Cerca de 60 mulheres participaram da atividade, que contou com momentos de debate, fortalecimento e articulação entre os diversos movimentos que compõem a Via Campesina
Por Heloisa Sousa - CPT Nacional
Cerca de 60 mulheres estiveram presentes durante os dias de formação. Foto: Selma Dealdina Mbaye/Conaq
Entre os dias 04 a 08 de agosto, a Via Campesina Brasil realizou a IV edição de sua Escola Feminista, no município de São Mateus, no Espírito Santo. A atividade, que reuniu mulheres de dez entidades e movimentos sociais do campo que compõem a Via Campesina, contou com o apoio das organizações Bizilur Elkartea e Grassroots International.
No primeiro dia de formação, as participantes puderam entender melhor a trajetória da Escola, além dos objetivos centrais em cada edição. Com início em 2019, em Seberi (RS), a formação também passou por Salvador (BA), em 2022, e Belém (PA), em 2023. Esse ano, as pautas principais da atividade focaram na unificação entre os movimentos a respeito das leituras sobre os temas apresentados, na construção de uma unidade de luta e no fortalecimento do Feminismo Camponês Popular (FCP).
Ainda na manhã do primeiro dia, Renata Menezes, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e a professora Gilsa Barcellos, do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, realizaram a análise de conjuntura. O avanço da extrema-direita e seu domínio do debate nos meios virtuais foi tema levantado por Renata, que expôs o risco que os direitos das minorias sofrem diante dos discursos antifeminismo, anticomunismo e transfóbico.
“Quando a gente fala de luta feminista, não dá para esquecer as outras situações postas que fazem parte da natureza do capitalismo”, explicou Gilsa, salientando que a luta feminista é indissociável das lutas de classe e racial. Ela fez uma apanhado histórico da relação entre propriedade privada, escravização e a violência colonial sobre os corpos das mulheres, sobretudo daquelas que não são brancas.
Da esquerda para a direita, Ana Carolina Silva (PJR), Gilsa Barcellos e Renata Menezes. Foto: Heloisa Sousa/CPT
A memória e resgate do processo de construção do Feminismo Camponês Popular foram orientados por Sirlei Gaspareto e Noeli Taborda, do Movimento de Mulheres Camponesas, e Ana Carolina Silva, da Pastoral da Juventude Rural, na tarde do primeiro dia. De caráter socialista, destacando as resistências negra, indígena e popular, o FCP nasce no bojo das lutas sociais camponesas e busca mudanças sociais e econômicas profundas. Iniciativas como agroecologia e proteção de sementes crioulas, buscando a soberania popular alimentar, fazem parte desse conceito.
Os movimentos presentes puderam, então, apresentar as especificidades das mulheres que os compõem para dar continuidade à elaboração do Feminismo Camponês Popular, compreendendo as distintas realidades das mulheres do campo, das águas e das florestas.
Defendendo corpos e territórios
“Como defender nossos corpos e territórios do avanço dos empreendimentos capitalistas?” foi o questionamento feito durante a mesa “Questão ambiental: um olhar desde a construção do feminismo e do FCP”, realizada na manhã do dia 05. Mirian Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres, levantou a reflexão sobre as sementes transgênicas, os agrotóxicos e a exploração dos bens materiais pelas grandes potências. Segundo ela, esse modelo, além de gerar conflitos internos nas comunidades, altera a saúde reprodutiva das pessoas atingidas.
“Enfrentamos alguns desafios de como organizar esses aprendizados dos territórios em demandas para a criação de políticas públicas”, explica Mirian, após apresentar experiências de mulheres na produção alimentar saudável em pequenos espaços. “Então a gente precisa construir muita força juntas para conseguir colocar essa demanda que a gente tem”, completa.
A realidade sobre a expulsão de famílias de seus territórios por empresas de mineração, que provocam a degradação desses espaços, foi exposta por Simone Jesus, do Movimento dos Atingidos por Mineração (MAM), na Bahia. Ela compartilhou o momento com Mirian, falando sobre o olhar feminino diante desses conflitos, que violam principalmente as mulheres pobres e o FCP como uma ferramenta para o enfrentamento coletivo a esses empreendimentos e desafios.
