Fiscalização encontrou mais de 2600 trabalhadores submetidos a condições degradantes e ilegais de trabalho em fazendas de cana de açúcar no sul de Minas Gerais.
Se as primeiras denúncias de trabalho escravo reveladas pela CPT datam do início dos anos setenta – como a própria CPT, a computação sistemática das informações sobre este crime foram se consolidando gradualmente a partir de 1985, através da sistematização dos dados no relatório Conflitos no Campo Brasil. 2.630 é a média de trabalhadores libertados da escravidão entre os anos 2010 e 2014). Confira em anexo texto de Xavier Plassat, da coordenação da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo, sobre esses 30 anos de luta pela erradicação da escravidão.
Tendo em vista o marco legal e a realidade da fiscalização, os critérios que conduzem a denunciar determinada situação como sendo de trabalho escravo foram sendo aperfeiçoados e aprimorados. A Campanha nacional que a CPT iniciou formalmente em 1997 (“De Olho Aberto para não Virar Escravo!”) trouxe explicitamente essa preocupação de qualificar as denúncias e garantir a credibilidade dos fatos revelados, especialmente perante as instâncias nacionais (Ministério Público, CDDPH) ou internacionais (OIT, OEA, ONU) acionadas, com sucesso, para reverter o negacionismo e a omissão do poder público, da classe política e, na época, dos setores ruralistas (hoje acompanhados por outros setores: construção, confecção, etc). Pela seriedade e relevância de suas denúncias, a CPT, conseguiu derrotar os que então denuciavam o chamado “denuncismo” alegadamente praticado pela entidade .
“O PL 4330 é uma grande ofensiva do capital para eliminar conquistas dos trabalhadores”. Confira a entrevista que Rel-UITA fez com frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra.
Dois acusados de serem mandantes do crime queriam tirar o processo de Belo Horizonte, mas o pedido foi negado. Data depende agora da Justiça Federal em Minas.
A histórica cidade de São Félix do Araguaia (MT) recebeu entre os dias 21 e 23 de abril a primeira etapa do plano de formação de agentes da Campanha da Comissão Pastoral de Terra (CPT) de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo de 2015.
Assessorado por Ruben Siqueira, membro da CPT Bahia e da coordenação executiva nacional da CPT, o encontro reuniu agentes pastorais de oito estados atuantes na Campanha - BA, MA, MG, MT, PA, PI, RO e TO e integrantes do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, de Açailândia (MA).
Um dos objetivos do encontro foi avaliar os desafios, dificuldades e avanços da Campanha, e socializar as experiências de cada equipe no coletivo. Os dois primeiros dias se basearam na formação desses agentes.
Outro objetivo do encontro foi discutir e rememorar o que é a CPT, abordando sua missão, espiritualidade e a relação com a teologia da libertação. “Sou imensamente grato à Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo por fazer um primeiro encontro nacional da CPT aqui e me convidar para assessorá-lo”, afirma Ruben – leia o depoimento completo de Ruben ao fim deste texto.
Naturalmente, a história da CPT também foi trabalhada com especial atenção, principalmente pelo local onde o encontro foi realizado. O município de São Félix do Araguaia e região são símbolos da resistência dos camponeses e dos povos indígenas diante da exploração do latifúndio.
É em São Félix onde ainda reside Dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da CPT e a primeira figura a fazer uma denúncia pública referente à existência de trabalho escravo no Brasil. Desde que chegou ao Brasil, vindo da Espanha, no final da década de 1960, Casaldáliga sempre dedicou sua vida à convivência e defesa dos oprimidos, em especial das famílias camponesas.
Estar em uma terra recheada de história e mística reanima e inspira a caminhada dos agentes da Campanha, que tomam como exemplo Dom Pedro Casaldáliga na entrega a uma missão de partilha e acolhimento do povo camponês.
O grupo realizou uma mística no Cemitério dos Peões, em São Félix. Cemitério esse onde foram enterrados os peões mortos nos anos 1970 e 1980. Hoje está praticamente abandonado, o que é um descaso com a memória dos mártires anônimos e esquecidos pela sociedade na beira do Araguaia. O grupo da CPT enviou um ofício para a prefeitura solicitando a manutenção desse espaço histórico para as famílias de São Félix do Araguaia.
