Magistrada catarinense diz que resgatados de escravidão eram “viciados em álcool e em drogas ilícitas” e poderiam “praticar crimes” quando libertados.
(Por Piero Locatelli – Repórter Brasil | Imagens: SRTE/SC)
“[Os] Trabalhadores são, em sua maioria, viciados em álcool e em drogas ilícitas, de modo que […] gastam todo o dinheiro do salário, perdem seus documentos e não voltam para o trabalho, quando não muito praticam crimes.”
O comentário acima parece ter sido feito há mais de 100 anos, nos primórdios do mercado de trabalho assalariado no Brasil, mas foi proferido por uma juíza do Trabalho em Santa Catarina, neste ano.
A juíza Herika Machado da Silveira Fischborn se referia a 156 trabalhadores que não recebiam salários há pelos menos dois meses e tiveram seus documentos retidos pelos donos da fazenda onde colhiam maçãs, em abril de 2010.
Por lei, o empregador é obrigado a devolver a carteira de trabalho de um funcionário em até 48 horas após a assinatura do documento. Porém, segundo a juíza, a infração resultou em um suposto “benefício à sociedade”.
“O fato de reter a CTPS [carteira de trabalho] somente causa, na realidade, benefício à sociedade. É cruel isto afirmar, mas é verdadeiro. Vive-se, na região serrana, situação limítrofe quanto a este tipo de mão de obra resgatada pelos auditores fiscais do trabalho que, na realidade, causa dano à sociedade,” escreveu a juíza na sentença.
Sem dinheiro, documentos e transporte, os trabalhadores não conseguiam voltar para suas casas no interior do Rio Grande do Sul, de onde haviam saído com promessas de emprego. Eles sequer conseguiam chegar à cidade mais próxima, São Joaquim, a 40 quilômetros da fazenda onde trabalhavam, por estrada de chão.
Diante do caso, auditores fiscais do trabalho constataram o cerceamento de liberdade, suficiente para caracterizar trabalho análogo ao escravo, como define o artigo 149 do Código Penal. A juíza, porém, anulou parte dos autos de infração registrados pelos auditores. Segundo a magistrada, eles agiram “de forma cruel” ao permitir que os trabalhadores voltassem “ao ciclo vicioso de trabalho inadequado, vício, bebida, drogas, crack, crime e Estado passando a mão na cabeça”.
Juíza pede que Polícia Federal investigue auditores fiscais
A magistrada não só anulou parte da operação dos auditores fiscais do trabalho, mas também pediu que a Polícia Federal os investigasse. Segundo Fischborn, eles “praticaram crime” porque “forçaram, inventaram e criaram fatos inexistentes”.
Ao negar os problemas encontrados no local, a juíza citou o procurador Marcelo D’Ambroso, que, durante a fiscalização, questionou a existência de trabalho escravo na fazenda. O procurador, hoje juiz do trabalho, teria dito que “não foi constatada a presença de barracos de lona ou choupanas para acomodação dos trabalhadores, uma das características típicas do trabalho escravo contemporâneo”. Procurado, D’Ambroso não atendeu ao pedido de entrevista da Repórter Brasil.
As cenas descritas pelos auditores fiscais e as fotografias tiradas na fazenda, porém, mostram que os alojamentos não se encaixam nos padrões mínimos determina dos pelo Ministério do Trabalho, que devem nortear o trabalho dos auditores nessas fiscalizações.
Em uma das regiões mais frias do Brasil, os trabalhadores da fazenda moravam em um barracão de alvenaria, em camas com pregos expostos, sem lençóis ou cobertores, e em colchões de espumas desgastadas. Segundo a descrição feita à época, “os banheiros não possuíam portas e eram integrados aos quartos, fazendo com que a água do banho escorresse por debaixo das camas e aumentasse a umidade do local.” Ali, também não existiam sequer vassouras e outros equipamentos de limpeza.
Lilian Rezende, a auditora fiscal que coordenou a ação, diz que não inventou fatos, e que sequer foi ouvida pela juíza, que teria extrapolado as suas funções. “[É um processo] que desde o início me condena de pronto, sem permitir minha defesa.”
Neste mês de setembro, a auditora levou o caso – cuja sentença foi proferida em março – ao Conselho Nacional da Justiça, responsável pela supervisão dos juízes em todo o país, e à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Em sua defesa, a auditora lembra que o dono da fazenda foi governador de Santa Catarina e deputado federal em 1988. Henrique Córdova esteve à frente do governo entre 1982 a 1983, pelo então Partido Democrático Social (PDS), criado a partir de ex-integrantes da Arena, partido de sustentação da ditadura militar.
