Nos cinco dias de atividades, foram discutidas estratégias de enfrentamento ao trabalho escravo no País e partilha das políticas e ações adotadas no Brasil
Por Fundación Libera
Edição de Heloisa Sousa | CPT Nacional
Momento de debate após exibição do filme "Pureza". Foto: Fundación Libera
Em uma iniciativa para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Fundación Libera, em parceria com o Centro de Direitos Humanos da Universidade Diego Portales, promoveu, entre os dias 3 e 7 de dezembro, a semana de enfrentamento ao trabalho escravo no Chile. A jornada iniciou com a realização do "CineForo: Da Escuridão à Pureza - Comemorando os Direitos Humanos" em Santiago. Este evento, que entrelaçou cinema, direitos humanos e reflexão, visou construir pontes sólidas entre a sociedade civil e as instituições para abordar as questões cruciais do trabalho escravo e exploração laboral no país.
Um dos pontos culminantes da semana foi a exibição do filme brasileiro "Pureza", dirigido por Renato Barbieri, que foi seguida por um debate com participação de Xavier Plassat, da Campanha De Olho Aberto para não Virar Escravo, conduzida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Impactante também foi a participação de Yesenia Díaz, trabalhadora rural, membra da Survivor Alliance, e de Judith Schönsteiner, acadêmica da Faculdade de Direito da UDP, que compartilharam suas experiências. O evento, moderado por Carolina Rudnick, diretora da Libera, proporcionou uma análise profunda e perspicaz a respeito dos desafios que persistem nos respectivos países.
“Descobri uma expectativa muito grande por parte dos vários interlocutores encontrados, pois o Chile entrou nessa luta apenas há dez anos, depois do Protocolo de Palermo, e ficou naquela visão essencialmente criminal do tráfico, tentando flagrar o rastro do crime organizado internacional sem às vezes perceber a presença do trabalho escravo na esquina ao lado”, conta Xavier Plassat.
Xavier Plassat em encontro com organizações da sociedade civil na Central Única de Trabalhadores do Chile. Foto: Fundación Libera
O encontro não apenas marcou a celebração dos Direitos Humanos, mas também enfatizou a importância de o Estado Chileno buscar melhorias concretas no enfrentamento ao trabalho escravo. As atividades destacaram a necessidade urgente de promover diálogos, conscientização e ação para erradicar as práticas degradantes verificadas principalmente no setor agrícola chileno. Durante os cinco dias de evento, foi possível comunicar sobre o tema para acadêmicos, rádio, sindicalistas, inspeção do trabalho e ativistas.
“A visita de Xavier ocorre em um momento em que o Estado chileno preside a Aliança 8.7, uma aliança global liderada pela OIT para o cumprimento da Meta 8.7 dos ODS sobre a erradicação da escravidão moderna e do trabalho infantil. Além disso, o governo chileno anunciou a introdução de uma lei de devida diligência em direitos humanos, dois compromissos que permitem combater a invisibilidade do fenômeno e sua impunidade se forem traduzidos em ações efetivas e concretas que reúnam todos os atores e, especialmente, as vítimas”, destaca Marcia Guerra, diretora executiva da Fundación Libera.
Além de participar do debate suscitado pelo filme "Pureza”, Xavier também dedicou seu tempo a encontros estratégicos durante a semana com representantes de diversos ministérios e da Inspeção de Trabalho. Ele se reuniu com o embaixador brasileiro no Chile, Paulo Pacheco, além de contribuir em uma reunião com a sociedade civil na sede da CUT e um encontro com acadêmicos locais. As atividades proporcionaram espaço para diálogo e abriram perspectivas de cooperação na busca por soluções eficazes contra o trabalho escravo no Chile.
Xavier Plassat e diretoras da Fundación Libera, Marcia Guerra Capanema e Carolina Rudnick Vizcarra, em encontro com embaixador do Brasil no Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco. Foto: Fundación Libera
Para Xavier, lembrar como o Brasil conquistou políticas contra o trabalho escravo por meio de uma mobilização de décadas é importante para avançar. “Como dar um passo avante na política chilena? É preciso conceituar o crime de trabalho escravo ‘em si’, não apenas como finalidade eventual do tráfico, seria um grande passo; empoderar e qualificar a inspeção do trabalho, um outro; e sobretudo aprendermos mutuamente das experiências respectivas, buscando centrar no que é típico da escravidão moderna: a negação da dignidade da pessoas, feita mero insumo produtivo”, explica.
Estratégias de combate ao Trabalho Escravo no Brasil iluminam o caminho do Chile
No Chile, apenas o Tráfico de Pessoas foi tipificado sendo adotada a definição do Protocolo de Palermo para esse crime. Não há no ordenamento normativo chileno uma tipificação autônoma do crime de Trabalho Escravo como podemos encontrar no Art. 149 do Código Penal Brasileiro. Por outro lado, a nova legislação chilena sobre “delitos econômicos” trouxe uma importante inovação ao considerar o tráfico de pessoas com fim de trabalho forçado como uma causa de possível responsabilização penal da pessoa jurídica.
A estrutura da política pública chilena para combater o tráfico de pessoas é liderada pela Mesa Intersectorial sobre Trata de Pessoas (MITP), estabelecida em 2008. Essa comissão, de composição interministerial e intersetorial, coordena ações, planos e programas para prevenir, proteger, perseguir e punir o crime de tráfico de pessoas com fim de trabalho forçado. O cenário atual da política pública chilena evidencia um ethos centrado no combate ao crime organizado, deixando de abordar efetivamente o setor privado da economia (inclusive o setor formal) onde são identificadas mais de 80% das vítimas de trabalho forçado.
Divulgação do material da campanha "De Olho Aberto Para Não Virar Escravo" nas redes sociais da Fundación Libera
Em um cenário sem precedentes na América Latina, a experiência brasileira na prevenção e combate ao trabalho escravo destaca-se como referência para a região. O Brasil criminaliza de maneira autônoma o trabalho escravo, estabelecendo uma abordagem robusta e inovadora na linha da promoção dos direitos humanos, que ultrapassa uma atuação restrita à persecução penal.
O Brasil implementou práticas de vanguarda que se tornaram modelos de eficácia. Foram fundamentais nesse processo instrumentos como a "Lista Suja", a atribuição de ampla competência aos inspetores do trabalho no Grupo de Fiscalização Móvel, e a atuação abrangente do Ministério Público, aliados ao engajamento crucial de sindicatos, da CPT e outras organizações da sociedade civil.
Diante desse panorama, diversos atores do cenário chileno têm avaliado como poderão incorporar elementos dessa abordagem inovadora para fortalecer sua própria resposta ao trabalho escravo.