Por CPT Piauí
4º Encontro do Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado no Piauí – Foto: CPT Piauí
Ameaças, tentativas de homicídio, contaminação por agrotóxico e desmatamentos ilegais são algumas das violações de direitos sofridas pelos povos e comunidades tradicionais do cerrado no Piauí. Uma realidade que enfrentam a partir de seus territórios, mas também de seus corpos territórios onde sentem na pele as dores e sintomas causados pelo medo, mas também pela contaminação de suas águas, de seus alimentos e de suas terras.
Nessa quarta edição do encontro o coletivo aconteceu no território indígena Akroá Gamela Vão do Vico fica no município de Santa Filomena-PI, há 900km de Teresina, durante os dias 16 a 18 de junho e reforçou a discussão sobre organização das comunidades, formas de denúncias das violações ocorridas em seus territórios, proposição e acesso às políticas públicas de permanência na terra.
Cerca de 70 pessoas representantes de 16 comunidades e territórios tradicionais do cerrado participaram das discussões. Organizado pelo Coletivo com apoio da Comissão Pastoral da Terra e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos o encontro contou com a participação de outras representações como: Coletivo Antonia Flor, Defensoria Pública e Secretaria de agricultura familiar e Instituto de terras do Piauí- Interpi estiveram presentes durante o encontro.
A abertura do encontro se deu com um chamado a cada pessoa presente a fincar o pé no chão, firmar a esperança e alentar a fé durante a celebração da palavra, presidida por Altamiran Ribeiro, diácono permanente e agente da CPT Piauí que através do texto trouxe a reflexão do caminhar coletivamente e da valorização dos frutos da terra. “…Animados pela fé e bem certos da vitória…” as comunidades e territórios confraternizaram entre si em uma calorosa acolhida.
No segundo momento, uma roda de conversa mediada por Valeria, da Articulação dos Cerrados e Fábio Pitta da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos uma análise de conjuntura levantou elementos comuns a todo o bioma cerrado como a valorização de comodites, a especulação de terras e os desmatamentos de grandes extensões geográficas.
Só em Santa Filomena (PI) foram desmatados o equivalente a 16 mil campos de futebol, … as estratégias que já acontecem são importantes, mas temos visto que ao avanço do agronegócio permanece e as violações de direitos continuam, desde o desmatamento, até a contaminação com agrotóxico, então é preciso pensar outras formas de atuação, por isso a importância desse encontro afirma Fábio Pitta, pesquisador da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Ariomara Alves- Território Barra da Lagoa Foto: CPT Piauí
Representantes das comunidades e territórios denunciam novas violações de direitos e reforçam suas resistências enquanto exigem a titulação de suas terras. Nós precisamos das nossas terras, para viver e pra criar a nossa família, porque os nossos antepassados nos criaram e nós criamos a nossa família e queremos isso par a futuro. Hoje já temos a coragem de lutar contra eles (grileiros), mas não temos um documento da terra, precisamos dessa segurança- Juarez Celestino– Território Melancias, Santa Filomena-PI.
Interrogados pelos povos tradicionais, os órgãos presentes puderam responder e explicar diversas questões, sobretudo o Interpi que foi questionado sobre os processos de regularização fundiária dos territórios. Liliane Amorim, advogada do referido órgão, apresentou a situação dos processos administrativos em tramitação de cada comunidade e território presente reforçando que legalmente, as comunidades tradicionais são prioridade na destinação das terras públicas devolutas e explicou o passo a passo para regularização fundiária coletiva dos territórios tradicionais.
A complexidade do trabalho do coletivo é a discussão ampla de diversas temáticas no que diz respeito ao meio ambiente, a sustentabilidade que não parte do princípio individual e sim, da importância do mundo inteiro.
A legislação existe em diversas instancias, mas não é o suficiente, porque na pratica o que se ver de fato é o desrespeito do Estado às comunidades.
Território Indígena Vão do Vico
O território indígena Akroá Gamela possui uma área de 13.500ha entre vegetação nativa, área de cultivo coletivo, animais, brejos e nascentes e a lagoa Feia, uma lagoa que é marcada pela espiritualidade, onde os indígenas guardam os encantados da floresta e onde nasce o rio Riozinho ladeando o território e sustentando 21 famílias que vivem da produção de mandioca, batata, feijão, arroz, fava, milho e do extrativismo vegetal.