O empregador hoje é defendido por Ângela Ribeiro, ex-juíza da Justiça do Trabalho em Santa Catarina.
Procurada, a advogada não respondeu às ligações e e-mails da reportagem. A assessoria de imprensa do Tribunal Regional do Trabalho também afirmou que a juíza Herika Fischborn não irá se manifestar porque “ainda não foi notificada pelo Conselho Nacional de Justiça”
Outra juíza já havia derrubado autos de infração
A decisão de Herika não é a primeira a favor do empregador. O trabalho de fiscalização já havia sido derrubado por outra juíza do trabalho de Santa Catarina, em 2012. Na ocasião, a magistrada anulou a caracterização de trabalho análogo ao de escravo.
O caso chegou ao Tribunal Superior de Trabalho, que devolveu o processo novamente para as instâncias inferiores, em Santa Catarina. O tribunal pediu que os 24 problemas encontrados pelos auditores fossem analisados separadamente, e que os juízes não entrassem no mérito do que definia ou não o trabalho escravo.
Enquanto isso, diante dessa sequência de decisões judiciais, o empregador não responderá na Justiça pelo crime de redução de pessoas ao trabalho análogo de escravo. Os auditores fiscais do trabalho, por sua vez, são os únicos que continuam a ter que se defender nesse caso.
Correção às 18:12 de 19/09: A advogada Ângela Ribeiro é ex-juíza do Trabalho em Santa Catarina. A reportagem havia informado incorretamente que Ângela Ribeiro havia sido desembargadora da Justiça do Trabalho.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Jorge Mussi determinou a execução provisória da sentença do fazendeiro Ronaldo Perão, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região a quatro anos e seis meses de reclusão, mais pena de multa, por manter trabalhadores em condições análogas a de escravos, em Garça, na região de Marília (SP).
(Fonte: MPF/SP)
A execução provisória da sentença foi requerida ao STJ pelo subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal que determinou que a execução da pena deve, sempre que possível, ser iniciada após o final do processo em segunda instância.
Segundo relatado na denúncia do MPF, protocolada em agosto de 2011, a existência do trabalho escravo foi descoberta por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, durante fiscalização realizada entre os dias 15 a 19 de junho de 2009. Todas as propriedades pertenciam a Ronaldo Perão, que, por meio de intermediadores, contratava os trabalhadores, prometendo bons ganhos.
No Sítio Engenho Velho, no município de Garça, foi encontrada a pior situação. Lá, 21 trabalhadores eram mantidos em condições de escravidão. O sítio fornecia todos os produtos que eram consumidos por eles e as vendas eram anotadas em uma caderneta, endividando constantemente estes empregados, que viviam sob a constante ameaça e tinham restrita liberdade de locomoção.
Alojamentos
Segundo a denúncia do procurador da República Célio Vieira da Silva, os trabalhadores viviam em alojamentos “indignos de ocupação humana”. Neles não havia janelas e as paredes eram repletas de frestas e rachaduras. Além disso, não tinham cama, nem cobertores. Sob uma temperatura média que variava, durante as noites, entre seis e 11 graus, eram obrigados a dormir no chão, protegidos apenas por sacos de adubo ou calcário vazios.
A imensa maioria dos trabalhadores não tinha nenhum tipo de registro trabalhista e todos recebiam salários abaixo do piso, com descontos irregulares a título de alimentação e vestuário. “Os trabalhadores laboraram por produção (R$ 6,00 a saca de café) e pagavam a título de alimentação ao empreiteiro R$ 3,00 por saca”, revelou o relatório elaborado pelos auditores fiscais do trabalho.
Além disso, em quatro outras propriedades da mesma família – Sítio “Santa Euclides”, Fazenda “Três Irmãos” e “Nova Mandaqui”, também em Garça, e na Fazenda “Santa Paulina”, em Vera Cruz, na mesma região -, os auditores lavraram 38 autos de infração, envolvendo 202 trabalhadores que não tinham registro trabalhista, não receberam equipamentos de segurança e moravam em “alojamentos inservíveis à moradia de seres humanos”.
Nessas propriedades, as moradias eram construídas em madeira, algumas cobertas com papelão ou lona, com buracos e frestas nas paredes. Também não havia camas nem lençóis ou cobertores. “Várias famílias eram mantidas no mesmo alojamento, com separação precária por pedaços de pano ou telhas de eternit, sem nenhuma privacidade”, apontou a denúncia.
