Grandes empresas mundiais de tecnologia como a Apple, a Samsung e a Sony não estão tomando as medidas mais básicas necessárias para garantir que o cobalto minerado na República Democrática do Congo, através de trabalho infantil e uma brutal exploração, não seja usado nos seus produtos, revela a Anistia Internacional e a Afrewatch em novo relatório.
(Fonte: Anistia Internacional)
“This is what we die for: Human rights abuses in the Democratic Republic of the Congo power the global trade in cobalt” (Morremos para isto: violações de direitos humanos na República Democrática do Congo alimentam o comércio mundial de cobalto) – publicado esta terça-feira, 19 de janeiro – mapeia o comércio global de cobalto, mineral usado nas baterias de lítio, desde a sua extração nas minas onde crianças, até com sete anos, e adultos trabalham em condições extremamente perigosas.
“As vitrines vistosas nas lojas e o marketing das tecnologias de ponta são um contraste bastante gritante às imagens de crianças carregando sacos de pedras e de mineiros, enfiadas em túneis apertados, permanentemente em risco de sofrerem danos nos pulmões”,
Mark Dummett, perito da Anistia Internacional em empresas e direitos humanos
“Milhões de pessoas no mundo inteiro gozam dos benefícios das novas tecnologias mas raramente se questionam como é que são feitas. É mais do que chegado o momento das grandes marcas assumirem responsabilidades sobre a mineração das matérias-primas que fazem parte dos seus lucrativos produtos”, prossegue.
Este novo relatório documenta a forma como os negociantes de minérios compram cobalto de áreas onde o trabalho infantil é frequente e o vendem à Congo Dongfang Mining (CDM), uma empresa congolesa subsidiária da gigante mineira chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Ltd (Huayou Cobalt).
A investigação da Anistia Internacional contém documentos de pesquisadores no setor que demonstram como a Huayou Cobalt e a subsidiária CDM processam o cobalto antes de o venderem a três fabricantes de componentes de baterias na China e na Coreia do Sul. E estes, por sua vez, fornecem fabricantes de baterias que dizem vender os seus produtos a grandes empresas de tecnologia e do setor automóvel como a Apple, a Microsoft, a Samsung, a Sony, a Daimler e a Volkswagen.
A organização de direitos humanos contatou 16 multinacionais listadas como clientes dos fabricantes de baterias que são fornecidos com o minério que é processado pela Huayou Cobalt. Uma das empresas admitiu esta ligação; quatro disseram não terem dados para atestar se estão comprando cobalto minado na República Democrática do Congo ou processado pela Huayou Cobalt; seis afirmaram estar investigando estas alegações. Cinco outras negaram trabalhar com cobalto fornecido pela Huayou Cobalt, apesar de serem identificadas como clientes nos documentos empresariais dos fabricantes de baterias incluídos nesta cadeia de produção. E duas das multinacionais visadas na investigação negaram mesmo comprarem seja o que for que contenha cobalto proveniente da República Democrática do Congo.
Nenhuma das empresas contatadas prestou detalhes suficientes para ser feita uma análise independente à proveniência do cobalto que é usado nos seus produtos.
“É um enorme paradoxo da era digital que algumas das mais ricas e mais inovadoras empresas do mundo possam comercializar aparelhos incrivelmente sofisticados sem lhes ser exigido que demonstrem de onde vêm as matérias-primas com que são fabricados os seus componentes”, nota o diretor-executivo da organização não-governamental AfreWatch-Africa Resources Watch, Emmanuel Umpula.
“Os abusos nas minas continuam sem que ninguém os veja e sem que ninguém pense neles, porque no atual mercado mundial os consumidores não fazem ideia nenhuma sobre as condições de trabalho nas minas, nas fábricas e nas linhas de montagem. A nossa investigação descobriu que os negociantes estão a comprar cobalto sem fazerem quaisquer perguntas sobre como e onde foi extraído”, prossegue.