Ameaçados pelo avanço do agronegócio as/os indigenas já se encontram cercados pelas fazendas SLC- Parnaguá, Damha, Produzir, Insolo, Galiléia, Canastra que desde o início dos anos 2000 seguem desmatando a vegetação, grilando terras e poluindo os corpos D’água e seus corpos- territórios.
O Riozinho que divide o território e ele tinha uma grande extensão de água, quando eu era criança era bem aqui perto da comunidade, depois do agronegócio já secou foi muito, hoje é quase um brejo, mas está cheio pelo agrotóxico usado nas fazendas, afirma Antônio Pereira, 50 anos, indígena Akroá Gamela do território Vão do Vico.
Titulação coletiva
A titulação coletiva dos territórios do cerrado é uma exigência dos Povos e comunidades tradicionais do sul do Piauí para a garantia da vida de suas famílias na terra de onde vieram seus antepassados. Além da garantia da terra, há necessidade de ter um pensamento holístico em relação a titulação da terra, entender que a regularização é prioridade, mas precisa ser pensado de forma mais ampla e conjunta, que venha acompanhada de uma infraestrutura necessária para que após a titulação da terra as comunidades possam permanecer nela com serviços básicos como estrada, energia, escola, água, saúde, etc…
Diversas denúncias foram levantadas pelas comunidades durante o encontro, mas não é de hoje que o coletivo denuncia e exige que seus direitos sejam respeitados e garantidos. Novamente o coletivo se reúne e constrói uma carta denúncia que será entregue aos órgãos do governo do estado nesta quarta e quinta-feira,( 21 e 22) em Teresina-PI.
Reforçando essa estratégia dos povos do cerrado, a Fian internacional lança carta apoio as reivindicações do coletivo, juntamente com mais 16 organizações.
É urgente a titulação coletiva dos territórios e a defesa da vida dos povos e comunidades do cerrado no Piauí.
Carlos Henrique Silva, com informações da equipe da CPT Regional Paraná
Em meio às limitações ocasionadas pela pandemia da Covid-19 e por um desgoverno que negou seus impactos e promoveu a perda de direitos básicos, diversas famílias da cidade de Curitiba (PR), incluindo migrantes, pessoas refugiadas e povos em situação de retomada de territórios, passaram por dificuldades de emprego e renda.
Por outro lado, a pouco mais de 40 quilômetros de distância da capital do Paraná, pequenos agricultores e agricultoras da zona rural do município de Mandirituba sentiam o impacto da falta de incentivo e de políticas públicas para a produção agroecológica e a dificuldade para o escoamento da sua produção.
Foi quando um grupo de jovens de Curitiba iniciou uma campanha para levantar recursos, por meio de uma vaquinha virtual, e para arrecadar alimentos a serem destinados àquelas pessoas mais vulneráveis e em situação de fome no município. E assim se formou uma rede de apoio que uniu o campo e a cidade e que, com o passar do tempo, só fez crescer e se fortalecer.
A partir da rede, cerca de 40 pessoas, entre jovens, adultos(as) e crianças do campo e da cidade construíram o Mutirão contra Fome e pela Soberania Alimentar. Por meio do trabalho coletivo, o grupo cultiva a terra na perspectiva agroecológica e reflete sobre temas fundamentais para a vida dos povos da cidade, do campo, das águas e das florestas. A ação conta com o apoio de diversas organizações sociais, como a Comissão Pastoral da Terra no Paraná, a Associação Brasileira de Amparo à Infância (ABAI) de Mandirituba, a fundadora e alguns funcionários da instituição Vida para Todos, a Coopervida, o Grupo de Mulheres do Comitê Contra a Fome de Mandirituba e outros coletivos de mulheres que trabalham com reciclagem, além de estudantes universitários.
Como o Mutirão se organiza - Com a experiência, as pessoas saem do seu lugar de apenas receber doações e se encontram para, juntas, plantar alimentos, partilhar e refletir sobre a realidade em que vivem. Por meio de um grupo criado num aplicativo de mensagem instantânea, as pessoas combinam o “Dia do Mutirão” na casa de uma família agricultora específica. E aí cada pessoa se compromete com uma função: quem tem carro, oferece carona; algumas pessoas organizam a logística do transporte e dos alimentos; outras, assumem o preparo do almoço; outras, contribuem para fazer os canteiros, plantar e colher; há quem cuide das ferramentas, da limpeza dos banheiros e há quem organize a cozinha.