Nesses alojamentos não foram encontrados banheiros nem fossas sépticas. Num dos alojamentos havia um único vaso sanitário e chuveiro, a mais de 50 metros de distância, para uso de mais de 20 pessoas e, ainda, com esgoto correndo a “céu aberto”.
Durante a fiscalização trabalhista, foi regularizada a situação de todos os trabalhadores, com registro em Carteira de Trabalho, rescisão contratual e pagamento de todos os direitos trabalhistas. Também foram emitidos os requerimentos de seguro desemprego e todos receberam ajuda para regressar às suas regiões de origem.
Cerca de 45,8 milhões de pessoas em todo o mundo estão sujeitas a alguma forma de escravidão moderna. A estimativa é do relatório Índice de Escravidão Global 2016, da Fundação Walk Free, divulgado ontem (30).
(Por Andreia Verdélio, Agência Brasil | Imagem: MPT)
Segundo o documento, 58% dessas pessoas vivem em apenas cinco países: Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão. Já os países com a maior proporção de população em condições de escravidão são a Coreia do Norte, o Uzbequistão, o Camboja e a Índia.
A escravidão moderna ocorre quando uma pessoa controla a outra, de tal forma que retire dela sua liberdade individual, com a intenção de explorá-la. Entre as formas de escravidão estão o tráfico de pessoas, o trabalho infantil, a exploração sexual, o recrutamento de pessoas para conflitos armados e o trabalho forçado em condições degradantes, com extensas jornadas, sob coerção, violência, ameaça ou dívida fraudulenta.
Embora seja difícil verificar as informações sobre a Coreia do Norte, as evidências são de que os cidadãos são submetidos a sanções de trabalho forçado pelo próprio Estado. No Uzbequistão, apesar de algumas medidas de combate à escravidão na indústria do algodão, o governo ainda força o trabalho na colheita do algodão.
No Camboja, há prevalência de exploração sexual e mendicância forçada e os dados do relatório destacam a existência de escravidão moderna na indústria, agricultura, construção e no trabalho doméstico. Já na Índia, onde 18,3 milhões de pessoas estão em condição de escravidão, apesar dos esforços do governo em lidar com a vulnerabilidade social, as pesquisas apontam que o trabalho doméstico, na construção, agricultura, pesca, trabalhos manuais e indústria do sexo ainda são preocupantes.
No último relatório, de 2014, cerca de 35,8 milhões de pessoas viviam nessa situação.
Escravidão moderna
Segundo a Walk Free, a escravidão moderna é um crime oculto que afeta todos os países e tem impacto na vida das pessoas que consomem produtos feitos a partir do trabalho escravo. Por isso, é preciso o envolvimento dos governos, da sociedade civil, do setor privado e da comunidade para proteção da população vulnerável.
SAIBA MAIS: Trabalho Escravo, 2015: Recuo dos números, crescimento das ameaças
Brasil é julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por caso de trabalho escravo
ONU alerta Brasil para impunidade caso país mude lei sobre trabalho escravo
Segundo a fundação, quase todos os países se comprometeram a erradicar a escravidão moderna por meio de suas legislações e políticas. Os governos que mais respondem no combate ao trabalho forçado são aqueles com Produto Interno Bruto (PIB) mais elevado como a Holanda, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Suécia e a Austrália. As Filipinas, a Geórgia, o Brasil, a Jamaica e a Albânia estão fazendo grandes esforços, apesar de ter relativamente menos recursos do que países mais ricos, segundo a Walk Free.
No prefácio do relatório ao qual a reportagem da Agência Brasil teve acesso, o fundador e presidente da Walk Free, Andrew Forresto, diz que o Brasil foi um dos países pioneiros na divulgação de uma lista de empresas nacionais multadas na Justiça pela utilização de trabalho forçado. Uma liminar impedia a publicação da chamada Lista Suja do Trabalho Escravo desde dezembro de 2014. Na semana passada, entretanto, o Supremo liberou a divulgação dos nomes das empresas autuadas.
Os governos que menos fazem para conter a escravidão moderna, segundo o relatório, são a Coreia do Norte, o Irã, a Eritreia, a Guiné Equatorial e Hong Kong.
Na avaliação da entidade, levando-se em conta o Produto Interno Bruto (PIB) e a riqueza relativa do país, Hong Kong, Catar, Singapura, Arábia Saudita e Bahrein poderiam fazer mais para resolver problemas de escravidão moderna dentro de suas fronteiras.
