A Comissão Pastoral da Terra – CPT de Xinguara e a Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória, localizada na Ocupação Jane Júlia, fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’arco/PA, convidam para participar da programação que marcam os 07 anos do triste episódio de violência no campo, ocorrido em 24 de maio de 2017, nacionalmente conhecido como Massacre de Pau D’arco.
Nesta oportunidade e durante a programação que irá ocorrer entre os dias 24 a 26 de maio, temos como principal objetivo, não somente fazer memória aos 10 trabalhadores rurais que foram cruelmente assassinados pela polícia, como também, denunciar as situações de violência no campo e as violações de direitos humanos enfrentadas pelos trabalhadores/as rurais do Sul do Pará.
Desde já, reafirmamos a importância de sua participação, considerando, sobretudo, a necessidade de unirmos forças e denunciar as situações enfrentadas pelas 200 famílias da Ocupação Jane Júlia, que correm sério risco de despejo nos próximos meses.
Antecipadamente, agradecimentos pelo apoio.
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória
PROGRAMAÇÃO
- 24/05/24 (Sexta-feira) – Celebração religiosa ecumênica, na sede do Barracão da Associação Nova Vitória, localizada na Ocupação Jane Júlia, Fazenda Santa Lúcia. A celebração terá início a partir das 16 horas, e tem como principal objetivo celebrar a memória das 10 vítimas do Massacre e de outros Mártires da Terra. Solicitamos que neste dia todos usem branco e levem uma vela;
- 25/05/24 (Sábado) - Feira da Agricultura Familiar, promovida pelas famílias ocupantes da área, que acontecerá na quadra coberta da cidade de Pau D’arco, a partir das 08 horas da manhã. Na oportunidade, além da exposição e venda dos produtos das famílias, haverá um momento político de denúncia dos despejos que colocam em risco mais de 800 trabalhadores sem-terra, somente no Sul do Pará;
- 26/05/24 (Domingo) - 7° Ato em Memória as vítimas do Massacre de Pau D’arco, a partir das 07 horas da manhã, ressaltando a necessidade de se garantir justiça às vítimas do Massacre, o fim da violência e impunidade no campo e pela Reforma Agrária. Este momento político e religioso acontece na área da ocupação Jane Júlia. Realizaremos, nesta manhã, uma caminhada pelo percurso percorrido pelas vítimas enquanto fugiam da polícia naquele dia, até o memorial erguido em memória destas, exatamente no lugar onde foram covardemente executadas. OBS: levar água, protetor solar, chapéu, e ainda, para garantir um melhor deslocamento no percurso, usem tênis ou botas e roupas leves.
[...] sabemos que toda a criação geme e está com dores de parto até agora.
Romanos 8, 22.
A Comissão Pastoral da Terra - CPT solidariza-se com o povo Gaúcho, que está enfrentando verdadeira tragédia socioambiental. As chuvas torrenciais que caíram a partir do dia 28 de abril e se estenderam nos primeiros dias do mês de maio de 2024 provocaram uma real catástrofe, principalmente nos municípios da Bacia Hidrográfica do Guaíba, onde casas, plantações, animais e estradas foram destruídas pela força das águas. Infelizmente, até o momento, 90 pessoas perderam suas vidas e mais de cem pessoas estão desaparecidas. Há milhares de desabrigados e desabrigadas. Famílias do campo e da cidade perderam tudo. E a previsão é de que ainda muitas famílias serão atingidas pela enchente nas cidades da Bacia Laguna dos Patos, até que as águas cheguem ao estuário, na cidade histórica de Rio Grande.
Essa é a maior enchente na história do Estado do Rio Grande do Sul, superando a grande enchente de 1941, onde a elevação do Lago Guaíba atingiu 4m76cm. A enchente atual atingiu 5m30cm em Porto Alegre. O balanço mais recente da Defesa Civil aponta um milhão de pessoas afetadas em 345 municípios.
Diante desse evento climático e de outros que já houveram no período recente, se faz urgente e necessário refletir sobre as mudanças climáticas, negligenciadas por muitos, como sendo a principal razão desta calamidade pública que o Rio Grande do Sul enfrenta. Se faz necessário repensar o modo de produção onde o monocultivo e o uso de venenos levam à destruição da natureza, principalmente os banhados e o desmatamento das beiras dos rios, favorecendo as grandes enchentes.
