Por Lara Tapety | CPT AL
Os movimentos e as organizações do campo de Alagoas se reuniram com o presidente do Incra Nacional, César Aldrighi, na tarde do dia 18/12, no município de Barra de São Miguel/AL. O objetivo foi discutir o fortalecimento da agricultura camponesa no estado.
A reunião com Aldrighi foi solicitada formalmente no final do mês passado, antes e durante o bloqueio da rodovia BR 104, em União dos Palmares, exigindo a reforma agrária das terras da massa falida da Usina Laginha. Já neste mês de dezembro, um novo ofício foi encaminhado ao presidente do órgão federal.
A tratativa direta com o Incra nacional ocorre no contexto em que Alagoas é o único estado do país que não exonerou o superintendente depois da posse de Lula na Presidência da República. Ainda hoje, quem comanda a autarquia do estado é César Lira, militante bolsonarista e primo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Além de travar o andamento das políticas de Reforma Agrária, ele persegue as organizações do campo e tenta causar a divisão nas comunidades de acampamentos e assentamentos.
Josival Oliveira, dirigente do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), introduziu o diálogo com o presidente do Incra nacional dando boas-vindas. Ele explicou que a proposta é retomar a pauta já debatida e que não teve andamento.
Margarida da Silva, a Magal, da direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) em Alagoas, socializou os últimos acontecimentos em Alagoas a respeito das atitudes de César Lira nas áreas de luta pela terra. Entre as denúncias, Magal destaca que o superintendente do estado visita acampamentos com aparato policial para intimidar os agricultores e as agricultoras.
"Nosso entendimento é que nosso tratamento não é com o César Lira, com a superintendência em Alagoas, mas sim com o presidente do Incra nacional", disse a coordenadora do MST.
No mesmo tom, Marcos Antônio Silva, mais conhecido como Marrom, coordenador da Frente Nacional de Luta (FNL), disse: "Sabemos que o governo passou por uma fase de transição, mas queremos que a mudança chegue aqui em Alagoas também".
Segundo César Aldrighi, a reunião faz parte da jornada que o Incra está fazendo nos estados com intuito de resolver questões pendentes para fechar o ano de 2023.
“Aqui no estado de Alagoas eu tinha alguns compromissos firmados com os movimentos sociais. Eles apresentaram a pauta. A gente veio aqui discutir a pauta, ver o que a gente consegue encaminhar ainda em 2023 e preparar o ano de 2024. Temos muita coisa para fazer juntos, mas eu acho que a reunião avançou”, disse o presidente do Incra.
Ainda de acordo com o presidente do Incra, a expectativa é usar o recurso do orçamento que ainda não foi empenhado para atender algumas demandas ainda neste ano.
Entre as solicitações de Alagoas estão a vistoria na Usina Laginha na perspectiva da aquisição da área para fins de Reforma Agrária, a disponibilização de técnicos agrícolas para assentamentos, o apoio para as feiras realizadas pelas organizações e para o Festival Zumbi e Dandara dos Palmares, previsto para dias 21 a 24 de fevereiro de 2024.
Carlos Lima, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca que a vinda do presidente do Incra a Alagoas, representa o reconhecimento da unidade das organizações do campo no estado. Diferente de outros estados, em Alagoas, há décadas são realizadas uma série de ações conjuntas entre aqueles e aquelas que lutam pela terra. As organizações do campo promovem atividades conjuntas de formação e capacitação, mobilizações, marchas e participam de romarias.
O coordenador da Pastoral ressaltou que a visita de Aldrighi também teve o intuito de escutar a inquietação das organizações em relação ao atual superintendente do Incra em Alagoas. “Não podemos compreender, nem aceitar, que um superintendente colocado a partir do golpe de 2016, no governo Temer, ainda continue no primeiro ano do governo Lula. Mais uma vez, pedimos que seja realizada a exoneração do superintendente”, disse.
A reunião contou com a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Frente Nacional de Luta (FNL), do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), do Movimento de Luta pela Terra (MLT), do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) e do Movimento Terra Livre (TL).
Lideranças do assentamento Rio Bonito relatam caso de conflito ao presidente do Incra
Após a reunião com o conjunto dos movimentos sem-terra, César Aldrighi foi recebido na sede da Comissão Pastoral da Terra (CPT) por uma comissão de moradores do assentamento Rio Bonito, situado no município de Flexeiras/AL.