Segundo a Walk Free, muitos países, incluindo as nações mais ricas, continuam resgatando vítimas, enquanto muitos não conseguem garantir proteções significativas para os trabalhadores mais vulneráveis.
A pobreza e a falta de oportunidades são fatores determinantes para o aumento da vulnerabilidade à escravidão moderna. Os estudos também apontam para desigualdades sociais e estruturais mais profundas para que a exploração persista - a xenofobia, o patriarcado, as classes e castas, e as normas de gênero discriminatórias.
Escravidão no Brasil e nas Américas
Segundo a Walk Free, o Brasil tem 161,1 mil pessoas submetidas à escravidão moderna – em 2014, eram 155,3 mil. Apesar do aumento, a fundação considera uma prevalência baixa de trabalho escravo no Brasil, com uma incidência em 0,078% da população.
O relatório aponta que a exploração no Brasil geralmente é mais concentrada nas áreas rurais, especialmente em regiões de cerrado e na Amazônia. Em 2015, 936 trabalhadores foram resgatados da condição de escravidão no país, em sua maioria homens entre 15 e 39 anos, com baixo nível de escolaridade e que migraram dentro do país buscando melhores condições de vida.
Nas Américas, pouco mais de 2 milhões de pessoas são vítimas de trabalho escravo, mais identificados na Guatemala, no México, no Chile, na República Dominicana e na Bolívia. Os resultados da Walk Free sugerem que os setores de trabalho manuais, como a construção, os trabalhos em fábricas e domésticos são os que concentram mais escravos modernos nas Américas.
O país com maior número de pessoas submetidas à escravidão é o México, com 376,8 mil. Os governos com melhores respostas no combate a esse crime são os Estados Unidos, a Argentina, o Canadá e o Brasil.
O relatório completo da Walk Free está disponível na internet.
O governo federal assinou, nesta quarta (11), uma nova portaria interministerial que recria o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo. A “lista suja'' do trabalho escravo, como ficou conhecida, estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal desde dezembro de 2014, atendendo a um pedido de uma associação de incorporadoras imobiliárias.
(Por Leonardo Sakamoto, do Blog do Sakamoto | Imagem: A Pública)
Publicada e atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social desde novembro de 2003, a “lista suja'' garante transparência aos nomes de pessoas físicas e jurídicas flagradas com trabalho escravo por equipes de fiscalização do governo federal. É considerada pela Organização Internacional do Trabalho um exemplo internacional no combate a esse crime e era usada por empresas nacionais e estrangeiras, além de governos, no gerenciamento de risco de suas relações comerciais e financeiras.
Assinaram o novo texto, no início da noite, o ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, e a ministra das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes.
Não há previsão para a publicação de uma nova relação, que deve ficar a cargo do Ministério do Trabalho sob a gestão Michel Temer.
“Essa portaria é mais um instrumento para combatermos esta prática inaceitável que agride a condição humana de brasileiras e brasileiros. Trabalho escravo nunca mais neste país'', afirmou Miguel Rossetto.
A nova portaria busca esclarecer um dos principais argumentos utilizados por Lewandowski para embasar sua decisão: a de que a portaria anterior violava o direito à ampla defesa dos empregadores por não especificar mecanismos e instâncias.
Miguel Rossetto conversou com a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no Supremo, na manhã desta quarta. Ela afirmou que o mais importante era garantir o direito de defesa do empregador antes da inclusão na “lista suja''. Rossetto apresentou as mudanças que a nova portaria teria em relação à antiga.
No ano passado, ela havia alertado ao governo para que não publicasse uma nova lista de empregadores enquanto esses pontos não fossem esclarecidos. O Ministério do Trabalho e a então Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República tinham anunciado uma portaria interministerial em 31 de março de 2015 com o mesmo objetivo, mas conteúdo diferente, da portaria assinada nesta quarta. Na época, o STF considerou que aquele texto não resolvia os pontos levantados por Lewandovski e manteve a suspensão.
Nesta versão da portaria, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de empregadores. A inclusão na “lista suja'' passa a depender da aplicação de um auto de infração específico para condições análogas às de escravo. Até agora, a caracterização poderia ocorrer também através de um conjunto de autos de infração, demonstrando a existência de trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. Isso deve facilitar a defesa dos empregadores.
