Movimentos organizados na Via Campesina estão organizando o evento que acontece entre os dias 14 e 16 de julho em Jaru (RO
Texto: Marcos Antonio Corbari, da Comunicação do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB)
Edição: Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional
Divulgação Festa Camponesa / RO
Os movimentos da Via Campesina no estado de Rondônia estão mobilizados para a realização da 7a edição da Festa Camponesa, na cidade de Jaru, entre os dias 14 e 16 de julho. Contando com a participação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Instituto Padre Ezequiel Ramin (IPER) na organização, o evento tem como tema “Democracia e esperançar: produzindo alimentos saudáveis e justiça social na Amazônia”. Trata-se de uma festa “construída a muitas mãos, organizada por muita gente, tendo a participação de muitas mentes e muitos corações de camponeses e camponesas, mulheres, homens, jovens, crianças, todo o povo que está organizado na Via Campesina aqui em Rondônia e no território da Amazônia em toda sua diversidade”, afirma Isabel Ramalho, dirigente do MPA.
“A Festa Camponesa de Rondônia envolve em torno de 40 municípios e representa o maior evento do segmento do campesinato no estado”, afirma Oscélio Muniz, dirigente do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB). “Voltamos a realizar a festa com o desafio de retomar a exposição da produção camponesa, a troca de sementes e o processo de estudo”, acrescenta, explicando que o evento se projeta em três momentos ao longo dos dias de programação. “No primeiro dia a atividade é centrada no seminário com temas da atualidade, que neste ano vai discutir a produção de alimentos saudáveis com justiça social na Amazônia”; no segundo dia serão realizados seminários temáticos e oficinas diversas, bem como o momento da troca de sementes crioulas e a feira de produtos do campesinato; no terceiro dia acontece o Café Camponês, que é o grande momento de celebração e encontro”.
Atividades culturais também estão previstas, contando com a participação de artistas locais e também de convidados como o cantador Pereira da Viola. A música contará com apresentações desde o cancioneiro tradicional até ritmos mais modernos, sempre levando em conta o comprometimento dos artistas convidados com as bandeiras de luta da Via Campesina.
Saber de onde se vem e para onde se quer ir
Isabel aponta que da forma como a Festa Camponesa acontece, ela afirma o esperançar e indica para a possibilidade de um futuro com mais justiça social e respeito à democracia: “Desde que em 2008 decidimos fazer a primeira edição, inspirados por um encontro estadual que havia sido realizado, a Festa Camponesa serve para que nós possamos mostrar além das nossas experiências na produção agroecológica, as experiências de resistência, as experiências de recuperação de todos os modos de vida no campo aqui no estado”.
A dirigente entende que “para além de fazer um contraponto com o agronegócio, a festa cumpre o papel de juntar o que nós temos de mais belo e sagrado no campo, avaliar e refletir sobre o que a gente já vem fazendo e poder apontar passos seguintes de forma articulada enquanto Via Campesina”. Destacando as principais simbologias, Isabel explica que para além de permitir articular os passos de forma organizada para o processo de transição agroecológica, a organização da Festa Camponesa permite olhar para a questão da produção, reprodução e repartição das sementes crioulas, dar passos importantes na recuperação da cultura, da capacidade da arte e da criatividade do povo, bem como olhar também para a temática e discutir o papel do campesinato na construção da soberania alimentar.
“Falar da Festa Camponesa é falar da nossa teimosia, da nossa resistência, da nossa capacidade de seguir existindo enquanto campesinato, é falar da importância das mulheres e da juventude no processo produtivo, no processo da comercialização e na distribuição do alimento, é falar da importância da participação da nossa diversidade de povo do campo na construção da resistência nesse território, parte da nossa Amazônia” afirma.
Uma festa diferente, plural, que não é refém de interesses financeiros
A maior parte dos eventos vinculados ao agronegócio são reféns dos interesses econômicos que sustentam o setor e impõem uma padronização estéril aos seus participantes, que vai desde o modo de se vestir, passando pelos produtos originados em linhas de produção, até a linha discursiva e o próprio modo de enunciar esse discurso hegemoneizado. Na Festa Camponesa de Rondônia, assim como nas demais festas e feiras do campesinato e da reforma agrária praticadas Brasil afora, essa relação é diferente, parte de uma iniciativa de solidariedade ativa, de trabalho coletivo e de afirmação da diversidade.
