e Maria, crime ocorrido em 24 de maio de 2011, no município de Nova Ipixuna. Condenado a 60 anos de prisão em julgamento ocorrido em 06/12/2016, José Rodrigues nunca foi preso para cumprir a pena.
Frente à situação exposta, as entidades que assinam a presente nota solicitam que o Ministério da Justiça autorize a Polícia Federal a assumir as investigações em colaboração com o GAECO do Ministério Público do Pará e que, dessa forma, possa identificar e denunciar todos os responsáveis por este crime.
São Félix/Belém, 12 de janeiro de 2024.
Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagem: Cláudia Pereira | Articulação das Pastorais do Campo
Presidente da Comissão Pastoral da Terra desde abril de 2021 e integrante da Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora da CNBB (Cepast), Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira avalia o ano que se encerrou e as perspectivas para o país, a Igreja e a CPT em todo este cenário, além da mudança de região de sua atuação na Amazônia, até então atuando como bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM) em transferência para a Prelazia do Marajó (PA).
Qual avaliação podemos ter do cenário do país, no ano que se encerrou?
Eu diria que nós vivemos, hoje, um cenário melhor do que quando encerramos 2022. O governo que assumiu em janeiro tem sinalizado para uma mudança em determinadas áreas de atuação, retomando as chamadas ‘comissões de escuta do povo’, retirando alguns projetos danosos, como a facilitação da posse de armas e de munição; criando o Ministério dos Povos Indígenas; retornando um Ministério do Meio Ambiente que realmente cuida do meio ambiente; e um Ministério de Direitos Humanos e Cidadania com o rosto verdadeiramente de direitos humanos.
Contudo, sabemos que o governo prometeu, por exemplo, desmatamento zero, e eu acho que nesse sentido ainda tem que avançar mais. Pode ser que haja a intenção, mas esse governo, eleito por uma força ampla política, tem enfrentado muita dificuldade com um Congresso ultraconservador. As causas que nós defendemos - e até diria que o governo também defende - têm encontrado muita resistência, como é o caso do Marco Temporal dos povos indígenas, da aprovação dos agrotóxicos e de uma lentidão no processo da Reforma Agrária.
Creio que 2023 foi um ano para aprimorar e manter o que vínhamos querendo e lutando, e 2024 se abre como sinal de que temos que lutar mesmo. Ou seja, não se conquista direitos esperando de braços cruzados o que o Governo ou o Congresso Nacional possa nos oferecer.
E em relação à Igreja brasileira?
No que diz respeito à Igreja, este também foi um ano de mudança na Coordenação Nacional e na presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Aí, foi essa fase de adaptação, com alguns sinais bons, algumas manifestações bem claras, como a crítica à derrubada dos vetos do presidente à questão do Marco Temporal, mas também momentos em que houve uma certa demora para se manifestar. Espero que a CNBB possa dar passos mais firmes, inclusive fazendo com que cada organismo e comissão que trabalha determinado tema possa ter esse espaço maior para se manifestar de forma urgente.
Sobre a CPT, qual sentimento deve estar presente neste ano em que se inicia a caminhada rumo ao jubileu de 50 anos?
Então, acho que nós, enquanto CPT, também devemos continuar na luta, para que a gente consiga ajudar o nosso povo — camponeses, ribeirinhos, quilombolas, pescadores, indígenas… — a terem seus direitos respeitados, a permanecerem em suas terras e, também, a conquistarem sua terra.
Nosso trabalho e nossa missão é ao lado do povo e suas lutas, ajudando a se organizarem. A gente espera que neste ano possamos avançar neste serviço, fortalecer os grupos de base, articular melhor cada regional e as articulações que nós temos. Que tudo seja em vista deste objetivo maior, de apoiar o povo trabalhador do campo a ali viver, ali permanecer e, também, a conquistar sua terra sonhada, a partir da reforma agrária.
Na nossa assembleia, que vamos realizar em abril, vamos avaliar os três anos de caminhada e planejar os próximos três anos, incluindo a celebração dos 50 anos de criação da nossa CPT. Isto com certeza vai nos fortalecer neste compromisso com os pobres da terra. Inicialmente trabalhando com os camponeses, depois, a CPT foi trabalhando com os povos indígenas — onde o Cimi1 ainda não chega —, junto aos pescadores — onde o CPP2 ainda não chega —, e com todas as pessoas que trabalham no campo. Nossa perspectiva é esta: fortalecermos nosso trabalho e compromisso de defesa, ao lado das comunidades, não fazendo no lugar delas, mas acompanhando e contribuindo para fazer acontecer a conquista dos seus direitos.
O ano de 2023 foi muito marcado pelo agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, com destaque para a seca enfrentada na Amazônia, região de sua atuação mais direta.
De fato, nós enfrentamos as consequências da crise climática, especialmente aqui na Amazônia, onde eu vivo e trabalho, mas também em outros lugares do Brasil, com secas e enchentes. Foi um alerta e um grito da natureza, que esperamos que tenha sido escutado por todas as pessoas, pelos governantes, igrejas e por todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente de ter ou não uma prática religiosa.
