Durou aproximadamente meia hora a primeira sessão de julgamento de acusados de serem mandantes da chacina de Unaí, Minas Gerais, ocorrida em janeiro de 2004. Advogados de defesa conseguiram o adiamento, alegando que algumas provas foram adicionadas ao processo sem prévio conhecimento. Com isso, o julgamento começará apenas na próxima terça-feira (27), para dois dos réus. Outros dois serão julgados em 4 e em 10 de novembro.
Confira artigo do procurador do trabalho no Mato Grosso, Renan Kalil, sobre trabalho escravo e a proposta de alteração do conceito apresentada no Senado.
Renan Bernardi Kalil *
O Brasil é referência internacional no combate ao trabalho escravo contemporâneo. Os principais instrumentos construídos pelo país foram: (i) o desenvolvimento de um conceito de trabalho escravo que repudia as formas mais intensas de desrespeito à dignidade dos trabalhadores; (ii) a criação de um sistema de fiscalização que atua na repressão do empregador que coisifica o empregado; e (iii) a “lista suja”, que impede os empregadores que reduzem empregados a condições análogas a de escravo de serem financiados por bancos públicos e que mostra para toda a população quem pratica esse crime.
Recentemente ocorreram avanços nessa área, como a alteração do art. 243 da Constituição no ano de 2014. Segundo a nova redação desse dispositivo, em propriedades urbanas e rurais onde for constatada a exploração de trabalho escravo, haverá a expropriação e destinação do imóvel para reforma agrária e programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo das demais sanções previstas em lei.
Esse avanço legislativo foi utilizado como tentativa de esvaziar o que se entende por trabalho escravo no Brasil. O conceito atualmente existente no Código Penal é um dos mais avançados no mundo e considera como trabalho em condições análogas a de escravo: (i) trabalho forçado; (ii) servidão por dívida; (iii) condições degradantes; e (iv) jornada exaustiva. Contudo, foi apresentado no Senado o Projeto de Lei n. 432/2013, que pretende regulamentar a eliminação do direito de propriedade nos casos em que for constatada a exploração de trabalho escravo, restringindo o conceito desse crime: a escravidão contemporânea ocorreria somente nos casos de trabalho forçado e de servidão por dívida.
A aprovação deste Projeto fará com que situações nas quais o trabalhador dorme e se alimenta com porcos, faz refeições no chão próximo a fezes de vacas, aloja-se em moradias coletivas, amontado com suas crianças e instrumentos de trabalho e sem condições mínimas de higiene, come em embalagens vazias de agrotóxicos e realiza atividades sem qualquer tipo de proteção sejam consideradas como irregularidades trabalhistas simples.
Em 1928, o peruano José Carlos Mariátegui, ao estudar a sociedade incaica e as liberdades consagradas com as revoluções liberais do século XVIII, afirmou que “hoje uma ordem nova não pode renunciar a nenhum dos progressos morais da sociedade moderna”. Transpondo essa análise para os nossos dias, considerando que o Estado Democrático de Direito coloca em seu centro a dignidade da pessoa humana, podemos dizer que o combate ao trabalho escravo não admite qualquer recuo conceitual que se queira operar na legislação brasileira.
Foi designado como relator do PLS n. 432/2013 o Senador José Medeiros, representante do Estado de Mato Grosso.
O nosso Estado foi pioneiro e inovador no combate ao trabalho escravo. Citamos dois exemplos. O estabelecimento de grupos móveis estaduais para fiscalizar a exploração de trabalho em condições análogas a de escravo, o que tornou mais célere e efetiva a apuração de denúncias e o resgate de trabalhadores em Mato Grosso. E a criação do Projeto Ação Integrada, concebido para garantir uma estrutura de assistência aos trabalhadores socialmente vulneráveis à exploração do trabalho escravo, de forma a promover uma integração socioeconômica e os afastar do ciclo da escravidão contemporânea. Trata-se de um projeto amplamente reconhecido pela sociedade, sendo que diversos órgãos, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinaram um termo de cooperação em agosto deste ano com o objetivo de fortalecer iniciativas nesse sentido.
O PLS 432/2013 é desnecessário para caracterizar a escravidão contemporânea, tendo em vista que já existe no Código Penal dispositivo que trata desse tema. Fazemos votos que o Senador José Medeiros mantenha a tradição de vanguarda do Estado no combate a esse crime e o conceito de trabalho escravo vigente na legislação brasileira seja mantido.
* Procurador do Trabalho e Mestre em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela USP.
A Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo de Mato Grosso (Coetrae-MT) promove nesta sexta-feira e sábado, 11 e 12, no município de Colniza, 1.040 km ao norte de Cuiabá, o seminário “Atuando em rede no combate ao trabalho escravo”. O evento será realizado na Paróquia Sagrada Família, grande apoiadora do evento.
Ao longo de uma semana, cerca de 35 jovens e adolescentes participaram da oficina de teatro Jovens Quilombolas Dizem Não à Escravidão, realizado no Quilombo de Barra do Parateca, em Carinhanha, 870 km a oeste de Salvador (BA). O evento terminou neste último sábado (15).
Além de madeireiras, o madeireiro Décio José Barroso Nunes, conhecido como Delsão, condenado agora por trabalho escravo, é o mesmo que responde a processo pelo assassinato do sindicalista José Dutra da Costa Neto, o “Dezinho”, crime ocorrido em Rondon, no ano de 2000.
Você sabia que pessoas ainda são comercializadas em pleno século 21? Sim! Em todo mundo, milhares de pessoas são traficadas para fins de exploração, dentre quais está incluído o trabalho escravo. Aproveitando a Semana de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (27 a 31 de julho), o Escravo, nem pensar! (ENP) explica por meio do vídeo “Tráfico de Pessoas – Mercado de Gente” como essa grave violação de direitos humanos ainda acontece.
(Escravo nem Pensar)
Este vídeo é o terceiro da série ENP! na Tela e foi produzido em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério Público do Trabalho. Assista:
Mais sobre o tema
O tráfico de pessoas é o terceiro mais lucrativo do mundo. Diversas são as suas finalidades: superexploração do trabalho rural, urbano e doméstico, comércio de órgãos, casamentos forçados, escravidão contemporânea, adoção ilegal de crianças e exploração sexual.
Você pode ter mais informações sobre o tema no livro digital ou no caderno temático “Tráfico de Pessoas – Mercado de Gente“, produzidos pelo ENP.