No rumo das discussões levantadas nas mesas temáticas do 1º Seminário Conflitos Fundiários, Direito de Acesso à Terra e Direitos Territoriais, realizado entre os dias 28 e 29 de março de 2023, a DPU e CPT apresentam como síntese deste evento um conjunto de possíveis iniciativas para garantir avanços visando à superação dos entraves que impactam na agenda de direitos territoriais.
O Seminário debateu políticas de fortalecimento e amparo às populações do campo e da floresta.
Entre os dias 28 e 29 de março de 2023, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizaram o 1º Seminário Conflitos Fundiários, Direito de Acesso à Terra e Direitos Territoriais, reunindo diversas entidades da sociedade civil organizada (CPT, ISA, Terra de Direitos, CONTAG, CIMI, SMDH, ABRA, AATR e WWF), instituições de justiça (DPU e DPE/ PA), movimentos sociais (CONAQ, APIB e MST) e representações de instituições públicas federais (INCRA, FUNAI, SFB, ICMBio, SPU/MGI, MJSP, MIR, MDA, MMA e CNDH), além de várias outras entidades que participaram e engrandeceram as reflexões e os debates empreendidos nesse encontro.
A ideia do seminário surgiu no bojo das tratativas que resultaram na celebração de Acordo de Cooperação Técnica entre CPT e DPU. Para a Defensoria, um evento como esse se mostra estratégico para o incremento da atuação de seu corpo defensorial frente às demandas para a garantia do acesso à terra e aos territórios tradicionais, bem como para proporcionar e integrar um espaço interno para o fomento do debate sobre a situação fundiária brasileira.
Não obstante, havia um objetivo anterior e de maior escopo, considerando a conjuntura sociopolítica nacional: estimular a retomada do diálogo entre órgãos e entidades de Estado, instituições de justiça e entidades da sociedade civil organizada, a fim de oportunizar a socialização do panorama da regularização fundiária e reforma agrária frente às demandas das/os trabalhadoras/es rurais, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, apontar os desafios a serem encarados pela atual gestão do Governo Federal e discutir possíveis soluções.
Ao final, houve amplo consenso sobre o quão oportuno foram aquelas discussões, ao mesmo tempo em que se revelou fundamental fazer com que alguns entendimentos resultantes do Seminário fossem comunicados para as autoridades públicas, no formato de demandas e sugestões vistas como centrais para a democratização do acesso à terra, o respeito aos direitos territoriais e a redução das tensões e violências vivenciadas pelos povos do campo, das águas e das florestas.
Dessa forma, a DPU e CPT, no rumo das discussões realizadas nas mesas temáticas do 1º Seminário Conflitos Fundiários, Direito de Acesso à Terra e Direitos Territoriais, apresentam como síntese deste evento um conjunto de possíveis iniciativas para garantir avanços visando à superação dos entraves que impactam na agenda de direitos territoriais.
Ao Poder Executivo Federal
- Promover a revogação de atos ainda vigentes nos diversos órgãos do Poder Executivo Federal que expressam retrocesso à política de promoção dos direitos humanos e valores democráticos, listados na publicação “Apontamentos para uma Justiça de Transição a partir das Eleições de 2022: uma análise normativa e de políticas públicas”, em especial, os itens do capítulo 2.22, intitulado “Moradia, Conflitos Fundiários Urbanos e Rurais” (p. 277 a 282) e do capítulo 2.23, intitulado “Reforma Agrária e Regularização Fundiária (p. 283 a 296), enviado pela DPU, à equipe de Transição Governamental.
