Memórias, mística, cantos populares e partilhas marcaram o encontro deste ano
Por Júlia Barbosa | CPT Nacional
Dia Nacional de Formação, no Assentamento Serra Dourada, Cidade de Goiás. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
A Comissão Pastoral da Terra realizou ontem, 21 de junho, o Dia Nacional de Formação, no assentamento Serra Dourada, na Cidade de Goiás. O encontro marcou a celebração do Centenário de Dom Tomás Balduíno e do aniversário da CPT, que completa hoje (22), seus 48 anos de história junto aos lutadores e lutadoras do campo, das águas e das florestas.
Durante o dia, estiveram reunidas, juntamente à trabalhadores e trabalhadoras assentados/as da Reforma Agrária da região, membros da Secretaria Nacional e do Regional Goiás da Comissão Pastoral da Terra, a Diocese de Goiás, com a presença do Bispo Jeová Elias, a Pastoral da Saúde, a Escola Família Agrícola de Goiás (Efago), a Secretaria Municipal de Agricultura.
Memórias partilhadas
Após um café da manhã coletivo, iniciou-se um momento de partilha sobre a missão da CPT ao longo dos anos e sua continuidade nas lutas históricas e ainda cotidianas. "Na CPT, a gente aprende a lutar junto ao povo, em seus processos de resistências, teimosia, de insurgências e de conquistas, contra um modelo de desenvolvimento que ameaça a vida e atenta contra as comunidades e povos do campo", expressou o coordenador executivo Ronilson Costa.
"No Brasil, a concentração de terras sempre foi desigual", afirma Ronilson Costa. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
Logo em seguida, os trabalhadores e trabalhadoras partilharam as memórias de luta pela terra e vida digna no campo, contando suas trajetórias de resistências. "A gente tem direito de ter uma vida melhor do que a gente está vivendo", afirmou José Osmar, o primeiro trabalhador a chegar à ocupação que resultou na criação do Assentamento Serra Dourada.
"A CPT é uma luz na caminhada dos trabalhadores e trabalhadoras da terra" - Douneto Ribeiro (Escola Família Agrícola de Goiás)
Água, terra e direitos
Após o momento de partilha, o grupo fez a caminhada das missões da CPT "Terra, água e direitos", com uma pequena trilha até o Rio Vermelho. Lá, foi feita a leitura do trecho "Terra é mais que terra", do artigo "Dom Tomás: doutor da terra e do povo", de Antônio Canuto: "[...] Terra é dignidade, justiça, igualdade, participação e solidariedade. Terra é democracia, é mudança radical e profunda, é nova sociedade [...]".
A mística também foi um momento marcante no Dia Nacional de Formação. Entoando cantos populares e músicas-símbolo das lutas, como 'O Povo de Deus' (Padre Zezinho) e 'Água de Chuva' (Roberto Malvezzi), os trabalhadores e trabalhadoras realizaram o plantio de um ipê amarelo, simbolizando a caminhada rumo aos 50 anos da Comissão Pastoral da Terra.
Plantio de uma muda de ipê amarelo simbolizando a caminhada de quase meio século da CPT. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
Ao final do dia, foi realizada uma celebração em memória das lutas e dos lutadores e lutadoras por direitos, pelo bem viver dos povos, da natureza e da casa comum. Por fim, o Dia Nacional de Formação foi encerrado com uma pamonhada feita coletivamente durante a atividade. Pela memória de Dom Tomás Balduíno e pelas lembranças partilhadas, a continuidade das lutas é inspirada pela irreverência do lutador centenário, que entre muitos ensinamentos, mostrou que "Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé".
Cerimônia de assinatura do Acordo de Escazú, em 2018, na ONU - Governo da Argentina / Creative Commons
O Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, adotado em Escazú (Costa Rica) em 4 de março de 2018, se apresenta como o primeiro tratado sobre assuntos ambientais da região da América Latina e Caribe, o primeiro no mundo que inclui disposições sobre os defensores dos direitos humanos em temas ambientais.
O acordo, que aguarda aprovação no Congresso Nacional do Brasil, se apresenta como instrumento jurídico e político relevante para fortalecer as lutas dos povos da terra, das águas e das florestas no enfrentamento ao modelo de desenvolvimento capitalista, insustentável para manutenção e proteção da vida na sua relação cultural, ancestral e coletiva com a natureza.
A reunião dos países da América Latina e do Caribe para conformação de uma agenda de iniciativas multilaterais que resultou na adoção de um único acordo juridicamente vinculante, surge, como desdobramento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), embasado pelo Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.