Assim, a juventude urbana, que também estava sendo impactada pela pandemia, encontrou uma saída para transformar a realidade no contato com a terra, na perspectiva da agroecologia, do cooperativismo e da solidariedade junto com as famílias agricultoras. O Mutirão sempre é encerrado com uma roda de conversa sobre temas como a fome, a destruição da natureza, a desigualdade social, o racismo, o preconceito e o que o grupo unido pode fazer para transformar ainda mais a realidade danificada pelo sistema econômico de mercado.
O diálogo entre campo e cidade não é só de aprendizado das técnicas de plantio e colheita. “Ali, vamos percebendo o que temos em comum, o que o sistema faz com cada sujeito, e que precisamos dar passos coletivos para transformar a realidade, pois somente plantar e distribuir alimentos não muda a realidade. Precisamos entender porque cada dia tem mais gente empobrecida, doentes e dependentes, e juntos encontrar caminhos. Por isso, a Roda de Conversa dos Saberes, que acontece em todos os encontros, é fundamental", ressaltam os membros da equipe da CPT no Paraná.
Desafios que permanecem - Mesmo com o fortalecimento da integração na direção do combate à fome e na construção do bem comum, os desafios ainda são grandes e demandam união para fazer valer o processo já consolidado. Algumas necessidades ainda precisam ser superadas, como a aquisição de recursos para manter o transporte dos(as) participantes, principalmente das comunidades vulneráveis; e a ampliação do cultivo de mudas, do acesso a insumos naturais, de ferramentas e de outros implementos.
“Os desafios são grandes porque é necessário pensar e construir um outro jeito de existir, em que todos e todas tenham lugar e vida digna, com suas diferenças respeitadas e valorizadas. Precisamos compreender e sentir que somos parte da natureza e não exploradores dominadores. A natureza é nosso bem comum e devemos cuidar para que ela cuide de nós”, complementa a equipe.
Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional
Momento de memória dos mártires na luta pela terra - 17a. Romaria da Terra e das Águas 2023 em Catalão (GO) - Foto: Júlia Barbosa / CPT Nacional
O campo brasileiro é um cenário extenso de belezas, de produção de alimentos e bens naturais e culturais, mas também de muita disputa. Uma disputa que muitas vezes gera violências, martírios e vítimas, na natureza e nos seres humanos que dela são parte. Vítimas que tombam, mas viram sementes e reforçam a luta de quem fica, por um lugar melhor, por uma terra sem males.
Era numa realidade já difícil nos anos 1970, principalmente diante do contexto de ditadura militar, que surgiu a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 22 de junho de 1975. A instituição nasceu durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Goiânia (GO).
A demanda vinha dos chamados posseiros da Amazônia, trabalhadores e famílias vindas do Nordeste para trabalhar nos projetos desenvolvimentistas da região, e que sofriam com as péssimas condições de trabalho análogo à escravidão, ou eram expulsas de suas terras por conta da grilagem. Povos indígenas e camponeses locais também sofriam com o avanço da criação do gado e do desmatamento, e a denúncia dessas violações era reprimida pelo Estado.
Todo esse clamor atraiu a atenção de religiosos tanto católicos quanto de outras igrejas cristãs, que acompanharam e escolheram ficar do lado do povo, na luta pelos direitos dessas populações mais vulneráveis. Dentre essas lideranças, bispos como Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduino, além de freiras, padres e leigos dedicaram suas vidas, algumas vezes até perdendo-as de forma violenta, em troca de partilha, fraternidade e comunhão. Ao longo do tempo, o foco principal da CPT continuou sendo o de defender as causas de trabalhadores e trabalhadoras do campo, e de ser um suporte para a sua organização.
O agricultor Célio Carmo Ferreira, do Assentamento Dom Tomas Balduino, no município de Goiás (GO), relembra esta caminhada. "A CPT sempre esteve presente nos nossos momentos bons e também nos difíceis, de perseguição e ameaças de morte. Mas como diz o ditado, 'ninguém sabe o que o calado quer', então nunca nos calamos pra lutar pela terra e por nossos direitos no coletivo. Hoje a gente tem grupos de mulheres formados, fortalecimento da comercialização na feira e muitas outras conquistas além da terra", afirma Célio.
Outras causas, como a dos povos indígenas, famílias atingidas pelas hidrelétricas e sem terra, estimularam a criação de movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), dentre outros.