Papa Francisco, na encíclica Laudate Deum, 6, já nos alerta para os efeitos da crise climática a nível global. Acelerada pela ação humana e associada ao modo de produção capitalista e às decisões políticas: "aquilo que agora estamos a assistir é uma aceleração insólita do aquecimento. Provavelmente, dentro de poucos anos, muitas populações terão de deslocar as suas casas por causa destes fenômenos".
Infelizmente, nos últimos anos, o governo estadual tem adotado políticas neoliberais de desmonte do setor público, com privatizações de companhias estaduais, como a Equatorial Energia - CEEE e a Corsan - Água, precarizando os serviços essenciais. Os desmantelamentos de fundações responsáveis para cuidar do meio ambiente, como a Fundação Zoobotânica, a Secretaria do Meio Ambiente, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano - Metroplan e os Comitês de Bacias Hidrográficas, têm enfraquecido a capacidade estrutural de fazer frente às demandas ambientais. Urge mudar a rota de destruição do Estado e lutar por políticas públicas que atendam toda a população, especialmente, a parcela mais carente, que são afetadas por estarem em lugares suscetíveis de inundações.
O momento é de unir esforços e levar solidariedade às pessoas atingidas, seja em campanhas ou atendimento de salvamento e acolhida. Todos, governantes e sociedade civil, precisam se somar para amenizar as perdas e reconstruir as vidas afetadas. A Comissão Pastoral da Terra, através de seus e suas agentes, está engajada em salvar vidas e, junto à outras organizações, movimentos sociais e pastorais sociais, convida as pessoas que querem realizar doações a contribuírem com qualquer valor, a ser destinado à conta da Cáritas Brasileira, através do PIX (CNPJ) 3365441-9/0010-07 ou depósito bancário para: Conta Corrente: 55.450-2 – Agência 1248-3 (Banco do Brasil).
A sua ajuda é necessária e importante!
Porto Alegre, 07 de maio de 2024.
Por Comunicação CPT Araguaia-Tocantins
No próximo dia 10 de maio de 2024 (sexta-feira), às 19:00, no Auditório da Sede Administrativa da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS (108 Sul), em Palmas/TO, será lançada pela CPT Araguaia-Tocantins, mais uma edição do relatório Conflitos no Campo Brasil, ano 2023, produzido pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT). O relatório revela o maior número de registro de conflitos no campo brasileiro da série histórica da Comissão Pastoral da Terra, 2.203 conflitos, sendo que 35% das ocorrências ocorreram no norte do Brasil, a região geográfica que o Tocantins pertence, foi a que mais registrou conflitos em 2023. No estado, foram registrados 81 conflitos no campo, que atingiram diretamente 20.464 pessoas, havendo no último ano 15 conflitos a mais que em 2022.
O lançamento acontecerá em uma data histórica, de memória e indignação – o dia 10 de maio, data que o latifúndio e a ganância do agronegócio em 1986 reservaram para o assassinato de Pe. Josimo Moraes Tavares, então coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Bico do Papagaio, cuja a vida foi ceifada pela bala assassina de um pistoleiro sob encomenda de fazendeiros da região entre os rios Araguaia e Tocantins: o Tocantins – um estado factualmente maculado pela violência contra os defensores de direitos humanos, povos e comunidades do campo, e conivente com a impunidade das mãos criminosas de ontem e de hoje que seguem promovendo barbáries, mas, a memória de Josimo e de todos os mártires da luta pela terra nos convoca a denunciar e resistir à opressão, em busca de justiça e de paz.
Na 38ª edição do relatório Conflitos no Campo Brasil, dos 2.203 conflitos no campo registrados em 2023, 1.034 ocorreram na Amazônia Legal e 281 na fronteira agrícola do Matopiba, compreendendo 47% e 13% do total registrado no país, respectivamente, ambas são regiões das quais o Tocantins é parte. O relatório também apresenta que foram registradas 251 denúncias de trabalhadores em situação de trabalho escravo no campo brasileiro; a fiscalização resultou no resgate de 2.663 pessoas. Em comparação com os últimos dez anos, são os maiores números registrados. Contrastando com isso, os registros do Tocantins curiosamente estão em queda desde 2014: infelizmente isso não aponta para o fim do trabalho escravo no estado, mas soa como alerta quanto à provável subnotificação.
No seu conjunto, os dados do Tocantins seguem mostrando um acirramento das violências contra a ocupação e a posse, bem como contra as pessoas (lesões corporais, ameaças, intimidações, prisões, despejos e expulsões), protagonizadas principalmente por grileiros e seus serviços de pistolagem, bem como pelo governo estadual.
