Por Carlos Henrique Silva (CPT Nacional), com informações da assessoria de comunicação da Terra de Direitos
Umas das escutas foi na aldeia Açaizal, no planalto santareno, onde os povos indígenas vivem cercados por plantações de soja e milho (Foto: Terra de Direitos)
Como resultado da missão de visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) ao oeste do Pará no mês de maio, o colegiado elaborou e divulgou nota pública e relatório direcionados a diversos ministérios, Polícia Federal e órgãos estaduais, nos quais clama ao Poder Público pela adoção de medidas para superar o cenário de violações de direitos de defensoras e defensores de direitos humanos na região, com destaque para o município de Santarém.
A missão foi resultado da articulação e incidência feita por lideranças indígenas e extrativistas da região em Brasília após o caso de ameaças sofridas por lideranças da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, em março deste ano.
A visita da comitiva de missão do CNDH a Santarém, formada por 07 conselheiras e conselheiros, teve como objetivo apurar o contexto de violações de direitos vivenciados pelos povos e comunidades tradicionais do oeste do Pará. A partir disso, o Conselho está apresentando um relatório final da missão com recomendações a serem cumpridas pelas instituições competentes.
"A Comissão Pastoral da Terra está como suplente no mandato atual, mas participa ativamente das atividades, somando forças com o Conselho. Participamos da missão no oeste do Pará e também da elaboração do documento com as recomendações", afirma Andréia Silvério, que integra a Coordenação Nacional da CPT.
Foram realizadas escutas de lideranças da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, do Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande, e também lideranças quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e indígenas dos municípios de Santarém e Belterra.
Segundo a organização Terra de Direitos, nas últimas décadas o oeste do Pará tem sido visto por empresários, latifundiários e fazendeiros do setor do agronegócio – especialmente da monocultura da soja -, como uma nova fronteira de expansão. Complexos portuários, campos de soja e milho, empresas madeireiras, pecuaristas, grandes corporações do ramo do minério, entre outros, têm se instalado nos municípios da região e impactado os modos de vida de povos e comunidades tradicionais.
“Foi constatado que o aumento do desmatamento e dos casos de contaminação por agrotóxicos, da grilagem e da especulação imobiliária, da mineração e da exploração ilegal de madeira, além de impactarem severamente o meio ambiente, tem violado direitos humanos em suas múltiplas dimensões.”, destaca a nota.
Dentre as reivindicações, o Conselho indica que sejam monitorados os impactos reais da utilização de agrotóxicos nas comunidades e assentamentos da reforma agrária, nos territórios quilombolas e terras indígenas ainda que em fase de demarcação, especialmente no que se refere à contaminação dos recursos hídricos. Escolas e moradias próximas à produção também devem ser analisadas.
O CNDH também assegurou recomendações dirigidas ao Programa Nacional e Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), principalmente tendo como foco uma destinação orçamentária que garanta a efetividade do programa e proteja estas pessoas de ameaças à vida, intimidações e violências.
Conselho Nacional dos Direitos Humanos - O CNDH é um órgão colegiado criado desde antes da ditadura militar, que tem por objetivo fiscalizar e monitorar as políticas públicas de direitos humanos em todo o país, tendo autonomia para realizar visitas, apurar denúncias e recomendar ações contra violações de direitos, em cooperação com entidades públicas e privadas. O Conselho é formado por 11 instituições da sociedade civil, sendo 2 com assento permanente e 9 eleitas para um mandato de dois anos.
Baixe gratuitamente a Recomendação n. 11 do CNDH: https://bit.ly/42UxVhb
Por Júlia Barbosa | CPT Nacional
A reunião foi realizada na sede da Secretaria Nacional, em Goiânia, Goiás. Foto: Júlia Barbosa/CPT Nacional.
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra se reuniu, em Goiânia, nos dias 19 e 20 de junho, para seu encontro bimestral. Na oportunidade, discutiu-se as ações da CPT a partir dos desafios da atual conjuntura. Estiveram presentes o vice-presidente da CPT, Dom Silvio Guterres, e os quatro coordenadores/as executivos/as, Isolete Wichinieski, Ronilson Costa, Andréia Silvério e Carlos Lima.