Minas letais e trabalho infantil
A República Democrática do Congo produz pelo menos 50% do cobalto mundial. E um dos maiores processadores do minério no país é a CDM, subsidiária da gigante chinesa Huayou Cobalt, a qual obtém na República Democrática do Congo mais de 40% do cobalto que processa.
Os mineiros que trabalham nas regiões onde a CDM compra cobalto vivem com o risco de danos de saúde a longo prazo e um elevadíssimo risco de acidentes mortais. Pelo menos 80 mineiros morreram debaixo da terra no sul da República Democrática do Congo apenas entre setembro de 2014 e dezembro de 2015. E o número real de fatalidades é desconhecido uma vez que muitos acidentes não são sequer registados e os corpos ficam soterrados nos escombros das minas.
Os pesquisadores da Anistia Internacional descobriram também que a larga maioria dos mineiros trabalham muitas horas todos os dias na mineração ou lavagem de cobalto sem o mais básico equipamento de proteção, como luvas, roupas de trabalho ou máscaras que os salvaguardem de doenças dos pulmões ou da pele.
Várias crianças testemunharam à equipe da Anistia Internacional que chegam a trabalhar 12 horas seguidas nas minas, transportando cargas pesadas, para ganharem entre um e dois dólares por dia. De acordo com a Unicef, quase 40.000 crianças trabalhavam em 2014 nas minas no Sul da República Democrática do Congo, muitas delas na extração de cobalto.
Paul é um rapaz órfão de 14 anos que começou a trabalhar nas minas aos 12. Contou aos investigadores da organização de direitos humanos que o tempo prolongado passado debaixo de terra o deixa permanentemente doente. “Cheguei a passar 24 horas seguidas nos túneis. Entrava de manhã e só saía na manhã seguinte… Tinha de fazer as necessidades lá em baixo. A minha mãe adotiva queria mandar-me para a escola, mas o meu pai adotivo era contra; ele explorou-me obrigando-me a trabalhar na mina”.
O perito da Anistia Internacional em Empresas e Direitos Humanos Mark Dummett sublinha que “os perigos para a saúde e segurança fazem da mineração uma das piores formas de trabalho infantil”. “Empresas cujos lucros globais ascendem a 125 mil milhões de dólares não podem com credibilidade argumentar que não têm forma de confirmar de onde provêm os minerais que constituem partes essenciais dos seus produtos”, sustenta.
“A extração das matérias-primas que fazem trabalhar um carro elétrico ou um telemóvel deve constituir uma fonte de prosperidade para os mineiros da República Democrática do Congo. Mas a realidade é que é uma vida esgotante, com condições de miséria e em troca de quase dinheiro nenhum. As grandes marcas mundiais têm o poder de mudar isto”, exorta Mark Dummett.
No rasto da cadeia de fornecimentos: a vergonha das empresas
Os pesquisadores da Anistia Internacional e da Afrewatch entrevistaram 87 mineiros de cobalto no ativo e retirados, 17 dos quais crianças, de cinco explorações mineiras no Sul da República Democrática do Congo, em abril e maio de 2015. Foram igualmente entrevistados 18 negociantes de cobalto e monitorizadas as rotas de veículos das empresas mineiras e de negociantes conforme o minério é transportado desde as minas até aos mercados onde empresas maiores compram o cobalto. A maior de todas elas é a congolesa CDM, subsidiária da gigante chinesa Huayou Cobalt.
A Huayou Cobalt fornece cobalto a três fabricantes de componentes de baterias de lítio: as chinesas Ningbo Shanshan e Tianjin Bamo, e a L&F Materials da Coreia do Sul. Estes três fabricantes de componentes de baterias compraram cobalto no valor de mais de 90 milhões de dólares à Huayou Cobalt em 2013.
Nesta investigação foram contatadas 16 empresas multinacionais de produtos de consumo identificadas como clientes diretos ou indiretos daqueles três fabricantes de componentes de baterias. Nenhuma contatara por si mesma a Huayou Cobalt nem tentara rastrear a origem do cobalto usado nos seus produtos antes de a Anistia Internacional as abordar.