“Área de Observação''
Ao mesmo tempo, foi criada a possibilidade de uma “porta de saída''. Até agora, o empregador inserido no cadastro permanecia por, pelo menos, dois anos, e sua saída – após esse prazo – dependia da regularização de sua situação junto ao Ministério do Trabalho e da melhoria das condições no seu estabelecimento.
A partir da portaria desta quarta, o empregador que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo judicial com o governo federal, adotando uma série de medidas, permanecerá em uma espécie de “área de observação'' do cadastro, com as empresas flagradas, mas que estão atuando na melhoria de seu negócio. Essa área também será divulgada. Cumprindo as exigências, poderão pedir sua exclusão dela partir de um ano. E, se descumprirem o acordo, serão retiradas da observação e remetidas à lista principal.
Entre as exigências para constar nessa segunda lista estão a renúncia a qualquer tentativa de desqualificar a fiscalização sofrida; o pagamento de débitos trabalhistas e previdenciários relacionados ao caso; o pagamento de indenização aos trabalhadores resgatados; o ressarcimento aos cofres do Estado dos custos com o resgate e com o seguro-desemprego fornecido aos trabalhadores; a qualificação e a contratação de trabalhadores egressos do trabalho escravo em um número, pelo menos, três vezes maior que o de resgatados.
Também inclui a implementação de um programa de auditoria e monitoramento do respeito aos direitos trabalhistas dos seus empregados diretos e terceirizados; o envio de relatórios semestrais sobre a adoção das medidas; a obrigação da prestação de contas diante da União e das entidades da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); entre outras medidas relacionadas.O monitoramento ficará a cargo da Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho.
A assinatura do acordo com a União não desobrigará a empresa de responder a demandas e processos judiciais. Acordos firmados com o Ministério Público do Trabalho são válidos para este caso se contemplarem as medidas aqui previstas.
Após a cerimônia de assinatura, a nova portaria foi encaminhada para publicação no Diário Oficial da União. A Advocacia Geral da União deve entrar com pedido de perda de objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade, que suspendeu a divulgação da lista, com base no fato da nova portaria substituir a antiga e explicar os meios para a defesa do empregador.
A Organização das Nações Unidas havia defendido, no dia 29 de abril, a reativação da “lista suja''. Em um documento divulgado pelas agências das Nações Unidas no Brasil destacou avanços significativos do país no combate a esse crime, lembrando que ele é referência mundial. Mas faz alertas contundentes sobre ameaças ao sistema de combate à escravidão e traz recomendações e destaca a questão da lista.
“Nota-se uma crescente tendência de retrocesso em relação a outras iniciativas fundamentais ao enfrentamento do trabalho escravo, como por exemplo, o Cadastro de Empregadores flagrados explorando mão de obra escrava, comumente reconhecido por “lista suja”, que foi suspenso no final de 2014 devido a uma liminar da mais alta corte brasileira em sede de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.''
Entenda o caso
Em meio ao plantão do recesso do final de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja'' do trabalho escravo. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que ele deveria ser organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial. Com a suspensão, uma atualização da relação que estava para ser divulgada no dia 30 de dezembro foi bloqueada.
Diante da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, proibindo o governo federal de divulgar a “lista suja'' do trabalho escravo, este blog, a ONG Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo solicitaram, com base na Lei de Acesso à Informação, que o Ministério do Trabalho (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final nos dois anos anteriores. Ou seja, um conteúdo aproximado do que seria a “lista suja'' se estivesse disponível.
Além da primeira divulgação, em março de 2015, duas atualizações dessa “Lista de Transparência do Trabalho Escravo'', como vem sendo chamada, foram divulgadas, em setembro de 2015 e fevereiro de 2016. Ela passou a ser usada por bancos públicos e privados, empresas frigoríficas, redes de supermercados, entre outras empresas, no gerenciamento de risco de seu negócio.
Considerando que a “lista suja'' nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, a Lei de Acesso à Informação (12.527/2012), que obriga o governo a fornecer informações públicas, garante a divulgação dessa “Lista de Transparência'' mesmo que a “lista suja'' volte a estar disponível.
Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa. A portaria que regulamentava a suspensa “lista suja'' não obrigava o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência e a nova portaria segue o mesmo caminho. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
Vale informar que este jornalista está respondendo a um processo criminal por difamação movido por uma empresa que teve seu nome divulgado na relação fornecida pelo Ministério do Trabalho via Lei de Acesso à Informação. Ou seja por garantir transparência a dados públicos.
A Organização das Nações Unidas defendeu, nesta sexta (29), a manutenção do atual conceito de trabalho escravo vigente no Brasil e a reativação do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a “lista suja'', suspensa pelo Supremo Tribunal Federal desde o final de 2014.
