Por Setor de Comunicação da CPT Goiás
Matéria do jornal O Popular publicada neste final de semana (Edição de 10 e 11 de junho) apresenta dados de relatório elaborado pela Comissão Pastoral da Terra e denúncias de movimentos e comunidades que sofreram ações arbitrárias da polícia militar este ano
Reportagem da versão impressa/digital do final de semana: população goiana tem acesso a informações sobre conflitos fundiários em Goiás
Reportagem do jornal O Popular Digital publicada na edição do último final de semana, 10 e 11 de junho, apresentou denúncias feitas por movimentos do campo e entidades de defesa dos Direitos Humanos sobre violência contra acampamentos da Reforma Agrária em Goiás.
A reportagem apresenta dados do relatório elaborado pela CPT Goiás, que reúne informações dos movimentos sociais e sindicais de trabalhadores/as rurais no estado. O documento, que foi encaminhado aos principais organismos estaduais e nacionais que tratam de conflitos fundiários, revela a intensificação da violência no campo neste ano.
O relatório contém denúncias de 19 comunidades acampadas e assentadas que passaram por ataques ou que vem sofrendo ameaças de violência por parte da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) e outros agentes armados ligados a fazendeiros. A matéria do O POPULAR ouviu Cláudia Maria Dadico, ex-juíza federal que hoje está à frente do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA, que afirmou que Goiás é o estado com maior número de denúncias ao órgão em 2023.
Além dos representantes das organizações sociais, sindicais e das famílias acampadas, a reportagem ouviu representantes do INCRA, da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) e da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que também manifestaram preocupação com a situação das famílias acampadas em defesa da Reforma Agrária no estado.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás também foi procurada pela reportagem e, em nota, reafirmou quem vem agindo sem mandados judiciais em casos de despejo, alegando a interpretação de esbulho possessório, argumento rebatido pela ex-juiza Claúdia Maria Dadico, do MDA, em Audiência Pública realizada em Goiânia. “A situação de Goiás é muito preocupante. Diante dos reiterados relatos, marcamos reunião com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e estamos tentando uma reunião com o secretário de Segurança Pública de Goiás”, disse Dadico.
O desembargador Anderson Máximo explicou à reportagem que a polícia, no entanto, não faz parte da Comissão de Conflitos Fundiários criada para dar andamento a processos que pedem reintegração de posse após o fim da validade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, do STF, que manteve a suspensão dos despejos durante o período da pandemia de COVID-19. “As forças de segurança não estão representadas na estrutura criada pelo decreto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para atender determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal”, explicou o desembargador à reportagem.
A matéria traz ainda um resumo das denúncias realizadas por comunidades acampadas, mencionando a situação da terra e o tempo de existência de cada acampamento ou assentamento que passou por violências e ameaças nos últimos meses. Com um mapa de Goiás, identificando os municípios onde se situam as comunidades ameaçadas, a reportagem mostra que a atuação arbitrária da PM-GO foi notificada em grande parte território goiano, o que reitera a informação de que as ações contra as famílias acampadas partem de uma determinação superior, do governo do estado.
Setor de Comunicação da CPT Nacional, com informações da Agência Pública
Está disponível para download gratuito, a partir deste mês de junho, a publicação do projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”. O documento, organizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) através do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), contou com a colaboração da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parte dos levantamentos documentais, tanto do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc) quanto pelo acervo do regional Pará.
“Uma das empresas mostradas na publicação, a JOSAPAR, tinha uma subsidiária chamada CIDAPAR, com atividade concentrada no estado do Pará, e marcada por muitos conflitos e violência cometida contra as populações no entorno da sua gleba”, lembra o coordenador do Cedoc, Tales Pinto. A atuação da CPT se dava tanto no lado da incidência política, quanto na produção de informes sobre as violências sofridas pelas famílias da região, através de recortes de jornais, correspondências de posseiros, anexos de fontes governamentais, panfletos e mapeamentos de áreas.
A empresa, hoje uma das maiores do país no ramo da produção de alimentos, atuava na década de 1980 em grandes áreas de terra que abrangiam vilas, garimpos e cerca de 10 mil pessoas, das quais muitas delas denunciavam a ação de pistoleiros que teriam invadido casas, destruído plantações, agredido e assassinado moradores, alegando ser proprietária das terras. As ações contavam com a parceria do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de inteligência do regime militar.
