Peça gráfica levará a todo o Brasil os rostos de Fernando dos Santos, Edvaldo Pereira e Mãe Bernadete Pacífico
Por Marcos Antonio Corbari | Brasil de Fato
Cartaz foi apresentado em transmissão com representantes da Campanha e dos mártires.
As atividades da Campanha contra a Violência no Campo em 2024 já iniciaram e desde a última semana tem um novo layout visual. Trata-se do cartaz oficial que, pela primeira vez, traz o rosto de mártires da luta pela terra.
A peça, desenvolvida por Júlia Barbosa, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi apresentada em uma transmissão online na última sexta-feira (26) e é estampada com os rostos de lideranças que morreram na luta pelo direito à terra.
“Queremos fazer memória a estes mártires, de modo especial hoje, data que marca os 3 anos do assassinato de Fernando dos Santos, em 26 de janeiro de 2021, um trabalhador rural Sem Terra, sobrevivente e testemunha do assassinato de 10 trabalhadores por policiais civis e militares no estado do Pará, no conflito que ficou conhecido como Massacre de Pau D´Arco, em 2017”, anunciou Jardel Lopes, secretário executivo da Campanha, logo na abertura da transmissão.
“No cartaz, também trazemos a memória de Edvaldo Pereira, liderança da Comunidade Quilombola Jacarezinho, no município de São João do Soter, no Maranhão. Após muitas ameaças dos fazendeiros grileiros, Edvaldo foi assassinado em 29 de abril de 2022”, anunciou Letícia Chimini, da coordenação da Campanha pelo Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA) e que também integra a equipe técnica federal do Programa de Proteção aos Defensores/as de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).
“O cartaz também traz a memória emblemática da líder religiosa ialorixá e quilombola do quilombo Pitanga dos Palmares na Bahia, Mãe Bernadete Pacífico, que já estava inserida no Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. Mãe Bernadete foi brutalmente assassinada no dia 17 de agosto de 2023”, acrescentou Lopes.
Citando as palavras de ordem que firmam o compromisso com a memória e o legado dos mártires assassinados na luta – “Aos nossos mortos, nenhum minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta” – Chimini explicou que a Campanha Contra a Violência no Campo é uma forma de luta em defesa da terra, do direito à terra e dos modos de vida na terra, de modo especial, a defesa da vida das lutadoras e lutadores do campo, das águas e das florestas.
A Campanha Contra a Violência no Campo é organizada por entidades da sociedade civil, movimentos populares e pastorais sociais, desde 2022, e tem o apoio de mais de 60 organizações sociais parceiras.
Os objetivos da Campanha são: Enfrentar a violência com ações e políticas de proteção às comunidades e aos povos do campo, das águas e das florestas; Dialogar e sensibilizar a opinião pública nacional e internacional; Denunciar e trazer visibilidade para os casos de violência; Fortalecer iniciativas e campanhas existentes relacionadas ao tema; Anunciar a proposta de reforma agrária popular e demarcação de territórios; Articular redes de apoio para atenção e assistência às vítimas.
A presença dos três mártires da luta não esteve representada apenas na imagem do cartaz. A continuidade de suas lutas, que se empreende a partir dos companheiros e companheiras de causa fez lembrar as palavras do saudoso Dom Pedro Casaldáliga, quando afirmou que quando o sangue dos mártires é derramado na terra, ele se torna semente.
Jamyla Carvalho, advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Xinguara (PA), falou sobre o caso de Fernando dos Santos. Antônio Francisco, do Quilombo Jacarezinho, e Maria da Cruz, viúva, fizeram memória ao caso de Edvaldo Pereira. Sandra Andrade, coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), falou sobre o caso de Mãe Bernadete Pacífico.
Fernando dos Santos, presente!
Na noite do dia 26 de janeiro de 2021, Fernando foi assassinado nos fundos de sua residência enquanto arrumava seus pertences para se mudar do local onde testemunhou a execução de 10 trabalhadores por policiais civis e militares do Estado do Pará. (Foto: Lunaé Parracho | Repórter Brasil)
Jamyla Carvalho relatou o caso de Fernando, fazendo memória ao mártir que sobreviveu ao massacre de Pau D’Arco, em 2017, e, sendo testemunha chave no processo, sofreu ameaças e perseguições até ser também assassinado há exatos três anos. Conforme relatou, o assassino foi identificado e preso, aguardando na cadeia o Tribunal do Júri, mas as perguntas que indagam quem mandou matar e por quê continuam sem respostas.
“Quem puxa o gatilho é identificado, mas quem manda não é. As investigações são colocadas em sigilo, como conveniência para as autoridades públicas e forma de proteger os reais culpados, além de impedir que as entidades de direitos humanos tenham acesso aos autos e possam realizar possíveis cobranças”, aponta.
Carvalho relatou, ainda, a sensação de impunidade que impera no território, uma vez que mesmo “quando esporadicamente os mandantes e executores são condenados, muitas vezes eles não chegam a ser presos. Só no Pará, existem 39 mandatos de prisão emitidos contra executores e mandantes que não foram cumpridos”. A advogada ainda apontou outro viés que precisa ser observado, pois os poucos envolvidos em crimes contra lutadores do povo, quando condenados e presos, muitas vezes têm fugas do sistema prisional facilitadas.
“A impunidade que se faz presente é uma prova de que infelizmente o crime compensa. A impunidade é pensada para validar esses atos de violência no campo, banaliza os assassinatos de defensores e defensoras e causa medo naqueles que seguem atuando”, aponta.
“Hoje completam-se 3 anos do assassinato de Fernando, sem a presença, sem justiça, sem respostas, mas apesar disso estamos aqui mais uma vez tornando público este e outros casos como uma forma de denúncia e de clamor por justiça”, completou, citando Dom Pedro Casaldáliga ao afirmar que “O sangue dos mártires não nos deixa em paz”.
Edvaldo Pereira, presente!
Edvaldo lutava pela titulação do território, contra a exploração ilegal de madeira no quilombo e contra a expansão da soja no Matopiba. (Foto: Arquivo pessoal)
Para fazer memória ao líder quilombola do Jacarezinho, assassinado por grileiros no Maranhão, em 2022, participaram da transmissão o companheiro de luta Antônio Francisco de Moura e a viúva de Edvaldo, Maria da Cruz.
“Nosso companheiro foi assassinado de uma forma brutal”, afirma Moura. O problema que conduziu a morte de Edvaldo é uma situação que se reproduz em muitos locais pelo Brasil afora: a grilagem de terras, a pressão daqueles que se dizem proprietários de um território que é historicamente ocupado por povos tradicionais, mas que fazendeiros tentam se apossar na base da força e da violência.