(Por Leonardo Sakamoto, UOL/Imagem: MPT)
O posicionamento é importante uma vez que há uma disputa no Congresso Nacional em torno da definição do que é trabalho escravo contemporâneo. Pelo menos três projetos tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a fim de reduzir os elementos que caracterizam escravidão e, portanto, a sua punição. Contam com o apoio da bancada ruralista, entre outros setores econômicos, e de nomes próximos a Michel Temer, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR) – responsável por um deles.
O documento divulgado pelas agências das Nações Unidas no Brasil destaca avanços significativos do país, lembrando que ele é referência internacional no combate a esse crime. Mas faz alertas contundentes sobre ameaças ao sistema de combate à escravidão e traz recomendações. “Nesse cenário de possíveis retrocessos, cabe à ONU lembrar à comunidade brasileira seu lugar de referência no combate ao trabalho escravo para a comunidade internacional'', afirma a ONU. A divulgação ocorre às vésperas das comemorações do Dia do Trabalho, neste domingo.
Desde 2003, são quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (quando a violação de direitos fundamentais coloca em risco a saúde e a vida do trabalhador) e jornada exaustiva (em que ele é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga que acarreta danos à sua saúde ou risco de morte).
Há parlamentares, contudo, que afirmam que é difícil conceituar o que sejam esses dois últimos, o que geraria “insegurança jurídica''. Querem que as condições em que se encontram os trabalhadores não importem para a definição de trabalho escravo, apenas se ele está em cárcere ou não. Isso, contudo, é criticado pelo documento
Para Luiz Machado, coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, “as Nações Unidas, o Brasil deve sustentar e intensificar os esforços no combate ao trabalho escravo para alcançar sua erradicação definitiva''.
“Em 2003, o país atualizou sua legislação criminal, introduzindo um conceito moderno de trabalho escravo, alinhado com as manifestações contemporâneas do problema, que envolve não só a restrição de liberdade e a servidão por dívidas, mas também outras violações da dignidade da pessoa humana'', afirma o documento das Nações Unidas.
“Esse conceito, tido pela Organização Internacional do Trabalho como uma referência legislativa para o tema, está em consonância com suas Convenções'', conclui.
O texto alerta sobre os projetos que visam a mudar o conceito: “Situações em que trabalhadores são submetidos a condições degradantes ou jornadas exaustivas, maculando frontalmente sua dignidade, ficariam impunes caso essa alteração legislativa seja aprovada''.
Cita diretamente o projeto de lei 432/2013 que regulamenta a emenda 81/2014, antiga PEC do Trabalho Escravo – que prevê o confisco de propriedades em que escravos forem encontrados e sua destinação a reforma agrária e ao uso habitacional urbano, uma importante conquista da sociedade. Parlamentares ruralistas estão tentando usar o projeto de regulamentação como “Cavalo de Tróia'', inserindo a mudança no conceito.
As Nações Unidas também citam outras ameaças ao sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil. “Nota-se uma crescente tendência de retrocesso em relação a outras iniciativas fundamentais ao enfrentamento do trabalho escravo, como por exemplo, o Cadastro de Empregadores flagrados explorando mão de obra escrava, comumente reconhecido por “lista suja”, que foi suspenso no final de 2014 devido a uma liminar da mais alta corte brasileira em sede de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade''.
Também cita a redução do número de agentes do estado envolvidos na fiscalização desse crime. Por fim, traz oito recomendações ao país:
1) Manter o atual conceito de trabalho escravo contemporâneo, previsto no artigo 149 do Código Penal;
2) Reativar a “lista suja'' do trabalho escravo;
3) Fortalecer a inspeção do trabalho;
4) Fortalecer programas de assistência às vítimas;
5) Investigar, julgar, punir e executar sentenças condenatórias sobre trabalho escravo de maneira célere;
6) Ratificar a Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias;
7) Garantir que empresas e o Estado observem os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos e fortalecer o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo;
8) Ratificar o Protocolo Adicional à Convenção número 29 da OIT, que atualiza o combate ao trabalho escravo em todo o mundo.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 21 milhões de pessoas estavam submetidas a trabalho forçado no mundo em 2012, gerando um lucro anual de 150 bilhões de dólares.