Centro de Documentação
Para reforçar a luta pelos direitos, a CPT criou o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, que este ano completa 40 anos de atuação. O CEDOC, como também é conhecido, registra constantemente os conflitos e a violência no campo, suas causas e as populações atingidas, a partir de informações coletadas nas bases regionais da instituição e outras fontes. Os dados são publicados anualmente no relatório Conflitos no Campo Brasil, que serve como instrumento de análise e reivindicação por justiça e pelo fim da impunidade no campo.
Desafios no rumo dos 50 anos
Caminhando rumo ao seu meio século de existência, a CPT se vê diante de desafios que se renovam a partir das mudanças sociais, políticas e culturais do país e do mundo. De acordo com Isolete Wichinieski, que integra a Coordenação Nacional da CPT, o que permanece é o compromisso da organização em ser instrumento de luta junto aos povos, tanto de denúncia de injustiças quanto de anúncio do Evangelho.
"Ao longo da caminhada, fomos agregando diversas pautas, seja na denúncia da destruição de nascentes, da contaminação pelos agrotóxicos, dos danos causados pelas mineradoras e dos incêndios criminosos provocados pelo agronegócio. Outras articulações foram surgindo, em defesa do Cerrado e da Amazônia, pelo protagonismo das mulheres, da juventude camponesa, pelo respeito às diversidades. Em tudo isso, a CPT reafirma que, mesmo não sendo um movimento social, caminha junto com os movimentos e mantém seu caráter pastoral no protagonismo das comunidades."
Memórias, mística, cantos populares e partilhas marcaram o encontro deste ano
Por Júlia Barbosa | CPT Nacional
Dia Nacional de Formação, no Assentamento Serra Dourada, Cidade de Goiás. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
A Comissão Pastoral da Terra realizou ontem, 21 de junho, o Dia Nacional de Formação, no assentamento Serra Dourada, na Cidade de Goiás. O encontro marcou a celebração do Centenário de Dom Tomás Balduíno e do aniversário da CPT, que completa hoje (22), seus 48 anos de história junto aos lutadores e lutadoras do campo, das águas e das florestas.
Durante o dia, estiveram reunidas, juntamente à trabalhadores e trabalhadoras assentados/as da Reforma Agrária da região, membros da Secretaria Nacional e do Regional Goiás da Comissão Pastoral da Terra, a Diocese de Goiás, com a presença do Bispo Jeová Elias, a Pastoral da Saúde, a Escola Família Agrícola de Goiás (Efago), a Secretaria Municipal de Agricultura.
Memórias partilhadas
Após um café da manhã coletivo, iniciou-se um momento de partilha sobre a missão da CPT ao longo dos anos e sua continuidade nas lutas históricas e ainda cotidianas. "Na CPT, a gente aprende a lutar junto ao povo, em seus processos de resistências, teimosia, de insurgências e de conquistas, contra um modelo de desenvolvimento que ameaça a vida e atenta contra as comunidades e povos do campo", expressou o coordenador executivo Ronilson Costa.
"No Brasil, a concentração de terras sempre foi desigual", afirma Ronilson Costa. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
Logo em seguida, os trabalhadores e trabalhadoras partilharam as memórias de luta pela terra e vida digna no campo, contando suas trajetórias de resistências. "A gente tem direito de ter uma vida melhor do que a gente está vivendo", afirmou José Osmar, o primeiro trabalhador a chegar à ocupação que resultou na criação do Assentamento Serra Dourada.
"A CPT é uma luz na caminhada dos trabalhadores e trabalhadoras da terra" - Douneto Ribeiro (Escola Família Agrícola de Goiás)
Água, terra e direitos
Após o momento de partilha, o grupo fez a caminhada das missões da CPT "Terra, água e direitos", com uma pequena trilha até o Rio Vermelho. Lá, foi feita a leitura do trecho "Terra é mais que terra", do artigo "Dom Tomás: doutor da terra e do povo", de Antônio Canuto: "[...] Terra é dignidade, justiça, igualdade, participação e solidariedade. Terra é democracia, é mudança radical e profunda, é nova sociedade [...]".
A mística também foi um momento marcante no Dia Nacional de Formação. Entoando cantos populares e músicas-símbolo das lutas, como 'O Povo de Deus' (Padre Zezinho) e 'Água de Chuva' (Roberto Malvezzi), os trabalhadores e trabalhadoras realizaram o plantio de um ipê amarelo, simbolizando a caminhada rumo aos 50 anos da Comissão Pastoral da Terra.