“Nossa gente está aqui há mais de 200 anos, nós somos descendentes dos primeiros que chegaram aqui”, conta o quilombola. “Desde que se iniciou a busca pelos direitos do território, iniciou a perseguição a Edvaldo. Quando começaram as ameaças, ele buscou a proteção da Justiça, mas a verdade é que a Justiça faz o papel do fazendeiro e não dá proteção ao trabalhador”, afirmou.
“Mataram ele para causar medo, para que a gente desistisse, acharam que matando Edvaldo era o caminho para se apropriarem de tudo, mas a gente continua de pé, a gente continua lutando, moramos lá, defendemos a natureza, protegemos o meio ambiente, precisamos dessa terra para viver”, completou.
Muito emocionada, Maria da Cruz explicou que, antes de morrer, Edvaldo fez o pedido de regularização do território. Inicialmente, o pedido foi negado. Depois, saiu uma decisão da Justiça a favor dos quilombolas, porém, quase um ano depois, nada foi feito. “A gente sempre corre atrás de justiça, mas não temos nenhuma resposta. A gente quer que quem fez isso com ele e quem mandou fazer sejam punidos, queremos nossa terra livre, para viver sossegados.”
A memória que Maria tem do marido é a certeza da luta: “Ele sempre dizia que se tivesse que morrer lutando pela terra, ele ia morrer, não ia desistir”. Ela cita que as ameaças continuam, que a situação é difícil, que não querem que isso volte a acontecer com qualquer companheiro ou companheira, mas que desistir não é algo que esteja em discussão.
“Tiraram ele da gente achando que com os outros eles resolveriam da maneira como queriam. Mas não foi assim. A gente continua, a luta dele não vai ficar em vão”, garante Maria.
Mãe Bernardete, presente!
Mãe Bernadete passou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) após o assassinato do filho, conhecido como Binho do Quilombo, em 2017, também alvejado por vários tiros, dentro do território. (Foto: Wallison Braga | CONAQ)
Pela voz de Sandra Andrade, coordenadora da Conaq, se fez memória ao caso de Mãe Bernadete Pacífico, assassinada brutalmente no estado da Bahia, aos 75 anos de idade, em 2023, mesmo estando inserida no Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos.
Esse foi o segundo caso de violência dentro da mesma família, uma vez que um filho seu já havia sido assassinado. “Mãe Bernardete foi assassinada pela luta pelo seu território e pela luta por justiça por seu filho”, denuncia Sandra. Até agora não se tem resultado de investigações que levem à justiça quem matou e quem mandou matar.
“Se fosse para um figurão, já teriam encontrado o assassino e o mandante no outro dia, mas para nós quilombolas, trabalhadores e camponeses não, nós não somos considerados pessoas de direito, é só matar, enterrar e jogar pra lá”, desabafou. Sandra acusou que “as falhas do sistema de proteção não protege” e a parcialidade da Justiça, que é seletiva quanto aos crimes que serão de fato investigados e solucionados.
Para a dirigente, o caso de Mãe Bernardete é simbólico, mas é preciso avançar: “Para cessar a matança no campo, nas águas e nas florestas é preciso ter vontade política. As leis existem, mas a vontade política não”. Questiona ainda, além da inoperância do Estado, a voracidade do capital: “Isso acontece pelo egoísmo desenfreado daqueles que muito tem e ainda querem muito mais, querem tirar o pouco que nós pequenos temos”. A fórmula para a luta alcançar resultados é uma só: união. “Nós, dos diferentes movimentos, temos que nos dar as mãos e exigir justiça, fazer que cesse a violência no campo”.
Sandra registrou que, em média, ao menos uma liderança popular morre todos os meses. “Eles não têm receio de matar, não se importam porque não tem punição, então cabe a nós intensificar a denúncia e a luta para que isso mude, para que possamos viver em paz”, aponta.
“Se fizer a reforma agrária, titular as comunidades quilombolas e demarcar as terras indígenas, a paz no campo virá”, concluiu.
Basta de violência no campo!
Após os testemunhos e a memória aos três mártires, Carlos Lima, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra, encerrou em nome da Campanha Contra a Violência no Campo, exigindo mudanças na postura do Estado, que até aqui tem servido aos interesses dos agressores e não defendido as vítimas, garantindo a impunidade e contribuído para as ações de desqualificação das vítimas.
“O mesmo sistema que desmata, que joga o veneno, que polui, é o sistema que a impunidade faz parte. Nós entendemos a impunidade como o mal que deve ser combatido, o sistema entende a impunidade como mecanismo de proteção aos seus”, refletiu.
Para Lima, esse posicionamento do Estado coloca em xeque o modelo de sociedade que está posto, “onde a violência faz parte desde a chegada das caravelas”. Na sua interpretação, a violência é pensada a partir do sistema, no sentido de tirar da frente quem possa atrapalhar seus projetos. “Pessoas, comunidades, florestas não têm o menor sentido de existência se o desejo do capital não é considerado.”
Ele trouxe a informação de que os dados que ainda estão sendo sistematizados indicam que o número de mortes no campo desde que a CPT começou seus registros já ultrapassa mil pessoas. “Por isso nós lançamos a Campanha Contra a Violência no Campo, precisamos novamente fazer um mutirão para dizer para a sociedade que nós não concordamos com esse procedimento de matar aqueles que lutam, aqueles que estão no território. Precisamos buscar o diálogo para que a sociedade compreenda que matar não pode ser uma ação naturalizada. Criamos a campanha no sentido de fortalecer, de criar um mutirão para defender as comunidades, os defensores de direitos humanos, as lideranças e os coletivos”.
Lembrou o caso recente do assassinato de Nega Pataxó, na Bahia, onde os pistoleiros, a mando dos fazendeiros, tiveram o suporte da própria polícia para praticar o crime de assassinato.
“O Estado precisa agir ou o campo brasileiro vai se tornar um campo de guerra mais do que já está. Isso é um risco gravíssimo que a democracia e a sociedade correm. O Estado democrático de direito precisa se levantar, ele não pode continuar sendo agredido”.
Lima explica, ainda, que o Estado tem a obrigação de ficar vigilante e atento para garantir a vida das pessoas, a vida das comunidades e a vida da natureza. Do contrário, nada vai ser modificado naquilo que é a estrutura agrária brasileira.
Objetivos da Campanha
“Nós temos a obrigação de continuar fazendo as denúncias, esperamos que esse cartaz possa percorrer o Brasil todo e possa alertar a sociedade sobre os crimes recentes – em 2022 foram 47 assassinatos, em 2023 foram 31 assassinatos – e que isso não pode continuar, que isso fragiliza a democracia, fragiliza o tipo de sociedade que a gente quer constituir, que é fraterna e justa, que garanta acesso a terra e democratize o uso da terra”, afirmou Lima.