Na ocasião, os agricultores e a agricultora falaram que a comunidade teme a invasão da Área de Preservação Permanente (APP) do assentamento por parte da Prefeitura de Flexeiras e também pediram medidas para ampliar a produção de alimentos.
A CPT e o Incra vão buscar formas de colaborar com o desenvolvimento e a proteção do assentamento.
Por CPT Araguaia-Tocantins
Estado da Igreja da comunidade após a ação de reintegração de posse
Processo permeado de nulidades. Violência policial. Pistoleiros. Crianças aterrorizadas, algumas perdidas no mato. Animais mortos ou deixados para trás. Casas queimadas. Pertences destruídos. Alimentos inutilizados. Famílias humilhadas. Terra arrasada. Nas vésperas natalinas, foram essas as cenas vivenciadas na reintegração de posse praticada na ocupação Chaparral em Araguaína, TO, perto da divisa com Bandeirantes e Pau d’Arco: a ação iniciada dia 18 de dezembro decorre da concessão do Mandado de Reintegração/Manutenção de Posse pelo Judiciário tocantinense em favor da Empresa Agropecuária Chaparral Ltda, parte da área reintegrada é terra pública da União e está ocupada há cerca de 13 anos por mais de 60 famílias.
Os relatos desoladores das famílias sobre o despejo dão conta de uma série de irregularidades e ilegalidades, e apontam para possíveis nulidades no processo do qual estão sendo vítimas. Sentenciada por um Judiciário coligado com as oligarquias do latifúndio e da grilagem, e promovida por uma Polícia Militar complacente com as violações praticadas, a ação de reintegração foi precedida por negociatas com parte dos ocupantes. Ela resultou em graves violações de direitos humanos, sendo constatados vários descumprimentos das Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva.
De forma calculada, o estado de terror contra as famílias foi instalado em sincronia com o recesso forense de final de ano, de forma a dificultar eventuais recursos, confirmando assim que a Justiça sabe ser parcial, implacável e ‘injusta’ quando se trata de violentar e expulsar trabalhadores do campo. Todas as hipóteses de defesa e amparo legal se encontraram obstruídas. Apesar da presença de numerosos menores nas famílias despejadas, não se tem informação de ter sido acionado o Conselho Tutelar dos municípios envolvidos.
As luzes de Natal foram novamente substituídas pela escuridão do medo e da truculência que costumam aterrorizar as comunidades camponesas do nosso Estado. Pois o terror vivido pelas famílias despejadas nas terras cobiçadas da Chaparral não se trata de um caso isolado.
A violência no campo tem sido cotidiana neste ‘Estado de terror’ por nome Tocantins, marcadamente comprometido com a indústria da grilagem e seus projetos de mortes que ameaçam a existência dos povos do campo e espalham rastros de sangue, tensão e insegurança entre trabalhadores e trabalhadoras. Só para recordar: no ano passado a Comissão Pastoral da Terra registrou 504 casos de pistolagem, 113 casas destruídas, 101 ameaças de expulsão, 15 ameaças de morte contra posseiros e 1 homicídio decorrente de conflitos por terra (Fonte: Caderno de Conflitos no Campo, Brasil 2022).
A ausência e o desmonte das políticas públicas – com destaque na inviabilização da Reforma Agrária, e da demarcação e titulação dos territórios tradicionais e originários – estão a potencializar os conflitos e a violência praticada pelo Estado ou com sua anuência. No caso da Chaparral, parte da área reintegrada é reivindicada pela União, sendo grilada pela Agropecuária Chaparral Ltda, um cenário que encontramos em outras situações espalhadas de Norte a Sul do Estado, sempre trazendo resposta truculenta.
No apagar das luzes de 2023, as comunidades do campo tocantinense, com seus corpos feridos e seus territórios violados, convivem com iminente ameaça de terem suas existências apagadas. Por isso, junto com elas, denunciamos os ataques constantes aos seus direitos, a cruel violência que vem sofrendo, o silêncio e a conivência do Estado que amplificam o sentimento de abandono e injustiça para com os ‘pobres da terra’, eles que, na contramão da ótica da ganância e violência, resistem afirmando seus modos de vida, semeando na terra sementes de esperança para gerar o alimento e efetivar o direito e a paz em nosso campo.