Mirian Nobre e Simone Jesus falam sobre o olhar feminino e feminista sobre a crise ambiental. Foto: Heloisa Sousa/CPT
Dando continuidade ao debate sobre a saúde da mulher, a tarde contou com duas rodas de conversa para tratar mais sobre o tema. Maíra Bittencourt, obstetriz e parteira do Coletivo Feminista Suxualidade e Saúde, abriu o debate sobre justiça reprodutiva e o fortalecimento dessa pauta dentro dos movimentos, já que essa deve ser uma luta assumida também pelos homens. Além de ainda ser um debate tímido e moralista, as questões envolvendo o direito ao aborto seguro são cercadas de desinformação.
“Há uma crença de que as mulheres não são criminalizadas, mas isso não é verdade”, explica. Maíra destaca ainda as lutas pela dignidade na maternidade, a defesa do direito de acessar métodos contraceptivos e a escuta das pessoas transmasculinas, invisibilizadas nesse debate.
Cultivando afetos
Pensando na integralidade da saúde das mulheres, os cuidados com a saúde mental fizeram parte da roda de conversa orientada por Paula Sassaki, psicóloga do setor de gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que propôs uma dinâmica de relaxamento e aproximação das mulheres presentes. O momento foi de acolhimento, escuta e diálogo sobre noções de autocuidado dentro da militância.
“Se a gente pegar o que nos adoece, o que nos causa as dores que sentimos, tem muito do capitalismo, do racismo, do patriarcado, mas a mídia não vai nos dizer isso”, salientou Paula. O cuidado coletivo, segundo a psicóloga, é uma das soluções para o não adoecimento e a cura. Ela utilizou a agroecologia para exemplificar esse processo, pois é uma ciência que precisa do contato com a natureza para ser realizada, mas também do contato com o outro.
A tarde contou com roda de conversa sobre saúde sexual e sobre cuidado e saúde mental. Foto: Heloisa Sousa/CPT
A noite, Lucinéia Freitas, do MST, contou mais sobre a história da Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo, a Cloc. O movimento nasceu em 1994, durante o I Congresso Latino-americano de Organizações do Campo, em Lima (Peru), e impulsionada pela campanha continental 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular (1989-1992). Formada a partir da necessidade de construir uma resistência camponesa internacional e solidária, reunindo povos de diferentes países, mas que enfrentam desafios semelhantes, atualmente compõem a Cloc cerca de 180 organizações camponesas em 81 países.
“Nada sobre nós, sem nós”
No dia 06, a transição energética foi a pauta que guiou o debate. Fabrina Furtado, professora na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), realizou análise sobre esses novos modelos apresentados pelas multinacionais predadoras, que na verdade estão financeirizado a natureza e invadido os territórios indígenas e tradicionais.
O debate sobre crédito de carbono, mineração de lítio, energia eólica e energia solar passa por uma disputa de narrativa entre os empreendimentos, explica Fabrina. Os empreendimentos colocam esses modelos como soluções verdes e se apropriam de pautas sobre sustentabilidade e representatividade.
À tarde, a mesa foi composta por Isabel Cristina (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - Conaq), Ionara Bistola, (MAM), Elisa Mergulhão, (Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB), e Ana Maria da Hora, (MST). No momento, elas puderam compartilhar a realidade e as especificidades sobre a luta por terra, água e território nas comunidades que vivem. Relatos sobre ataques aos territórios quilombolas, a invasão da mineração, barragens e reforma agrária foram trazidos.
Mãe Bernadete Presente!
A noite, foi realizado o lançamento e distribuição da segunda edição do livro “Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil", desenvolvido pela Conaq e pela organização Terra de Direitos. Selma Dealdina Mbaye, articuladora política da Conaq, coordenou o momento, contando mais sobre a origem da publicação e fazendo memória à Mãe Bernadete Pacífico, liderança quilombola assassinada em agosto do ano passado e que estampa a capa do livro.
