Por CPT Araguaia-Tocantins
Estado da Igreja da comunidade após a ação de reintegração de posse
Processo permeado de nulidades. Violência policial. Pistoleiros. Crianças aterrorizadas, algumas perdidas no mato. Animais mortos ou deixados para trás. Casas queimadas. Pertences destruídos. Alimentos inutilizados. Famílias humilhadas. Terra arrasada. Nas vésperas natalinas, foram essas as cenas vivenciadas na reintegração de posse praticada na ocupação Chaparral em Araguaína, TO, perto da divisa com Bandeirantes e Pau d’Arco: a ação iniciada dia 18 de dezembro decorre da concessão do Mandado de Reintegração/Manutenção de Posse pelo Judiciário tocantinense em favor da Empresa Agropecuária Chaparral Ltda, parte da área reintegrada é terra pública da União e está ocupada há cerca de 13 anos por mais de 60 famílias.
Os relatos desoladores das famílias sobre o despejo dão conta de uma série de irregularidades e ilegalidades, e apontam para possíveis nulidades no processo do qual estão sendo vítimas. Sentenciada por um Judiciário coligado com as oligarquias do latifúndio e da grilagem, e promovida por uma Polícia Militar complacente com as violações praticadas, a ação de reintegração foi precedida por negociatas com parte dos ocupantes. Ela resultou em graves violações de direitos humanos, sendo constatados vários descumprimentos das Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva.
De forma calculada, o estado de terror contra as famílias foi instalado em sincronia com o recesso forense de final de ano, de forma a dificultar eventuais recursos, confirmando assim que a Justiça sabe ser parcial, implacável e ‘injusta’ quando se trata de violentar e expulsar trabalhadores do campo. Todas as hipóteses de defesa e amparo legal se encontraram obstruídas. Apesar da presença de numerosos menores nas famílias despejadas, não se tem informação de ter sido acionado o Conselho Tutelar dos municípios envolvidos.
As luzes de Natal foram novamente substituídas pela escuridão do medo e da truculência que costumam aterrorizar as comunidades camponesas do nosso Estado. Pois o terror vivido pelas famílias despejadas nas terras cobiçadas da Chaparral não se trata de um caso isolado.
A violência no campo tem sido cotidiana neste ‘Estado de terror’ por nome Tocantins, marcadamente comprometido com a indústria da grilagem e seus projetos de mortes que ameaçam a existência dos povos do campo e espalham rastros de sangue, tensão e insegurança entre trabalhadores e trabalhadoras. Só para recordar: no ano passado a Comissão Pastoral da Terra registrou 504 casos de pistolagem, 113 casas destruídas, 101 ameaças de expulsão, 15 ameaças de morte contra posseiros e 1 homicídio decorrente de conflitos por terra (Fonte: Caderno de Conflitos no Campo, Brasil 2022).
A ausência e o desmonte das políticas públicas – com destaque na inviabilização da Reforma Agrária, e da demarcação e titulação dos territórios tradicionais e originários – estão a potencializar os conflitos e a violência praticada pelo Estado ou com sua anuência. No caso da Chaparral, parte da área reintegrada é reivindicada pela União, sendo grilada pela Agropecuária Chaparral Ltda, um cenário que encontramos em outras situações espalhadas de Norte a Sul do Estado, sempre trazendo resposta truculenta.
No apagar das luzes de 2023, as comunidades do campo tocantinense, com seus corpos feridos e seus territórios violados, convivem com iminente ameaça de terem suas existências apagadas. Por isso, junto com elas, denunciamos os ataques constantes aos seus direitos, a cruel violência que vem sofrendo, o silêncio e a conivência do Estado que amplificam o sentimento de abandono e injustiça para com os ‘pobres da terra’, eles que, na contramão da ótica da ganância e violência, resistem afirmando seus modos de vida, semeando na terra sementes de esperança para gerar o alimento e efetivar o direito e a paz em nosso campo.