O Direito a terra e território no Brasil
Desde a década de 1970, quando foi criada, a CPT atua na defesa do direito dos trabalhadores à terra. Nesses 48 anos de história, o apoio à luta pela reforma agrária continua sendo uma das questões mais urgentes e prioritárias da organização. Assim, um dos principais temas pautados na análise de conjuntura foi a Reforma Agrária e a dificuldade em se definir um plano nacional para que ela aconteça. Os coordenadores avaliam que, entrando no sétimo mês do novo governo, ainda não há a sinalização de um plano para promover uma política efetiva de reorganização da estrutura fundiária no país, o que aponta é apenas a continuidade do processo de regularização fundiária e a titulação dos assentamentos.
É importante pontuar que o debate sobre a Reforma Agrária deve ser feito a partir de uma perspectiva popular, que leve em consideração não apenas a garantia de terra aos trabalhadores e trabalhadoras, mas que também garanta aspectos fundamentais para uma vida digna no campo, como educação, saúde e políticas públicas que fortaleçam e incentivem os trabalhos realizados nos assentamentos.
Vale ressaltar que o Brasil ainda enfrenta um grave problema de insegurança alimentar e fome entre a população. De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), dados coletados entre 2021 e 2022 apontam mais de 33,1 milhões com insegurança alimentar grave. Ainda, são 65,5 milhões com insegurança moderada ou severa, e 125,2 milhões de brasileiros com algum nível de insegurança alimentar.
O coordenador executivo Carlos Lima avalia, com preocupação, que não há, por parte do Governo Federal, uma ação radical de combate à fome. Ele afirma que a reforma agrária é fundamental para esse enfrentamento, com a produção de alimentos saudáveis de forma sustentável e o incentivo à agricultura familiar nos assentamentos. Cabe lembrar que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil, segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), referência nacional para esse levantamento.
Criminalização das lutas populares
Outro tema discutido durante a reunião foi a criminalização dos movimentos sociais, como o caso da CPI do MST. Os coordenadores consideram tais ações como uma cortina de fumaça para os reais problemas do campo brasileiro, como a concentração fundiária, a grilagem de terras, o garimpo ilegal, a invasão de terras indígenas e a expressiva violência no campo. De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (CEDOC), da CPT, apenas em 2022 foram assassinadas 47 pessoas devido a conflitos por terra, água e trabalho no campo. Ainda, o CEDOC registrou, no mesmo ano, 123 tentativas de assassinato, 206 pessoas ameaçadas de morte, 14 torturadas, 76 presas e 97 agredidas.
Ainda segundo Carlos Lima, os movimentos sociais cumprem o papel de organizar o povo, dar sentido à terra e aos bens naturais de forma sustentável, além de defender um projeto de Brasil a favor da vida. Assim, junto aos movimentos, a CPT dá continuidade às lutas históricas pelo bem viver no campo, nas águas e nas florestas, e se atualiza nas formas populares de ser e fazer resistências.
Além da conjuntura, na ocasião foi discutido sobre os encaminhamentos das reuniões realizadas no mês de abril e maio, entre a Coordenação Nacional e os Ministérios, como estratégia de incidência junto ao poder público, a fim de pressioná-lo por ações efetivas contra a violência e na defesa dos direitos dos povos do campo, das águas e das florestas. Ainda, foi pautada a Missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizada no Pará, que teve como objetivo averiguar o contexto de violações de direitos vivenciados pelos povos e comunidades tradicionais da região.
Ademais, o encontro foi espaço para planejamento das ações da Campanha Nacional Contra a Violência no Campo, bem como do Caderno de Conflitos Brasil 2023 e o lançamento dos dados parciais no segundo semestre, além das parcerias com entidades para análise e uso dos dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno.
Em mais um ato de violência do governo estadual contra acampamentos de reforma agrária, famílias sofrem abordagem violenta e são impedidas de acessar suas casas
Por CPT Goiás
Na noite deste sábado, 24, a Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) realizou cerco na estrada do Acampamento Dom Tomás Balduíno, em Formosa (GO), abordando famílias de forma truculenta e até mesmo impedindo que algumas pudessem chegar às suas casas.
O acampamento está entre as comunidades que vêm sofrendo há meses com ações intimidatórias da polícia, que, segundo informações dos próprios militares, cumpre “ordens superiores” para impedir ou coibir famílias que buscam acesso à terra reivindicando a efetivação da lei de reforma agrária.
O Acampamento Dom Tomás Balduíno foi criado a partir de uma negociação do INCRA para adquirir fazendas com o intuito de transformá-las em um assentamento rural, mas o governo Bolsonaro não honrou o acordo feito para a desapropriação, deixando centenas de famílias expostas a diversas formas de violência e privação de direitos.
O grupo de fazendas que, segundo relatos, já pertenceu ao ditador João Batista Figueiredo, acumula dívidas milionárias com três bancos públicos, e está citada em inquéritos por crime ambiental, em curso no Ministério Público.
Só em 2023, as forças policiais do governo do estado já realizaram ações arbitrárias, ou seja, sem ordem judicial, contra 19 acampamentos de reforma agrária em Goiás, impondo o medo em famílias que hoje vivem na terra, produzem alimentos e não têm outro lugar para onde ir.
Ao agir à revelia do que está estabelecido por lei, o modus operandi governo do estado se assemelha ao da União Democrática Ruralista (UDR), que, em décadas passadas, foi acusada de contratar de jagunços para ameaçar e executar pessoas que reivindicavam a reforma agrária em Goiás e no Brasil.
Publicado originalmente em: https://bit.ly/3NLIQW1
Por CPT Piauí
4º Encontro do Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado no Piauí – Foto: CPT Piauí
Ameaças, tentativas de homicídio, contaminação por agrotóxico e desmatamentos ilegais são algumas das violações de direitos sofridas pelos povos e comunidades tradicionais do cerrado no Piauí. Uma realidade que enfrentam a partir de seus territórios, mas também de seus corpos territórios onde sentem na pele as dores e sintomas causados pelo medo, mas também pela contaminação de suas águas, de seus alimentos e de suas terras.
Nessa quarta edição do encontro o coletivo aconteceu no território indígena Akroá Gamela Vão do Vico fica no município de Santa Filomena-PI, há 900km de Teresina, durante os dias 16 a 18 de junho e reforçou a discussão sobre organização das comunidades, formas de denúncias das violações ocorridas em seus territórios, proposição e acesso às políticas públicas de permanência na terra.
Cerca de 70 pessoas representantes de 16 comunidades e territórios tradicionais do cerrado participaram das discussões. Organizado pelo Coletivo com apoio da Comissão Pastoral da Terra e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos o encontro contou com a participação de outras representações como: Coletivo Antonia Flor, Defensoria Pública e Secretaria de agricultura familiar e Instituto de terras do Piauí- Interpi estiveram presentes durante o encontro.
A abertura do encontro se deu com um chamado a cada pessoa presente a fincar o pé no chão, firmar a esperança e alentar a fé durante a celebração da palavra, presidida por Altamiran Ribeiro, diácono permanente e agente da CPT Piauí que através do texto trouxe a reflexão do caminhar coletivamente e da valorização dos frutos da terra. “…Animados pela fé e bem certos da vitória…” as comunidades e territórios confraternizaram entre si em uma calorosa acolhida.
No segundo momento, uma roda de conversa mediada por Valeria, da Articulação dos Cerrados e Fábio Pitta da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos uma análise de conjuntura levantou elementos comuns a todo o bioma cerrado como a valorização de comodites, a especulação de terras e os desmatamentos de grandes extensões geográficas.