Selma Dealdina Mbaye fala sobre a segunda edição da publicação “Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil", que revela aumento da violência contra quilombolas. Foto: Heloisa Sousa/CPT
Selma falou ainda sobre a história da resistência negra de São Mateus, município que possui a maior população afrodescendente e quilombola do Espírito Santo. “Esse município está entre os dez municípios mais velhos do Brasil, então essa cidade é um reduto com histórias de pessoas muito importantes. Tem Zacimba Gaba, tem Silvestre Nagô, tem Constância D'Angola”, explica Selma. “É um município com muita história, mas pouco valorizado. A gente tenta falar sobre isso porque é muito importante, não apenas para a história desse país, mas também do Espírito Santo, que é um estado extremamente racista”, completa.
“O caminho, é você caminhando”
No dia seguinte, as mulheres puderam desfrutar de uma programação para o descanso durante os dias de formação. Pela manhã, foram recebidas no acampamento do MST, Zacimba Gaba, formado em abril deste ano durante as jornadas de luta. Depois, seguiram para a Cooperativa de Produção Comercialização e Beneficiamento dos Assentados (Coopterra), formada em 2012 por famílias assentadas em São Mateus e que hoje é referência no processo de beneficiamento e comercialização de café e pimenta do reino. Em seguida, partiram para um dia de lazer na praia Guriri.
Na manhã do último dia de formação (08), a sistematização das discussões sobre o Feminismo Camponês Popular, realizadas durante o encontro, foi apresentada. Além disso, as mulheres puderam organizar encaminhamentos para os movimentos que fazem parte, pensando nos desafios que enfrentam hoje, como as dificuldades no acolhimento das pautas feministas nas organizações.
Durante a mística de encerramento, foram distribuídas panelinhas de barro da região de São Mateus para as participantes da formação. Foto: Heloisa Sousa/CPT
Estiveram presentes representantes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Mineração (MAM), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Pastoral da Juventude Rural (PJR) e Movimentos de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
Por CPT NE2
Foto: Fórum Brasileiro de Segurança
Na última quinta-feira, 15 de agosto, a CPT marcou presença no 18º Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em Recife, Pernambuco. O evento, que se estendeu por três dias, reuniu quase 800 participantes, entre organizações sociais, profissionais da segurança pública, gestores(as) de diferentes esferas governamentais e pesquisadores(as) acadêmicos(as) de 26 unidades federativas do Brasil.
Durante o fórum, foram realizadas três conferências e 48 painéis, que abordaram uma ampla gama de temas relevantes para a discussão sobre a redução da violência e a implementação da segurança pública como um direito social fundamental no país.
A CPT participou do painel intitulado “Conflitos Fundiários e Violência”. Moderado por Marina Bohnenberger, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o painel contou com a participação de Plácido Junior, geógrafo e agente pastoral da CPT; Bruno Stankevicius Bassi, do "De Olho nos Ruralistas"; Morgana Alves, delegada da Polícia Civil de Pernambuco (PCPE); Junior Nicácio, advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIR); e Alexandre Julião, advogado do Programa Xingu - Proteção e Direitos Territoriais.
Na ocasião, o agente pastoral destacou os dados mais recentes sobre os conflitos no campo no Brasil, publicados pela CPT, e enfatizou que a violência no campo se manifesta em duas dimensões: uma voltada contra as pessoas e outra direcionada às ocupações e às posses, que exigem intervenções diferentes, porém complementares, por parte do Estado brasileiro. Com relação à violência contra a pessoa, o debate enfatizou o histórico de impunidade, a criminalização dos povos do campo e dos movimentos sociais, bem como o uso excessivo da força coercitiva para reprimir reivindicações legítimas. Esse cenário demanda para o Estado brasileiro a implementação de medidas de prevenção, investigação, identificação dos responsáveis e punição dos culpados. Por outro lado, no que diz respeito à violência contra a ocupação e a posse, destacou-se que a reforma agrária e a demarcação de territórios tradicionais são ações estruturais fundamentais para o combate definitivo à violência no campo.
Assinada por mais de 30 organizações, a Nota pede uma ação efetiva do Estado diante da violência contra os povos
A nota, assinada por mais de 30 organizações, reforça os dados dos relatórios da violência divulgados pelo Conselho Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) este ano. Em 2023, os conflitos agrários atingiram níveis inéditos, com invasões, ataques contra povos indígenas e até casos de trabalho escravo. A Campanha Contra a Violência no Campo, que este mês completa dois anos com o apoio de mais de 70 organizações e pastorais sociais, tem feito diversos enfrentamentos e denunciando as violações que os povos têm sofrido.