Sobre os três mártires que ilustram o cartaz e sua representatividade simbólica, Lima afirma que “o Estado brasileiro não reagiu quando as organizações denunciaram que essas pessoas estavam sendo ameaçadas, o Estado brasileiro permitiu que essas pessoas fossem assassinadas”. Segundo ele, “os crimes estavam anunciados e o Estado esteve sempre um passo atrás e o Estado precisa estar um passo a frente para impedir esse tipo de violência”.
As organizações que compõem a Campanha contra a Violência no Campo escolheram a data em que se completam três anos do martírio do Fernando como uma denúncia pública da situação de violência, buscando que esses cartazes cheguem até a sociedade, nas comunidades, nas organizações, nas igrejas, nos espaços de formação e mobilização.
Embora ainda não tenha sido realizada a assembleia das organizações que estão mobilizadas na Campanha, a ideia é de que, em 2024, as ações estejam mais presentes nos territórios.
“Apresentamos à Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo as áreas prioritárias que essa comissão tem que visitar e proteger, no sentido de que as mortes sejam evitadas, e devemos acompanhar também essas missões” afirma Lima. “A ideia é o enraizamento da campanha, trabalhar isso o mais próximo possível das comunidades.”
Mais informações acerca da Campanha contra a Violência no Campo e solicitações do cartaz e de outros materiais de informação e mobilização podem ser feitas através do email contraviolencianocampo@gmail.com
Confira a transmissão: Em Memória aos Mártires da Terra - Lançamento do cartaz da Campanha Contra a Violência no Campo
*Edição: Katia Marko
Antônio Canuto, membro histórico da Comissão Pastoral da Terra, relembra as investidas dos latifundiários nos anos 70, apoiados pela ditadura militar, contra camponeses na região do Araguaia, no Mato Grosso; ele trabalhou ao lado de Dom Pedro Casaldáliga, figura central da resistência
Por Carolina Bataier | De Olho nos Ruralistas
Antônio Canuto tem dois livros sobre a história dos conflitos agrários no Araguaia (Foto: (Amanda Costa)
Com 82 anos, o padre Antônio Canuto dedicou boa parte de sua vida à luta pelos direitos dos povos do campo, denunciando as violações e violências a que são sujeitados. É autor de dois livros dedicados ao que viu e viveu na região do Araguaia, no Mato Grosso, desde os anos de chumbo da ditadura iniciada em 1964, que impulsionou o latifúndio na Amazônia Legal. Nascido em Caxias do Sul (RS), em 1941, Canuto mudou-se para Mato Grosso aos 30 anos, para se unir aos sacerdotes da Prelazia de São Félix do Araguaia. Aposentado desde 2016, ele dedica os dias livres ao registro das experiências vividas naquele período, quando trabalhou ao lado do bispo Pedro Casaldáliga (1928-2020) na defesa de indígenas e posseiros. Naqueles tempos, os latifúndios iniciavam um processo violento de expansão, ignorando as pessoas que já habitavam aquelas terras. “Havia conflito pra todo lado”, conta. As histórias estão registradas nas obras “Resistência e Luta conquistam território no Araguaia Mato-Grossense” (Editora Outras Expressões, 2019) e “Ventos de profecia na Amazônia – 50 anos da Prelazia de São Félix do Araguaia” (Editora PUC Goiás, 2021). Nesta entrevista à repórter Carolina Bataier, em junho, Canuto contou, em detalhes, sua trajetória.
De Olho nos Ruralistas — Onde o senhor estava antes de ir para o Araguaia?
Antônio Canuto – Em Campinas (SP). Eu acompanhava um grupo de seminaristas de filosofia, eu era já padre. No fim de 1968, esse grupo foi expulso do seminário e eu fui junto. A gente criou uma casa onde morava essa turma, era uma república de uns 20; é aí o nosso começo de relação com o Araguaia. O Pedro (Bispo Pedro Casaldáliga) chegou lá em 1968. Em 1969, em São Félix do Araguaia, os padres resolveram fazer um prédio para a escola. Eles foram bater lá em casa, para ver se algum daqueles jovens não queria ir para São Félix para dar aula. Três rapazes que lá estavam se ofereceram, mais uma menina que trabalhava na paróquia onde eu atuava naqueles anos. Em 1970, eles foram e eu fui visitar. Depois, em 1971, foi mais um grupo. Fui visitar de novo. Na véspera de quando Pedro aceitou ser bispo, dia 8 de agosto de 1971, fizeram uma reunião com todo o grupo. Pedro até tinha feito uma carta renunciando à nomeação de bispo. E aí o pessoal falou: “Tem que aceitar!”. Eu fiquei lá pra ajudar no trabalho que ele ia fazer na ordenação de bispo, para preparar a carta pastoral Uma igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social. A carta tem um texto escrito e tem uma parte maior com os documentos que comprovam as denúncias feitas. Esses documentos eu que fui juntar e organizar.
E como foi o trabalho de reunir esses documentos?
Eu fui até Barra do Garças (MT), no cartório, pegar aquela lista de fazendas que estavam sendo apoiadas pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Fui até Santa Terezinha, onde o padre [François Jacques] Jentel (1922-1979) guardou muitos documentos, muitas cartas que ele escrevia sobre os problemas de lá. Já em São Félix tinha o início de um arquivo onde havia alguns documentos; eu andei por lá tentando juntar, juntei aquilo que dava. E aí saiu aquela carta que provocou muita reação no Brasil e no mundo.
Esses arquivos eram principalmente documentos que mostravam a relação dos fazendeiros com a Sudam ou tinha também denúncias de violência, coisas assim?
As denúncias de violência tinham muitas, mas eram denúncias feitas para a equipe da pastoral da Prelazia de São Félix. Então, por exemplo, tem muitas denúncias de trabalho praticamente escravo. A gente tem lá no arquivo da prelazia essas informações e os conflitos. Em Santa Terezinha, por exemplo, o conflito tinha começado em 1967. O padre Jentel sempre fazia cartas pedindo para que o governo interviesse para resolver e isso nunca acontecia.
O que acontecia naquela região?
Nos anos 50, o governo do estado do Mato Grosso pegou aquela região toda, o norte, dividiu em quadradinhos que correspondiam a mais ou menos 10 mil hectares, que era o tamanho máximo que um estado poderia vender. Cada pessoa que quisesse comprar se inscrevia, solicitava e pagava uma taxa e se tornava dono de 10 mil hectares por lá. Acontece que poucas pessoas sabiam disso, então, houve várias empresas imobiliárias que tomaram conta da coisa e pegavam procurações, verdadeiras ou falsas, e em cima dessas procurações eles solicitavam e ganhavam esse pedaço.