A publicação foi elaborada com recursos da montadora de automóveis Volkswagen, denunciada por sua colaboração com violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar no Brasil, a partir de investigações do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e do Ministério Público do Trabalho (MPT). As ocorrências se deram principalmente na perseguição a trabalhadores organizados em sindicatos.
Assim, a empresa firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), destinando uma indenização de R$ 36 milhões a iniciativas de reparação dos danos, como: apoio a ex-funcionários perseguidos por suas orientações políticas, reforma e recuperação do Memorial da Luta por Justiça e do Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP), bem como o financiamento de pesquisas por parte da Unifesp a respeito da colaboração de empresas com a ditadura, identificação de ossadas de presos políticos e outras ações.
O resultado foi um documento de 327 páginas, organizado pela Unifesp através do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), com uma equipe científica liderada pelo professor Edson Teles e formada por membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e professores e professoras de universidades federais em Rondônia e Rio de Janeiro, além da Colômbia, Argentina e Inglaterra (Oxford).
O documento conseguiu reunir 10 empresas com histórico de violação de direitos como trabalho escravo ou análogo à escravidão, perseguição e até tortura a trabalhadores sindicalizados. São elas: Aracruz, Cobrasma, CSN, Docas, Fiat, Folha de S. Paulo, Itaipu, Josapar, Paranapanema e Petrobras.
De acordo com os organizadores, a proposta é expandir as investigações para outras empresas, uma vez que a Lei da Anistia é direcionada a indivíduos, e até agora o foco da Justiça ainda é maior na responsabilização dos agentes do Estado pelas violações cometidas contra os direitos civis e políticos, especialmente quanto à integridade física. Muitas destas empresas atuaram junto com setores do Estado, principalmente para destruir a organização e mobilização dos trabalhadores.
Como afirma o professor Edson Teles em entrevista à Agência Pública, é necessário sempre atentar e denunciar a ligação do poder público junto com o poder econômico no combate aos direitos, algo que continua existindo, mesmo após o fim da ditadura: “Isso é algo que se repete. A gente viu, nos últimos quatro, seis anos no Brasil, um ataque a direitos trabalhistas, ao meio ambiente e às populações tradicionais. Pega uma mineradora, uma empresa do agronegócio, a disputa pela terra gerou violações a direitos a essas populações e, por consequência, ao meio ambiente.”
A publicação pode ser acessada e baixada gratuitamente no link: https://www.unifesp.br/reitoria/caaf/projetos/empresas-e-ditadura.
A Campanha Nacional Contra Violência no Campo contrata uma comunicadora ou comunicador social para integrar a sua equipe executiva da Campanha, com sede em Brasília/DF.
Os(as) interessados(as) deverão encaminhar seu currículo pessoal e um texto informativo de autoria própria até o dia 20 de junho para o e-mail contraviolencianocampo@gmail.com com o assunto: Seleção Comunicação da Campanha Nacional Contra Violência no Campo. As selecionadas e os selecionados receberão informações até dia 26 de junho. Após essa data serão realizadas entrevistas, a serem agendadas.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) se une aos povos indígenas do Brasil e às suas organizações para repudiar veementemente a decisão da Câmara Federal pela aprovação do texto final do PL 490/2007, no último dia 30/05, e lamenta o fato de, mais uma vez, o Brasil perder a oportunidade de reconhecer sua dívida histórica e impagável com os povos indígenas ao decidir pela manutenção de políticas de extermínio.
A aprovação do PL 490 representa a maior ameaça aos direitos dos povos indígenas e de seus territórios ancestrais nas últimas décadas, e repete os equívocos do passado que resultaram na vulnerabilidade desses povos no presente e inseguranças quanto ao seu futuro. Além de impedir o direito constitucional, o projeto de lei abre terras indígenas (TIs) já demarcadas à exploração econômica predatória, como o garimpo, as hidrelétricas e o agronegócio, deixando as comunidades ainda mais vulneráveis às ações violentas e criminosas, características desses empreendimentos.
Esse Projeto de Lei acelera o processo histórico de genocídio que essas populações enfrentam. Vale lembrar que o Brasil segue sendo um dos lugares mais perigosos do mundo para os povos do campo, das águas e das florestas. Na última década, foram registradas 661 ocorrências de invasões de terras indígenas, segundo dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT.