Como é possível olhar com esperança para uma realidade tão desanimadora de empreendimentos danosos ao meio ambiente e à vida?
Devemos manter, sim, esse olhar de esperança, porque ele nos faz agir e acreditar que é possível uma transformação, também no nosso cuidado com a Casa Comum, na continuidade da nossa luta em defesa dos nossos biomas. É manter essa esperança para dizer que ainda podemos, com a nossa participação, com a nossa luta, continuar enfrentando esses projetos danosos para a natureza, como são os projetos de exploração de petróleo e gás.
Vamos precisar, em 2024, continuar sendo uma voz para dizer ‘Não’ à exploração do petróleo na foz do Amazonas. Precisamos continuar mobilizando as pessoas para dizer que não dá para continuar o desmatamento, seja na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, nos Pampas ou na Mata Atlântica. Se a gente continuar desmatando como fizemos nestes últimos anos, corremos um sério risco de ter um aumento da temperatura, de um grau tal, que a vida na Terra pode ficar insuportável.
Mas temos que manter essa esperança, porque se nós, que somos da luta e compreendemos a defesa da Casa Comum, que defendemos a floresta em pé, se a gente parar e desanimar, aí é que as coisas se complicam. Vamos ter que continuar na luta, fazendo este trabalho de conscientização ecológica e defesa dos nossos biomas e dos nossos povos, e de tudo aquilo que ajuda o mundo a ter mais vida, inclusive denunciando, também, tudo aquilo que traz consequências para a crise climática crescer ainda mais.
Após seis anos à frente da Prelazia de Itacoatiara (AM), o senhor está sendo transferido para a região do Marajó (PA). Como estão as expectativas diante deste novo desafio?
A expectativa é que vou continuar na Amazônia, praticamente fazendo a mesma missão, porque a realidade é semelhante. Temos que continuar na mesma luta em defesa desse bioma, junto dos mais empobrecidos, na defesa dos diretos humanos, no combate ao trabalho escravo, no enfrentamento ao tráfico de pessoas e à exploração sexual de crianças, adolescentes e jovens, na conquista da reforma agrária, e pra fazer com que a nossa fé cristã católica ajude a transformar tudo aquilo que é anti-vida na sociedade. Apenas vou mudar de área territorial, mas a missão vai continuar. É assim que eu penso e desejo, quando chegar lá, pisar no chão, ouvir bastante quem já vive ali, e ver como eu posso contribuir a partir da minha vida e da minha experiência.
Estou indo como alguém que quer somar, alguém que quer continuar a realizar a missão de Jesus: em defesa do bem, da verdade, da pessoa humana e da nossa Casa Comum, como tem pedido a própria Igreja, através da insistência do papa Francisco. Além da igreja local, também estarei junto ao Regional Norte 2, que inclui os estados do Amapá e Pará.
Que mensagem o senhor poderia transmitir para a equipe de agentes da CPT e as comunidades e povos acompanhados?
Quero dizer a todos os nossos agentes, nos regionais, nas grandes regiões, nos grupos de base, que a missão é nossa, e a missão continua sendo de cada um e cada uma de nós. A CPT é uma organização eclesial social, para prestar um serviço junto dos camponeses, para ser força de comunhão, apoio e solidariedade, na defesa da terra, das águas, dos territórios, da natureza e dos povos. Eu desejo a cada agente da nossa CPT muita sabedoria, muita proteção de Deus e muita coragem para fazer a nossa missão acontecer.
Que tenhamos uma boa assembleia no mês de abril, onde estaremos em avaliação e planejamento, fazendo eleição da diretoria, da Coordenação Nacional e do Conselho Fiscal. Vamos fazer com que, em cada lugar onde estejamos, a gente possa contribuir para o bem do nosso povo, ajudar nosso povo a ter vida, a estar protegido, a conquistar o que lhe é de direito. Que o nosso povo e comunidades do campo tenham condições de ter acesso à terra e a cultivá-la.
O caminho também é fazer incidência política, em cada base, nos municípios e regiões, e em nível nacional, principalmente neste Congresso que é tão resistente aos direitos dos homens e das mulheres do campo. E que continuemos mantendo a nossa campanha de enfrentamento à violência no campo3, que é a nossa grande meta a partir da assembleia de 2021, que começou com iniciativa da CPT, se ampliou com outras forças vivas e hoje é construída junto com outras pastorais, organismos e movimentos. Dando-nos as mãos, seremos mais fortes e, com certeza, seremos capazes de denunciar todas as violências e contribuir para que as causas dessas violências cessem e, assim, os trabalhadores e trabalhadoras do campo possam viver em paz.
1 Conselho Indigenista Missionário
2 Conselho Pastoral dos Pescadores
3 Campanha Nacional Contra a Violência no Campo
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