O manifesto destaca os ataques que povos indígenas dos Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pará viveram nas últimas semanas e em que houve negligência do Estado na segurança dos povos. “Essa responsabilidade também se dá pela demora em demarcar os territórios e anteceder as medidas que só chegam após conflitos estabelecidos”, enfatiza um trecho da nota. O manifesto pontua que a garantia da demarcação das terras indígenas é um dos caminhos que promove a paz. A nota finaliza alertando mais uma vez ao crescimento da violência contra os povos do campo, das florestas e das águas.
“A Campanha Contra a Violência no Campo tem alertado para a intensificação e o crescimento da violência contra povos, cujo “existir” é a única forma de resistência.”
Leia a Nota na íntegra (Disponível também em PDF):
NOTA DA CAMPANHA CONTRA A VIOLÊNCIA NO CAMPO
A Campanha contra a Violência no Campo, no marco dos seus 2 anos de existência, vem por meio desta nota, manifestar a preocupação e chamar atenção das autoridades governamentais, do judiciário e da sociedade para a realidade dos conflitos agrários, contra os povos dos territórios, das águas e das florestas.
No mês de julho, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou o relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, apontando o crescimento na violência em 2023. Foram 276 casos de invasões, em 202 territórios de 22 estados. 1.276 casos de violência contra o patrimônio dos povos, dentre elas casas de reza, símbolos da religiosidade e soberania. Nesse mesmo mês, houve uma escalada de violência contra os povos indígenas em mais de 10 comunidades dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pará.
Em abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publicou o relatório de Conflitos no Campo, apontando o ano de 2023 com o maior índice de conflitos no campo nos últimos 10 anos, com 2.203 ocorrências. Mais de 70% dessas ocorrências são por questão da terra. Na mesma linha da violência no campo se destaca o trabalho escravo rural, do qual 2.663 foram resgatadas em 2023, ocupando a primeira posição nos últimos 10 anos.
Os dados apresentados pelas organizações sociais, há mais de 38 anos, mostram que no centro do conflito no campo está a grilagem, a pistolagem e a impunidade. Nos últimos anos, os governos que ocuparam o Estado brasileiro incentivaram essa prática. E o governo atual, apesar dos esforços de alguns setores, ainda não conseguiu estabelecer políticas que promovam a paz no campo, garanta os territórios dos povos e promova a dignidade humana e seus modos de vida.
As retomadas e autodemarcação iniciadas pelos povos são sinais de resistência, sobretudo quando o Estado não garante a terra e a proteção. Os governos, federal e estadual, em aliança com o capital não condiz com a proteção dos povos originários, sobretudo os povos indígenas. A maioria de deputados e deputadas, no congresso nacional, não tem compromisso com a causa dos povos originários e tradicionais do campo. O movimento “Invasão Zero”, apadrinha da bancada da bala no Congresso, sustenta a violência no campo brasileiro, sem nenhuma reação da justiça.
Nos últimos acontecimentos, sobretudo no Mato Grosso do Sul, houve negligência do Estado, por meio da Força de Segurança Nacional e dos Órgãos de competência para garantir a segurança dos povos e seus territórios. Essa responsabilidade também se dá pela demora em demarcar os territórios e anteceder as medidas que só chegam após conflitos estabelecidos.
A negligência do Estado em relação a demarcação dos territórios e a morosidade do judiciário na decisão da inconstitucionalidade do marco temporal atesta e prolonga a violência contra povos e comunidades. A campanha contra a violência no campo tem alertado para a intensificação e o crescimento da violência contra povos, cujo “existir” é a única forma de resistência.
As organizações subscritas nesta nota, solicitam atitudes concretas que promovam a paz no campo, a defesa e promoção dos territórios e seus modos de vida. Chega de sangue banhando esse chão!