Em 2022, do total de ocorrências de conflitos registradas, 28% envolveram povos indígenas. No mesmo ano, a CPT registrou 47 assassinatos por conflitos no campo. Desse total, 38% eram indígenas. Nos últimos anos, pelo menos 570 crianças, de 0 a 12 anos, morreram na Terra Indígena Yanomami em decorrência da omissão e conivência do Governo Federal na contenção da invasão garimpeira e também na diminuição de oferta de serviços de saúde aos indígenas. O PL 490, portanto, nega a realidade brasileira de conflitos, violação de direitos, usurpação e expropriação de territórios indígenas.
Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) terá a oportunidade de barrar a aceleração desse genocídio. Amanhã, 7 de junho, será retomado o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que discute o Marco Temporal. Por isso, a CPT se junta às demais Pastorais Sociais, às organizações indígenas e camponesas e àqueles(as) que defendem a vida e o direito de existir desses povos.
A exemplo de Jesus Cristo e do Papa Francisco, a CPT defende a vida. Assim, conclamamos aos Ministros e Ministras do STF que corrijam esse grave erro cometido pelos deputados e deputadas que aprovaram o PL490. Conclamamos, também, ao povo de Deus, que se una à causa indígena neste momento e exija o cumprimento da Constituição, que, no artigo 231, garante os direitos dos povos indígenas, bem como seja cumprida a Convenção nº 169 da Organização do Internacional do Trabalho (OIT) que garante, sem qualquer limite temporal, o direito à autodeterminação dos povos originários e de populações tradicionais.
Inspirados(as) na memória subversiva do Evangelho, seguimos firmes no compromisso por uma Terra Sem Males, denunciando toda e qualquer lei que afronte a vida e promova o martírio dos povos do campo, das águas e das florestas, guardiões da nossa Casa Comum.
06 de junho de 2023
Comissão Pastoral da Terra - Secretaria Nacional
Saiba mais sobre o Marco Temporal e participe da mobilização em defesa dos direitos dos povos originários: https://apiboficial.org/marco-temporal
Carlos Henrique Silva, com informações da CPT/MT
Mais de seis anos depois de um dos mais sangrentos ataques a trabalhadores rurais do estado de Mato Grosso, que vitimou 9 camponeses na gleba Taquaruçu do Norte, no município de Colniza, parece que a justiça começa a ser feita. O primeiro dos três acusados de participarem da chacina, Ronaldo Dalmoneck, foi condenado a 200 anos de prisão, na última quarta-feira (31), em júri popular. Contudo a decisão não põe fim ao conflito, e a sensação de impunidade continua presente na região.
Essa é a avaliação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT/MT) e de outras entidades envolvidas com o caso, já que estão sendo condenados os executores, mas não os mandantes ou articuladores da chacina.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), além de Dalmoneck, constam como réus no processo: o empresário do ramo madeireiro Valdelir João de Souza, apontado como mandante do crime; o ex-sargento da Polícia Militar de Rondônia Moisés Ferreira de Souza; além de Pedro Ramos Nogueira e seu sobrinho Paulo Neves Nogueira. Ainda segundo o MPE, eles formariam um grupo de extermínio chamado “Os Encapuzados”, conhecidos na região como pistoleiros ou matadores de aluguel.
O ataque aos trabalhadores, ocorrido em 19 de abril de 2017, não deu chance de defesa ou fuga para as vítimas, que acabaram sendo rendidas, torturadas e mortas. Segundo o Ministério Público, a intenção do mandante era aterrorizar as cerca de 100 famílias presentes na localidade, como uma forma de pressionar para que o assentamento fosse abandonado e ocupado posteriormente pelo acusado, o que vem acontecendo nos últimos anos, sem nenhuma providência por parte do Estado.
Contudo as famílias de cinco das nove vítimas continuam reivindicando na Justiça a reparação pelos danos causados, além de indenização por danos morais, pelos traumas psicológicos, sociais e econômicos ocasionados pelo assassinato de seus parentes. O ressarcimento viria da apreensão dos bens dos réus envolvidos nos crimes.
Uma região de disputas e violência
Levantamento realizado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, apontou que 9.253 famílias de Mato Grosso foram vítimas de 147 ocorrências de conflitos por terra em 2022, dados que colocam o estado na 1º posição no ranking do Centro-Oeste e em 5º lugar no ranking nacional deste tipo de conflito. Distante 1.065 km de Cuiabá, o município de Colniza faz divisa com os estados do Amazonas e de Rondônia, uma região marcada historicamente pela ausência do poder público e pela violência dos conflitos por terra, principalmente devido à disputa pela exploração de bens naturais.
Outras mortes individuais e tentativas de massacre continuaram ocorrendo em Colniza após 2017, como o caso do trabalhador Eliseu Queres, assassinado em 2019, em um ataque que deixou outros nove feridos, todos ligados à Associação Gleba União e a movimentos de luta por terra. Em 2022, no mesmo município, um trabalhador rural foi morto na fazenda da família Gringos.
Estes foram os trabalhadores rurais vítimas da chacina em Colniza em 2017, ainda sem a punição devida para os mandantes e executores:
Aldo Aparecido Carlini – 50 anos
Edson Alves Antunes – 32 anos
Ezequias Santos de Oliveira – 26 anos
Fábio Rodrigues dos Santos – 37 anos
Francisco Chaves da Silva – 56 anos
Izaul Brito dos Santos – 50 anos
Samuel Antônio da Cunha – 23 anos
Sebastião Ferreira de Souza – 57 anos
Valmir Rangel do Nascimento – 55 anos
Por Leonardo Fuhrnann | O Joio e O Trigo
Foto: CPT Maranhão
A água contaminada por agrotóxicos é mais uma das ameaças do latifúndio contra a comunidade quilombola Cocalinho, em Parnarama, no Maranhão. O líder comunitário Leandro dos Santos conta que os problemas começaram em 1982, quando grileiros começaram a tentar tomar as terras do povo.
Na ocasião, os invasores investiam na criação de gado. Os registros da presença dos quilombolas no local datam do final do século 18 e começo do século 19. “A gente só não foi expulso das terras por causa da atuação da Comissão Pastoral da Terra e dos movimentos nacionais de proteção aos quilombos”, diz. No local, vivem, atualmente, 170 famílias.
A situação se agravou no fim dos anos 2000, com a chegada da Suzano Papéis e Celulose. “Naquele momento, teve início a monocultura de eucaliptos e muitos lagos e igarapés secaram, porque esse tipo de árvore consome muita água”, conta.
Segundo ele, se deu ali o começo do uso de agrotóxicos em torno do território. “Eles usavam bombas manuais”, explica. A presença da empresa também teve impacto no modo de vida em Cocalinho. “Eles não chegaram a destruir o nosso cemitério tradicional, mas o cercaram e passaram a impedir a nossa entrada”, diz. A solução foi a construção de um novo cemitério para enterrar os mortos.
Com a saída da Suzano, na década seguinte, a região recebeu a chegada da monocultura de grãos, com a aplicação de agrotóxicos com aviões e tratores. “Os nossos cultivos perderam a qualidade, não se desenvolvem como antes”, relata Leandro.
O avanço do veneno também teve impacto nas criações de animais de pequeno porte, nas plantas nativas, como a aroeira e a mangabeira, de uso medicinal, e o pequizeiro. Muitas caças, como o tatu, o jabuti, a guariba e a cotia, e aves, como o juriti, sumiram.
Foto: CPT Maranhão
A violência foi uma das maiores ameaças aos geraizeiros de Formosa do Rio Preto, na Bahia. Ao todo, são 120 famílias divididas em cinco comunidades. Mesmo com o reconhecimento de ser um território tradicional, eles vivem sob a ameaça de uma propriedade vizinha, o Condomínio Cachoeira do Estrondo.
Os latifundiários são apontados como responsáveis por incêndios criminosos, grilagem e ameaças. “Até 2017, quando foi feito um acordo judicial, eles tinham guaritas até dentro de nosso território. Paravam carros e pedestres, revistavam todo mundo, impediam a gente de criar gado solto”, revela uma líder comunitária, que prefere não se identificar, por receio de retaliação.
Os seguranças do condomínio também impediam o extrativismo do buriti e do capim dourado. O fruto do buriti é usado na alimentação, as folhas para o artesanato. A árvore também tem utilidades na produção de enfeites, utensílios domésticos, remédios, cosméticos e brinquedos. O capim dourado é bastante usado em atividades artesanais.
Atualmente, além da contaminação das nascentes de água, a comunidade sofre com os assoreamentos causados pelas curvas de nível. “Quando começa a temporada de chuvas, o barro desce para o nosso território”, conta.
Segundo Martin Mayr, da Agência 10envolvimento Cerrado, da Rede Cerrado, as comunidades estão perdendo hábitos seculares, como as plantações em brejos na época da estiagem. “A água do aquífero está brotando menos e mais distante da comunidade”, conta. Ele aponta, também, o risco da “grilagem verde”, em que os proprietários de terras declaram as áreas das comunidades tradicionais como reserva legal das propriedades.