Abaixo, leia o depoimento de Ruben Siqueira sobre a experiência de estar em São Félix do Araguaia e seu reencontro com Pedro Casaldáliga:
Em São Félix do Pedro do Araguaia
Foi a realização de um sonho estar pela primeira vez em São Félix do Araguaia, depois de tantos anos na CPT (34). Rever Pedro Casaldáliga, respirar o ar de tanta caminhada, de peões, indígenas, camponeses e agentes de pastoral de uma pequena e imensa igreja de Cristo, luminosa, provado no martírio sua fidelidade a Jesus do Evangelho, como poucas a concretizar a Boa-Notícia aos pobres e oprimidos. Sou imensamente grato à Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo por fazer um primeiro encontro nacional da CPT aqui e me convidar para assessorá-lo, com o tema “CPT – missão, história, espiritualidade e Teologia da Libertação”. Não poderia ter lugar melhor!
Sinto-me renovado na fé e na Caminhada, pela visita ao Santuário dos Mártires em Ribeirão Cascalheira sob chuva grossa; pela reza matinal no Cemitério (abandonado) dos Peões, a cheia do Araguaia quase o invadindo; pelo filme sobre Pedro “Descalço sobre a terra vermelha” e pelo emocionado reencontro com ele depois de tanto tempo, na partilha da oração, da mesa e da conversa com ele, os padres Félix, Ivo e Saraiva e a companheira Zezé dos tempos do Nacional em Goiânia. Um bálsamo depois de tanta devastação operada pelas monoculturas do agronegócio vista ao longo das estradas desde Cuiabá.
A casa de Pedro é um santuário, sem muro, porta sempre aberta, as paredes sem reboco cobertas de símbolos e imagens a lembrar histórias, companheiros – tantos mártires – e lutas que marcam e animam a Caminhada, seu quarto humilde, uma fina cortina por porta. A capelinha no quintal, próxima à mata, aberta quase sem paredes, é um convite à oração e à fraternidade eucarística, cósmica. Guarda relíquias preciosas martiriais que Pedro faz questão de mostrar: pedacinhos da roupa de Oscar Romero e do crânio de Ellacuría.
Sentado na varanda, após a reza, ainda mais frágil pelo mal de Parkinson, agora seu “companheiro mais próximo”, Pedro observa e interage com o povo da Prelazia, a sua gente de sempre. Nos 20 minutos de conversa que tivemos, sua dificuldade na fala não impediu que eu sorvesse de sua sabedoria santa. Contou de seu alívio e contentamento com a eleição de dom Sérgio Rocha para a presidência da CNBB, mostrou-se preocupado com a conjuntura do país, perguntou pelos movimentos sociais (a Via Campesina em especial) e pela CPT, que “não está acima dos outros” e deve seguir firme... Disse-me que “a vida é cada dia”, lição de seu martírio cotidiano, muito mais terrível do que se fosse matado, como passou a desejar depois de tantos que viu matados, alguns em seu lugar, todos pela Causa do Reino.
“Saber esperar, sabendo / que o tempo já não existe” diz um de seus poemas. Tempo de correr contra o tempo e adiantar a Caminhada. Vou de São Félix levando nos braços marcas Karajá para prolongar a lembrança destes dias. Nas mãos o frescor das mãos diáfanas de Pedro. No coração sua imagem vitoriosa. “Awiri soré”, dizem os Karajá, “tudo bem demais”!
Ruben Siqueira – CPT Bahia / CPT Nacional - SFA, 24.04.15
Três meses após a revogação da “lista suja” pelo STF, uma nova portaria interministerial recria o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo, utilizando a Lei de Acesso à Informação como amparo legal.
(Por Marcel Gomes, Repórter Brasil)
Três meses após a revogação da lista suja pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo federal anunciou, nesta terça-feira (31), a edição de uma nova portaria interministerial que recria o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo, utilizando a Lei de Acesso à Informação como amparo legal.
Assinaram o novo texto, no início da tarde, o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, e a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Ideli Salvatti. A relação deve estar disponível nos sites dos ministérios na próxima semana.
A nova portaria, redigida com auxílio da Advocacia Geral da União (AGU), busca esclarecer um dos principais argumentos utilizados por Lewandowski para embasar sua decisão: a de que a portaria anterior, agora revogada, não explicitava procedimentos e instâncias a serem acionados pelos advogados de um empregador acusado por trabalho escravo, o que violaria seu direito à ampla defesa.
“A nova portaria moderniza e agiliza a tramitação do processo sobre trabalho escravo. Não alteramos o conteúdo, mas facilitamos para que não haja dúvida quanto à validade e à legalidade dos processos”, explicou Dias. A ministra Ideli também enfatizou que não foi modificado, em essência, o que já vinha sendo feito. “Trata-se de uma portaria de aperfeiçoamento”, disse.
Para se antecipar eventuais críticas sobre o relançamento da lista suja, o texto da nova portaria cita a Lei de Acesso a Informação (LAI) como amparo legal para que a sociedade saiba os nomes dos empregadores cujos processos sobre trabalho escravo tenham transitado administrativamente em primeira e segunda instâncias.