Apesar de a escravidão ter sido expressamente abolida em diversos países, seu uso continua disseminado sob “formas contemporâneas de escravidão”, que incluem violações diversas de trabalho forçado e de trabalho infantil, a utilização de crianças em conflitos armados, a servidão por dívidas, a servidão doméstica, casamentos servis, a escravidão sexual e o tráfico de pessoas.
Clique aqui para baixar o documento das Nações Unidas.
Governo brasileiro foi julgado por omissão no combate aos casos da fazenda Brasil Verde. Confira artigo de Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo.
Xavier Plassat*
San José da Costa Rica – A audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em 18 e 19 de fevereiro para julgar ação movida contra o Estado brasileiro por omissão no combate ao trabalho escravo no caso da fazenda Brasil Verde, no Pará, desenvolveu-se da melhor maneira possível, do nosso ponto de vista de peticionários.
Agora, a sentença deve sair dentro de 6 meses, dando uma resposta ao caso que a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização na qual eu milito, e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), apresentaram em 1998 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A denúncia encaminhada à Corte pela CIDH aponta que o Estado não tomou providências necessárias para evitar a exploração de trabalhadores na fazenda entre 1988 e 2000, apesar dos alertas. Além disso, não fez esforços para punir os donos da propriedade.
Ao longo daqueles doze anos, nas seis ocasiões em que fiscais do governo estiveram na propriedade, 340 trabalhadores foram resgatados. Infelizmente, a Brasil Verde era apenas um caso entre centenas de outros esquecidos pelo Estado, que relegou dezenas de milhares de pessoas à condição de escravos.
Durante a audiência na Corte, conseguimos evidenciar a realidade, brutal e sistemática, do trabalho escravo naquela época, destacando elementos que constituíam um verdadeiro “padrão”, uma prática sistemática, especialmente naquela região norte. Mostramos que, apesar de inegáveis instrumentos e avanços produzidos ao longo desses anos, continua chocante a ineficiência do combate ao trabalho escravo.
Nesse contexto de passado que, sob vários aspectos, permanece até o presente, surge, como mais um desafio, a sinalização de profundos retrocessos em processo no Congresso e em setores do Executivo e do Judiciário. Serão retrocessos consumados se não reagirmos à altura destes desafios e se – em situações como a evidenciada no caso da Brasil Verde – não for mandado ao Estado o recado adequado.
As testemunhas e peritos chamados a falar durante a audiência não deixaram margem para dúvida quanto à caracterização da situação constatada na Brasil Verde e na região na mesma época, ou à lamentável leviandade do tratamento dado a esses fatos pelas autoridades. Já na época, ficava claro que a negação da liberdade nesses cantos isolados podia se dar de muitas maneiras, entre elas a imposição de dívidas impagáveis, a submissão à mais degradante condição, a coação psicológica ou a coerção brutal por capangas.
Leonardo Sakamoto, conselheiro do Fundo das Nações Unidas contra Formas Contemporâneas de Escravidão, esclareceu o contexto e o entendimento do sistema da escravidão moderna, uma realidade que presenciou na Amazônia em várias oportunidades e analisou à luz de sua experiência internacional: é um crime movido à ganância, miséria e impunidade.
Sakamoto também frisou a importância dos mecanismos inovadores criados no Brasil a partir de 2003, com a finalidade de, no mercado, separar o joio do trigo, dando transparência à atuação da fiscalização. Mas lamentou os redobrados ataques a esses mecanismos, provenientes de grupos econômicos atingidos pela fiscalização, bem como a fraca resposta do Estado a essa situação.
Ana de Souza Pinto, que atua na CPT de Xinguara, no Pará, expôs as deploráveis condições que trabalhadores fugidos de fazendas desta região, onde está a sede da Brasil Verde, vinham lhe relatar: não era um ou outro caso, eram centenas de casos, envolvendo milhares de trabalhadores, acolhidos com humanidade, atenção e rigor, de maneira a embasar as denúncias encaminhadas à fiscalização federal.
Ela descreveu também o perfil recorrente desses trabalhadores, geralmente aliciados no Maranhão, Piauí ou Tocantins, migrantes por necessidade, vítimas de promessas enganosas, tratadas pior do que animais: homens na força da idade e jovens, analfabetos ou com precária educação formal (por já terem iniciado o trabalho pesado desde a infância). Ana insistiu na força do poder econômico representado pelos fazendeiros, e na violência ali reinante.
