COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Brígida Rocha, asssistente social do CDVDH e educadora da Campanha De Olho Aberto Para Não Virar Escravo, da CPT, receberá amanhão o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria Combate e Enfrentamento ao Trabalho Escravo. Hoje, dia da Declaração Internacional de Direitos Humanos, Brígida e toda a sociedade brasileira se depararam com a notícia da votação no Senado, em caráter de urgência, da readequação do conceito de trabalho escravo, construído a partir de uma luta que já dura 40 anos para erradicar essa prática no Brasil. Confira o desabafo de Brígida:

 

Hoje 10 de dezembro de 2015, Dia Internacional dos Direitos Humanos, na calada da noite escura que encobre um Congresso Nacional mais que nunca ilhado do povo real, o Senado Federal está pronto para dar um golpe fatal a um direito humano duramente conquistado pela sociedade brasileira nestes mais de 40 anos de combate à escravidão moderna.

Descartando qualquer discussão democrática, está para ser votada hoje a redução da definição legal do que é trabalho escravo no Brasil, numa lamentável tentativa para tornar inócua a Emenda Constitucional 81/2014 que determinou o confisco da propriedade onde trabalho escravo for encontrado. Ao ser aprovado o PLS 432/2013 de autoria do senador Romero Jucá, ficarão descartados como elementos caracterizadores deste crime a imposição de condições degradantes e de jornada exaustiva de trabalho.

Eu, Brígida Rocha, 32 anos, mãe, filha de trabalhadores rurais, assistente social no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, MA, e educadora da Campanha Nacional De Olho Aberto para não Virar Escravo, da Comissão Pastoral da Terra, venho a público denunciar esta manobra espúria que envergonha a todos nós.

Estando ás vésperas de receber o Prêmio Nacional de Direitos Humanos na categoria Combate e Enfrentamento ao Trabalho Escravo, gostaria apenas de ter vindo a público agradecer pela insígnia honra e pelo reconhecimento de tantos amigos e parceiros e parceiras desta luta. Sei que todos os resultados desses longos anos de luta são frutos da dedicação coletiva de milhares de militantes dos direitos humanos, Brasil afora. Somos muitos, somos agentes de cidadania, educadores sociais, advogados/as, assistentes sociais, psicólogos/as, lideranças, religiosos/as, missionários/as, crianças, adolescentes, artistas, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, ribeirinhos, assentados, sem terras, ainda temos parceiros auditores/as fiscais do trabalho, procuradores/as do trabalho, e tantos outros que procuram construir uma rede eficiente de ação integrada para combater a escravidão. Todos irmanados naquele sonho de um país que garante justiça, liberdade e dignidade aos seus filhos e filhas, sem exceção. Por isso resistimos!

Gostaria, sim. Mas hoje estou com vontade de chorar.

Quantas vezes - este é meu trabalho diário – não escutei de trabalhadores/as que nos procuram que já não aguentam mais beber agua do açude barrento onde o gado também bebe, de comer carne apenas quando conseguem uma caça, de dormir amontoado no pequeno barraco de lona, sem paredes, ou mesmo no curral, repleto de embalagens de agrotóxicos e outros “Mata tudo”. Quantas vezes não presenciei eles pedirem a Deus para não chover, para que não tenham que passar mais uma noite no molhado? Ou não comer outra vez arroz com molho de pimenta malagueta ou feijão temperado só com sal? Ou não acordar de madrugada para preparar o boião ou a marmita e seguir para a juquira, e comer lá nas matas sem se quer ter agua de lavar as mãos, ou poder se quer descansar meia hora porque tem gato cobrando produção? Ou não ter que aguentar caladinho e humilhado, os palavrões que, de gente, os reduziram a coisa ou a bicho? Ou não ter que seguir trabalhando no medo de apanhar outra vez, sem outra opção a não ser sair fugir dos tiros, com corpo já marcado por panadas de facão, e pés inchados de correr nas matas?

Isso, ouvi e vi de tantos homens que fugiram de fazendas e carvoarias. Nem falo da falta de equipamentos de proteção, dos acidentes fatais, do pagamento que não vem nunca, da família que sofre.

Ficam tão cansados, tão enfadados que, ao chegarem, muitos desmaiam e até adoecem. Tudo isso é apenas metade do que vivenciam e nos contam.

Tudo isso são as condições degradantes e a jornada exaustiva que nossos nobres congressistas se preparam a eliminar de uma canetada. Desde quando isso não é a expressão óbvia da escravidão? Por qual malabarismo, pretendem agora reduzir a escravidão apenas às figuras tradicionais da servidão por dívida e do trabalho forçado, quando a experiência de mais de 50 mil brasileiros libertados do trabalho escravo desde 1995 está aí para testemunhar?

Todos os dias, temos sobreviventes desse crime ameaçados de morte ou ficando inválidos. Muitos já morreram. Todos os dias, há militantes ameaçados de morte, por denunciar isto. Buscam nos amedrontar e calar nossa voz. Basta!

Por isso estou aqui a gritar: Senadores, não cometam essa insensatez! Vão para consulta popular! Congressistas, tenham a vergonha do Brasil na cara! Presidenta Dilma, não tolere essa balbúrdia! E se eles teimam, veta!

 

Brígida Rocha, brasileira

 

Açailândia/Araguaína, 10/12/2015 .

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