Links úteis:
CPT Nacional - Conflitos no Campo Brasil 2023
Por Comunicação CPT Nacional
Dos 2.203 conflitos no campo registrados no Brasil em 2023, 1.034 ocorreram na Amazônia Legal, o que corresponde a quase metade do total. A região compreende quase 60% do território brasileiro, abrangendo os estados da região Norte, além do Mato Grosso e parte do Maranhão e do Tocantins. Este é o terceiro maior número dentre os anos da série histórica, com 2020 ocupando o 1º lugar, com 1.167 ocorrências, e 2022 com 1.117 registros.
Os dados foram lançados pela Comissão Pastoral da Terra no último dia 22 de abril, e constam no relatório Conflitos no Campo Brasil 2023, disponível para aquisição em versão impressa e online pelo site www.cptnacional.org.br.
Dentre os 5 estados com os maiores números de conflitos no país, 3 estão na área da Amazônia Legal: Pará (226 ocorrências), Maranhão (206) e Rondônia (186). Analisando as regiões do país, a região Norte foi a que mais registrou conflitos no campo em 2023, com 810 ocorrências.
Conflitos por Terra – Mesmo com o pequeno recuo dos conflitos por terra na Amazônia, o número continua muito alto: 883 conflitos. O estado do Pará lidera com 183 conflitos afetando 38.597 famílias, seguido do Maranhão (171 registros e 17.074 famílias), Rondônia (162 casos e 9.573 famílias atingidas), Amazonas (86 registros e 16.805 famílias) e Acre (84 registros, atingindo 8.656 famílias). No Pará, as Terras Indígenas Munduruku (com 1.630 famílias) e Kayapó (com 1.137 famílias) são algumas das mais impactadas pelos conflitos por terra no estado.
As ocorrências de invasão ocupam a maior parte dos conflitos por terra, sendo o maior número de famílias atingidas em Roraima (15.962) e Amazonas (12.446) as que possuem por este tipo de conflito no país. Nos registros de pistolagem, o Amazonas lidera no Brasil com 7.316 famílias atingidas, estando atrás apenas de Goiás. Já no caso das famílias ameaçadas de despejo, Rondônia lidera em todo o país, com 7.169 famílias. O Amazonas vem em seguida, com 2.293 famílias ameaçadas, sendo também um estado que registrou altos números de famílias despejadas (803, o 2º do país) e expulsas (200, o 3º maior do país).
Conflitos por Água – Os registros de conflitos por água, na região, diminuíram entre 2022 e 2023, passando de 131 para 95 ocorrências, mas continuam acima da média dos últimos 10 anos, seguindo uma trajetória de crescimento que acontece desde 2018. Os estados do Pará (22), Rondônia (20), Maranhão (19) e Amazonas (10) ocupam os primeiros lugares de registros, com 26.502 famílias atingidas ao total.
Tipos de Conflitos por Água – As principais ocorrências de conflitos pela água na região amazônica são de: destruição e/ou poluição, com 35 casos e atingindo 12.307 famílias, com destaque para o Pará (8.582) e Amazonas (1.833); o não cumprimento de procedimentos legais (23 casos, com destaque para Rondônia, com 4.338 famílias), a contaminação por agrotóxico, com 13 casos e 1.539 famílias atingidas. No caso dos agrotóxicos, o destaque é para os estados do Tocantins (812 casos) e Pará (381). A pesca predatória, mesmo com um número de 5 ocorrências, afetou 3.498 famílias principalmente nos estados do Amazonas (1.579), Pará (1.043) e Tocantins (876).
Trabalho – Foram registradas 54 ocorrências de trabalho escravo, com 250 trabalhadores e trabalhadoras resgatados nesta região. Os estados com maiores registros são o Pará, com 21 casos e 247 trabalhadores resgatados, e o Maranhão (com 13 casos e 104 pessoas resgatadas). As atividades de maior destaque são o desmatamento para plantio da soja, as carvoarias e o garimpo. Estes números são menores em relação ao sudeste e sul do país, o que pode ser explicado pela diminuição ou a fragilidade de fiscalização na região.
Violência contra a pessoa – Do total de 1.467 pessoas vítimas de algum tipo de violência individual registrado pela CPT em 2023, 1.108 (ou 75,5%) estavam na Amazônia Legal quando tal violência ocorreu. O Pará lidera com 459 vítimas, seguido de Rondônia (217) e Roraima (149).