Problema semelhante é apontado por Pedro Antônio Ribeiro, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Tocantins, no Território Serra do Centro, em Campos Lindos (TO), o que pode restringir as atividades dos camponeses dentro do próprio território. “O ex-governador Siqueira Campos [PL] entregou 85 mil hectares na região para fazendeiros residentes em outros estados e políticos locais instalarem a monocultura, com sobreposições a áreas da comunidade tradicional”, destaca. “A inversão de valores é tamanha, que eles chegaram a pedir a reintegração de posse da área em que vivem as cerca de 200 famílias, divididas em oito comunidades. Foi uma reforma agrária às avessas”.
Os moradores apontam ainda um aumento de insetos e espécies invasoras nas roças tradicionais e na produção de base familiar. “Eles [os latifundiários] jogam o veneno lá em cima e as pragas vêm todas para onde ficamos. Só o arroz resiste, morre o feijão, a melancia, a abóbora e todo o resto do que plantamos”, diz outra líder comunitária que prefere não revelar o nome. Segundo ela, a comunidade já evitava a água dos rios e usa só os poços para o abastecimento das casas. Eles também evitam pescar, por medo da água contaminada do rio.
Os casos de Cocalinho, Serra do Centro e dos geraizeiros do Vale do Rio Preto fazem parte da petição da Campanha Nacional do Cerrado apresentada ao Tribunal Permanente dos Povos em novembro de 2019.
O veredito apresentado em 2022 foi de condenação do Estado brasileiro pelo ecocídio do Cerrado e o genocídio de 15 povos tradicionais e originários do bioma. Foram condenados também governos estaduais, organizações multilaterais e governos internacionais, empresas brasileiras e multinacionais, inclusive fundos de investimento, pelo envolvimento na destruição ambiental, e das condições de vida da população local.
A proximidade com os geraizeiros da Bahia e a semelhança de problemas vividos levou a Campanha a tratar também da situação da comunidade de Barra da Lagoa, em Santa Filomena, no Piauí.
São doze famílias de ribeirinhos e brejeiros que vivem da agricultura familiar, pesca, coleta e criação de pequenos animais. Eles vivem em estado de insegurança jurídica quanto à posse da terra e restrições à livre circulação no território, além dos problemas com a contaminação da água. “Muitas vezes, essa população precisa mudar rotas de passagem por conta dos obstáculos criados pelos seguranças das fazendas, inclusive dentro do território comunitário”, conta Maria das Mercês Alves de Souza, da CPT do Piauí.
Segundo outra moradora, a comunidade perdeu a liberdade de circular. “Passamos a ter um território limitado. Não dá mais para caçar, tirar mel, deixar o gado solto. A monocultura trouxe junto a mosca branca, que tem destruído as lavouras de agricultura familiar”, diz.
As outras comunidades analisadas foram o Acampamento Leonir Orback, em Santa Helena, Goiás, onde vivem, desde 2015, 170 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Lá, além do problema da contaminação, incêndios criminosos e desmatamento causam doenças respiratórias na população. A água do acampamento tem sido apropriada pelo agronegócio para irrigação dos monocultivos.
Outra comunidade relatada é a Cumbaru, em Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. O nome do povoado tradicional é devido à atividade agroextrativista da coleta da castanha do cumbaru, ou simplesmente baru. A espécie é considerada crucial para a preservação da fauna e da flora do bioma, além do fruto ter utilidades alimentares e medicinais. A contaminação da água, solo e aérea da região, segundo os moradores, provoca problemas de saúde, como dores de cabeça e dificuldades para dormir.
No Mato Grosso do Sul, a situação analisada foi do Assentamento Eldorado II, em Sidrolândia. A área é formada por 750 lotes titulados, onde vivem aproximadamente setecentas famílias. Sem políticas públicas para a agricultura familiar e sob a pressão dos latifundiários da região, muitos moradores concordam em arrendar terras para a produção da monocultura de grãos.
Os antigos camponeses passam a trabalhar nas lavouras como aplicadores de agrotóxicos, usando bombas costais e nem sempre o equipamento de proteção individual (EPI). Além de deixá-los mais vulneráveis individualmente, a (i)lógica do agronegócio os obriga a carregar – dos corpos até as comunidades em que vivem – o fardo dos riscos associados aos agrotóxicos.
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