Assinam essa nota:
Brasília (DF), 15 de agosto de 2024
Do Coletivo de Incidência Compartilhada
Organizações ligadas à Igreja Católica em todo o Brasil entregaram, nesta quinta-feira (14), uma carta conjunta ao ministro Edson Fachin, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), expondo a preocupação diante da insegurança e da violência a que estão expostos os povos indígenas, com destaque para os conflitos sofridos nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul. Lideranças indígenas das regiões do Amazonas e Rondônia também acompanharam a entrega. Leia a Carta Completa no final deste texto ou acesse aqui.
Ao todo, treze organizações assinam a Carta, junto com outras 22 entidades que representam fóruns, redes, comitês e articulações em defesa de populações tradicionais e de biomas como a Amazônia e o Cerrado. Além do ministro, a Carta também foi entregue nominalmente e protocolada aos demais ministros em seus gabinetes, junto com o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2023, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O ministro Fachin já foi o relator do julgamento da tese do Marco Temporal e suspendeu decisões que impediam a demarcação de terras indígenas, além de estar na relatoria de outros processos relacionados aos conflitos territoriais em terras de posse e ocupação tradicional, ainda não demarcadas. As organizações também suplicam que seja apreciada com urgência os pedidos de incidente de inconstitucionalidade da Lei 14.701/23, apresentados pelo Povo Xokleng no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 (Tema 1031), e na Ação Cível Originária (ACO) 1100, ambos com sua relatoria.
Uma comitiva de quase 60 indígenas acompanharam a sessão no plenário do STF
Na Ação 1100, o Povo Xokleng reivindica a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas, e que agora estão sob especulação e invasão por parte de proprietários e madeireiras. “Há informações de grupos fortemente armados que buscam retirar à força comunidades indígenas de seus territórios tradicionais. Como também, há registros de indígenas baleados e de agressões contra religiosos. Os povos atacados foram os Guarani Kaiowá, Avá Guarani e Kaingang, e ocorreram nos últimos dias”, acrescenta a Carta.
Com a vigência da Lei do Marco Temporal (14.701/2023), os procedimentos administrativos de demarcação se tornam ainda mais lentos, sendo até anulados, além de legitimar a ação criminosa de grupos armados, como o movimento “Invasão Zero”, o que acirra os conflitos já existentes.
O Coletivo de Incidência Política Compartilhada foi constituído em 2021 e reúne diversas organizações, movimentos e pastorais sociais, objetivando colocar suas expertises e potencialidades em colaboração mútua, a fim de ampliar suas capacidades coletivas de influenciar em pautas estratégicas nos contextos jurídicos, legislativos e executivos. As ações são de reivindicação junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário com o objetivo de lutar pelo Cuidado da Casa Comum, a salvaguarda do Estado Democrático de Direito, a Garantia dos Direitos Fundamentais e o apoio à garantia de direitos daqueles segmentos mais vulnerabilizados de nossa população.
O coletivo atualmente é composto pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), Rede Igrejas e Mineração, Cáritas Brasileira, Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEEPETH), Pastoral Carcerária (PCr), Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), Pastoral Nacional da Moradia e Favela e a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora (CEPAST-CNBB).
Contatos:
CIMI – (95) 99172-1972 – secretario@cimi.org.br; assessoriajuridica@cimi.org.br (Luís Ventura)
CNBB/CEPAST – (61) 2103-8313 – psocial@cnbb.org.br (Pe. Dário Bossi)
Leia a Carta Completa:
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EDSON FACHIN
Nós, representantes das organizações ligadas à Igreja Católica abaixo assinadas, vimos muito respeitosamente à presença de Vossa Excelência, expor nossa preocupação em relação à situação de extrema insegurança que atravessam os povos indígenas do Brasil.
Acompanhamos com consternação os episódios de violência contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul relacionados aos conflitos territoriais em terras de posse e ocupação tradicional, ainda não demarcadas.
Há informações de grupos fortemente armados que buscam retirar à força comunidades indígenas de seus territórios tradicionais. Como também, há registros de indígenas baleados e de agressões contra religiosos. Os povos atacados foram os Guarani Kaiowá, Avá Guarani e Kaingang e ocorreram nos últimos dias.