Perfil das Vítimas – As principais vítimas dos conflitos na Amazônia são pequenos proprietários (26,4% dos registros), ao lado de indígenas (24,7%). Seguem-se trabalhadoras e trabalhadores sem terra (18%), posseiros (14%) e seringueiros (5%).
Perfil dos Causadores – Mais da metade dos conflitos são causados por fazendeiros (54,4%), seguidos de grileiros (11,3%), garimpeiros (9,7%) e empresários (9%). Em menor proporção, estão os agentes dos governos federal (4,2%), estadual (2,5%) e municipal (2,2%), além das hidrelétricas (2%). No Amazonas, as áreas indígenas têm sido atingidas por mineradoras e garimpeiros em projetos de exploração mineral, principalmente na exploração de gás nos municípios de Silves e Itapiranga, e de potássio em Autazes, com o apoio do governo do Estado.
Mulheres vítimas – Dos 180 registros de mulheres vitimadas pela violência no campo no país, 120 foram na Amazônia Legal, o que significa quase 70% dos casos.
Assassinatos – Das 31 pessoas atingidas fatalmente pelos conflitos no campo, 19 estavam nesta região, o que corresponde a mais de 60% dos casos. Os maiores números e percentuais em relação ao país haviam acontecido em 2015, quando 47 dos 50 assassinatos eram da Amazônia.
As tentativas de assassinato ocorridas na região são as maiores do país (49), com destaque para os estados do Pará (16), Roraima (13) e Rondônia (8). As mortes em consequência (49) também são quase 75% do total do país (66). Esta também é a região com o maior número de pessoas ameaçadas de morte (148), com destaque para os estados de Rondônia (55), Pará (39), Maranhão (19) e Amazonas (18). Uma triste estatística também se concentra nos casos de prisões (48 das 90 do país) e agressões 123, de um total de 172 em todo o Brasil)
Amacro – A violência tem crescido na região da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Ao todo, foram 200 conflitos na região, que abrange 32 municípios. No caso dos assassinatos, das 31 mortes no país, 8 foram nesta região, sendo 5 causadas por grileiros. Dentre as 9 vítimas sem terra, 5 delas são dessa região.
Créditos de Carbono – Levantamento realizado em 2023 pela CPT verificou que 22 comunidades no Brasil estiveram envolvidas em conflitos relacionados a projetos de carbono. O Pará lidera tanto em número de comunidades envolvidas nesta forma de conflito agrário (12), quanto em área total (cerca de 6,9 milhões de hectares). Neste estado, 7 localidades encontram-se no Marajó, a mesorregião do país mais citada nas pesquisas, seguido do Vale do Acre (3 localidades citadas), do Sudeste Paraense (2) e do Leste Rondoniense (2).
Portel se tornou o município marajoara mais procurado por este mercado, com projetos de carbono articulados há pelo menos 15 anos e que somam 714.085 hectares, abrangendo florestas em terras públicas. A soma dos valores destes contratos aponta para 115 milhões de dólares, o que nem se compara com o recurso que chega para as comunidades envolvidas.
Resistências – Em 2023, a Região Norte registrou 22 ações de ocupações e retomadas, sendo 9 em Rondônia, 4 no Amazonas, 3 no Pará e Tocantins, e 1 em cada um dos demais estados. Ao todo, 2.316 famílias participaram destas ações. No Pará, o destaque é para as ocupações nas Fazendas Bom Jesus e Santa Maria, entre os municípios de Marabá, Curionópolis e Parauapebas, com cerca de 1.000 famílias.
Já os acampamentos somaram 12 ocorrências, a maior quantidade entre as regiões, correspondendo a mais de 70% das 17 registradas no país, alcançando 1.412 famílias. Os acampamentos se concentraram no Tocantins (5), Rondônia (4), Pará (2) e Acre (1). No Pará, o destaque é para o Acampamento Terra e Liberdade, em Parauapebas, também com cerca de 1.000 famílias acampadas.
Relatório – Elaborado anualmente há quase quatro décadas pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais. A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes pastorais da CPT, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais por todo o país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) ao longo do ano.
Texto e imagem: Comunicação CPT Rondônia
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Com o objetivo de debater a situação atual do processo de regularização territorial do quilombo Forte Príncipe da Beira (localizado no município de Costa Marques/RO) por parte do INCRA, a comunidade se reuniu na última terça-feira (30 de abril), em convocação da Associação Quilombola do Forte – ASQFORTE.
Na reunião, realizada de forma híbrida, estiveram por meio presencial e virtual representantes do Ministério Público Estadual, Instituto do Patrimônio Histórico (IPHAN), Divisão de regularização territorial quilombola do INCRA, Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado, Comissão Pastoral da Terra (CPT) Rondônia e uma representante da Secretaria Estadual de Educação.
Além da pauta da regularização do território, também foi discutida a situação da área de Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS Serra Grande, localizada no mesmo município abrangendo áreas da comunidade, e suas implicações nos processos de reivindicação e titulação do território quilombola. A comunidade ainda colocou em pauta as estratégias de fortalecimento da preservação dos patrimônios históricos do Forte Príncipe da Beira, e a realização da Festa tradicional do Divino Espírito Santo.
Segundo a comunidade, a situação da Reserva Serra Grande é um dos principais questionamentos, pela ausência de consulta no seu processo de criação, do ano de 2018. Neste processo, foi detectado que há uma sobreposição da área de reserva ao território quilombola, ainda em fase de regularização. A situação já trouxe diversos problemas com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), como a dificuldade de instalação de energia elétrica na comunidade, por caracterizar área de Proteção Ambiental, diante do parecer da Coordenadoria de Unidades de Conservação.
O processo implica em sérias preocupações da comunidade acerca de seus limites, acesso de mapas, e dúvidas sobre suas situações territoriais para regularização e reconhecimento da comunidade quilombola do Forte. A comunidade também questionou o INCRA sobre a transparência do andamento do seu processo de titulação.
Conforme a situação urgente colocada, o Promotor de Justiça, Dr. Maiko Cristhyan, se comprometeu a encaminhar a demanda ao Procurador-Geral do MP e convocar uma segunda reunião com os órgãos, em razão da ausência da SEDAM e MPF, que não retornaram o convite de reunião pela ASQFORTE. Segundo informações do técnico responsável pela regularização quilombola do INCRA, nem o órgão foi consultado sobre a criação da RDS Serra Grande.
Além disso, foi denunciada uma série de calúnias divulgadas por redes sociais, que acusam a comunidade de travar o processo de cascalhamento e patrolamento da Estrada Mario Nonato – RO 478, citando-se fatos inverídicos do processo real de solicitação da recuperação da estrada. A Associação Quilombola defende o melhoramento da estrada, reafirmando que ocorra com respeito aos parâmetros legais para os procedimentos, sem danos à comunidade.
Segundo esclarecimentos feitos pela superintende do IPHAN em reunião, não houve nenhum processo interno dentro do órgão apresentado pelo DER solicitando procedimentos para que o pedido fosse encaminhado, em que pese a fragilidade da superintende ficar sabendo por mídias sociais, demonstrando que não houve respeito do DER com a competência federal do IPHAN.
Mesmo assim, a representante se colocou à disposição e esclareceu que será favorável às demandas da comunidade, mas não aceitará ações deliberadas e sem processo interno que configure impactos ao patrimônio, esclarecendo que, para a preservação do patrimônio e o atendimento à demanda de melhoramento da estrada, é necessário o respeito aos trâmites legais para o processo. Também foi evidenciada a necessidade de estudo antropológico ou licenciamento ambiental, em quaisquer que sejam as obras de impactos.
Portanto, foi ressaltado que a comunidade está assegurada pelo direito a consulta livre, prévia e informada, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, para ser respeitado o direito a informações prévias sobre quaisquer tomadas de decisões que infiram impactos diretos e indiretos à sua autonomia.
É neste sentido que a Comissão Pastoral da Terra se coloca em solidariedade e contra as calúnias feitas contra a Associação Quilombola do Forte – ASQFORTE, por acompanhar a história de resistência deste povo quilombola lutador, que sobrevive no epicentro de interesses capitalistas, ligados ao agronegócio e o anseio por total desterritorialização e acreditar que a harmonia da comunidade se faz quando os e as quilombolas ecoam suas vozes.
Segue em anexo a Carta de Repúdio, publicada pela comunidade no dia 26 de abril de 2024:
SÉRIE INSUSTENTÁVEIS *
A cerca de 2 quilômetros da mina Sossego, que extrai cobre na Serra de Carajás, os 1,5 mil moradores da Vila Bom Jesus vivem um cotidiano em que o chão treme e os copos trincam
Por Sílvia Lisboa (texto) e João Laet (fotos), Canaã dos Carajás/Pará | Sumaúma
As explosões na mina Sossego acontecem às segundas-feiras, por volta das duas da tarde, aterrorizando Maria de Lourdes da Silva
Às segundas-feiras, por volta das 2 da tarde, o som de um estampido ecoa. O chão treme, os copos trincam, as panelas caem da prateleira. Uma nuvem cinza ascende do chão e cobre as plantações, os animais e as cerca de 300 casas da Vila Bom Jesus, uma das cinco vilas rurais de Canaã dos Carajás, localizada a 21 quilômetros da entrada do município. Caminhonetes brancas somem no horizonte em direção à mina Sossego – de onde a Vale extrai cobre –, cuja barragem de rejeitos fica a apenas 2 quilômetros do povoado, a 397 metros do primeiro lote de assentamento e a míseros 115 metros do Rio Parauapebas.
As explosões semanais realizadas há 20 anos para abrir mais buracos de escavação na mina Sossego da Vale, em Canaã dos Carajás, também lascaram o piso de lajotas de dois cômodos da casa da pernambucana Maria de Lourdes da Silva, de 68 anos, que vive a 2 quilômetros da mina. As paredes da fachada têm rachaduras, o que fez com que as lajotas se desprendessem. Para a Vale, as explosões não provocam os estragos, como conta Maria. O problema, segundo a mineradora, é que a casa é velha. “Eles vêm aqui e dizem que não têm nada a ver com as explosões, que está tudo quebrando porque já tem muitos anos”, conta Maria.
O vilarejo abriga uma comunidade de trabalhadores rurais vindos na sua maioria do Nordeste em 1984. Suas principais ruas são asfaltadas. Tem escola, posto de saúde, lojas de comércio, um bar e uma igreja evangélica. Em 2014, um censo registrou 1,5 mil habitantes que retiram da terra seu sustento e abastecem a feira local, que funciona de segunda a domingo em um pavilhão construído pela prefeitura.
Apesar da infraestrutura e da proximidade, dona Maria e os 1,5 mil moradores da Bom Jesus não existem para a Vale. A vila rural não consta do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado à época da aprovação do projeto, no início dos anos 2000. Não há nenhuma menção à comunidade e às roças entre os 21 indicadores de impacto socioambiental apontados no relatório. Conforme os moradores, a relação da empresa com a comunidade expressa esse desprezo. “Não era para estarmos correndo atrás dela. Era para ela estar preocupada com a gente”, diz José de Sousa Barroso, de 52 anos, mais conhecido como Tio Julio. A exploração minerária rendeu à Vale, só em 2021, 14 bilhões de reais (2,7 bilhões de dólares) pela venda de cobre.
Depois de muita reclamação dos moradores, conta Maria, funcionários da mineradora mediram os decibéis das explosões e a poeira que recobre as roças e os animais. “Naquele dia, a explosão foi bem fraquinha”, disse. “Por que será?”, ironiza. Sua nora, Francileide da Silva, de 40 anos, intervém: “Para mim, o pior são as sirenes. Todo dia 18 de cada mês eles tocam a sirene para simular um acidente. É para nos prepararmos para o rompimento da barragem de rejeitos”, explica. “Se romper, temos de correr para três pontos da vila. Não sei bem por que, talvez seja para morrer todos juntos.”
Há cinco anos, desde o rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais, que matou 270 pessoas e espalhou lama tóxica por 300 quilômetros sobre rios e florestas, os moradores da Bom Jesus vivem em alerta. A sirene soa todo dia 18 do mês, mas Francileide diz escutá-la em sua cabeça todos os dias. “Quando tocar em outro dia, aí é pra valer. Como a gente vive com isso? Eu quero sair daqui. Não aguento mais meu filho enchendo folhas e folhas do postinho [referindo-se às fichas médicas] por causa dos problemas respiratórios das explosões, e eu com essa ansiedade”, desabafa.
O terreno onde Maria de Lourdes e Francileide vivem está na área de servidão da Vale. Isso quer dizer que suas casas estão tão próximas da mina Sossego que ficam dentro da zona que pode ser requerida pela Vale [área de servidão], a qualquer momento, para instalar a infraestrutura necessária à atividade de mineração. Além de ser ignorada pela empresa, a Bom Jesus pode ser a segunda vila rural a ser engolida pelo avanço da mineração da Vale sobre as terras de assentamento – a primeira foi Mozartinópolis (leia abaixo). Maria de Lourdes não sabia disso até 10 de janeiro, quando o advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Gonçalves Afonso, leu a lista dos agricultores cujos lotes estão dentro desse perímetro em uma reunião com a comunidade. “A Vale sempre disse que não tinha interesse nenhum na nossa área. Agora descubro que ela tem, sim. Não dá para acreditar em nada do que eles dizem”, lamenta. “Esses dias chegaram a dizer que a poluição das explosões não vai chegar aqui por causa da orientação do vento. Agora eles dominam o vento?”
José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra, se reúne com moradores da Vila Bom Jesus
A agricultora se referia ao Projeto Bacaba, uma extensão do Sossego para aumentar a extração de cobre que, se aprovado, tornará a vila uma ilha verde cercada por buracos cinzas. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará informou que o pedido de licenciamento do Bacaba segue em análise. “Já estamos cercados. Não podemos mais pescar no rio [Parauapebas] porque os seguranças da Vale recolhem nosso barco, anzol, até os peixes”, diz Edson. “Mas também não dá mais pra comer os peixes por causa da contaminação.” Os moradores lamentam ainda não conseguirem mais criar galinhas porque os ovos goram [apodrecem por dentro].
Edson flagrou o Parauapebas, conhecido pelas águas caudalosas, ficar com uma coloração azul fosforescente e enviou a imagem ao Ministério Público. Um duto vindo da jazida deságua no Parauapebas próximo à entrada da Sossego pela vicinal. Há um ano, após notar retroescavadeiras no entorno da vila, ele registrou a construção de uma trincheira. “A Vale fez uma trincheira para separar o terreno dela do dos agricultores. Os animais caem e morrem”, conta Edson. A outra barreira é um dique para evitar que eventuais cheias do rio escoem para dentro da mina. “Sabe para onde vai parar essa água? Em cima das nossas roças.” Questionada sobre por que cavou uma trincheira e sobre a poluição das águas, a Vale não respondeu.
O inquérito do Ministério Público Federal (MPF), que investiga a compra de lotes de assentamento pela Vale, também realizará, em conjunto com o Ministério Público do Pará, uma perícia que ficará a cargo da Universidade Federal do Pará para avaliar os impactos socioambientais da mina Sossego na Bom Jesus. “Em 2009, eu pedi providências ao MPF por causa da proximidade com a mina. Catorze anos depois, o inquérito ainda não foi concluído”, diz Batista. “A população fica muito vulnerável, mas temos de insistir.”
A Vale negou haver impactos ambientais relevantes da Sossego na Bom Jesus. Em resposta a SUMAÚMA em janeiro, disse que “mantém os controles ambientais definidos no licenciamento ambiental e monitora a qualidade do ar e da água de suas operações”. Também afirmou que “todos esses controles e monitoramentos são acompanhados pela Semas/PA e foram objeto de vistoria do MP-PA em 2022, que concluiu que a Vale opera dentro dos padrões ambientais definidos por lei”.
Um mês após a visita da reportagem à Bom Jesus, porém, a Semas suspendeu a licença ambiental da Sossego e da Onça Puma (níquel). A SUMAÚMA, informou que a ordem ocorreu “por conta de inconformidade nos relatórios de informação ambiental anuais e no descumprimento de ações de mitigação de impactos decorrentes das atividades de mineração, resultando em conflitos com comunidades próximas à área de influência dos empreendimentos”. A Vale conseguiu retomar as operações nas minas após entrar com liminares na Vara Cível de Canaã dos Carajás e Ourilândia do Norte. Em 3 de abril, o Tribunal de Justiça do Pará derrubou a liminar que autorizava a retomada da Onça Puma e, em 15 de abril, a da Sossego, após analisar os recursos do governo do Pará. As duas minas estão, neste momento, paralisadas.
A exemplo da região do Cristalino (cobre) e do Planalto Serra Dourada (níquel), a Vale deu início à sua estratégia de desmobilizar a resistência na Bom Jesus. Negociou individualmente com dois agricultores e entrou na Justiça para pedir o lote de José Barroso, o Tio Julio. “Um rapaz da empresa esteve aqui fazendo um levantamento para avaliar meu terreno. Disse que voltaria depois com uma proposta. Mas não voltou. Só recebi uma intimação para comparecer na Justiça”, contou o agricultor, que mora na vila desde 1984.
Tio Julio, da Vila Bom Jesus, luta contra a Vale para permanecer no seu lote
Ao lado de vizinhos, Tio Julio organizou uma resistência para denunciar o descaso da Vale com a comunidade. Após ser visitado pelo funcionário da mineradora, dividiu seu lote com outros agricultores para ter mais força na hora da negociação. Não adiantou. Agora ele vai ter de negociar judicialmente a venda de 60% do seu lote de 48 hectares na vila, onde mora desde os 13 anos – a empresa argumenta que seu lote está na área de servidão minerária. A Vale pediu a parte do imóvel rural que fica próxima ao Parauapebas. Sem acesso ao rio, a agricultura fica inviabilizada.