Só em Santa Filomena (PI) foram desmatados o equivalente a 16 mil campos de futebol, … as estratégias que já acontecem são importantes, mas temos visto que ao avanço do agronegócio permanece e as violações de direitos continuam, desde o desmatamento, até a contaminação com agrotóxico, então é preciso pensar outras formas de atuação, por isso a importância desse encontro afirma Fábio Pitta, pesquisador da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Ariomara Alves- Território Barra da Lagoa Foto: CPT Piauí
Representantes das comunidades e territórios denunciam novas violações de direitos e reforçam suas resistências enquanto exigem a titulação de suas terras. Nós precisamos das nossas terras, para viver e pra criar a nossa família, porque os nossos antepassados nos criaram e nós criamos a nossa família e queremos isso par a futuro. Hoje já temos a coragem de lutar contra eles (grileiros), mas não temos um documento da terra, precisamos dessa segurança- Juarez Celestino– Território Melancias, Santa Filomena-PI.
Interrogados pelos povos tradicionais, os órgãos presentes puderam responder e explicar diversas questões, sobretudo o Interpi que foi questionado sobre os processos de regularização fundiária dos territórios. Liliane Amorim, advogada do referido órgão, apresentou a situação dos processos administrativos em tramitação de cada comunidade e território presente reforçando que legalmente, as comunidades tradicionais são prioridade na destinação das terras públicas devolutas e explicou o passo a passo para regularização fundiária coletiva dos territórios tradicionais.
A complexidade do trabalho do coletivo é a discussão ampla de diversas temáticas no que diz respeito ao meio ambiente, a sustentabilidade que não parte do princípio individual e sim, da importância do mundo inteiro.
A legislação existe em diversas instancias, mas não é o suficiente, porque na pratica o que se ver de fato é o desrespeito do Estado às comunidades.
Território Indígena Vão do Vico
O território indígena Akroá Gamela possui uma área de 13.500ha entre vegetação nativa, área de cultivo coletivo, animais, brejos e nascentes e a lagoa Feia, uma lagoa que é marcada pela espiritualidade, onde os indígenas guardam os encantados da floresta e onde nasce o rio Riozinho ladeando o território e sustentando 21 famílias que vivem da produção de mandioca, batata, feijão, arroz, fava, milho e do extrativismo vegetal.
Ameaçados pelo avanço do agronegócio as/os indigenas já se encontram cercados pelas fazendas SLC- Parnaguá, Damha, Produzir, Insolo, Galiléia, Canastra que desde o início dos anos 2000 seguem desmatando a vegetação, grilando terras e poluindo os corpos D’água e seus corpos- territórios.
O Riozinho que divide o território e ele tinha uma grande extensão de água, quando eu era criança era bem aqui perto da comunidade, depois do agronegócio já secou foi muito, hoje é quase um brejo, mas está cheio pelo agrotóxico usado nas fazendas, afirma Antônio Pereira, 50 anos, indígena Akroá Gamela do território Vão do Vico.
Titulação coletiva
A titulação coletiva dos territórios do cerrado é uma exigência dos Povos e comunidades tradicionais do sul do Piauí para a garantia da vida de suas famílias na terra de onde vieram seus antepassados. Além da garantia da terra, há necessidade de ter um pensamento holístico em relação a titulação da terra, entender que a regularização é prioridade, mas precisa ser pensado de forma mais ampla e conjunta, que venha acompanhada de uma infraestrutura necessária para que após a titulação da terra as comunidades possam permanecer nela com serviços básicos como estrada, energia, escola, água, saúde, etc…
Diversas denúncias foram levantadas pelas comunidades durante o encontro, mas não é de hoje que o coletivo denuncia e exige que seus direitos sejam respeitados e garantidos. Novamente o coletivo se reúne e constrói uma carta denúncia que será entregue aos órgãos do governo do estado nesta quarta e quinta-feira,( 21 e 22) em Teresina-PI.
Reforçando essa estratégia dos povos do cerrado, a Fian internacional lança carta apoio as reivindicações do coletivo, juntamente com mais 16 organizações.
É urgente a titulação coletiva dos territórios e a defesa da vida dos povos e comunidades do cerrado no Piauí.
Carlos Henrique Silva, com informações da equipe da CPT Regional Paraná
Em meio às limitações ocasionadas pela pandemia da Covid-19 e por um desgoverno que negou seus impactos e promoveu a perda de direitos básicos, diversas famílias da cidade de Curitiba (PR), incluindo migrantes, pessoas refugiadas e povos em situação de retomada de territórios, passaram por dificuldades de emprego e renda.