O acordo entrou vigor em 2021, na região da América Latina e Caribe, 15 países já ratificaram o acordo dentre eles Argentina, Chile, Colômbia e México. No Brasil o tratado foi assinado em 2018, no entanto, nem o presidente Michel Temer, nem seu sucessor, Jair Messias Bolsonaro, encaminharam para votação no Congresso Nacional. Provocado pelas instituições e movimentos nacionais e internacionais da sociedade civil organizada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou no dia 11 de Maio o Acordo de Escazú ao Congresso Nacional para aprovação.
O acordo determina padrões regionais, possibilita a criação de ações conjuntas Sul-Sul, agrega um arcabouço institucional que estabelece uma relação entre direitos humanos e meio ambiente com potencialidades de promover a defesa dos direitos dos defensores e defensoras do meio ambiente. Se relaciona também com normas internacionais de proteção à vida e ao meio ambiente, já regulamentadas pelos mecanismos internacionais de promoção e defesa dos direitos humanos.
Cabe ressaltar que é resultado de espaços de diálogo entre representantes do público e do setor acadêmico, com destaque para participação de movimentos da sociedade civil popular organizada dos países da América latina e Caribe.
Ressalto que a história da América Latina é marcada por contextos de lutas e resistências dos povos defensores e defensoras do meio ambiente, permeada por diversos atos de violências cometidos contra esses povos por motivação da intervenção colonial na região, da expansão do agronegócio, da expropriação da natureza para gerar lucros para corporações internacionais, do aumento do desmatamento das florestas, da concentração fundiária, da atuação das forças paramilitares, da ausência de politicas públicas para um desenvolvimento sustentável realizado desde as perspectivas dos povos que ocupam esses territórios.
O Acordo de Escazú foi o primeiro pacto socioambiental assinado na América Latina e entrou em vigência há um ano / Cepal
De acordo com Análise Global 2022 da Front Line Defenders a América Latina, continua sendo a região mais perigosa para defensores e defensoras de direitos humanos. Somente na Colômbia contabilizou-se 46% do total de mortes, com pelo menos 186 assassinatos, registrados pelo Programa Somos Defensores. E, segundo o relatório do Coletivo RPU Brasil - 2022, o Brasil continua sendo um dos países mais perigosos para defensoras e defensores de direitos humanos, em especial, ativistas ambientais, e pessoas trans em todo o mundo.
Ao longo dos anos o demonstrativo da violência vem sendo denunciado por diversos setores da sociedade. Os dados de conflitos no campo, organizados pela Comissão Pastoral da Terra CPT, desde sua origem, tem sido um espelho importante para denúncia e aprofundamento das violências presentes na luta pela terra, água e floresta. Conforme o relatório de conflitos no campo 2022 da CPT, foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo 909.450 lutadores e lutadoras numa abrangência de 80.165.751 hectares de terra em disputa. No comparativo com os números de 2021, no qual se registrou 1.828 ocorrências de conflitos, foi identificado um aumento de 10,39%.
Acentua-se no relatório à violência contra pessoas, conforme dados registrados em 2022, houve aumento significativo. Foi registrado o assassinato de 47 pessoas, além de 123 tentativas de assassinato e 206 ameaças de morte. Numa perspectivava geracional, o relatório aponta a gravidade das violências sofridas por crianças e adolescentes em decorrência dos conflitos no campo, entre 2013 e 2022 foram ao todo 1.227 vítimas entre 0 e 18 anos de idade, das quais 743 eram indígenas
O alerta que nos move para o enfrentamento à violência no campo nesse contexto, nos provoca situar que a recorrencial violência no Brasil é fruto das relações desiguais constitutivas da sociedade brasileira fomentada por uma politica de autoritarismo, concentração da terra e expropriação dos bens da natureza para geração de lucros para grandes empresas do agronegócio. A violência é utilizada contra a luta pela possibilidade de se constituírem defensores e defensoras do meio ambiente, interlocutores no processo de positivação e de reconhecimento institucional de suas expectativas para efetivação de direitos em seus territórios de vida.
Portanto, o acordo se anuncia como instrumento importante para prevenção de conflitos socioambientais, para pluralização do acesso à informação com perspectiva participativa e inclusiva nos processos de tomada de decisões que envolvem projetos de vidas em harmonia com o meio ambiente. Possibilita ainda, situar as lutas constitutivas de direitos, numa dimensão regional e sua inter-relação com as resistências construtoras da paz e defensoras do meio ambiente na nossa região, América latina e Caribe.