Com base na extensa pesquisa que realizou em centenas de casos notificados entre 1995 e 2004, dentre eles 142 casos típicos de escravidão envolvendo mais de 7700 pessoas, Raquel Elias Ferreira Dodge, subprocuradora geral da República, desenhou o padrão característico do trabalho escravo na fronteira agrícola do Pará, suas rotas, seus atores e sua forma de atuação em concurso, na busca de vantagens. Ela cobrou e apontou para uma estratégia judicial adequada à natureza do crime de colarinho branco.
Pela Comissão Interamericana, declarou o perito Cesar Rodriguez. Ficou evidente que o Estado, desde 1989 e de forma repetida, teve notícia de suspeitas e, por várias vezes, de evidências de trabalho escravo na Brasil Verde. Mesmo assim, não atuou a contento. Argumentos apresentados pelo perito do Estado Jean Allain, tendendo a descartar a qualificação de trabalho escravo para as situações então constatadas pelos fiscais, não convenceram.
Outros testemunhos e outras perícias foram oportunamente juntados ao processo, na forma de escritos de especialistas incontestes arrolados pelos peticionários, entre fiscais do trabalho, gestores públicos, peritos internacionais, procuradores, juízes ou acadêmicos.
Questões em disputa dizem respeito, entre outras, à realidade da qualificação dos fatos do caso Brasil Verde, por terem ocorrido em período anterior à clarificação legal do conceito de trabalho escravo, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2003, à realidade das ações desempenhadas pelo Estado, à competência da Corte para conhecer dos fatos, ações e omissões trazidos à tona.
O fato de outros países deste continente terem uma conduta eventualmente bem pior que a do Brasil não o exime de ter de corrigir seus defeitos e superar seus limites e omissões. E não são poucos: nenhuma ação real – sistemática – de prevenção voltada aos públicos em situação de vulnerabilidade ao tráfico, ao aliciamento, à migração de risco e ao trabalho escravo; baixa histórica na capacidade de intervenção do Estado (faltam 1000 fiscais!); lista suja jogada às nuvens e conceito legal de trabalho escravo sob tiroteio.
Sem falar na impunidade gritante: de quase 2300 empregadores escravagistas já flagrados por esse crime desde 1995 (com mais de 50 mil pessoas resgatadas pela fiscalização), nenhum – nenhum! – ainda cumpriu pena de prisão, como manda o art. 149 do código penal.
Dizem que os casos de trabalho escravo no Brasil estão em redução? Na verdade, está diminuindo, sim, o número de resgatados do trabalho escravo (em média 2.000 por ano nos últimos cinco anos, contra 4.500 anuais nos anos de 2003 a 2010). Isso não significa exatamente a mesma coisa. Continua desafiadora a exigência de conseguirmos detectar situações atuais de trabalho escravo, hoje bem mais dissimuladas em nosso meio, no campo e na cidade, na agricultura, na construção, no extrativismo, na mineração, na indústria, na pesca, no comércio.
Ficou triste – revoltante até – ter que ouvir do representante do Estado (Advocacia Geral da União) nas audiências da Corte uma cínica negação da realidade de trabalho escravo constatada na época na fazenda Brasil Verde, em discurso que pouco se diferenciava do argumento de um ruralista impenitente. Como bem disse o representante da Comissão Interamericana na conclusão das alegações finais, dirigindo-se ao Estado: faltaria então nos explicar porque o Estado resolveu, na época, resgatar dessa fazenda aqueles tantos trabalhadores: resgatar do quê?
Aguardaremos a sentença da Corte, prevista para sair, esperamos, até julho ou setembro deste ano. Essa sentença, além de determinar a reparação dos danos sofridos por mais de 300 trabalhadores explorados sucessivamente na Brasil Verde, deve também enunciar parâmetros importantes – válidos para o conjunto dos países membros da OEA – para que o trabalho escravo seja devidamente – e com a máxima energia – identificado, prevenido, combatido e sancionado, no Brasil e fora do Brasil. Sem esbarrar em institutos inadmissíveis como o da prescrição, que ainda vigora no Brasil, mesmo para crimes tão repugnantes como o de reduzir alguém à condição análoga à de escravo. Uma situação que, de acordo com a Convenção Americana assinada pelo Brasil, não se pode admitir.
Ao iniciar as alegações finais, os peticionários saudaram a atuação corajosa do frei Henri Burin des Roziers, autor, em 1998, da inicial do caso Brasil Verde na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e que, desde Paris, no mesmo dia da audiência e auspiciosamente, celebrou seu 86°aniversário, com a apresentação de mais um livro, este intitulado “Comme une rage de justice” (Como uma raiva de justiça).
* Xavier Plassat é coordenador da campanha nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo.