Por Fábio Pontes (portal O Varadouro),
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagem: CPT Regional Acre
O Seringal São Bernardo, localizado às margens do Riozinho do Rola, é hoje uma das mais bem preservadas e ricas áreas de Floresta Amazônica na zona rural de Rio Branco (AC). Tem como vizinha a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes. É nele onde também vivem e resistem 42 famílias de seringueiros, famílias que ainda sobrevivem do corte da seringa e da quebra da castanha, além dos roçados e da criação de pequenos animais.
Um modo de vida tradicional dos tempos dos antigos seringais, que resiste às pressões das grandes fazendas de gado e da extração madeireira do entorno. E é exatamente a resistência dessas pressões que transforma o Seringal São Bernardo numa região de intenso conflito fundiário.
Até semanas atrás, a área era reivindicada pelo fazendeiro Mozart Marcondes Filho. Porém, a Justiça reconheceu a posse para Luiz Manzoni. Ele afirma ter vendido a Fazenda Nova União para Marcondes Filho, mas que o pagamento nunca foi concluído. Assim, a Justiça rompeu o contrato de compra e venda, devolvendo a posse para o antigo “patrão”.
Em meio ao litígio, estão as 42 famílias, cujos antepassados ocupam a região ao menos desde 1940, quando uma nova leva de migrantes nordestinos veio para a Amazônia como “soldados da borracha”, durante a Segunda Guerra Mundial. Essa mudança de propriedade de um fazendeiro para outros não apaga o passado de conflitos e pressões, e tampouco é garantia de paz e tranquilidade para as famílias que lá sobrevivem.
Ao todo, o seringal possui 17 mil hectares divididos pelas colocações. Mesmo ocupando a região há mais de cinco décadas, as famílias podem se ver expulsas (indo parar nas periferias) pelos “novos patrões” – ou os mesmos latifundiários da Amazônia de 1970.
É o caso das irmãs seringueiras Cosma da Conceição Bezerra, 48 anos, e Maria Lucineide da Conceição Bezerra, 45 anos. Elas são a face da resistência das famílias de seringueiros que sofrem todo tipo de pressão e ameaças feitas pelo fazendeiro que afirma ser dono do Seringal. Juntas com outras três mulheres, elas lideram o movimento de resistência – os novos “empates” – dentro das colocações.
“Nós nascemos e nos criamos no seringal e vamos morrer lá. Ninguém vai tirar a gente de lá”, afirma Cosma da Conceição. O portal Varadouro conheceu as irmãs e a história de resistência no Seringal São Bernardo em setembro durante evento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Rio Branco. A CPT presta assistência jurídica e social às famílias de seringueiros, levando ao conhecimento do Ministério Público e da Secretaria de Justiça e Segurança Pública todas as denúncias de abusos de autoridade cometidas por policiais na região, que atuam como braço armado do fazendeiro.
“Ele quer vencer a gente no cansaço. Ele acha que se não chegar a benfeitoria lá uma hora a gente vai querer sair. Não sabe ele que a nossa vida crescemos no meio da mata, enfrentando todo tipo de dificuldade”, relata Cosma Conceição.
E dessa forma, na zona rural da capital política e econômica do Acre, bem perto do centro do poder, um seringal ainda simboliza as mazelas ocasionadas pela ditadura militar para a Amazônia brasileira, quando a floresta era vendida com suas populações tradicionais lá dentro. Populações que, 50 anos depois, continuam a sofrer com os mesmos problemas, incluindo a invisibilidade. Mesmo com todas as dificuldades, as famílias do Seringal São Bernardo resistem às pressões dos “novos donos do Acre”. São os “empates” do século 21.