* Euzamara de Carvalho é jurista membro da Executiva da Nacional da ABJD e Assessora da Comissão Pastoral da Terra, Pesquisadora Doutoranda no PPGDH/UNB.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo
Publicado originalmente em: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/16/entenda-o-que-e-o-acordo-escazu-que-objetiva-garantir-direitos-aos-defensores-do-meio-ambiente
Por Michael Fonseca | Mundo Negro
Foto: U.S. Department of State
Pureza Lopes Loyola, 80, recebeu na última quinta-feira (15) em Washington, EUA, o prêmio “Heróis no Combate ao Tráfico de Pessoas” por seu combate ao trabalho escravo no Brasil. Ela recebeu a honraria, uma das maiores da área dos direitos humanos, das mãos do secretário de Estado, Antony Blinken, e se tornou a primeira brasileira a receber o prêmio desde sua criação, em 2004.
Dona Pureza, mulher preta, nordestina e de fé, nasceu no Maranhão e se alfabetizou aos 40 anos para conseguir ler a Bíblia. Seu combate ao trabalho análogo a escravidão começou em 1993 quando ficou meses sem notícias do filho mais novo, Abel, que estava na Amazônia trabalhando no garimpo. Por três anos, ela descobriu e enfrentou um grande sistema de trabalho precário.
Seu combate ao trabalho em condições análogas à escravidão ajudou o Brasil a se tornar referência mundial. Em 1995, inspirado na luta de Pureza, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que já libertou 62 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão entre 1995 e 2021.
Seu ativismo também inspirou o filme ‘Pureza’, do diretor Renato Barbieri. O longa já recebeu quase 30 prêmios internacionais e nacionais. “Essa premiação do TIP HERO, conferido à Dona Pureza Lopes Loyola pela Secretaria de Estado dos Estados Unidos, é de relevância histórica, pois trata-se da única pessoa no Brasil a receber as duas maiores condecorações abolicionistas que conhecemos: o TIP HERO, em Washington, em 2023, e o ANTI-SLAVERY AWARD, conferido pela Anti Slavery International, em Londres, em 1997. É a coroação da luta incansável dessa nossa heroína cabocla em favor dos direitos à Vida, vivida de forma impactante por Dira Paes no filme Pureza, como também fortalece sobremaneira a luta abolicionista no Brasil em todos os campos.”, comenta o cineasta.
Em homenagem a Dona Pureza, o filme será transmitido na próxima segunda-feira (19) na Tela Quente, na Globo, às 22h.
Por Luis Miguel Modino | Instituto Humanitas Unisinos
As Pastorais Sociais do Regional Norte 1, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizam, de 15 a 18 de junho, um seminário em que buscam avançar na Formação de Lideranças no Compromisso Sociopolítico da Fé. As Pastorais Sociais são o que o cardeal Dom Leonardo Steiner definiu como “as pastorais das bem-aventuranças”. Segundo o arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte 1, “as Pastorais Sociais são a nossa tentativa de seguirmos a Jesus, de vivermos o Evangelho”.
Segundo o cardeal Steiner, “compreendemos o seguimento de Jesus como ir ao encontro dos irmãos e das irmãs e as nossas pastorais na Igreja do Brasil foram aparecendo na medida em que fomos descobrindo, fomos despertando para as diversas dimensões da vida humana”. Ele insistiu em que “as diversas pastorais sociais são uma maneira tão simples de tentarmos viver o Evangelho, de tentarmos seguir Jesus, de tentarmos juntos construir um novo céu e uma nova terra, que é o Reino de Deus”, ressaltando que “as nossas pastorais são a visibilização dessa tentativa de seguir Jesus”.
O presidente do Regional Norte 1 da CNBB denunciou que “os meios de comunicação as vezes dissociam as Pastorais Sociais da vida do Evangelho”. Mesmo com a rejeição e as críticas daqueles que não entendem, a atuação na política, junto aos povos indígenas, junto as pessoas que buscam terra, “é apenas a nossa tentativa de vivermos o Evangelho e ajudarmos os nossos irmãos no serviço de ter uma vida digna, isto é, visibilizarmos o Reino de Deus”, afirmou.