Sabemos do esforço empreendido por essa Corte nos últimos anos, especialmente por Sua Excelência, no Tema 1031, para fixar o entendimento acerca do alcance dos arts. 231 e 232 da Constituição Federal.
Todavia, causa-nos espécie a reação absolutamente desmedida do Congresso Nacional em impor por meio de medidas legislativas uma interpretação da Carta Maior em completa desconformidade com o que acordou o Constituinte originário e de como interpretou o art. 231 da Constituição esta Corte no julgamento finalizado em setembro de 2023.
Do mesmo modo, preocupa-nos a plena vigência da Lei 14.701/23, evidentemente afrontosa à tese fixada no Tema 1031, sem, até o momento, nenhum pronunciamento desta Corte Constitucional, embora tenha sido devidamente provocada.
Impossível desvincular os efeitos da referida Lei no sufocamento violento dos povos indígenas, já que estando vigente, a Lei 14.701/2023 afeta diretamente os procedimentos administrativos demarcatórios tornando-os ainda mais morosos, senão possibilitando até a sua anulação. Ainda, a Lei legitima grupos armados a ações criminosas, a exemplo do já muito conhecido “Invasão Zero”.
Não havendo a demarcação dos territórios indígenas, inevitável e infelizmente, os conflitos se acirram, como o que podemos testemunhar em nossa caminhada de fé e esperança ao lado dos Povos Indígenas.
De tudo isso, Excelência, confiamos em Vossa sensibilidade à causa dos povos indígenas e sobretudo confiamos em Seu compromisso na guarda da Constituição Federal. Suplicando, por fim, que aprecie com urgência o pedido de manutenção da suspensão nacional conferida no RE 1017365 e também os pedidos de incidente de inconstitucionalidade da Lei 14.701/23 apresentado pelo Povo Xokleng no RE 1.017.365 (Tema 1031) e na ACO 1100, ambos de Sua relatoria.
Na esperança de sempre;
Brasília/DF, 15 de agosto de 2024.
Contatos: CIMI - secretario@cimi.org.br; assessoriajuridica@cimi.org.br Luís Ventura (95) 9172-1972
CNBB/CEPAST- psocial@cnbb.org.br - (61) 2103-8313 Pe. Dário Bossi
Coletivo “Incidência Política Compartilhada”:
Assinam também:
Nós, representantes de organizações eclesiais e sociais dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, e do Distrito Federal, reunidos no Encontro de Articulação da Rede Eclesial Platina (REPLA), em Jales-SP, nos dias 8 e 9 de agosto de 2024, manifestamos nossa solidariedade aos povos Guarani e Kaiowá diante das violências que vem sofrendo de longa data, especialmente nestes últimos dias. Conforme o Conselho Indigenista Missionário, “após a Força Nacional se retirar de retomadas, jagunços atacam e deixam dez Guarani e Kaiowá gravemente feridos em Douradina (MS)”. Repudiamos mais essa violência e a omissão do Estado diante de tanta lentidão para a demarcação e homologação dos territórios indígenas no país.
A violência, também no mundo urbano, é sistemática e grave. Nestes dias, o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura Municipal de São Paulo realizaram ação conjunta para despejar diversas famílias empobrecidas do centro de São Paulo. Hotéis, pensões, ferros-velhos e pequenos comércios foram lacrados e diversas famílias foram colocadas nas ruas. Sempre usando a desculpa de combate ao tráfico, o Governo do Estado e a Prefeitura, alinhados com os grandes meios de comunicação, são parceiros na criminalização da população pobre do centro. Nesta mesma ação, a comunidade da Favela do Moinho foi invadida por forças da segurança pública do Estado e do Município, cometendo várias ilegalidades. A nossa solidariedade às pessoas encontradas oprimidas nessas operações.
Exortamos as comunidades cristãs e a sociedade em geral a serem solidárias com os que sofrem e são perseguidos. O Evangelho mostra que os pobres e perseguidos por causa da justiça são centrais no Reino (cf. Mt 5,3-12) e os que oprimem serão destronados (cf. Lc 1,52). O Papa Francisco ainda alerta para que retiremos o poder do opressor (Fratelli Tutti 241). Por isso, são inaceitáveis as agressões, no campo e na cidade, contra os mais pobres, os povos indígenas, os sem terra e os sem teto.