Foi com base na LAI que a Repórter Brasil em conjunto com o Blog do Sakamoto tiveram acesso aos nomes dos empregadores que foram flagrados com trabalho escravo pelo MTE e divulgou, há cerca de um mês, uma lista similar àquela vetada por Lewandowski. A ministra reconheceu publicamente em seu discurso a iniciativa.
“Um dos que iluminou a saída para essa nova portaria foi a Repórter Brasil, que, utilizando a LAI, teve acesso à lista. Isso demonstra que a legislação em vigor ampara a divulgação dela”, afirmou. Com o mesmo objetivo, a portaria também cita outros acordos internacionais celebrados pelo Brasil, como convenções da OIT e sobre direitos humanos da ONU.
O retorno da lista suja foi celebrado por quem acompanhou a cerimônia de lançamento da nova portaria, realizada na sede da SDH, em Brasília. O especialista em saúde do trabalhador Sílvio Brasil, que está assumindo a secretaria executiva da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), aponta que o novo texto oferece menos brechas a empresas que buscam liminares na Justiça contra sua inclusão na lista.
A Conatrae é um orgão que reúne representantes do poder público, do Ministério Público, do setor privado e da sociedade civil para discutir, elaborar e monitorar as políticas de combate à escravidão contemporânea no país. A Repórter Brasil integra o colegiado.
Luiz Machado, coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, destacou que a relação de empregadores é um dos mais importantes instrumentos existentes no país para combater o problema, inclusive com reconhecimento internacional das Nações Unidas.
“A assinatura da nova portaria reforça o compromisso do governo brasileiro na erradicação do trabalho escravo no Brasil, um país que já é referência internacional no assunto. Trata-se de um mecanismo que publiciza o ato administrativo e ajuda a promover ações de responsabilidade social empresarial, garantindo sustentabilidade em cadeias globais de fornecimento e produção”, disse Machado.
A ministra Ideli declarou que a volta da lista suja “à normalidade” garante ao setor privado um instrumento fundamental para seu funcionamento. “O trabalho escravo é um afronta à livre-concorrência, porque a empresa que o utiliza reduz significativamente e de forma desleal seus custos, submetendo seres humanos a condições aviltantes”, declarou.
Ela lembrou que a assinatura da nova portaria ocorre em 31 de março, data que marca o início do último golpe militar no país, há 51 anos. “Um país como o nosso, que teve mais de três séculos de escravidão e décadas de ditadura, não pode admitir nem escravidão, nem ditadura”, afirmou.
Após a cerimônia de assinatura, a nova portaria foi encaminhada para publicação no Diário Oficial da União, o que deve ocorrer nesta quarta-feira (1). A partir de então, o MTE elaborará a nova lista que será divulgada.
Estima-se que ela conterá pouco mais de 400 nomes de empregadores flagrados por trabalho escravo e que tiveram suas autuações confirmadas após defesa administrativa em primeira e segunda instâncias entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. Deve haver pouca ou nenhuma diferença com relação à lista obtida pela Repórter Brasil junto ao MTE através da LAI e já divulgada.
Entenda o caso
Em meio ao plantão do recesso do final do ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que ele deveria ser organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial, como é hoje.
Os nomes permaneciam na “lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público. Com a suspensão, uma atualização da relação que estava para ser divulgada no dia 30 de dezembro foi bloqueada. O cadastro, criado em 2003, é um dos principais instrumentos no combate a esse crime e tido como referência pelas Nações Unidas.
Diante da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, proibindo o governo federal de divulgar a “lista suja” do trabalho escravo, a Repórter Brasil solicitou com base na Lei de Acesso à Informação, que o Ministério do Trabalho e Emprego (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. Ou seja, um conteúdo aproximado do que seria a “lista suja” se estivesse disponível.
Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, uma lista semelhante ao cadastro bloqueado foi solicitada pela Repórter Brasil, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) – que obriga o governo a fornecer informações públicas – e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa. A portaria que regulamentava a suspensa “lista suja” não obrigava o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência. Muito menos a relação aqui anexa. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
Após a suspensão do cadastro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal, que usavam o cadastro antes de fechar novos negócios, deixaram de checar casos de trabalho escravo.
Outros bancos privados e empresas demonstraram sua preocupação ao Ministério do Trabalho e Emprego quanto à necessidade de ter a “lista suja” de volta para garantir análise de crédito e para possibilitar a formalização de novos negócios sem riscos.
Colaborou Leonardo Sakamoto