Plantio de uma muda de ipê amarelo simbolizando a caminhada de quase meio século da CPT. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
Ao final do dia, foi realizada uma celebração em memória das lutas e dos lutadores e lutadoras por direitos, pelo bem viver dos povos, da natureza e da casa comum. Por fim, o Dia Nacional de Formação foi encerrado com uma pamonhada feita coletivamente durante a atividade. Pela memória de Dom Tomás Balduíno e pelas lembranças partilhadas, a continuidade das lutas é inspirada pela irreverência do lutador centenário, que entre muitos ensinamentos, mostrou que "Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé".
Cerimônia de assinatura do Acordo de Escazú, em 2018, na ONU - Governo da Argentina / Creative Commons
O Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, adotado em Escazú (Costa Rica) em 4 de março de 2018, se apresenta como o primeiro tratado sobre assuntos ambientais da região da América Latina e Caribe, o primeiro no mundo que inclui disposições sobre os defensores dos direitos humanos em temas ambientais.
O acordo, que aguarda aprovação no Congresso Nacional do Brasil, se apresenta como instrumento jurídico e político relevante para fortalecer as lutas dos povos da terra, das águas e das florestas no enfrentamento ao modelo de desenvolvimento capitalista, insustentável para manutenção e proteção da vida na sua relação cultural, ancestral e coletiva com a natureza.
A reunião dos países da América Latina e do Caribe para conformação de uma agenda de iniciativas multilaterais que resultou na adoção de um único acordo juridicamente vinculante, surge, como desdobramento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), embasado pelo Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.
O acordo entrou vigor em 2021, na região da América Latina e Caribe, 15 países já ratificaram o acordo dentre eles Argentina, Chile, Colômbia e México. No Brasil o tratado foi assinado em 2018, no entanto, nem o presidente Michel Temer, nem seu sucessor, Jair Messias Bolsonaro, encaminharam para votação no Congresso Nacional. Provocado pelas instituições e movimentos nacionais e internacionais da sociedade civil organizada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou no dia 11 de Maio o Acordo de Escazú ao Congresso Nacional para aprovação.
O acordo determina padrões regionais, possibilita a criação de ações conjuntas Sul-Sul, agrega um arcabouço institucional que estabelece uma relação entre direitos humanos e meio ambiente com potencialidades de promover a defesa dos direitos dos defensores e defensoras do meio ambiente. Se relaciona também com normas internacionais de proteção à vida e ao meio ambiente, já regulamentadas pelos mecanismos internacionais de promoção e defesa dos direitos humanos.
Cabe ressaltar que é resultado de espaços de diálogo entre representantes do público e do setor acadêmico, com destaque para participação de movimentos da sociedade civil popular organizada dos países da América latina e Caribe.
Ressalto que a história da América Latina é marcada por contextos de lutas e resistências dos povos defensores e defensoras do meio ambiente, permeada por diversos atos de violências cometidos contra esses povos por motivação da intervenção colonial na região, da expansão do agronegócio, da expropriação da natureza para gerar lucros para corporações internacionais, do aumento do desmatamento das florestas, da concentração fundiária, da atuação das forças paramilitares, da ausência de politicas públicas para um desenvolvimento sustentável realizado desde as perspectivas dos povos que ocupam esses territórios.
O Acordo de Escazú foi o primeiro pacto socioambiental assinado na América Latina e entrou em vigência há um ano / Cepal
De acordo com Análise Global 2022 da Front Line Defenders a América Latina, continua sendo a região mais perigosa para defensores e defensoras de direitos humanos. Somente na Colômbia contabilizou-se 46% do total de mortes, com pelo menos 186 assassinatos, registrados pelo Programa Somos Defensores. E, segundo o relatório do Coletivo RPU Brasil - 2022, o Brasil continua sendo um dos países mais perigosos para defensoras e defensores de direitos humanos, em especial, ativistas ambientais, e pessoas trans em todo o mundo.