Qual era o objetivo desses incentivos?
Era desenvolver a Amazônia, aquela imensidão vazia (risos). O governo militar criou um projeto para ocupar a Amazônia e ofereceu incentivos fiscais para quem quisesse investir na região. Então o que aconteceu? As empresas correram atrás e foram adquirindo terras e formando essas grandes fazendas. Todas essas empresas entraram na Amazônia com o discurso de desenvolver, mas o que eles queriam era pegar os recursos que o governo dispunha. O que essas fazendas fizeram foi imensas derrubadas para plantar capim para criar gado. Esse dinheiro da Amazônia, a maior parte foi para o desenvolvimento de São Paulo, do Sul, de onde essas empresas vieram.
Quem eram os latifundiários?
O Ariosto da Riva (1915-1992), me parece que junto com o Abelardo Vilela, fez um requerimento junto ao Estado. Conseguiram em torno de 1,2 milhão de hectares. O Ariosto é um desses grandes, que conseguiram essas terras como praticamente dadas. Quando nós chegamos, o Ariosto tinha vendido uns 800 mil hectares para o grupo Ometto, de São Paulo, donos do café Caboclo e do açúcar União, onde instalaram a Fazenda Suiá-Missu. Lá em Santa Terezinha, na região norte, já quase na divisa com o Pará, o Banco de Crédito Nacional, o BCN, adquiriu 370 mil hectares. Nessa fazendinha que eles compraram eles criaram depois a Codeara, a Companhia do Desenvolvimento do Araguaia. Adivinha o perímetro dessa fazendinha? É 540 quilômetros! Uma porcariazinha (risos). Estavam em todo o Vale do Araguaia, no Mato Grosso e no Pará também. No Pará teve a Volkswagen, onde depois houve denúncia de trabalho escravo. O Bradesco tinha uma grande fazenda no Pará. O Silvio Santos tinha a Fazenda Tamakavy, o Banco de Minas Gerais tinha terra…Esses dois últimos são na região da prelazia.
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Propaganda patrocinada pela Sudam durante a ditadura. (Foto: Fórum Popular da Natureza)/ General Humberto de Souza Mello. (Foto: Reprodução)
Quais eram os conflitos naquela região?
Essa fazendas chegavam e encontravam comunidades sertanejas, encontravam povos indígenas. E o Estado queria dividir tudo como se fosse mata virgem. Lá em Santa Terezinha, onde o conflito foi mais intenso nos anos de 1967 a 1973, tinha umas cem famílias de posseiros. O povoado começou a existir a partir de 1910, por aí. Em 1932 tinha sido inaugurada uma igreja em cima de um morro de areia e uma grande casa onde seria um convento. A Codeara, quando chegou, se declarou dona de tudo aquilo e criou um projeto de urbanização desconhecendo o que existia. Tem documentos em que eles declaram que a prelazia, a igreja e a casa estavam construídos dentro do território deles. O que houve no passado não interessava.
O senhor foi para Santa Terezinha para ficar alguns meses e acabou ficando anos?
Não. Eu fui para ficar quatro dias enquanto o padre Jentel saía, porque em 1972 teve um tiroteio dos posseiros com a fazenda e a polícia. Nesse braseiro todo, muitas vezes a fazenda dizia que as famílias estavam dentro das terras delas e estavam atrapalhando o trabalho, e o Estado sempre mandava policiais para defender a fazenda. Na área urbana em Santa Terezinha, o padre Jentel tinha uns lotes no povoado perto das casas, porque a escola paroquial e o atendimento à saúde eram feitos no morro de areia e era mais difícil de lá chegar. Nestes lotes ele estava construindo um predinho para a escola e um predinho para um posto de saúde. No fim de fevereiro, a Codeara chegou com um trator de esteira, derrubou os alicerces daquele prédio onde seria o ambulatório de saúde e tapou o poço que tinha sido aberto para puxar água. O padre não estava naquele dia. Quando ele voltou, os posseiros disseram: “Tem que levantar aquilo, porque se a Codeara conseguir derrubar você, o que não vai fazer conosco? Pode levantar que a gente vai defender”. Então, recomeçou a construção. No dia 3 de março de 1972 chegou um avião com um capitão e cinco soldados. Foram lá para embargar a obra, mas eles não foram sozinhos. Desceram na pista da Codeara, lá fizeram uma lista das pessoas que deveriam ser presas e foram acompanhados de um grupo de funcionários da Codeara, possivelmente jagunços, e um gerente. Deram ordem de prisão para os pedreiros que já estavam saindo. Era fim da tarde, entraram com arma na mão. Os posseiros passaram fogo e o negócio esquentou. Nenhum posseiro ficou ferido. Ficaram feridos oito da Codeara. Naquela noite, o padre Jentel saiu para contar a versão do lado dos posseiros e o bispo Pedro me pediu: “Vai lá para Santa Terezinha, fica lá uns quatro, cinco dias, até o Jentel voltar”. Eu fui ficando, enquanto ele estava em Goiânia e Brasília. Acabei ficando treze anos.
E como foram esses primeiros dias?
Eu cheguei no dia 4. No dia 5 chegou um avião búfalo da FAB (Força Aérea Brasileira) com o secretário de segurança, capitães e quarenta soldados. Eles foram lá para ver o que tinha acontecido, mas já sabiam quem eram os responsáveis: era o padre e os agentes de pastoral que moravam com o padre. Eu tinha chegado no dia anterior, não sabia de nada, eles me convidaram para acompanhá-los, para ver as trincheiras que os posseiros tinham feito, que isso precisava ser de alguém com um conhecimento militar muito avançado. Sabe o que eram as trincheiras? Cova de banana. Cova para plantar bananeira. E depois mandaram que eu contratasse um rapaz para fechar tudo ainda (risos). No dia 6 chegou outro avião com mais 40 soldados e foram buscar os responsáveis pelo conflito. Os posseiros tinham uma roça grande, de uns cinco alqueires, que corresponde mais ou menos a 25 hectares, era uma roça coletiva, onde estavam colhendo arroz. O padre Jentel estava abrindo uma estrada para essa área e o trator quebrou. Ficou um trecho de uns 500 metros sem abrir. Os posseiros se esconderam na mata e os soldados não se atreveram a entrar.
Os posseiros eram quantos?
Uns vinte, possivelmente, que enfrentavam. Os posseiros todos eram uns 100, 120, mas os que enfrentavam eram uns 20, 25. Prenderam umas quatro, cinco pessoas, para justificar uma movimentação de tropa tão grande. Pegaram pessoas que não tinham praticamente nada a ver com nada, levaram pra Cuiabá, ficaram presos um tempo, depois devolveram. Um deles morreu em decorrência da situação da cadeia, viagem etc.