Exigimos do Estado brasileiro a homologação dos territórios dos povos originários. E na realidade das periferias, exigimos a urgente implantação da política habitacional para atender a todos, como caminho para se combater a violência urbana diante do enorme déficit habitacional que vigora no país.
Participantes do Encontro de Articulação da Rede Eclesial Platina (REPLA),
realizado em Jales - SP, nos dias 8 e 9 de agosto de 2024
Por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida / Terra de Direitos
Legislação que flexibiliza a regulamentação dos agrotóxicos viola direitos à saúde, meio ambiente e administração pública
A Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”, é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada nesta quarta-feira (14) no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Rede Sustentabilidade, Partido dos Trabalhadores (PT), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). A iniciativa conta com o apoio técnico e jurídico de organizações sociais e movimentos populares.
Na ação, os autores destacam que a normativa viola princípios constitucionais norteadores da administração pública, tais como legalidade e eficiência, e direitos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, dos povos indígenas, dos povos tradicionais, à vida digna, do consumidor, de crianças e adolescentes, entre outros. Dado o intenso impacto ambiental e à saúde, os autores da ADI requerem que seja concedida uma medida cautelar, isto é, a suspensão dos efeitos da Lei até análise de mérito sobre a inconstitucionalidade da norma. A iniciativa conta com o apoio de organizações sociais e movimentos populares.
Jakeline Pivato, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica que a lei vai na contramão das reais necessidades de saúde e meio ambiente apontadas historicamente pela sociedade civil organizada.
“Flexibilizar uma lei tornando-a incapaz de proteger o ser humano e o meio ambiente é incentivar a morte. Historicamente, os movimentos, organizações e a sociedade civil têm denunciado os impactos dos agrotóxicos no Brasil. A Lei do Pacote do Veneno traz, para uma realidade já trágica, produtos ainda mais perigosos. Além de limitar a capacidade de ação de nossos órgãos reguladores, como Anvisa e Ibama. Portanto, denunciamos que essa lei fere o direito à alimentação saudável, ao meio ambiente sustentável e a saúde da população brasileira. Nesse sentido, seguimos em luta afirmando sua inconstitucionalidade “, diz Pivato.
De autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como “rei da soja”, o projeto de lei contou com intensa lobby do agronegócio ao longo da tramitação e forte esforço da bancada vinculada ao agronegócio, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Majoritária nas últimas legislaturas, a Frente aglutina hoje 47 senadores dos 81 assentos. Já na Câmara são 300 dos 513 deputados e deputadas.
Por meio de apensos à primeira versão do projeto de lei, o texto final aprovado pelas duas casas legislativas constitui uma mudança profunda na legislação anterior, a Lei 7.802/1989. O argumento central da bancada era a necessidade de atualização da normativa e que a legislação então vigente era impeditiva à aprovação de novos registros. No entanto, o Brasil teve nos últimos anos uma escala crescente de novas autorizações de agrotóxicos. No ano de aprovação do “Pacote do Veneno” foram 555 novos registros. O alto número não é muito diferente da média anual de média de 545 liberações durante o Governo Bolsonaro, com total recorde de 2.182 liberações entre 2019 e 2022.
“O Congresso, majoritariamente composto por representantes do agronegócio, legislou em benefício próprio. A expectativa da sociedade com o ajuizamento da ADI contra o Pacote do Veneno é que a legislação seja analisada pela Suprema Corte à luz de outros aspectos: proteção à saúde humana, respeito ao meio ambiente e à biodiversidade, todos fundamentais para o desenvolvimento do país”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Camila Gomes.
Para fornecer subsídios e dados para contribuir na tomada de decisão pela Corte, a Terra de Direitos, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Fian Brasil, Instituto Preservar e Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema) ingressaram com pedido de amicus curiae (amigos da corte).
Flexibilização legal
Uma das mudanças mais significativas da Lei 14.785 foi a centralização da agenda dentro do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pasta sob forte influência do agronegócio. A legislação anterior previa um modelo tripartite, segundo o qual cabia ao Mapa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a atribuição conjunta de avaliação, a partir de critérios técnicos e científicos, para a liberação ou veto de registros e fiscalização dos agrotóxicos. Pela nova lei, esta atribuição é tarefa exclusiva do Mapa. Aos demais órgãos cabe apenas a revisão complementar à análise do Ministério. Ou seja, a avaliação dos impactos para saúde e meio ambiente com a liberação de determinados agrotóxicos pode não ocorrer se não requerida pelo Mapa. A centralização das atribuições no Mapa foi vetada pelo presidente Lula, mas em maio deste ano o Congresso derrubou os vetos.
Ato realizado no Rio de Janeiro contra a aprovação do Pacote do Veneno
Além da centralização do processo de liberação de registro de agrotóxicos no Mapa e desconsideração do órgão ambiental e sanitário, a nova lei traz outros retrocessos quando comparada com a lei anterior, como: uma definição mais vaga do critério para veto à registros de agrotóxicos com maior grau de toxidade, a revogação de uma série de regras relativas à pagamento de taxas ambientais, a dispensa de registro de agrotóxicos para fins de exportação, entre outras medidas.
“[a Lei] vai na direção contrária à tendência mundial de limitação e proibição desse tipo de substância tóxica, aumenta o risco de contaminação ambiental e humana, eleva o perigo de incidência de câncer e outras doenças agudas e crônicas relacionadas à exposição da população brasileira aos agrotóxicos, contamina os ecossistemas nos diferentes biomas brasileiros e põe em risco sobretudo o trabalhador rural e contraria os princípios da prevenção, precaução, agroecologia e do desenvolvimento sustentável”, apontam os autores da ação.
Impactos à saúde e meio ambiente
À época da aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, a Anvisa destacou em nota que a medida, caso fosse implementada, “põe vidas brasileiras em risco”. Já o Ibama classificou o projeto de lei como um “flagrante retrocesso socioambiental”.
Ao longo da tramitação legislativa a proposta foi amplamente repudiada e denunciada por Relatorias Especiais da ONU, Conselho Nacional de Direitos e Instituto Nacional do Câncer (Inca), além de diversos órgãos públicos, autoridades nacionais e internacionais, conselhos de direitos e controle social, órgãos do Sistema de Justiça .
Na ação os requerentes sublinham que o grave cenário de intoxicação por agrotóxicos no Brasil deve ser intensificado com a implementação da Lei 14.785. Desde 2011 o Brasil está no topo do ranking de países que mais usam agrotóxicos. Só em 2022, foram aplicados mais agrotóxicos no país do que a quantia somada dos Estados Unidos e China – ao todo, 800 mil toneladas, segundo a FAO/ONU.
Entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por agrotóxicos no país. “Considerando a expressiva subnotificação nesses casos da ordem de 1 para 50, o número é potencialmente bem maior, podendo chegar a 2.843 milhões de pessoas intoxicadas por agrotóxicos no país”, aponta a ação. O tratamento por intoxicação onera o Sistema de Saúde (SUS), apontam ainda. Cada dólar gasto em agrotóxicos no Brasil custa $1,08 para o SUS, no tratamento de intoxicações causadas por estas substâncias.
Os autores ainda destacam o alto risco de registros e uso de agrotóxicos com potencial cancerígeno.
Na ADI ainda se destaca o uso intenso de agrotóxicos voltado produção de commodities, como soja e milho, e não de alimentos como é presente no discurso do agronegócio. Outro destaque é o impacto ambiental. “Já é fartamente documentado que esse tipo de produção agropecuária gera desmatamento e, consequentemente, contribui para as emissões de GEE [gases de efeito-estufa]”, enfatizam.
Na ação destacam ainda que a “ausência de ação eficaz e preventiva do Poder Público para evitar a catástrofe humanitária e ambiental que assola diversas regiões e povos do país, viola frontalmente os princípios como os da legalidade e moralidade”, princípios da administração pública. Os autores sublinham que a decisão da ministra Carmen Lúcia no âmbito da ADPF 760, de retomada do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, enfatiza o dever do Poder Público observar os princípios de prevenção e precaução em normas, como as leis, que tratam de questões ambientais.
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