Maria Petronila, da CPT Regional Rondônia, destaca justamente esse aspecto: “A festa camponesa é uma festa autônoma, ela não é presa a acordos financeiros, ela é feita com muito sacrifício, juntando muitos grãos de punhadinho em punhadinho, com muitas mãos construindo esse momento”. Indica que cada ajuda que puder ser direcionada ao espaço, ao momento e ao evento vão estar contribuindo de modo importante e decisivo.
A rebeldia da esperança, a resistência da democracia
Ao refletir o tema proposto ao evento, “Democracia e esperançar”, Petronila relembrou as palavras do saudoso Dom Pedro Casaldáliga: “Ter esperança é um ato de rebeldia”. Para ela, essa esperança não é ingênua nem passiva, leva - como ensinou o bispo fundador da CPT - para que todos possam não somente sonhar, mas construir dias melhores. “Queremos fazer esse convite especial para toda a comunidade, toda a sociedade que acredita que é possível sonhar junto, que é possível manter viva essa esperança. A feira é um grande encontro dos sonhos, das utopias, um espaço de celebrar o que nos move e que nos permite continuar acreditando num mundo melhor para todos e todas”.
A dirigente afirma ainda que a CPT interpreta o espaço da Feira Camponesa como um espaço coletivo, de celebrar, de festejar, de planejar, de sonhar e sobretudo de acreditar na cultura camponesa, das comunidades tradicionais, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas, assim como dos setores urbanos, sobretudo da periferia. “Queremos convidar que não apenas que nos façamos presentes, mas que de alguma forma estejamos apoiando este espaço que também é um espaço de luta”. Do mesmo modo fala Chicão, informando que o Instituto Padre Ezequiel Ramin chama todos e todas que possamos participar, conhecer e contribuir, para que se coloquem em movimento, organizem seus materiais, suas ferramentas de trabalho, tragam suas sementes e mudas.
Concluindo o chamamento, Isabel Ramalho afirma que a festa enquanto construção coletiva, é mérito de muitas pessoas, homens, mulheres, toda uma diversidade, LGBTs, povos, pessoas que ao longo do tempo foram construindo alianças de luta e companheirismo: “Tá muito bonita, de fato nós vamos avançar, ampliar o nosso esperançar sobre a região amazônica, sobre o campo brasileiro e queremos dividir esses encantos da nossa festa camponesa com toda diversidade de pessoas que estiverem dispostas a estar aqui com a gente”. O povo dos campos, das águas e das florestas, o povo que de fato produz os alimentos que chegam até a mesa dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, merece respeito.
Local do evento: Centro Comunitário Católico - Avenida Dom Pedro I, St 05, Jaru, RO
Para mais informações, acessar as redes da VII Festa Camponesa de Rondônia:
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https://www.facebook.com/festacamponesa
A Comissão Pastoral da Terra – CPT, consternada, lamenta o falecimento do educador Carlos Rodrigues Brandão, aos 83 anos, ocorrida ontem, 11 de julho, em Campinas (SP), depois de longa enfermidade. Entre a imensa lista de contribuições inestimáveis do querido Brandão, está também a colaboração com a CPT, desde seus antecedentes e primórdios, na diocese de Goiás, junto a Dom Tomás Balduino, um dos seus principais criadores, e às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
Vem daí também, da imersão no mundo rural e nele na religião popular, de que Brandão foi mestre dos mestres, nossa compreensão do serviço abnegado à causa camponesa, em sua luta e resistência pela terra e nos territórios – seu poder próprio. Uma pastoral de Educação Popular, na melhor tradição de Paulo Freire, de quem ele era amigo.
Seja pela assessoria em encontros nossos de formação e assembleias, seja pela profusão de livros (mais de 100 títulos), artigos e poemas, Brandão nos ensinou e continua a nos ensinar o valor da Vida, na Natureza das coisas e das gentes, tal como ela se dá, como matéria e finalidade da Educação, toda ela e, em especial, a Popular.
Alertou e continua alertando profética e amorosamente a CPT sobre as várias e ricas identidades culturais e religiosas do mundo camponês. Uma pedagogia que sublinha o protagonismo dos camponeses e das camponesas, cifra fundamental do serviço da CPT, chamada a valorizar, sempre, junto com a dimensão de classe, o papel fundamental das ancestralidades e espiritualidades nas lutas por terra, água e direitos.
Nossa gratidão imensa ao humano gigante e educador único que foi Carlos Brandão! Sejamos dignos do seu legado! Agora, encantado, continue a zelar por nós e por nossa obra, a qual tanto inspirou!
➡️Em seu blog "A Partilha da Vida", é possível fazer o download de mais de 50 obras em PDF.