Cardeal Leonardo Steiner. (Foto: Luis Miguel Modino)
Diante da pouca participação nas Pastorais Sociais, o arcebispo vê isso como consequência de que “é o confronto com as dificuldades, é o confronto com o limite da vida humana, é o confronto muitas vezes com a morte”, algo que tem se concretizado ao longo da história em ameaças àqueles que tem se comprometido nas pastorais sociais. Dom Leonardo insistiu em “não ficar numa comunidade que reza, mas uma comunidade que leva em consideração a vida, a realidade ao seu redor e busca viver, pregar e construir o Reino de Deus”, como modo de ter pessoas que participem das Pastorais Sociais. Ele fez ver o desafio de ter lideranças novas, envolver os jovens, pois eles têm sensibilidade, um convite que ele faz nas crismas. Dentre as Pastorais Sociais, o Regional Norte 1 está introduzindo a Pastoral do Meio Ambiente, “um grandíssimo desafio para nós que vivemos na Amazônia, mas é um convite insistente do Papa Francisco de termos o cuidado com o meio ambiente, especialmente nós que vivemos na Amazônia”.
O cardeal disse que existem atritos e dificuldades, porque existe garimpo, pesca predatória, desmatamento, venda de madeira ilegal. Ele insistiu em que “essas questões todas nos envolvem como Igreja, mas as vezes há um receio de refletirmos sobre essas questões”. Diante disso, insistiu em que “nós estamos apenas tentando viver o Evangelho, apenas isso, e ajudar as pessoas a viver o Evangelho”. O arcebispo de Manaus disse que no encontro do presidente Lula com o Papa Francisco, previsto para a próxima semana, ele espera que o presidente tome a inciativa de falar sobre a Amazônia, sobre os povos indígenas.
Refletindo sobre o trabalho que realiza a arquidiocese de Manaus, seu arcebispo insistiu em ir ao encontro dos irmãos necessitados sem perguntar se pertence a nossa Igreja, pois “Jesus não olhava o que a pessoa era”. Para isso, está sendo discutido a criação de um Vicariato da Ação Social e da Caridade na arquidiocese de Manaus abrangendo todas as Pastorais Sociais, buscando um trabalho mais em conjunto e assim “estarmos ainda mais ao serviço das pessoas necessitadas”.
Em relação à política, que além da política partidária “é participarmos da construção de uma sociedade justa e fraterna”, Dom Leonardo insistiu em que “é uma realidade em que estamos muito ausentes”, com pouca presença de pessoas de Igreja, fazendo um chamado a “pensar nessa questão como uma questão vital para nossa sociedade”. Por isso, chamou a “não termos receio de participar do debate político”. O cardeal lembrou as palavras de Hannah Arendt, que disse que “política é sair do familiar para o social, sair do particular para o social”, , e por isso, “essa nossa participação, essa nossa contribuição como Igreja na construção de uma sociedade mais justa”.
Seminário das Pastorais Sociais do Regional Norte 1 teve início no dia 15 e seguirá até o dia 18 de junho. (Foto: Luis Miguel Modino)
“Não ter receio de entrar no mundo da política”, ressaltou o cardeal Steiner. Para isso, a arquidiocese de Manaus está pensando em realizar um curso de formação para levar às comunidades, “ver se nós conseguimos transformar um pouco a ideia da política”, que tem sido desnaturalizada e vista como foco de corrupção. Segundo Dom Leonardo, “desconstruímos a política”, o que demanda “vermos a importância que a política tem, a participação de todo cidadão, de toda cidadã na construção de uma sociedade justa”.
Como presidente do Regional Norte 1, ele agradeceu a presença de cada um e cada uma. Ele disse que no Regional Norte 1 “nos sentimos uma Igreja sinodal, em nossas assembleias a sinodalidade é a coisa mais normal do mundo, em nossas assembleias participam os leigos e leigas, as Pastorais Sociais, participam os padres, diáconos permanentes, Vida Religiosa, participam os bispos, e todo mundo vota, todo mundo discute”. Tudo isso graças à intuição dos bispos em 1972, a uma inspiração de bispos missionários.
Uma participação que, segundo o prelado, pode “nos ajudarmos a refletir e nos ajudarmos a dinamizar nossa Igreja, uma Igreja viva e transformadora, uma Igreja de proximidade, uma Igreja de misericórdia, uma Igreja da caridade”. Uma Igreja que se faz presente no meio do sofrimento do povo, lembrando a fome do povo yanomami, que lhe fez ficar horrorizado quando os visitou em Boa Vista no mês de fevereiro, dizendo se sentir tocado profundamente “quando um indígena me disse que eles estavam perdendo o espírito, a fome estava levando o espírito”. Diante disso disse que como Igreja, “temos a verdadeira missão de levar vida”.