Por Comunicação Raízes do Cajueiro
Senhor João Germano, seu Joca, resiste e reside no território há mais de 45 anos. Foto: Raízes do Cajueiro.
O juiz respondente pelas ações judiciais sobre o Cajueiro na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Capital, Marcelo Oka, teve que voltar atrás na decisão de despejo emitida por ele, em 06/12/2023, contra o senhor João Germano (seu Joca, 90 anos) na ação de desapropriação movida pela empresa TUP Porto São Luís S/A contra o pescador aposentado. Na decisão, o juiz havia autorizado “o uso de força policial e arrombamento” da casa do idoso, o que poderia ocorrer antes do Natal (processo n. 0834529-92.2019.8.10.0001).
A revogação ocorreu como efeito produzido por decisão em outro processo judicial, que questiona a validade do decreto de desapropriação (processo n. 0804674-97.2021.8.10.0001). O curioso é que o senhor João Germano é autor dessa ação e indicou a TUP Porto São Luís S.A como ré, numa inversão das partes em relação à desapropriação. Na ação movida por seu Joca, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Maranhão decidiu, por unanimidade, declarar a nulidade absoluta do decreto de desapropriação nº 002/2019, emitido indevidamente pelo então Secretário de Indústria, Comércio e Energia, Simplício Araújo, no governo Dino, para beneficiar a empresa portuária.
No acórdão publicado em 11/12/2023, o TJMA afirma que “não existe nenhum ato que delegue ao Secretário de Estado a competência para declarar a utilidade pública da área do distrito industrial e determinar a desapropriação de bens imóveis particulares”. Na decisão ainda consta que “devem ser declarados nulos todos os atos emanados do referido decreto”. Como o decreto é requisito indispensável para a desapropriação, a decisão de nulidade, após seu trânsito em julgado, extinguirá o processo de desapropriação. De imediato, o mandado de despejo dado por Oka naquela ação teve que ser revogado pelo juiz.
Com isso, o gigantesco grupo empresarial COSAN S/A - detentor atual de 100% das ações da TUP Porto São Luís – passou ao plano da igualdade jurídica com senhor João Germano da Silva e a família de seu irmão, Pedro Sírio, que era seu vizinho, mas faleceu pela Covid-19, aos 90 anos, em 2020.
:: Justiça anula o decreto de desapropriação da Comunidade do Cajueiro, no Maranhão
Legenda: Termelétrica do chamado Complexo do Azulão, situado na Bacia do Amazonas. Foto: reprodução
Por Lígia Appel (Comunicação Cimi Regional Norte I),
com informações da CPT da Prelazia de Itacoatiara
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Relatório produzido pela CPT da Prelazia de Itacoatiara (AM) revela a crescente escalada de ameaças, violações de direitos e insegurança que os indígenas estão sofrendo por conta da exploração de petróleo e gás natural pela empresa Eneva S.A. no Amazonas
Um dia após o fim da cúpula climática COP28, que apontou a necessidade da redução do uso de combustíveis fósseis diante de fontes sustentáveis, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou na última quarta-feira (13) o que está sendo chamado o leilão “Fim do Mundo”, vendendo direitos de perfuração em 602 novas áreas de exploração de petróleo e gás em todo o país, incluindo 21 na bacia do rio Amazonas, mais da metade deles (12) localizada em áreas de impacto direto de, pelo menos, 20 terras indígenas.
O impacto destes empreendimentos sem consulta e aprovação das comunidades, é um dos focos do Relatório “Situação dos povos indígenas dos municípios de Itapiranga e Silves”, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Prelazia de Itacoatiara (link no fim do texto). O objetivo do documento é de atender a um pedido urgente das lideranças indígenas, ouvindo-as sobre a crescente escalada de ameaças, violações de direitos e insegurança que estão sofrendo, decorrente da exploração de petróleo e gás natural pela empresa Eneva S.A., que junto com a ATEM, foram as vencedoras do leilão na região da Bacia do Amazonas.
O documento também reúne informações para compor a Ação Civil Pública que já tramita na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, movida pelas associações dos povos indígenas. As ameaças e intimidações que o povo Mura vem sofrendo acontecem há muito tempo, mas esse ano, com a Ação sendo acolhida pelo Ministério Público Federal (MPF), elas têm sido ainda mais frequentes.