Organizações e movimentos sociais participaram da atividade que fez parte da programação da Feicoop em Santa Maria (RS)
Por Marcos Antonio Corbari e Katia Marko | Brasil de Fato
Lançamento de publicação e ato em apoio a movimentos foi realizada durante a programação da Feicoop, em Santa maria (RS) - Foto: Katia Marko
O palco da Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária de Santa Maria (RS) mais uma vez foi espaço para um ato simbólico de denúncia e solidariedade. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi responsável por puxar a frente da atividade que envolveu o lançamento da edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022” com dados sobre violência e violações praticadas contra as populações camponesas no último período, abrindo espaço ainda para a realização de um grande ato de solidariedade e desagravo os movimentos sociais ligados ao campo frente ao aumento das ações de criminalização que têm sido vítimas.A atividade foi realizada na tarde do último sábado (8).
O ato contou com o apoio do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), campanha contra Violência no Campo, Cáritas Brasil, Semana Social Brasileira, Conselho Indigenista Missionário e Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do RS (Consea/RS). Integrantes da Via Campesina como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) – que tem sofrido ações de judicialização no estado – e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – que está sendo atacado através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Federal – também estiveram presentes. O deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), que integra a chamada “CPI do MST” participou e se somou às ações.
Publicação registra casos de violência
A 38ª edição do livro “Conflitos no Campo Brasil” traz os dados compilados pela CPT referentes a luta dos diversos povos da terra, sistematizando as ocorrências de violência e violação de direitos dos povos do campo. São inúmeras formas de violência que as comunidades do campo sofrem, violência praticada pelo latifúndio, muitas vezes pelas mãos de seus capangas que são contratados para queimar casas e roçados e ameaçar a vida das lideranças, dos trabalhadores e trabalhadoras do campo”, denuncia o agente da CPT no RS, Luiz Pasinatto.
“Para nós fazer o lançamento deste livro é trazer a memória, a dor e a tristeza de tantas pessoas que tombaram em luta pela terra, pela partilha, em busca de um pedaço de chão para produzir o alimento sadio que nós comemos, fruto da agricultura familiar, fruto de pessoas que estão lutando para produzir e matar a fome do povo”, acrescentou.
Os principais dados da publicação foram apresentados pelo agente da CPT Maurício Queiroz, frisando que em 2022 foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos no campo, que envolveram 909.450 pessoas. As ocorrências de conflitos incluem as ações de violência contra os povos do campo e as ações de resistência empreendidas por estes mesmos povos (ocupações/retomadas e acampamentos). Do total de ocorrências neste ano, 1.946, ou seja, 96,4%, são de ações violentas contra essas comunidades e seus integrantes.
"Mais uma vez, temos um número estarrecedor de assassinatos em conflitos: 47 pessoas perderam a vida. A apresentação do livro informa que em 2022 a CPT reforçou o alerta sobre as violações, confirmando a comprovação de que o governo militar-empresarial que se encerrou foi o mais violento para os povos do campo, das águas e das florestas, desde que a CPT passou a registrar esses conflitos, em meados da década de 1980", destacou.
No último período há um recuo nas ações de ocupação/retomada e acampamento, principalmente após o golpe contra Dilma Rousseff em 2016. Em média, no total, durante o governo Bolsonaro houve 1.981,25 ocorrências de conflitos por ano, número consideravelmente maior que a média de 1.560,67 ocorrências de conflitos durante o governo Temer e do que a média de 1.340,67 conflitos por ano no segundo governo de Dilma.
Na avaliação da CPT, os números traduzem na prática o discurso de Bolsonaro no incentivo à violência e à invasão dos territórios, assim como reverberam a contra-reforma agrária empreendida desde o governo Temer e a paralisação dos processos demarcatórios de territórios tradicionais, com o avanço violento do agronegócio e da mineração contra os povos do campo, das águas e das florestas.
CPI visa criminalizar MST e imobilizar governo
Maurício Roman, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), denunciou o uso político da CPI que está em curso na Câmara Federal que o movimento tem chamado de “CPI agromiliciana” visto que a maior parte dos integrantes são vinculados ao setor do agronegócio ou as milícias. Conforme o dirigente, essa é a quinta vez que o movimento é vítima de uma ação semelhante no Parlamento.
“O movimento não é bandido, nós somos uma organização legítima, no Brasil nós já conquistamos mais de 1 milhão de hectares de terras para a Reforma Agrária onde nós produzimos, temos assentamentos, cooperativas e escolas nos territórios”, afirma. “Nós apenas estamos lutando a luta justa pela democratização da terra que não cumpre sua função social. O que devia estar sendo discutido nesse país não é a CPI do MST e sim como o governo vai acabar com a fome, como vai fazer valer a função social da terra”, concluiu.
“Para mim está claro que a CPI do MST está aí para tentar contrapor a CPI do 8 de janeiro, tirar a atenção dos criminosos que cometeram e financiaram a tentativa de golpe”, afirmou o deputado - Foto: Katia Marko
O deputado federal Dionilso Marcon (PT/RS) expressou que os movimentos sociais respeitam as instituições e têm compromisso com a democracia, mas o contrário não pode ser observado nas forças que se aglutinaram contra o MST e demais organizações sociais e populares ligadas ao campo, vide as ações que no último período têm sido orquestradas contra os trabalhadores e as trabalhadoras, contra o governo e até mesmo contra a democracia. “Naquela comissão eles chamam os sem terra e demais movimentos de bandidos, tentam de todas as formas criminalizar quem está lutando para produzir alimentos para acabar com a fome no Brasil, não aceitam quem respeita a democracia”, afirmou.
Reportagem flagra a abertura ilegal de fazendas e a disputa de grileiros por terras no Tocantins e no Piauí
Por Júlia Barbosa CPT Nacional | Com informações da CPT Piauí
Área desmatada na região Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde se concentram 56,2% da perda de vegetação nativa no Cerrado nos últimos 20 anos. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.
O Profissão Repórter desta terça (11) terá como tema o desmatamento ilegal do Cerrado e os impactos gerados às comunidades e ao bioma. A reportagem flagra a abertura ilegal de fazendas e a disputa de grileiros por terras no Tocantins e no Piauí, além de acompanhar uma operação do Ibama e de outras autoridades para combater a exploração em áreas de proteção ambiental. A matéria irá denunciar o que o desmatamento provoca nas comunidades tradicionais do cerrado, como a poluição e a contaminação do solo e das águas, além de impactos no dia a dia dos povos cerradeiros.
A reportagem realizou entrevistas com lideranças das comunidades impactadas pelo agronegócio na região do Cerrado Piauiense e Tocantinense, e com o pesquisador e coordenador de Projetos Internacionais da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos no Brasil, Fábio Pitta, que pesquisa a expansão do agronegócio no campo brasileiro. Ainda, os repórteres entrevistaram grileiros e buscaram respostas do Ministério Público a respeito da problemática.
Resistências no Cerrado
No mês de junho, o Coletivo de Comunidades do Cerrado Piauiense realizou o 4º Encontro do Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Piauí, com o intuito de denunciar as violências do agronegócio contra seus modos de vida e de planejar as ações de resistência pela permanência nos territórios. Na ocasião, estiveram reunidos representantes de 15 comunidades e territórios do Sul do Piauí, além de representantes da Defensoria Pública, Articulação do Cerrado, Secretarias do Governo, Intepi e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Durante o Encontro, lideranças apontaram que ameaças, tentativas de homicídio, contaminação por agrotóxico e desmatamentos ilegais são algumas das violações de direitos sofridas cotidianamente pelos povos e comunidades tradicionais do cerrado no Piauí.
Lançamento
Amanhã (12), a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, parceira da Comissão Pastoral da Terra no Piauí, fará o lançamento do relatório 'Empresas transnacionais do agronegócio causam violência, grilagem de terras e destruição no Cerrado', que expõe a ligação direta de empresas transnacionais à grilagem de terras no sul do Piauí. O documento descreve, ainda, a relação entre o aumento de preço das commodities da soja e as recentes grilagens, desmatamentos e violências contra comunidades rurais.
Saiba mais sobre o lançamento do relatório em https://social.org.br/artigo/artigos-portugues/346-relatorio-liga-empresas-transnacionais-a-grilagem-de-terras-no-sul-do-piaui
Por Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
Campanha em Defesa do Cerrado une esforços a povos e comunidades tradicionais da Caatinga e movimentos e entidades daquela região em busca da aprovação da PEC 504/2010 no legislativo
Foto: Thomar Bauer /CPT
Na tarde do dia 10 de julho de 2022, há exato um ano, o júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado dava a conhecer publicamente, durante atividade presencial em Goiânia (GO), o veredito que condenaria governos e empresas pelos crimes de Eco-Genocídio do Cerrado e seus povos, além das recomendações para frear estes crimes e reparar suas consequências. Foram pelo menos quatro anos, a partir de 2018, de articulações entre entidades e movimentos junto a povos e comunidades tradicionais de oito estados do Cerrado para realizar o Tribunal.