As investidas policiais continuaram?
Em junho teve a Aciso, uma operação cívico social. O exército baixou lá em Santa Terezinha com um contingente grande. Eles levavam médico, dentista, então faziam atendimentos ao povo para dizer que eram bonzinhos, mas a tropa ia fazer um levantamento da área porque eles tinham a suspeita de que aquilo tivesse ligação, por exemplo, com a guerrilha do Araguaia. Contavam que a gente estava estabelecendo lá um novo foco de guerrilha. Eles ficaram lá um tempo e foram embora. Em outubro, outra operação cívico social. Quem estava comandando essa operação era um general lá de Corumbá, não vou me lembrar exatamente o nome dele. Um dia me chamaram pra receber os generais que iriam chegar. E sabe quem foi lá em Santa Terezinha, um povoadozinho de 2 mil habitantes? O general Humberto de Souza e Melo (1908-1974), que era o comandante do segundo exército, o general Reinaldo de Almeida (1914-2006), que era comandante da nona região militar, com sede em Campo Grande, esse general que já estava lá (não lembro o nome) e era de Corumbá, e tinha mais um general. Em um povoadozinho perdido na Amazônia, quatro generais? Me convidaram para receber esses generais e lá também estava um dos donos da Codeara. Quando os generais iam descendo, ele ia saudando um por um dizendo: prazer em revê-lo. Naquele momento, a prefeitura e a Câmara de Luciara, que era sede do município ao qual Santa Terezinha pertencia, tinham aprovado a desapropriação de 2,6 mil hectares para a área urbana de Santa Terezinha, para ficar independente da Codeara. A Codeara tanto fez, tanto bateu, que esses generais forçaram o prefeito a anular esse decreto e no fim exigiram que a Codeara doasse 250 hectares para a área urbana. Não era nem 10% do que tinha sido desapropriado. Era pra mostrar que aquilo lá era um dos projetos do governo e que ninguém poderia levantar a cabeça contra. Era impressionante.
Jornal de Goiás noticia perseguição de empresa a camponeses. (Foto: Casaldàliga Fundació)
Esse levante dos posseiros, apoiado pelo padre, foi o momento que iniciou a perseguição por parte da ditadura contra os padres ali?
Tinha conflito em todo lado. E aí, em 1973, em cima de um pequeno conflitozinho no ginásio estadual do Araguaia, em São Félix… o diretor da escola correu atrás de um menino com uma vara, porque o menino estava jogando pedra nos vidros da escola e o pai, um comerciante, disse que ia matar o diretor. E aí, diz que o sujeito não era gente de duvidar. Então os pais, professores e alunos decidiram suspender as aulas, fazer uma greve, enquanto não tivesse segurança. Por causa disso, chegou um batalhão da polícia e com gente do Exército também, prenderam alguns agentes da pastoral que estavam lá no povoado de Serra Nova. Obrigaram o pessoal a reiniciar as aulas com soldados com metralhadora na porta. Isso em junho de 1973. Em julho, teve outra operação dessas e prenderam mais gente. Nesse conflito aí, o comandante da operação apareceu numa reunião lá da escola abraçado com o comerciante que havia prometido matar o diretor. Então, o que se suspeita é que esse comerciante fez parte de uma estratégia para fazer a repressão bater na região e dizer: olha, nós estamos aqui. Eles não tinham algum motivo mais sério para ir, mas, a partir desse momento, eles se deslocaram e prenderam três agentes da prelazia, que foram levados ninguém sabia pra onde, ficaram mais de um mês completamente sem nenhum contato. Em julho voltou a repressão, prenderam mais três agentes, um líder do povoado de Serra Nova e uma senhora que foi aluna do ginásio estadual do Araguaia, que tinha uma atuação mais intensa.
De que forma a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, antes da fundação da CPT, os padres e os bispos auxiliavam os posseiros?
Por exemplo, isso tudo aconteceu antes de existir a CPT. O que os padres faziam era dizer pros posseiros: vocês têm que resistir, vocês têm direito. A partir de 1973, o atendimento que a igreja dava consistia em um grupo formando por um padre, um professor, alguém da saúde — umas quatro pessoas —, que ficavam uns quatro meses e nesse período o que acontecia? Faziam alfabetização de adultos, atendimento à saúde e reunião com os posseiros no sentido de dizer: vocês têm que estar unidos para defender, vocês isolados não têm força nenhuma. Era essa a atuação da equipe de pastoral lá da Prelazia de São Félix.
E por isso a prelazia foi bastante perseguida pela ditadura?
Isso, por causa da carta pastoral, que denunciava o que estava acontecendo, por causa desses conflitos que estavam acontecendo em Santa Terezinha, quando os posseiros enfrentaram com tiro o poder da Codeara e da polícia e a repressão bateu feia. Esses, que foram presos em 1973, foram torturados com choques elétricos, tentando tirar informações sobre a que organização eles pertenciam, porque eles não entendiam que podia ter jovens que por ideal de solidariedade estivessem naquela região. Como jovens universitários lá de Campinas vão se meter neste fim de mundo aqui? A que organização eles pertencem? Queriam descobrir ou criar ligações com algum movimento de guerrilha. Era isso que eles queriam tirar na marra com choques elétricos e tal, só que não havia nada.
A sede da fazenda Agropasa foi usada para tortura?
Em 1973, quando teve esse movimento da segunda fase da repressão, lá foi estabelecida a sede da operação. A Agropasa cedeu toda a estrutura, certamente cedeu os carros, coisas deles… Foi pra lá que foram levados aqueles que eram presos. Em uma noite de julho, todos os padres da Prelazia de São Félix fomos presos lá pela meia-noite, levados para a sede dessa fazenda. Eu tava lá na casa do Pedro quando um pessoal invadiu a casa, me puxaram, me botaram no carro, tinha um outro padre lá da Serra Nova, tiraram ele da rede onde ele estava dormindo, botaram ele do meu lado no carro, algemados atrelados um no outro; deram um cutucão no estômago, ele cuspiu sangue. Eu só levei uns tapas na cara (risos).
O senhor tinha quantos anos?
Eu tinha 32… Aí os padres foram devolvidos umas cinco da manhã lá pra cidade para evitar que o povo se agitasse, né. Já pensou se alguém resolvesse ver: cadê os padres? Os leigos que estavam presos lá ficaram, na noite seguinte foram levados para Santa Isabel do Morro (TO), na Ilha do Bananal, onde tinha pista de avião asfaltada e tudo. E lá eles passaram a noite amarrados no avião, um com o outro, para no dia seguinte levantar voo para Cuiabá e depois Campo Grande.