- Fortalecer e dar efetividade aos mecanismos de enfrentamento à violência no campo, especialmente por meio da criação de uma política nacional de prevenção e solucionamento de conflitos fundiários e socioambientais;
- Transversalizar, no âmbito do Governo Federal, as demandas de direitos dos povos do campo, das águas e das florestas;
- Fortalecer o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e valorizá-lo como instância de diálogo entre governo e sociedade civil;
- Elaborar, em diálogo com a sociedade civil, políticas públicas de combate ao racismo ambiental, entendidas como estratégicas para o enfrentamento às mudanças climáticas, e fundamentais para a consolidação de nossa democracia;
- Definir parâmetros e mecanismos que possibilitem a incorporação formal dos dados produzidos pelas organizações da sociedade civil na agenda de indicadores de políticas públicas, com vistas a aprimorá-las;
- Estruturar o Programa de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, de forma que incremente a sua eficácia e efetividade, e apresentar proposta de sua instituição por meio de lei;
- Garantir que os órgãos cadastrais, registrais e seus supervisores atuem com a máxima transparência de suas informações;
- Definir junto à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) procedimentos para garantir a transparência administrativa, especialmente em relação às informações agrárias e fundiárias, no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD);
- Avançar na normatização da identificação e regularização de posses coletivas pelos diversos grupos de povos e comunidades tradicionais ainda não beneficiados pelo arcabouço legal, embora já reconhecidos pelo Decreto no 8.750/2016;
- Avaliar a viabilidade da participação social e paritária na Câmara de Destinação e Regularização de Terras Públicas Federais Rurais, coordenada pelo INCRA;
- Garantir o acesso às políticas públicas destinadas às populações quilombolas, ainda que que residentes em territórios não identificados ou reconhecidos em razão da demora estatal;
- Regulamentar o mercado doméstico de crédito carbono, em razão dos conflitos suscitados por contratos abusivos e irregulares, garantindo a ampla discussão e participação da sociedade civil;
- Atualizar a metodologia cadastral do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), tornando-o menos burocrático e excludente, e apoiar a inscrição de territórios coletivos no Cadastro Ambiental Rural, a partir da retomada do Grupo de Trabalho CAR-PCT;
- Coibir, com o auxílio dos demais entes federativos, os cadastros ambientais rurais irregulares existentes dentro de áreas de preservação e/ou de uso coletivo;
- Assegurar que a destinação de terras públicas federais seja realizada em consonância com os preceitos constitucionais, priorizando-se a destinação a territórios ocupados por povos originários e tradicionais, assim como ao Programa Nacional de Reforma Agrária;
- Reforçar as capacidades institucionais dos órgãos e entidades que lidam com questões fundiárias no país, pois todos eles apresentam profundo déficit em termos de recursos orçamentários e humanos, destacadamente a Fundação Cultural Palmares, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Ao Poder Judiciário
- Promover, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o fortalecimento da Comissão Nacional de Prevenção e Solução de Conflitos Fundiários com ampla participação social e competência para emitir diretrizes de funcionamento e atuação das Comissões criadas nos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais;
- Assegurar que, com o fim da pandemia, eventuais despejos coletivos, em consonância com os direitos à vida, moradia digna e outros direitos fundamentais, sigam as orientações da Resolução no 10, de 17 de outubro de 2018, e da Resolução no 17. de agosto de 2021, ambas do CNDH, sobretudo das populações vulneráveis;
- Abrir debate para a criação de protocolos direcionados à segurança pública, regulamentando a atuação da polícia em áreas de conflitos fundiários, a partir de determinações judiciais;
- Garantir a participação da DPU nas comissões de solução de conflitos agrários;
- Reforçar os direitos de acesso à informação, participação e acesso à justiça em matéria ambiental como pilares democráticos para qualquer discussão sobre desenvolvimento.
Por fim, por meio da presente carta, DPU e CPT declaram seu apoio, ressaltando a necessidade de aprimoramentos no sentido de garantir maior efetividade e coercitividade, ao Projeto de Lei no 572/2022, que cria o “marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o tema”, ao mesmo tempo em que apontam preocupação com o Projeto de Lei no 2.159/2021 (Lei Geral do Licenciamento Ambiental), por flexibilizar esse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, de modo a vulnerabilizar ainda mais a preservação dos recursos naturais e as populações locais, originárias e tradicionais.
Brasília, 22 de agosto de 2023.
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