Este período foi marcado por reflexões, acúmulos e sistematização de depoimentos e provas; pela confecção de estudos e realização de oficinas e reuniões, e pelo atravessamento devastador da pandemia de covid-19, somada aos desmontes e violências do passado governo brasileiro de extrema-direita. Lançado de maneira virtual em setembro de 2021, o TPP do Cerrado, ao longo de um ano, contou com um Festival dos Povos do Cerrado e três audiências temáticas, sendo duas virtuais e a última, em julho de 2022, realizada de maneira presencial em Goiânia (GO), juntamente com o julgamento final e apresentação pública do veredito e recomendações do júri do TPP.
Desde então, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado vem difundindo os resultados do TPP do Cerrado e transformando esse acúmulo coletivo em processos de incidência política e jurídica. Agora, um ano após a finalização do TPP, a Campanha prepara, em conjunto com povos, comunidades, entidades e movimentos da Caatinga, a retomada de um processo de incidência para colocar o Cerrado, a Caatinga e seus povos no centro da agenda política do país: a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 504/2010, em trâmite no Poder Legislativo Federal.
PEC 504: CERRADO E CAATINGA COMO PATRIMÔNIO NACIONAL
A PEC 504/2010 trata da inclusão do Cerrado e Caatinga no artigo 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988, que reconhece a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônio nacional. A redação desse artigo assegura que a utilização econômica dos recursos naturais das regiões ecológicas reconhecidas como patrimônio nacional se realize na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
O reconhecimento das regiões acima citadas como patrimônio nacional foi resultado de mobilizações das organizações ambientalistas e movimentos sociais no período da Assembleia Nacional Constituinte (1987-88), e tem contribuído efetivamente para uma maior valorização social e para o surgimento e consolidação de legislações com conteúdo específico relacionadas às regras de preservação dessas regiões ecológicas, como por exemplo, a regulamentação feita pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006) à supressão de vegetação em médio estágio de regeneração, e o estabelecimento da reserva legal em no mínimo 80% da área total dos imóveis rurais incidentes na Floresta Amazônica (Lei Federal nº 12.651/2012).
O Cerrado e a Caatinga, apesar de não contemplados no texto constitucional, são regiões estratégicas para o equilíbrio ecológico e a biodiversidade do planeta. Juntos, incluindo suas áreas de transição, ocupam aproximadamente 45% do território brasileiro. Formam com a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas, as seis regiões ecológicas que compõem o meio físico do Brasil. A ausência de ambos no parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal é uma omissão grave, segundo reiterados posicionamentos de movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais, organizações ambientalistas, especialistas e instituições das mais diversas áreas do conhecimento.
RECOMENDAÇÃO DO TPP
O Cerrado ocupa 1/4 do país e já tem 50% dessa área desmatada, 98% corresponde à pecuária. Dados recentes divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que o Cerrado teve o pior semestre de desmatamento desde o início da série histórica, em 2018. A região ecológica perdeu 4.408 km² de mata nos primeiros seis meses deste ano, uma alta de 21% em comparação com primeiro semestre de 2022. Essa opção de política econômica e ambiental é marca da violência estrutural contra povos e comunidades tradicionais e expõe sumariamente que a deliberação de implantar os projetos ditos de desenvolvimento, significam a invasão, privação, redução e negação do direito aos territórios tradicionalmente ocupados, previsto no artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
A Caatinga, por sua vez, além de perder 10% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2020, o que equivale a 15 milhões de hectares, teve mais de 15% da sua área queimada neste mesmo período, totalizando 13.770 hectares, segundo dados do estudo "Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra na Caatinga", realizado pelo MapBiomas. O mesmo estudo aponta que houve perda de mais de 160 mil hectares de superfície de água, uma diminuição de 16,75%, colocando em risco o abastecimento humano de mais de 25 milhões de pessoas que habitam nesta região ecológica.
A aprovação da PEC nº 504/2010, portanto - uma das recomendações apresentadas pelo júri do TPP -, visa corrigir erro histórico cometido pelos deputados constituintes ao não incluírem essas duas regiões ecológicas brasileiras no parágrafo 4º do artigo 225 da CF. A redação final da emenda em tramitação, após o apensamento de outras propostas, é a seguinte:
"Parágrafo 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense, a Zona Costeira, o Cerrado e a Caatinga são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á em conformidade com os zoneamentos elaborados pelos estados, e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida do seu povo. (alterações em destaque).