Um jovem indígena, que por questões de segurança, não será identificado, afirma: “Eu estava caçando quando ouvi o barulho dos carros e fui olhar mais de perto para ver quem era. Foi quando vi dois carros parados a uns 100 metros do ramal, sentido pra quem sai da aldeia, e três homens saindo dos carros engatilhando dois revólveres e uma arma grande, com lupa, que parecia ser uma espingarda. Um deles falou para o outro: o nome do cacique é Jonas. É ele e mais aquela mulher e o marido, da outra comunidade. Vamos acabar com esse problema. Quero ver quem vai ter coragem pra falar alguma coisa”.
“Em agosto desse ano, ao chegar na aldeia Livramento para suas atividades, as lideranças informaram à equipe da CPT que uma caminhonete branca, modelo Amarok, com funcionários da Eneva, havia acabado de sair da localidade e que estavam à procura do cacique Jonas Mura, que inclusive teriam tirado foto da casa do cacique, do barracão da aldeia e de outros lugares”, relataram as lideranças à CPT, dizendo que “não era a primeira vez que pessoas supostamente ligadas à Eneva estariam rondando a aldeia”.
As ameaças fizeram o cacique precisar ficar distante da comunidade e ser incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), construído por secretarias estaduais e federais.
A posição do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), enquanto órgão estadual, é de que não há indígenas na região de afetação do empreendimento de exploração do gás, o que demonstra a omissão do poder público local para com a situação.
O licenciamento não cumpriu as exigências e orientações legais, pois não houve sequer diálogo com os indígenas, quanto mais a Consulta Prévia, Livre e Informada da Convenção Organização Internacional do Trabalho – OIT 169, da qual o Brasil é signatário.
Os relatos da CPT dão conta de que outras cinco lideranças estão ameaçadas de morte. Para Jorge Barros, agente da CPT Prelazia de Itacoatiara, só o fato do Estado não reconhecer os povos indígenas e tradicionais que vivem na região é uma violência grave.
“É uma violação de direito muito grave contra esses povos e também ao meio ambiente. E não ocorre somente da parte da empresa. Está sendo cometida também pelo Estado, que não reconhece os povos originários daquela região, que não consulta e dá licença de maneira toda irregular para a operação e implementação desse projeto, que não fiscaliza. É um projeto que impacta, diretamente, o meio ambiente e também a cultura dos povos e a vida deles”, afirma.
Os indígenas identificados no documento são predominantemente dos povos Mura, Baré, Sateré-Mawé, Munduruku e um grupo de indígenas isolados pertencente os povos Pariquis, e estão espalhados em aldeias e comunidades da região urbana e rural de Silves e Itapiranga. O estudo também mostra que há famílias e comunidades nesses municípios que ainda não foram mapeadas, apenas informações sobre sua existência. As localidades encontram-se no limite geográfico dos municípios de Itacoatiara e Silves.
Os impactos dessa exploração comprometem de forma direta e irreversível o principal Aquífero do Norte do País, Aquífero Alter do Chão, considerado por toda a Academia como de importância mundial, que se estende desde a Amazônia Ocidental.
Outra pessoa indígena da região do Igarapé Açu Grande e Igarapé Açuzinho diz que, em uma região próxima à sua comunidade, as pessoas já estão tendo problemas de pele e diarreias. Emocionado, lamenta:
“Estão acabando com nosso chão, nosso ar, nossa floresta e contaminando nossas águas. Sem peixe, sem caça, sem ar limpo, como podemos viver? Não queremos dinheiro sujo, que vai custar a vida dos nossos parentes”.
Confira aqui na íntegra o relatório elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Nos cinco dias de atividades, foram discutidas estratégias de enfrentamento ao trabalho escravo no País e partilha das políticas e ações adotadas no Brasil
Por Fundación Libera
Edição de Heloisa Sousa | CPT Nacional
Momento de debate após exibição do filme "Pureza". Foto: Fundación Libera
Em uma iniciativa para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Fundación Libera, em parceria com o Centro de Direitos Humanos da Universidade Diego Portales, promoveu, entre os dias 3 e 7 de dezembro, a semana de enfrentamento ao trabalho escravo no Chile. A jornada iniciou com a realização do "CineForo: Da Escuridão à Pureza - Comemorando os Direitos Humanos" em Santiago. Este evento, que entrelaçou cinema, direitos humanos e reflexão, visou construir pontes sólidas entre a sociedade civil e as instituições para abordar as questões cruciais do trabalho escravo e exploração laboral no país.