Este relatório mostra que as empresas ao longo da cadeia de fornecimento de cobalto não estão a avaliar adequadamente os riscos de direitos humanos que existem no sector.
Atualmente não há regulação do mercado global de cobalto. O minério não é referido na lista dos “minérios [de zonas] de conflito” que consta das regras do sector nos Estados Unidos, a qual menciona o ouro, tântalo, estanho e volfrâmio que são minerados na República Democrática do Congo.
“Muitas destas multinacionais sustentam ter uma política de tolerância zero ao trabalho infantil. Mas isto não vale sequer o papel em que está escrito quando na verdade as empresas não investigam os seus fornecedores. Aquilo que dizem não é credível”, critica Mark Dummett.
Este perito da Anistia Internacional lembra que “sem leis que exijam às empresas monitorizar e divulgar publicamente a informação sobre a origem das matérias-primas que usam, assim como da sua cadeia de fornecedores, é possível continuarem a lucrar com abusos de direitos humanos”. “Os governos têm de pôr fim a esta falta de transparência, que permite às empresas lucrarem com a miséria”, insta.
A Anistia Internacional e a Afrewatch exortam as multinacionais que usam baterias de lítio nos seus produtos a tomarem as medidas adequadas em matéria de direitos humanos, a investigarem se o cobalto que utilizam é extraído em condições de perigo ou através de trabalho infantil, e a serem mais transparentes sobre os seus fornecedores.
Estas organizações chamam também a China às suas responsabilidades, no sentido de ser exigido às empresas chinesas de exploração mineira que operam em outros países que investiguem as suas cadeias de fornecedores e deem solução aos abusos de direitos humanos detectados nas suas operações.
A Anistia Internacional e a Afrewatch defendem, em particular, que a Huayou Cobalt deve tornar público quem está envolvido na mineração e no comércio do cobalto que compra e processa, assim como onde o minério é extraído, e assegurar que não está a adquirir cobalto extraído com trabalho infantil ou em condições de risco.
“As empresas não podem simplesmente pôr fim a uma relação de negócios com um fornecedor ou embargar o cobalto proveniente da República Democrática do Congo quando sejam detetados riscos de direitos humanos na cadeia de fornecimentos. O que têm de fazer é tomar medidas de resolução do mal sofrido pelas pessoas cujos direitos humanos foram violados”, remata Mark Dummett.
A Suprema Corte dos Estados Unidos negou os recursos de uma subsidiária da Nestlé, da Archer Daniels Midland (ADM) e da Cargill em um caso envolvendo trabalho infantil e escravo na África. Segundo a corte, essas empresas favoreceram e se beneficiaram da atividade.
(Fonte/Imagem: Estadão)
As companhias negavam as acusações e alegaram que houve uma determinação feita em 2014 que reabria o caso. Apesar disso, o pedido de recurso não foi aceito. Representantes das empresas se mostraram desapontados com a decisão da corte e afirmam que continuarão a se defender vigorosamente nas cortes menores. A Nestlé, que lidera a petição, afirmou que o trabalho infantil vai contra os princípios da companhia.
"A Nestlé tem o compromisso de seguir e respeitar todas as leis internacionais e está empenhada na luta pela erradicação do trabalho infantil na nossa cadeia de fornecimento do cacau", afirmou a empresa.
Os trabalhadores, que abriram o processo na Califórnia, afirmam que crianças eram obrigadas a trabalhar por longas horas e sem pagamento em campos na Costa do Marfim. Alega-se que as empresas tinham conhecimento do trabalho infantil e análogo ao escravo nas plantações marfinenses, além de facilitarem as violações dos diretos humanos através do relacionamento comercial com fazendeiros.
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Brasil
No final de 2015, a Ministério do Trabalho divulgou dados sobre a situação do trabalho escravo no Brasil. As operações de combate a esse tipo de exploração resgataram 936 pessoas de condições análogas à escravidão no período de janeiro a 17 de dezembro de 2015. Os fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs) realizaram, no período de janeiro a 17 de dezembro, 125 operações. Foram fiscalizados 229 estabelecimentos das áreas rural e urbana, alcançando 6826 trabalhadores.
Além do resgate de trabalho escravo, a ação resultou na formalização de 748 contratos de trabalho, com pagamento de R$ 2,624 milhões em indenização para os trabalhadores. Foram ainda emitidas 634 Guias de Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (GSDTR), benefício que consiste no pagamento de três parcelas, no valor de um salário mínimo cada, para que as pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão possam recomeçar suas vidas profissionais. Houve também a emissão de 160 Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para as vítimas. (Com informações de Julia Affonso)
O ano de 2015 que começara com a suspensão da Lista Suja – em decorrência de decisão liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, tomada no final de 2014 a pedido das grandes construtoras e mantida até hoje – encerrou com graves preocupações quanto à continuidade da politica brasileira de combate ao trabalho escravo, alvo também de seríssimas ameaças no Congresso. Confira análise sobre Trabalho Escravo no Brasil no ano de 2015 elaborada por frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo “De olho aberto para não virar escravo”.
Em 2015, cerca de 1000[1] trabalhadores/as foram resgatados da escravidão – um número em nítida redução se comparado à média dos 4 anos anteriores (2260) e ainda inferior de um terço ao de 2014 (1550). Essa queda é paradoxal, pois ocorre no exato momento em que parte dos congressistas – no afã de reduzir mais e mais direitos – estão querendo aprovar a revisão para baixo da definição legal do trabalho escravo, alegando que o conceito atual enunciado no artigo 149 do Código Penal – em vigor desde 2003 e parabenizado internacionalmente – abre a porta a exageros, arbitrariedade e insegurança jurídica.
Em que pese a diminuição dramática nos últimos anos do efetivo de auditores fiscais em atividade (por falta de recrutamentos à altura das necessidades), a baixa frequência da autuação do trabalho escravo demonstra exatamente o contrário: entre os 6826 trabalhadores alcançados em 2015 pelas 125 operações executadas pelo Grupo Móvel nacional e pelos auditores especializados das Superintendências regionais, em 229 estabelecimentos fiscalizados, apenas 1 em cada 7 foi considerado em condições análogas às de escravo. Os fiscais justificam que trabalho escravo é muito mais que tal ou tal infração isolada: é a soma de tamanhas violações à dignidade ou à liberdade da pessoa, literalmente reduzida a mero objeto, que elas acabam colocando em grave risco sua integridade ou mesmo sua vida.
Segundo dados ainda parciais, os estados que lideraram o ranking dos 106 casos de trabalho escravo identificados em 2015 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram: MG (17), MA (10), RJ (10), PA (9), TO (10), MT (7), SP (6), SC (6), RS (5), CE (4), AM (4), BA (4), RO (4), PI (3), PR (3), GO (3), RR (1).
As principais atividades que se beneficiaram da prática do trabalho escravo em 2015 foram: a construção civil (243 resgatados), a pecuária (133) e o extrativismo vegetal (114, sendo 52 no PI e 37 no CE), atividade esta na qual comunidades de proximidade são exploradas em regime de aviamento por patrões e patrãozinhos, como ocorre ainda muito também no interior da Amazônia. Na prática do trabalho escravo em geral, as atividades econômicas ligadas ao campo predominaram, sobre as atividades urbanas, por pouco, no entanto (o peso importante da escravidão em atividades não rurais se verifica, por exemplo, na participação elevada da grande região Sudeste no total dos resgates: 39%).
Segundo análise da DETRAE, a Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho, o perfil atual das vítimas é de jovens do sexo masculino, com baixa escolaridade e que tenham migrado internamente no Brasil. 621 são homens, em sua maioria entre 15 e 39 anos (489), com ganho de até 1,5 salário mínimo (304); 376 deles são analfabetos ou com até o 5º ano do Ensino Fundamental; 58 são estrangeiros. Doze trabalhadores encontrados tinham idade inferior a 16 anos, enquanto 24 tinham entre 16 e 18 anos.
No finalzinho do ano passado, poucos dias após a entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos à companheira Brígida Rocha, militante da Campanha De Olho Aberto no CDVDH/CB de Açailândia, MA, uma pronta mobilização[2] permitiu evitar, no Senado, a votação-relâmpago do Projeto de Lei que – sob pretexto de regulamentar a emenda constitucional do confisco da propriedade dos escravistas – propõe eliminar os principais elementos caracterizadores do trabalho escravo, ou seja: os que remetem à violação da dignidade da pessoa (as condições degradantes e a jornada exaustiva[3]). No mesmo dia, 15 de dezembro, foi firmado um termo de cooperação entre MTPS (Ministério do Trabalho e da Previdência Social) e MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) que deve facilitar o acesso a programas públicos por parte dos trabalhadores egressos do trabalho escravo ou em situação de grande vulnerabilidade a esse risco. Neste sentido também trabalha a Campanha Nacional da CPT - De Olho Aberto para Não Virar Escravo – através da construção do novo programa RAICE (Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão), já em fase inicial nos estados do MA, PA, PI e TO, com foco na quebra do ciclo da escravidão.
Por fim, merece destaque a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), anunciada em março de 2015, após 17 anos de tramitação, de levar à Corte Interamericana de San José de Costa Rica, para julgamento, o caso da Fazenda Brasil Verde, uma representação contra o Estado brasileiro, protocolada em... 1998 pela CPT, junto com o CEJIL. Nesta fazenda do Pará, entre 1988 e 1998, e ainda nos anos subsequentes, ocorreram vários episódios de trabalho escravo e sucessivas fiscalizações em relação às quais o Estado assumiu postura contraditória, essencialmente omissa. Tudo foi documentado pela CPT. Na época, cerca de 280 trabalhadores, principalmente do Piauí, foram alcançados por essas fiscalizações. Se assim sentenciada pela Corte, após as audiências marcadas para fevereiro de 2016, a condenação do Estado, além de proporcionar uma reparação material às vítimas, poderá ensejar medidas mais efetivas de políticas públicas e de atuação repressiva no combate ao trabalho escravo, uma solução que os peticionários (CPT e CEJIL) tentaram obter por via de um acordo longamente negociado, mas finalmente negado pelo Estado.
Xavier Plassat, 30/12/2015 rev. 10/01/2016
Anexo – Dados nacionais do trabalho escravo por grande região e por setor de atividade. Ranking nacional.
[1] 936 libertados, segundo a situação provisória apresentada pelo MTE em 28/12/2015; 860, segundo dados ainda parciais apurados pela CPT.
[2] Com a contribuição emblemática do ator Wagner Moura, destacado embaixador da OIT no combate ao trabalho escravo. Veja seu apelo ao Senador Renan Calheiros. Naquela ocasião, a CNBB também se manifestou em carta dirigida aos senadores.
[3] Em carta aberta (10/12/2015), Brígida assim desabafou: “Quantas vezes - este é meu trabalho diário – não escutei de trabalhadores/as que nos procuram que já não aguentam mais beber agua do açude barrento onde o gado também bebe, de comer carne apenas quando conseguem uma caça, de dormir amontoado no pequeno barraco de lona, sem paredes, ou mesmo no curral, repleto de embalagens de agrotóxicos e outros “Mata tudo”. Quantas vezes não presenciei eles pedirem a Deus para não chover, para que não tenham que passar mais uma noite no molhado? Ou não comer outra vez arroz com molho de pimenta malagueta ou feijão temperado só com sal? Ou não acordar de madrugada para preparar o boião ou a marmita e seguir para a juquira, e comer lá nas matas sem se quer ter agua de lavar as mãos, ou poder se quer descansar meia hora porque tem gato cobrando produção? Ou não ter que aguentar caladinho e humilhado, os palavrões que, de gente, os reduziram a coisa ou a bicho? Ou não ter que seguir trabalhando no medo de apanhar outra vez, sem outra opção a não ser sair fugindo dos tiros, com corpo já marcado por panadas de facão, e pés inchados de correr nas matas? Isso, ouvi e vi de tantos homens que fugiram de fazendas e carvoarias. Nem falo da falta de equipamentos de proteção, dos acidentes fatais, do pagamento que não vem nunca, da família que sofre. Ficam tão cansados, tão que, ao chegarem, muitos desmaiam e até adoecem. Tudo isso é apenas metade do que vivenciam e nos contam. Tudo isso são as condições degradantes e a jornada exaustiva que nossos nobres congressistas se preparam a eliminar de uma canetada. Desde quando isso não é a expressão óbvia da escravidão? Por qual malabarismo, pretendem agora reduzir a escravidão apenas às figuras tradicionais da servidão por dívida e do trabalho forçado, quando a experiência de mais de 50 mil brasileiros libertados do trabalho escravo desde 1995 está aí para testemunhar? Por isso estou aqui a gritar: Senadores, não cometam essa insensatez! Vão para consulta popular! Congressistas, tenham a vergonha do Brasil na cara! Presidenta Dilma, não tolere essa balbúrdia! E se eles teimam, veta!”. Brígida Rocha, 32 anos, mãe, filha de trabalhadores rurais, assistente social no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, MA, e educadora da Campanha Nacional De Olho Aberto para não Virar Escravo, da Comissão Pastoral da Terra.
Em Carta Aberta ao senador e presidente do Senado, Renan Calheiros, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, afirma que “o PLS 432/2013 servirá, na realidade, para sepultar a definição brasileira de trabalho escravo em vigor desde 2003”. Articulado pela bancada ruralista, esse projeto quer retirar elementos da caracterização de trabalho escravo: as condições degradantes e a jornada exaustiva. Confira a Nota:
O Ministério Público do Trabalho no Amazonas (MPT 11ª Região) sedia, nos dias 10 e 11 de dezembro, o seminário “Trabalho Escravo no Amazonas: Estratégias para o enfrentamento”. Várias mesas de debate e palestras acontecerão. Frei Xavier Plassat, membro da Campanha da CPT de Erradicação e Combate ao Trabalho Escravo e agente da CPT Araguaia - Tocantins, é um dos convidados do seminário. Saiba mais:
Brígida Rocha, asssistente social do CDVDH e educadora da Campanha De Olho Aberto Para Não Virar Escravo, da CPT, receberá amanhão o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria Combate e Enfrentamento ao Trabalho Escravo. Hoje, dia da Declaração Internacional de Direitos Humanos, Brígida e toda a sociedade brasileira se depararam com a notícia da votação no Senado, em caráter de urgência, da readequação do conceito de trabalho escravo, construído a partir de uma luta que já dura 40 anos para erradicar essa prática no Brasil. Confira o desabafo de Brígida:
Hoje 10 de dezembro de 2015, Dia Internacional dos Direitos Humanos, na calada da noite escura que encobre um Congresso Nacional mais que nunca ilhado do povo real, o Senado Federal está pronto para dar um golpe fatal a um direito humano duramente conquistado pela sociedade brasileira nestes mais de 40 anos de combate à escravidão moderna.
Descartando qualquer discussão democrática, está para ser votada hoje a redução da definição legal do que é trabalho escravo no Brasil, numa lamentável tentativa para tornar inócua a Emenda Constitucional 81/2014 que determinou o confisco da propriedade onde trabalho escravo for encontrado. Ao ser aprovado o PLS 432/2013 de autoria do senador Romero Jucá, ficarão descartados como elementos caracterizadores deste crime a imposição de condições degradantes e de jornada exaustiva de trabalho.