“Eles nos vigiam, sabem que nos organizamos. A Vale odeia trabalhador organizado. Por isso entrou na Justiça contra mim, e a Justiça não me ouviu”, lamenta. Antes de a Vale chegar, a pequena vila rural era conhecida pela produção de hortaliças, criação de galinhas e laticínios. A Vale não respondeu por que entrou na Justiça para pedir as terras do agricultor sem usar a via da negociação prévia.
Tio Julio e os moradores da Bom Jesus com quem SUMAÚMA conversou querem ser remanejados para uma nova terra longe das minas. O início das negociações individuais, no entanto, enfraquece essa alternativa. A esperança agora é com a perícia independente do MPF, que pode atestar os impactos socioambientais há muito denunciados, e com a ação da Semas do Pará, que demonstrou haver inconformidade e descumprimento de parâmetros ambientais na operação da Sossego. Se comprovados os danos ambientais, que estão inviabilizando a agricultura e a pesca e piorando a saúde dos moradores, a Vale pode ser obrigada a transferir os moradores para um novo assentamento. “A gente vê nossa riqueza sair daqui todos os dias de caminhão, e nós ficamos só com as doenças e a destruição”, diz o agricultor Edson Ramos. A empresa, porém, não considera a hipótese de transferência.
Racha Placa: 50 famílias em pé contra a Vale
O impacto da mineração na Bom Jesus repete a destruição de outra vila rural, a Mozartinópolis, situada em uma das vicinais de acesso à S11D em Canaã. Formada por agricultores nordestinos que chegaram ao local entre os anos de 1970 e 1980, a vila era uma comunidade próspera até o início da implantação da mina, três décadas depois. Contava com energia elétrica, água encanada, escola, linhas de ônibus para o município e até um posto da Adepará, a Agência de Defesa Agropecuária do Pará.
Com o início das instalações da S11D, a comunidade começou a ser visitada por funcionários terceirizados da mineradora. Primeiro, colocaram placas proibindo a caça e a pesca no local, o que foi considerado uma afronta, já que se tratava de uma comunidade baseada no extrativismo. Os moradores, então, afastavam as placas, que voltavam ao lugar anterior no dia seguinte. A disputa se estendeu por semanas, até um dos moradores dar uma machadada no aviso indesejado. Ali nascia a Racha Placa, o nome da vila que venceria a queda de braço com uma das maiores mineradoras do mundo.
Seguindo a cartilha da desmobilização social, a Vale fez primeiro um censo das famílias da Racha Placa com a promessa de transferi-las para outra terra. Ao fazer isso, alertava os moradores de que não podiam fazer melhorias nas casas ou expandir as roças porque não seriam indenizados por nada além do previsto. A recomendação soou como uma ameaça, e a promessa virou lenda. Dois anos após o censo, sem notícia sobre a transferência, a Vale partiu para a segunda etapa: as negociações individuais. Convenceu o pastor local, que arrebanhou metade dos fiéis. “Queriam nos tirar a todo custo de lá, propuseram até nos dar uma casa em Canaã. Mas somos agricultores. Queríamos terra para plantar. Não arredamos o pé”, conta Marcos Vinicios Santos, de 38 anos, que chegou à vila vindo da Bahia aos 7 anos com os pais e seis irmãos.
Os que restaram iniciaram protestos. Interromperam por cinco vezes o ramal da Ferro Carajás, onde a ferrovia faz a curva em formato de pera. A Vale aceitou negociar com os assentados, por intermédio de Batista, e com o Incra. Em 2015, após quase 20 anos de disputa e quatro anos após o acerto final, cerca de 50 famílias foram transferidas para o Assentamento União Américo Santana, nas proximidades da Vila Ouro Verde, a 45 quilômetros de Canaã dos Carajás. Os agricultores foram instalados em lotes de 5 alqueires, com casa de dois quartos, curral e poço artesiano – o provimento de água à comunidade entrou como uma contrapartida no licenciamento operacional da S11D. Do Racha Placa, restou apenas o cemitério. A Vale permite o ingresso dos ex-moradores apenas no Dia dos Finados.
Bacia de rejeitos da mina Sossego causa preocupação aos moradores da Vila Bom Jesus
*A série Insustentáveis é uma parceria do Transnational Law Institute, do King’s College de Londres, com SUMAÚMA – Jornalismo do Centro do Mundo
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