Um dos pontos culminantes da semana foi a exibição do filme brasileiro "Pureza", dirigido por Renato Barbieri, que foi seguida por um debate com participação de Xavier Plassat, da Campanha De Olho Aberto para não Virar Escravo, conduzida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Impactante também foi a participação de Yesenia Díaz, trabalhadora rural, membra da Survivor Alliance, e de Judith Schönsteiner, acadêmica da Faculdade de Direito da UDP, que compartilharam suas experiências. O evento, moderado por Carolina Rudnick, diretora da Libera, proporcionou uma análise profunda e perspicaz a respeito dos desafios que persistem nos respectivos países.
“Descobri uma expectativa muito grande por parte dos vários interlocutores encontrados, pois o Chile entrou nessa luta apenas há dez anos, depois do Protocolo de Palermo, e ficou naquela visão essencialmente criminal do tráfico, tentando flagrar o rastro do crime organizado internacional sem às vezes perceber a presença do trabalho escravo na esquina ao lado”, conta Xavier Plassat.
Xavier Plassat em encontro com organizações da sociedade civil na Central Única de Trabalhadores do Chile. Foto: Fundación Libera
O encontro não apenas marcou a celebração dos Direitos Humanos, mas também enfatizou a importância de o Estado Chileno buscar melhorias concretas no enfrentamento ao trabalho escravo. As atividades destacaram a necessidade urgente de promover diálogos, conscientização e ação para erradicar as práticas degradantes verificadas principalmente no setor agrícola chileno. Durante os cinco dias de evento, foi possível comunicar sobre o tema para acadêmicos, rádio, sindicalistas, inspeção do trabalho e ativistas.
“A visita de Xavier ocorre em um momento em que o Estado chileno preside a Aliança 8.7, uma aliança global liderada pela OIT para o cumprimento da Meta 8.7 dos ODS sobre a erradicação da escravidão moderna e do trabalho infantil. Além disso, o governo chileno anunciou a introdução de uma lei de devida diligência em direitos humanos, dois compromissos que permitem combater a invisibilidade do fenômeno e sua impunidade se forem traduzidos em ações efetivas e concretas que reúnam todos os atores e, especialmente, as vítimas”, destaca Marcia Guerra, diretora executiva da Fundación Libera.
Além de participar do debate suscitado pelo filme "Pureza”, Xavier também dedicou seu tempo a encontros estratégicos durante a semana com representantes de diversos ministérios e da Inspeção de Trabalho. Ele se reuniu com o embaixador brasileiro no Chile, Paulo Pacheco, além de contribuir em uma reunião com a sociedade civil na sede da CUT e um encontro com acadêmicos locais. As atividades proporcionaram espaço para diálogo e abriram perspectivas de cooperação na busca por soluções eficazes contra o trabalho escravo no Chile.
Xavier Plassat e diretoras da Fundación Libera, Marcia Guerra Capanema e Carolina Rudnick Vizcarra, em encontro com embaixador do Brasil no Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco. Foto: Fundación Libera
Para Xavier, lembrar como o Brasil conquistou políticas contra o trabalho escravo por meio de uma mobilização de décadas é importante para avançar. “Como dar um passo avante na política chilena? É preciso conceituar o crime de trabalho escravo ‘em si’, não apenas como finalidade eventual do tráfico, seria um grande passo; empoderar e qualificar a inspeção do trabalho, um outro; e sobretudo aprendermos mutuamente das experiências respectivas, buscando centrar no que é típico da escravidão moderna: a negação da dignidade da pessoas, feita mero insumo produtivo”, explica.
Estratégias de combate ao Trabalho Escravo no Brasil iluminam o caminho do Chile
No Chile, apenas o Tráfico de Pessoas foi tipificado sendo adotada a definição do Protocolo de Palermo para esse crime. Não há no ordenamento normativo chileno uma tipificação autônoma do crime de Trabalho Escravo como podemos encontrar no Art. 149 do Código Penal Brasileiro. Por outro lado, a nova legislação chilena sobre “delitos econômicos” trouxe uma importante inovação ao considerar o tráfico de pessoas com fim de trabalho forçado como uma causa de possível responsabilização penal da pessoa jurídica.