Por outro lado, a pouco mais de 40 quilômetros de distância da capital do Paraná, pequenos agricultores e agricultoras da zona rural do município de Mandirituba sentiam o impacto da falta de incentivo e de políticas públicas para a produção agroecológica e a dificuldade para o escoamento da sua produção.
Foi quando um grupo de jovens de Curitiba iniciou uma campanha para levantar recursos, por meio de uma vaquinha virtual, e para arrecadar alimentos a serem destinados àquelas pessoas mais vulneráveis e em situação de fome no município. E assim se formou uma rede de apoio que uniu o campo e a cidade e que, com o passar do tempo, só fez crescer e se fortalecer.
A partir da rede, cerca de 40 pessoas, entre jovens, adultos(as) e crianças do campo e da cidade construíram o Mutirão contra Fome e pela Soberania Alimentar. Por meio do trabalho coletivo, o grupo cultiva a terra na perspectiva agroecológica e reflete sobre temas fundamentais para a vida dos povos da cidade, do campo, das águas e das florestas. A ação conta com o apoio de diversas organizações sociais, como a Comissão Pastoral da Terra no Paraná, a Associação Brasileira de Amparo à Infância (ABAI) de Mandirituba, a fundadora e alguns funcionários da instituição Vida para Todos, a Coopervida, o Grupo de Mulheres do Comitê Contra a Fome de Mandirituba e outros coletivos de mulheres que trabalham com reciclagem, além de estudantes universitários.
Como o Mutirão se organiza - Com a experiência, as pessoas saem do seu lugar de apenas receber doações e se encontram para, juntas, plantar alimentos, partilhar e refletir sobre a realidade em que vivem. Por meio de um grupo criado num aplicativo de mensagem instantânea, as pessoas combinam o “Dia do Mutirão” na casa de uma família agricultora específica. E aí cada pessoa se compromete com uma função: quem tem carro, oferece carona; algumas pessoas organizam a logística do transporte e dos alimentos; outras, assumem o preparo do almoço; outras, contribuem para fazer os canteiros, plantar e colher; há quem cuide das ferramentas, da limpeza dos banheiros e há quem organize a cozinha.
Assim, a juventude urbana, que também estava sendo impactada pela pandemia, encontrou uma saída para transformar a realidade no contato com a terra, na perspectiva da agroecologia, do cooperativismo e da solidariedade junto com as famílias agricultoras. O Mutirão sempre é encerrado com uma roda de conversa sobre temas como a fome, a destruição da natureza, a desigualdade social, o racismo, o preconceito e o que o grupo unido pode fazer para transformar ainda mais a realidade danificada pelo sistema econômico de mercado.
O diálogo entre campo e cidade não é só de aprendizado das técnicas de plantio e colheita. “Ali, vamos percebendo o que temos em comum, o que o sistema faz com cada sujeito, e que precisamos dar passos coletivos para transformar a realidade, pois somente plantar e distribuir alimentos não muda a realidade. Precisamos entender porque cada dia tem mais gente empobrecida, doentes e dependentes, e juntos encontrar caminhos. Por isso, a Roda de Conversa dos Saberes, que acontece em todos os encontros, é fundamental", ressaltam os membros da equipe da CPT no Paraná.
Desafios que permanecem - Mesmo com o fortalecimento da integração na direção do combate à fome e na construção do bem comum, os desafios ainda são grandes e demandam união para fazer valer o processo já consolidado. Algumas necessidades ainda precisam ser superadas, como a aquisição de recursos para manter o transporte dos(as) participantes, principalmente das comunidades vulneráveis; e a ampliação do cultivo de mudas, do acesso a insumos naturais, de ferramentas e de outros implementos.
“Os desafios são grandes porque é necessário pensar e construir um outro jeito de existir, em que todos e todas tenham lugar e vida digna, com suas diferenças respeitadas e valorizadas. Precisamos compreender e sentir que somos parte da natureza e não exploradores dominadores. A natureza é nosso bem comum e devemos cuidar para que ela cuide de nós”, complementa a equipe.
Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional
Momento de memória dos mártires na luta pela terra - 17a. Romaria da Terra e das Águas 2023 em Catalão (GO) - Foto: Júlia Barbosa / CPT Nacional
O campo brasileiro é um cenário extenso de belezas, de produção de alimentos e bens naturais e culturais, mas também de muita disputa. Uma disputa que muitas vezes gera violências, martírios e vítimas, na natureza e nos seres humanos que dela são parte. Vítimas que tombam, mas viram sementes e reforçam a luta de quem fica, por um lugar melhor, por uma terra sem males.
Era numa realidade já difícil nos anos 1970, principalmente diante do contexto de ditadura militar, que surgiu a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 22 de junho de 1975. A instituição nasceu durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Goiânia (GO).
A demanda vinha dos chamados posseiros da Amazônia, trabalhadores e famílias vindas do Nordeste para trabalhar nos projetos desenvolvimentistas da região, e que sofriam com as péssimas condições de trabalho análogo à escravidão, ou eram expulsas de suas terras por conta da grilagem. Povos indígenas e camponeses locais também sofriam com o avanço da criação do gado e do desmatamento, e a denúncia dessas violações era reprimida pelo Estado.
Todo esse clamor atraiu a atenção de religiosos tanto católicos quanto de outras igrejas cristãs, que acompanharam e escolheram ficar do lado do povo, na luta pelos direitos dessas populações mais vulneráveis. Dentre essas lideranças, bispos como Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduino, além de freiras, padres e leigos dedicaram suas vidas, algumas vezes até perdendo-as de forma violenta, em troca de partilha, fraternidade e comunhão. Ao longo do tempo, o foco principal da CPT continuou sendo o de defender as causas de trabalhadores e trabalhadoras do campo, e de ser um suporte para a sua organização.
O agricultor Célio Carmo Ferreira, do Assentamento Dom Tomas Balduino, no município de Goiás (GO), relembra esta caminhada. "A CPT sempre esteve presente nos nossos momentos bons e também nos difíceis, de perseguição e ameaças de morte. Mas como diz o ditado, 'ninguém sabe o que o calado quer', então nunca nos calamos pra lutar pela terra e por nossos direitos no coletivo. Hoje a gente tem grupos de mulheres formados, fortalecimento da comercialização na feira e muitas outras conquistas além da terra", afirma Célio.
Outras causas, como a dos povos indígenas, famílias atingidas pelas hidrelétricas e sem terra, estimularam a criação de movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), dentre outros.
Centro de Documentação
Para reforçar a luta pelos direitos, a CPT criou o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, que este ano completa 40 anos de atuação. O CEDOC, como também é conhecido, registra constantemente os conflitos e a violência no campo, suas causas e as populações atingidas, a partir de informações coletadas nas bases regionais da instituição e outras fontes. Os dados são publicados anualmente no relatório Conflitos no Campo Brasil, que serve como instrumento de análise e reivindicação por justiça e pelo fim da impunidade no campo.
Desafios no rumo dos 50 anos
Caminhando rumo ao seu meio século de existência, a CPT se vê diante de desafios que se renovam a partir das mudanças sociais, políticas e culturais do país e do mundo. De acordo com Isolete Wichinieski, que integra a Coordenação Nacional da CPT, o que permanece é o compromisso da organização em ser instrumento de luta junto aos povos, tanto de denúncia de injustiças quanto de anúncio do Evangelho.
"Ao longo da caminhada, fomos agregando diversas pautas, seja na denúncia da destruição de nascentes, da contaminação pelos agrotóxicos, dos danos causados pelas mineradoras e dos incêndios criminosos provocados pelo agronegócio. Outras articulações foram surgindo, em defesa do Cerrado e da Amazônia, pelo protagonismo das mulheres, da juventude camponesa, pelo respeito às diversidades. Em tudo isso, a CPT reafirma que, mesmo não sendo um movimento social, caminha junto com os movimentos e mantém seu caráter pastoral no protagonismo das comunidades."
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