Ao longo dos anos o demonstrativo da violência vem sendo denunciado por diversos setores da sociedade. Os dados de conflitos no campo, organizados pela Comissão Pastoral da Terra CPT, desde sua origem, tem sido um espelho importante para denúncia e aprofundamento das violências presentes na luta pela terra, água e floresta. Conforme o relatório de conflitos no campo 2022 da CPT, foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo 909.450 lutadores e lutadoras numa abrangência de 80.165.751 hectares de terra em disputa. No comparativo com os números de 2021, no qual se registrou 1.828 ocorrências de conflitos, foi identificado um aumento de 10,39%.
Acentua-se no relatório à violência contra pessoas, conforme dados registrados em 2022, houve aumento significativo. Foi registrado o assassinato de 47 pessoas, além de 123 tentativas de assassinato e 206 ameaças de morte. Numa perspectivava geracional, o relatório aponta a gravidade das violências sofridas por crianças e adolescentes em decorrência dos conflitos no campo, entre 2013 e 2022 foram ao todo 1.227 vítimas entre 0 e 18 anos de idade, das quais 743 eram indígenas
O alerta que nos move para o enfrentamento à violência no campo nesse contexto, nos provoca situar que a recorrencial violência no Brasil é fruto das relações desiguais constitutivas da sociedade brasileira fomentada por uma politica de autoritarismo, concentração da terra e expropriação dos bens da natureza para geração de lucros para grandes empresas do agronegócio. A violência é utilizada contra a luta pela possibilidade de se constituírem defensores e defensoras do meio ambiente, interlocutores no processo de positivação e de reconhecimento institucional de suas expectativas para efetivação de direitos em seus territórios de vida.
Portanto, o acordo se anuncia como instrumento importante para prevenção de conflitos socioambientais, para pluralização do acesso à informação com perspectiva participativa e inclusiva nos processos de tomada de decisões que envolvem projetos de vidas em harmonia com o meio ambiente. Possibilita ainda, situar as lutas constitutivas de direitos, numa dimensão regional e sua inter-relação com as resistências construtoras da paz e defensoras do meio ambiente na nossa região, América latina e Caribe.
* Euzamara de Carvalho é jurista membro da Executiva da Nacional da ABJD e Assessora da Comissão Pastoral da Terra, Pesquisadora Doutoranda no PPGDH/UNB.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo
Publicado originalmente em: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/16/entenda-o-que-e-o-acordo-escazu-que-objetiva-garantir-direitos-aos-defensores-do-meio-ambiente
Por Michael Fonseca | Mundo Negro
Foto: U.S. Department of State
Pureza Lopes Loyola, 80, recebeu na última quinta-feira (15) em Washington, EUA, o prêmio “Heróis no Combate ao Tráfico de Pessoas” por seu combate ao trabalho escravo no Brasil. Ela recebeu a honraria, uma das maiores da área dos direitos humanos, das mãos do secretário de Estado, Antony Blinken, e se tornou a primeira brasileira a receber o prêmio desde sua criação, em 2004.
Dona Pureza, mulher preta, nordestina e de fé, nasceu no Maranhão e se alfabetizou aos 40 anos para conseguir ler a Bíblia. Seu combate ao trabalho análogo a escravidão começou em 1993 quando ficou meses sem notícias do filho mais novo, Abel, que estava na Amazônia trabalhando no garimpo. Por três anos, ela descobriu e enfrentou um grande sistema de trabalho precário.
Seu combate ao trabalho em condições análogas à escravidão ajudou o Brasil a se tornar referência mundial. Em 1995, inspirado na luta de Pureza, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que já libertou 62 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão entre 1995 e 2021.
Seu ativismo também inspirou o filme ‘Pureza’, do diretor Renato Barbieri. O longa já recebeu quase 30 prêmios internacionais e nacionais. “Essa premiação do TIP HERO, conferido à Dona Pureza Lopes Loyola pela Secretaria de Estado dos Estados Unidos, é de relevância histórica, pois trata-se da única pessoa no Brasil a receber as duas maiores condecorações abolicionistas que conhecemos: o TIP HERO, em Washington, em 2023, e o ANTI-SLAVERY AWARD, conferido pela Anti Slavery International, em Londres, em 1997. É a coroação da luta incansável dessa nossa heroína cabocla em favor dos direitos à Vida, vivida de forma impactante por Dira Paes no filme Pureza, como também fortalece sobremaneira a luta abolicionista no Brasil em todos os campos.”, comenta o cineasta.
Em homenagem a Dona Pureza, o filme será transmitido na próxima segunda-feira (19) na Tela Quente, na Globo, às 22h.
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