Publicado originalmente em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/629651-cardeal-steiner-as-pastorais-sociais-sao-a-nossa-tentativa-de-seguirmos-a-jesus-de-vivermos-o-evangelho
Comunicação CPT Nacional
Como estratégia de incidência junto ao poder público, a Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem realizado visitas e reuniões nos ministérios, como forma de aproveitar a retomada do espaço de diálogo com o atual Governo Federal, e pressionar por ações efetivas contra a violência e na defesa dos direitos dos povos do campo, das águas e das florestas. A mais recente destas visitas foi realizada no último dia 07, na Secretaria de Acesso à Justiça (SAJU) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ).
Participaram da reunião o Secretário Marivaldo Pereira e a coordenadora Daniele Galdino, sendo a CPT representada pela coordenadora nacional Andréia Silvério e a assessora jurídica Euzamara de Carvalho. A reunião também contou com a presença do Articulador político da Campanha Nacional Contra a Violência no Campo, Jardel Lopes. Na reunião, foi entregue à Secretaria o Relatório “Diagnóstico e Recomendações para o Combate às Violações de Direitos Humanos no Campo”, bem como foram discutidas estratégias de enfrentamento à violência no campo por parte deste Ministério.
Desde o lançamento do caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, em abril, também foram realizadas reuniões e entregues relatórios específicos no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, solicitando a adoção de medidas efetivas de investigação de violências e punição aos culpados, sejam mandantes ou executores dos crimes.
De acordo com Andréia Silvério, os principais dados apresentados pela CPT se referem aos índices alarmantes de impunidade em relação aos assassinatos decorrentes de conflitos no campo. Entre os anos de 1985 a 2021, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) registrou 1.536 casos resultando em 2.028 vítimas de homicídio, dos quais apenas 147 foram julgados, o que não chega a 10% dos crimes. “Além dessa impunidade que é recorrente, também chamamos a atenção da Secretaria para o crescimento do número de famílias ameaçadas de despejo no campo brasileiro”, afirmou.
A reunião trouxe encaminhamentos, como o compromisso assumido pela Secretaria de pautar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no debate sobre a impunidade aos assassinatos vinculados aos conflitos no campo. “Destacamos ainda a necessidade de atuação articulada entre Ministério da Justiça, Ministério dos Direitos Humanos e CNJ, para construírem um protocolo unificado e integral de investigação de casos, dirigido especificamente aos crimes cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos, conforme determinação da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Sales Pimenta x Brasil”, reforçou a coordenadora.
Caso Gabriel Sales Pimenta
O caso Sales Pimenta é um exemplo triste e emblemático da impunidade dos crimes cometidos no campo brasileiro. Na época, com apenas 27 anos de idade, o advogado, ligado à Comissão Pastoral da Terra e atuante no apoio à luta pela terra no estado do Pará, foi assassinado em plena via pública no município do Marabá, no dia 18 de julho de 1982, 15 dias após realizar a defesa e evitar o despejo de 150 famílias de trabalhadores rurais sem-terra.
Passados 40 anos do crime, os responsáveis pela morte de Gabriel Pimenta ainda continuam impunes, num processo marcado pela lentidão de instituições como Ministério Público e o Poder Judiciário, que até hoje nunca realizaram júri popular. Em decorrência dessa negligência e morosidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) julgou e condenou o Estado brasileiro.
Outros casos somente avolumam a quantidade de processos sem resolução, como o massacre de Corumbiara/RO em 1995, com 8 sem-terra assassinados; Eldorado dos Carajás/PA em 1996 (21 trabalhadores sem-terra mortos); Pau D’Arco, também no Pará, em 2017, com 10 vítimas, e muitos outros. A conclusão da Corte Interamericana é de que há uma “impunidade estrutural”, com interferência de latifundiários nos espaços do poder Judiciário e Executivo, o que silencia testemunhas, dificulta o acesso a provas e impede a efetivação da Justiça.
Mapa de localização da Mesorregião do Marajó e microrregiões (PA).
De autoria do pesquisador Carlos Augusto Ramos e das pesquisadoras Fernanda Antelo e Eymmy Silva, o documento faz um breve balanço do processo de implementação do CAR - Cadastro Ambiental Rural - no Marajó, após uma década de publicação do código florestal vigente, lei 12.651/2012.
Acesse e baixe a Nota Técnica na íntegra: Nota Técnica Sobre a implementação do CAR na Mesorregião do Marajó, no estado do Pará
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