Eu, Brígida Rocha, 32 anos, mãe, filha de trabalhadores rurais, assistente social no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, MA, e educadora da Campanha Nacional De Olho Aberto para não Virar Escravo, da Comissão Pastoral da Terra, venho a público denunciar esta manobra espúria que envergonha a todos nós.
Estando ás vésperas de receber o Prêmio Nacional de Direitos Humanos na categoria Combate e Enfrentamento ao Trabalho Escravo, gostaria apenas de ter vindo a público agradecer pela insígnia honra e pelo reconhecimento de tantos amigos e parceiros e parceiras desta luta. Sei que todos os resultados desses longos anos de luta são frutos da dedicação coletiva de milhares de militantes dos direitos humanos, Brasil afora. Somos muitos, somos agentes de cidadania, educadores sociais, advogados/as, assistentes sociais, psicólogos/as, lideranças, religiosos/as, missionários/as, crianças, adolescentes, artistas, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, ribeirinhos, assentados, sem terras, ainda temos parceiros auditores/as fiscais do trabalho, procuradores/as do trabalho, e tantos outros que procuram construir uma rede eficiente de ação integrada para combater a escravidão. Todos irmanados naquele sonho de um país que garante justiça, liberdade e dignidade aos seus filhos e filhas, sem exceção. Por isso resistimos!
Gostaria, sim. Mas hoje estou com vontade de chorar.
Quantas vezes - este é meu trabalho diário – não escutei de trabalhadores/as que nos procuram que já não aguentam mais beber agua do açude barrento onde o gado também bebe, de comer carne apenas quando conseguem uma caça, de dormir amontoado no pequeno barraco de lona, sem paredes, ou mesmo no curral, repleto de embalagens de agrotóxicos e outros “Mata tudo”. Quantas vezes não presenciei eles pedirem a Deus para não chover, para que não tenham que passar mais uma noite no molhado? Ou não comer outra vez arroz com molho de pimenta malagueta ou feijão temperado só com sal? Ou não acordar de madrugada para preparar o boião ou a marmita e seguir para a juquira, e comer lá nas matas sem se quer ter agua de lavar as mãos, ou poder se quer descansar meia hora porque tem gato cobrando produção? Ou não ter que aguentar caladinho e humilhado, os palavrões que, de gente, os reduziram a coisa ou a bicho? Ou não ter que seguir trabalhando no medo de apanhar outra vez, sem outra opção a não ser sair fugir dos tiros, com corpo já marcado por panadas de facão, e pés inchados de correr nas matas?
Isso, ouvi e vi de tantos homens que fugiram de fazendas e carvoarias. Nem falo da falta de equipamentos de proteção, dos acidentes fatais, do pagamento que não vem nunca, da família que sofre.
Ficam tão cansados, tão enfadados que, ao chegarem, muitos desmaiam e até adoecem. Tudo isso é apenas metade do que vivenciam e nos contam.
Tudo isso são as condições degradantes e a jornada exaustiva que nossos nobres congressistas se preparam a eliminar de uma canetada. Desde quando isso não é a expressão óbvia da escravidão? Por qual malabarismo, pretendem agora reduzir a escravidão apenas às figuras tradicionais da servidão por dívida e do trabalho forçado, quando a experiência de mais de 50 mil brasileiros libertados do trabalho escravo desde 1995 está aí para testemunhar?
Todos os dias, temos sobreviventes desse crime ameaçados de morte ou ficando inválidos. Muitos já morreram. Todos os dias, há militantes ameaçados de morte, por denunciar isto. Buscam nos amedrontar e calar nossa voz. Basta!
Por isso estou aqui a gritar: Senadores, não cometam essa insensatez! Vão para consulta popular! Congressistas, tenham a vergonha do Brasil na cara! Presidenta Dilma, não tolere essa balbúrdia! E se eles teimam, veta!
Brígida Rocha, brasileira
Açailândia/Araguaína, 10/12/2015 .