A relação entre os agentes da ditadura e os latifundiários era explícita?
Praticamente era. Por exemplo, aquele fato que contei de Santa Terezinha, em 1972, do gerente da fazenda dizer “prazer em revê-los”… Existia já uma relação muito clara. E o fato de naquela operação terem forçado o prefeito a anular o decreto de desapropriação de Santa Terezinha, que era de 2,6 mil hectares, para ficar com 250, isso significa que era uma relação muito clara, né? Todas as forças militares que apareceram lá era para garantir a presença do governo e a ação das fazendas, porque as fazendas estavam lá para cumprir uma determinação do governo, que era ocupar a Amazônia.
Qual foi o resultado das estratégias de resistência junto com os posseiros?
Em Santa Terezinha, a Codeara foi obrigada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a dar 100 hectares para cada família, lotes demarcados e titulados. Onde os posseiros resistiram, praticamente todos ganharam. Houve desapropriação das áreas para criar assentamentos. Aquela região é praticamente a região com mais assentamentos do estado do Mato Grosso. Onde houve resistência, o pessoal conseguiu. Muitos desses assentamentos aconteceram na década de 1980, no governo Sarney, com a redemocratização.
O que mudou ao longo dos anos na atuação da CPT?
A CPT também tem trabalhado lá na região na tentativa de o pessoal melhorar a produção. É uma tentativa pequena, frágil, mais no sentido de criar essas áreas agroflorestais onde você planta e preserva o meio ambiente. E a CPT no resto do Brasil apoia todas as lutas pela conquista da terra, mas também trabalha para que o pessoal produza de modo mais sustentável. Agora, lá na região, o avanço do agronegócio é violentíssimo e a maior parte daqueles assentamentos, o pessoal assentado acabou sendo obrigado a vender os espaços que tinham ou arrendar para plantio de soja. Então, é uma tristeza. Esse é um impacto posterior. Havia imensas áreas florestadas, hoje você anda lá não vê um pé de árvore, tudo é soja. E aquelas famílias que querem resistir acabam tendo que sair por causa do veneno que é borrifado e prejudica a saúde. Não conseguem sobreviver por causa do veneno e a produção que eles têm, que é pequena, acaba sendo prejudicada por causa do veneno, mata tudo. A saúde da pessoa também fica prejudicada por causa do veneno.
A agricultura familiar naquela região ficou inviável?
Tem tentativas de continuar fazendo. Estabeleceram lá agora um instituto federal, o Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT) que tem tentado trabalhar com indígenas, com pequenos posseiros, para ter uma agricultura sustentável. Mas é ainda frágil, pequeno. E cria-se todo um cenário em volta em que a sociedade toda apoia o agronegócio, né? O agronegócio traz progresso, traz desenvolvimento…Hoje a hegemonia do agro é um negócio.
| Carolina Bataier é jornalista e escritora. |
Por Manuel do Carmo da Silva Campos (CPT Amazonas),
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Equipe local
Moradores de comunidades ribeirinhas do Rio Amazonas e afluentes, nos municípios de Parintins e Barreirinha (AM), na divisa com Juriti e Aveiros (PA), pedem providências urgentes de contenção e punições aos ataques permanentes à Floresta Amazônica, diante do desmatamento e transporte ilegal de madeira através de balsas, com destaque para este início de 2024.
As terras das comunidades do Igarapé Açu, Semeão, Ponta Alta e comunidades vizinhas, são banhadas pelos rios Mamuru e Uaicurapá. Durante a seca do ano passado, diversas balsas permaneceram encalhadas nesses rios. A retirada era feita com balsas pequenas, com seus rebocadores.
Agora, com a subida das águas, o fluxo é diário de saída de diversas balsas grandes abarrotadas de madeiras, para o Paraná do Ramos e Rio Amazonas abaixo. Além disto, informações desta semana dão conta de que estão entrando balsas carregadas com maquinários novos, para o serviço de derrubada da floresta. A queixa da população ribeirinha é de que, mesmo com as constantes denúncias, até agora nenhum órgão público de fiscalização esteve presente na região devastada.
Diante desta situação, as comunidades buscaram o apoio de entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Amazonas, Arquidiocese de Manaus e equipes do Baixo Amazonas e da Prelazia de Itacoatiara, que junto com outras organizações como sindicatos, coletivos e movimentos, enviaram na última sexta-feira (26) um ofício direcionado à superintendência do Ibama Amazonas, ICMBio, Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública da União e do Estado, reivindicando a urgente fiscalização, apreensão e punição aos devastadores da nossa floresta.
Assinam a petição:
. Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas e equipes: Baixo Amazonas, Arquidiocese de Manaus e Prelazia de Itacoatiara
. Coletivo em Defesa do Rio Mamuru Confluência Amazonas Pará e Adjacências
. Coletivo Solidariedade ao Rio Abacaxi
. Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parintins
. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas
. Parlamento Sustentável do Planeta Azul
. Grupo Natureza Viva de Parintins – GRANAV
. Teia Cidadã de Parintins
. Presidentes de Comunidades dos Rios Uaicurapá e Mamuru
. Associação do Pá Gleba Vila Amazônia
. Movimento de Trabalhadores Cristãos do Amazonas
. Movimento dos Padres em Novas Dimensões
Texto elaborado coletivamente pelas equipes da
CPT Regional Maranhão, CONAQ, MOQUIBOM e Cáritas
Imagens: Equipe CPT Maranhão
A organização de parceiros articulados (CPT, CONAQ, MOQUIBOM e Cáritas) realizou de 26 a 28 de janeiro de 2024 no Território Quilombola São Benedito dos Colocados em Codó / MA, o II Encontro das Comunidades Quilombolas da Região Leste e Cocais maranhense, com o objetivo de proporcionar o processo de formação e partilhar as resistências para a construção de estratégias coletivas para o enfrentamento ao avanço do MATOPIBA, denunciando a omissão do Estado sobre os territórios ameaçados. Estiveram presentes cerca de 97 pessoas oriundas de 06 diferentes municípios, representando 20 comunidades tradicionais quilombolas dessa região.
Na oportunidade, as comunidades puderam participar do processo de formação conduzida pelo Assessor Jurídico da CPT Regional Maranhão, Rafael Silva, sobre Licenças ambientais, Convenção 169/OIT e aquilo que no Maranhão está se chamando de Nova Lei de Terras, mais precisamente, a Lei da grilagem 12.169/2023. No debate, as comunidades puderam partilhar os problemas que estão enfrentando contra as emissões desordenadas de licença ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) aos grileiros da região, ocasionando desmatamento, ameaças e mortes. Muitos desses territórios estão com seus processos em andamento para titularização, no entanto, a morosidade do Estado acerca desse assunto tem dificultado a tranquilidade desses territórios.