MAIS DE MEIO MILHÃO DE ASSINATURAS
A aprovação do texto destacado acima tem sido exigida por diversos setores da sociedade brasileira desde 2003, quando a PEC começou a tramitar no âmbito legislativo - ainda com outro número e outra redação. Em 2017, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado lançou uma petição online na plataforma Change.org para pressionar o legislativo pela aprovação da PEC. A petição conseguiu, até o momento, mais de 589 mil assinaturas.
Agora, a Campanha retoma as articulações e processos de incidência em conjunto com povos e comunidades tradicionais da Caatinga e com entidades e movimentos que atuam nesta região ecológica. O objetivo desta articulação é criar um corpo coeso e potente que possa levar a discussão da aprovação da PEC 504 ao legislativo e a toda a sociedade brasileira. Já estão em andamento a elaboração de uma nota técnica sobre a PEC 504 e a criação de um plano de campanha para a ampla difusão do tema.
Hoje, sobretudo no contexto de emergência climática que se visualiza no Brasil e no mundo, bem como diante dos compromissos ambientais assumidos pelo país, a aprovação da PEC 504 é ainda mais urgente, e ela está pronta para ser votada, após ter passado por diversos trâmites no legislativo. Em síntese, cabe agora ao presidente da Câmara, em conjunto com o colegiado de líderes dos partidos, acordar a colocação do projeto em pauta para votação. Após aprovação, que necessita de 308 votos favoráveis, a PEC deve ser promulgada pelo Congresso Nacional e passar a ter vigência imediata.
Coalização Casino
Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
Brasília, 10 de julho de 2023 – Atolado em uma dívida de mais de 6 bilhões de dólares, o grupo francês Casino planeja vender seus ativos brasileiros e colombianos para fortalecer sua liquidez. Para a coalizão de organizações indígenas representantes dos povos indígenas e organizações internacionais que levou o Casino aos tribunais franceses pelos danos causados com o desmatamento e a violação dos direitos dos povos indígenas nesses países, mesmo com a venda dos ativos sul-americanos, o grupo deverá enfrentar a justiça.
No final de junho, após a abertura de um processo de conciliação para pagar seus credores, o grupo Casino anunciou a venda de suas marcas latino-americanas, o brasileiro Grupo Pão de Açúcar (GPA) e a colombiana Éxito, até o final de 2024. Com 1.000 lojas no Brasil e mais de 2.000 na Colômbia, o grupo gerou mais da metade de seu faturamento (53%) na América Latina em 2022.
Apesar da incerteza em torno do futuro do Casino, o grupo terá que responder ao tribunal judicial de Paris. "Não podemos aceitar que grupos possam burlar os sistemas administrativos e jurídicos nacionais para evitar serem responsabilizados por violações cometidas em suas cadeias de suprimentos. No Brasil, em especial, temos testemunhado historicamente tais estratégias e, em muitos casos, a impunidade persiste e permite a continuidade de práticas criminosas contra os povos e seus territórios. É fundamental que o grupo Casino seja responsabilizado pelos danos causados até o momento e que não haja tolerância judicial.", afirma Kari Guajajara - assessora jurídica da COIAB.
Uma nova investigação do InfoAmazonia também confirma que as medidas de vigilância implementadas pelo grupo Casino ainda são insuficientes até o momento em relação à lei francesa de dever de vigilância. A investigação identificou nada menos que 15 fazendas ilegalmente presentes na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, tendo transferido, por meio de outras fazendas, 815 bois entre 2018 e 2022 para dois frigoríficos da JBS que abastecem o Grupo Casino no Brasil. Os produtos desses matadouros foram identificados em 2023 pelas equipes da Mighty Earth e, portanto, após a ação legal do grupo Casino (março de 2021).
O relatório ainda afirma que a cadeia de abastecimento do grupo francês causou danos materiais estimados em 54,3 milhões de euros só para este território indígena. Um resultado que reflete apenas uma ínfima parte do impacto do grupo Casino, que tem forte presença no Brasil e na Colômbia.
Embora o desmatamento na Colômbia tenha aumentado 32% em 2022 e o Brasil continue sendo o país mais afetado pelo desmatamento tropical, os futuros proprietários de supermercados Casino no Brasil e na Colômbia, terão que fazer do controle das cadeias de fornecimento de carne bovina, incluindo fornecedores indiretos, uma prioridade máxima.
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