A estrutura da política pública chilena para combater o tráfico de pessoas é liderada pela Mesa Intersectorial sobre Trata de Pessoas (MITP), estabelecida em 2008. Essa comissão, de composição interministerial e intersetorial, coordena ações, planos e programas para prevenir, proteger, perseguir e punir o crime de tráfico de pessoas com fim de trabalho forçado. O cenário atual da política pública chilena evidencia um ethos centrado no combate ao crime organizado, deixando de abordar efetivamente o setor privado da economia (inclusive o setor formal) onde são identificadas mais de 80% das vítimas de trabalho forçado.
Divulgação do material da campanha "De Olho Aberto Para Não Virar Escravo" nas redes sociais da Fundación Libera
Em um cenário sem precedentes na América Latina, a experiência brasileira na prevenção e combate ao trabalho escravo destaca-se como referência para a região. O Brasil criminaliza de maneira autônoma o trabalho escravo, estabelecendo uma abordagem robusta e inovadora na linha da promoção dos direitos humanos, que ultrapassa uma atuação restrita à persecução penal.
O Brasil implementou práticas de vanguarda que se tornaram modelos de eficácia. Foram fundamentais nesse processo instrumentos como a "Lista Suja", a atribuição de ampla competência aos inspetores do trabalho no Grupo de Fiscalização Móvel, e a atuação abrangente do Ministério Público, aliados ao engajamento crucial de sindicatos, da CPT e outras organizações da sociedade civil.
Diante desse panorama, diversos atores do cenário chileno têm avaliado como poderão incorporar elementos dessa abordagem inovadora para fortalecer sua própria resposta ao trabalho escravo.
Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações e imagens da Agência Brasil e Brasil de Fato
Uma placa de identificação recém-instalada na entrada da Terra Indígena Apyterewa, no município de São Félix do Xingu (PA), foi atingida por tiros e arrancada no último dia 04, na mesma ocasião da emboscada que atingiu um servidor público ligado à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), baleado no tornozelo. Ele acompanhava agentes da Polícia Rodoviária Federal numa ação de desintrusão, para retirada de invasores da T.I. Dois veículos da PRF também foram atingidos pelos disparos.
Segundo a força-tarefa, estes atos são uma nítida tentativa de intimidação do processo que está em curso, que tem como propósito garantir o direito do povo Parakanã, ocupantes tradicionais desses territórios. Também foram destruídas 20 pontes na região, e as estradas obstruídas com árvores e pregos.
Dos nove mandatos de prisão determinados, três invasores foram presos preventivamente, envolvidos em crimes como: invasão e exploração econômica da terra indígena, associação criminosa, incitação a crimes inerentes à invasão, desobediência às ordens que determinaram a desintrusão da área, coação no curso do processo, roubo de gado e seu abate ilegal.
Em 31 de outubro, esgotou-se o prazo para a saída voluntária dos invasores, que incluem fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ocupando as terras indígenas. Desde o fim deste prazo, pelo menos 14 órgãos estatais, incluindo forças de segurança e agentes ambientais, deram início à retirada de invasores, acirrando os conflitos numa região que já vivencia um contexto de violência há mais de uma década, de acordo com levantamento do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc/CPT).
A homologação dos 773 mil hectares da terra como área de preservação indígena ocorreu em 2007, mas em todos os anos seguintes, constam registros de conflitos provocados pelo desmatamento ilegal, criação de gado, grilagem, ameaças de expulsão e impedimentos de acesso por parte de fazendeiros e madeireiros. A TI teve recorde de desmatamento nos últimos quatro anos, perdendo uma área equivalente ao município de Fortaleza (CE).
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, chegou a suspender o processo de reintegração a pedido de associações de agricultores. Mas no final de novembro, o também ministro Luís Roberto Barroso garantiu a continuidade da desintrusão. De acordo com o magistrado, a decisão de Nunes Marques não pode incidir sobre os planos de desintrusão já em curso.
A luta da comunidade não é apenas pela permanência em sua terra de origem, mas pela segurança neste período de retirada de invasores, e que seja vencida a omissão e conivência das instâncias governamentais em garantir a convivência tranquila do povo Parakanã com o seu território.
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