Com a presença de Murilo Cavalcante, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e da representação do Departamento de Conciliação Agrária do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Dra. Cláudia Dadico, as comunidades puderam externar as situações problemas sofridas e o andamento de cada processo diante da SEMA, INCRA e INTERMA. Essas comunidades solicitaram do MDA e do CNDH a efetivação das políticas agrárias em prol da garantia de sua permanência no chão de suas ancestralidades com bem viver. Mas também, ouvir sobre o funcionamento das questões agrárias dentro do ministério e como estão sendo construídas as ações efetivas emergenciais para atender os diferentes povos e, nesse certame, o Maranhão tem sido priorizado com algumas ações por ser considerado o Estado com o maior número de conflitos.
Foram encaminhadas agendas com 02 representações de cada comunidade para os próximos passos, além de encaminhamentos de documentos a serem enviados ao Departamento de Conciliação Agrária do MDA. O III Encontro será realizado em janeiro de 2025 na comunidade Puraquer em Codó / MA, e o processo de atuação da comissão articuladora dos Territórios em luta da região Leste e Cocais para o enfrentamento ao avanço do agronegócio.
Manifestação de apoio ao Professor Dr. Sandoval Amparo (UEPA) e ao Sindicalista Francisco Chagas (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia-PA)
O modo de produção capitalista, geralmente articulado à política fisiológica e à ambição de políticos descomprometidos com a realidade social, possui um modus operandi já bastante conhecido daqueles que estudam sua expansão nos países do Sul global, levando à desterritorialização do campesinato e de povos indígenas, e deixando o caos e a desordem nos espaços onde se instalam. Essa realidade denuncia a injustiça e o racismo ambiental, uma vez que a expansão do capital através destes projetos, impactam, principalmente, populações com baixa capacidade econômica e jurídica de assegurarem seus direitos à cidadania e à vida digna, gerando uma dissimetria de forças e limitando suas possibilidades de reagir a tais projetos e permanecer na terra.
Especialmente na Amazônia brasileira, esta situação é corriqueira, sendo frequente a acumulação por espoliação, em prejuízo do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas, das Comunidades Tradicionais e Quilombolas, além da população camponesa e ribeirinha, reforçando uma lógica histórica que privilegia a expansão do capital em detrimento da sociedade, mesmo quando ela gera desigualdade, violência e constrangimentos para a maioria da população.
Não obstante o quadro acima desenhado, a expansão do Capital no Brasil e na Amazônia tem ainda uma característica a mais: a perseguição política e a intimidação de lideranças, ativistas e intelectuais. Neste sentido, cabe ressaltar que o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para ativistas, segundo dados recentes: em poucos anos, foram dezenas de acadêmicos, militantes dos movimentos sociais e indígenas ameaçados, intimidados ou mesmo assassinados, como revelam os dados da Comissão Pastoral da Terra. E esta tem sido a tônica do capitalismo periférico e desigual no Brasil e na região.
É neste contexto que fomos surpreendidos na última quinta-feira (18/01/24) com a notícia de que o Geógrafo Dr. Sandoval Amparo, Professor Adjunto de Geografia Humana da Universidade do Estado do Pará (UEPA) lotado em Conceição do Araguaia/PA, foi intimado a prestar esclarecimentos na Delegacia de Polícia Civil, juntamente com o camponês Francisco Chagas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia-PA. A denúncia foi feita pelo atual prefeito de Conceição do Araguaia-PA, Sr. Jair Martins, no dia seguinte à Amazônia Real, uma importante agência de jornalismo investigativo da atualidade, publicar mais uma relevante matéria sobre o Projeto Níquel do Araguaia e o cenário de danos socioambientais causado logo na primeira fase da sua implantação.
O motivo da denúncia foi o compartilhamento em um grupo de WhatsApp, feito pelo professor Sandoval, da reportagem “Por que a mineradora Horizonte Minerals deixou o Pará?”, publicado pela agência de notícias Amazônia Real. Quanto ao sindicalista, Francisco Chagas, a denúncia diz respeito a uma citação feita por ele na referida reportagem, por ter dito: “A gente não tem a informação bem clara do que está acontecendo com a mineradora aqui no nosso município. Dizem que alguns dirigentes do projeto juntamente com os administradores da cidade de Conceição do Araguaia mexeram na verba da obra”. Na denúncia ainda consta que o Sr. Jair Martins, prefeito da cidade, se sentiu “ofendido” com a referida reportagem.
No dia 21 de janeiro, o professor Sandoval e o sindicalista Francisco Chagas prestaram depoimento, acompanhado pelo advogado Dr. Álvaro Brito. Os fatos revelam que as denúncias feitas pelo prefeito de Conceição do Araguaia não têm nenhuma sustentação, e fica evidente que se trata de uma perseguição aos dois defensores dos direitos dos trabalhadores e de um projeto onde a defesa da vida, do respeito, da democracia estejam em primeiro lugar.
Vale ressaltar que, anteriormente, diante do completo descaso das autoridades competentes, Chagas e Sandoval elaboraram e assinaram juntos um competente dossiê em que denunciavam os graves problemas do Projeto Níquel do Araguaia, especialmente no que tange ao uso temerário dos recursos hídricos, à deterioração da qualidade do ar (gerando diversos problemas de saúde para a população camponesa) e, por fim, revelando que a empresa não possuía, de fato, uma política de gestão ambiental, ancorando-se em um marketing verde como viés de autopromoção.
Em seguida, Chagas e Sandoval, ambos então membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente da cidade, conseguiram a maioria de votos para aprovar, naquela instância, uma Instrução Normativa que previa a suspensão das atividades do Projeto Níquel do Araguaia da mineradora Horizonte Minerals PLC apresentado como o maior projeto de níquel do Brasil pela própria empresa, até que esta atendesse a contento os reclames da população diretamente afetada por suas atividades. Entretanto, a Instrução jamais foi publicada no Diário Oficial do município e Sandoval foi retirado do Conselho, após pressões do prefeito junto à UEPA.
Apesar disso, o dossiê gerado por ambos e encaminhado a todas as autoridades competentes da Justiça, do Executivo e do Legislativo, além de ter sido disponibilizado ao público em geral, gerou uma série de desdobramentos, dentre eles a suspensão do financiamento do projeto por parte das instituições financeiras, com a consequente suspensão do projeto, cerca de 1 mês depois.
Sandoval é Geógrafo, Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com expertise em povos indígenas. Enquanto Francisco Chagas é militante dos movimentos sociais no sul do Pará, responsável pela luta histórica contra o latifúndio e pela reforma agrária, resultando na criação dos assentamentos Capivara, Santa Mariana e Pecosa, todos em Conceição do Araguaia. Ambos são figuras comprometidas com as causas em que atuam e por isso são reconhecidos.
Por sua vez, políticos descomprometidos com as questões ambientais, que vêm perseguindo Chagas e Sandoval, costumam achar que podem legislar em causa própria e suspender os direitos da população, para atender a interesses mais do que escusos, esquecendo-se de que, com a atual crise climática e ambiental, os olhos do mundo se voltam para a Amazônia e tudo que ali acontece é de interesse da comunidade científica e da sociedade civil nos níveis nacional, latino-americano e global.
Diante disto, as entidades e intelectuais abaixo se reuniram e decidiram lançar esta nota em repúdio à tentativa de intimidação dos movimentos sociais e dos acadêmicos, cobrando das autoridades competentes que sejam respeitados os direitos dos cidadãos à livre manifestação e o direito da população a um meio ambiente saudável. Esperamos que esta arbitrariedade seja corrigida e os direitos da população afetada sejam respeitados, trazendo paz e tranquilidade para todos.
24 de Janeiro de 2024.
Assinam esta carta:
Rede de Pesquisadores de Geografia (Socio)Ambiental – RPG(S)A
Comissão Pastoral da Terra – CPT Xinguara
Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Pará – SINDUEPA
Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - SINDUNIFESSPA
Regional Norte I da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Regional Norte II da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará
Comissão de Direitos Humanos da OAB Xinguara
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Conselho Regional de Psicologia – CRP-10 (Pará e Amapá)
Núcleo de Pesquisas sobre Espaço, Política e Emancipação Social – UFOPA
Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Conflitos Agrários – UNIFESSPA
Federação dos Trabalhadores e trabalhadoras da Agricultura Familiar - FETAGRI - SUL
Instituto Zé Cláudio e Maria – IZM
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia
Projetos de Assentamentos: PA Capivara, PA Santa Mariana, PA Pecosa, PA Joncon – Lote 08, PA Curral da Pedra, PA Morro Alto, PA Serra Verde e PA Volta Nova
Ocupação Jacutinga e Ocupação Talismã
Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – PPGG/UNIR
Núcleo de Estudos sobre Território, Ações Coletivas e Justiça NETAJ/UFF
Vagner Fia - Conselheiro no Crea-RJ, Coordenador da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e Vice-presidente da Aprogeo RJ
Dinah Tereza Papi de Guimaraens - Professora Associada Permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Thiago Roniere Rebouças Tavares – Professor de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Rafael Zilio Fernandes – Professor do curso de Geografia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)
Fabiano de Oliveira Bringel – Professor do Departamento de Geografia – DGEO/CCSE e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação de Geografia – PPGG/UEPA
Prof. Dr. Josué da Costa Silva – Pesquisador Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas G.E.P. Culturas Amazônicas. Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento Silva - Pesquisadora e Lider do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero – GEPGENERO da Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Rita Montezuma – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa de Paisagens da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Josué da Costa Silva – Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia (PPGG/UNIR)
Carlos Alexandre Bordalo – Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA)
Valter do Carmo Cruz – Geógrafo e doutor em Geografia, professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense -UFF
Rogério Hasbaert – Núcleo de Estudos Território e Resistência na Globalização - GEOGRAFIA-UFF
“Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam; querem uma casa, e a tomam. Assim oprimem ao homem e à sua família, ao proprietário e à sua herança” (Miquéias 2, 1-2)
A Comissão Pastoral da Terra - Bahia (CPT BA), vem por meio desta manifestar sua indignação contra a onda de violência e tentativa de massacre promovida por fazendeiros latifundiários no município de Potiraguá (BA). Numa ofensiva contra os povos indígenas Pataxó Hã – hã – hãe, a violência ceifou a vida de Maria de Fátima Muniz de Andrade, Nega Pataxó, e atentou contra a vida do Cacique Nailton Muniz e mais outros 12 indígenas, deixando-os gravemente feridos. Mais de 500 anos após a invasão portuguesa, a política escravagista e de extermínio dos povos originários continua. Nos solidarizamos com os povos indígenas e sua luta justa e sagrada pela retomada de seus territórios de origem.
A reserva Catarina Paraguaçu, onde foram relocados todos os povos indígenas do Baixo, extremo sul, e parte do sudoeste do estado da Bahia, foi demarcada desde início do século passado para que seus territórios fossem liberados para plantio do monocultivo do cacau. Mesmo com a reserva legalizada, fazendeiros invasores tentam destruir a nação Pataxó Hã Hã Hãe que, para assegurar seu território, conseguiram no governo de Dilma Rousseff a nulidade dos títulos, dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra o estado da Bahia emissor nos anos 70. No entanto, muitas lideranças já foram dizimadas juntamente com outros membros da comunidade.
Numa região marcada pelo latifúndio na Bacia do Rio Pardo, o sangue derramado de Nega Pataxó clama por justiça exigindo do Estado que não seja omisso como tem sido diante de tantos casos de violências contra os povos e comunidades tradicionais quilombolas, fundo e fechos de pasto, pequenas e pequenos agricultores e povos indígenas. Por isso, é urgente, justo e necessário garantir aos povos tradicionais e povos originários a imediata demarcação de seus territórios.
No Brasil, conforme dados parciais apresentados pela Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT), no primeiro semestre de 2023 foram registrados 973 conflitos no campo, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram registrados 900 conflitos. A Bahia tem figurado como um dos estados com maior incidência de número de conflitos e um dos mais violentos do Brasil, alcançando a 3ª posição do ranking.
Ao longo dos últimos 10 anos, foram 36 camponeses assassinados no estado, 41 tentativas de assassinatos, 117 ameaçadas com nenhum assassino ou mandante julgado e preso. Nesse mesmo período, foram registrados 111 casos de violência contra indígenas na Bahia, sendo 10 assassinatos. Os dados apontam um Estado omisso e conivente com o latifúndio sangrento e depredador.
Em uma região fortemente marcada na história pela presença indígena, cujos nomes das cidades da região reafirmam sua presença — a exemplo de Potiraguá, Itapetinga, Itambé —, onde historicamente habitavam diversos povos, as raízes históricas desses povos continuam fincadas ali, mesmo que ao longo do tempo várias tentativas de apagar essas marcas tenham sido feitas, essas terras são sagradas a eles pertencem e para eles voltarão.
Que Nega Pataxó e muitos e muitas que encantaram no sonho da terra partilhada, da justiça, do amor fraterno, possa nos impulsionar na luta em defesa da vida.
Comissão Pastoral da Terra – CPT Bahia
Salvador - Bahia, 23/01/2023
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