Com informações da Agência Brasil e CPT Regional Rondônia
À beira do Rio Guaporé, na cidade de Costa Marques, em Rondônia, a 715 quilômetros de Porto Velho, 24 famílias residentes na comunidade quilombola de Santa Fé terão casas construídas com recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A conquista também foi fruto de mobilização da comunidade com apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia.
Inicialmente, serão beneficiadas famílias moradoras fixas do local, que vivem da agricultura e pesca de subsistência e da farinha de mandioca, que fabricam e vendem a sete quilômetros de onde residem. Cada moradia tem custo aproximado de R$ 75 mil. A construção das casas foi viabilizada pela Portaria nº 424, publicada no dia 11/03, que prevê a inclusão de 74 famílias em programa nacional do Incra de políticas públicas voltadas para o lugar.
O assegurador de Regularização do Território Quilombola do Incra em Rondônia, William dos Santos Ramos Coimbra, explica que a portaria gera reconhecimento de aplicação de créditos do Programa Nacional de Reforma Agrária. A comunidade foi reconhecida como quilombola em 2015 e assim regularizada. “Essa nova portaria de reconhecimento é para aplicação de créditos. No dia 1º de abril, vamos à comunidade para apresentar uma maquete das casas que o Incra vai construir lá”, informou Coimbra.
Segundo ele, os benefícios são previstos para 74 famílias, mas a maioria mora fora da comunidade em função de trabalho e estudo. “Outras residências devem ser construídas desde que mais algumas famílias migrem para serem fixas na comunidade”, acrescentou. Além das casas, os benefícios para o futuro da comunidade incluem compra de equipamentos e projetos de horta e de criação de animais, além de uma política de fomento para atender as mulheres da comunidade.
Com 1.452 hectares, a Comunidade de Santa Fé está localizada na margem direita do Rio Guaporé. Segundo o Incra, todas as famílias da área têm origem ligada à população negra de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, que colonizou as regiões ao longo do Guaporé e seus afluentes desde 1888.
Em Rondônia, há ainda as comunidades remanescentes de quilombos Pedras Negras e Santo Antônio, no município de São Francisco do Guaporé; Tarumã, em Alta Floresta do Oeste; Pimenteiras Santa Cruz, em Pimenteiras do Oeste; e Laranjeiras, em Pimenteiras.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações de Manuel do Carmo da Silva Campos (CPT Regional Amazonas)
Imagens: Equipe local
Intitulada de “Operação Mamuru”, uma ação de fiscalização foi deflagrada de 10 a 16 de março pela Marinha do Brasil, Polícia Federal, IBAMA, ICMbio e FUNAI, nas calhas dos Rios Mamuru e Uaicurapá, na fronteira entre Amazonas e Pará. A operação é uma resposta às inúmeras denúncias dos indígenas da etnia Saterê-Mawe sobre a exploração ilegal de madeira, encaminhadas ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), além de denúncias endereçadas ao Ministério Público Federal (MPF) pelo Coletivo em Defesa do rio Mamuru, do qual fazem parte comunidades ribeirinhas e diversos movimentos populares, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Amazonas / Equipe Diocese de Parintins.
Confira a matéria anterior: Comunidades e instituições pedem providências e punição diante do desmatamento e transporte ilegal de madeira no Rio Amazonas
Diante da operação realizada, as comunidades cobram que ela não seja apenas pontual ou documental, e que haja investigações sérias sobre a origem das expedições dos documentos de licença ambiental. Há suspeitas de que as empresas utilizem documentos de licenças do estado do Pará, e assim as madeiras ilegais, vindas de áreas proibidas, sejam “esquentadas”, ou seja, legalizadas pelos documentos já prontos, tornando-se legais.
“A fiscalização necessita ser ‘in loco’. As forças de segurança com os órgãos deveriam ver as áreas por terra e ar, haja vista que as ‘licenças’ podem ser de certas áreas para manejo, e uma vez que não tem fiscalização, os devastadores entram em áreas da União, Estado e Terras Indígenas, o que não é permitido, e aí pode estar ocorrendo tráfego ilegal de madeira, disfarçado como legal,” afirma um dos agentes da CPT que atuam na região.
Informações de lideranças comunitárias dão conta de que já foram devastados aproximadamente 100 km por detrás das comunidades da Valéria, Arauá, Sabina, Mocambo do Mamuru e atingindo as terras da reserva Satere-Mawe. A área teria 40 novas máquinas-tratores, centenas de moto-serras, pista de pouso de aviões e diversos portos de embarque de madeiras, além de jagunços armados e drones controlando a retirada dessas madeiras pelas empresas. “Ribeirinhos ainda informam que moradores das comunidades do Rio Uaicurapá estariam vendendo madeira para as empresas”, afirma o agente, acrescentando que as empresas ofereceriam para posseiros e donos desses portos cerca de R$ 20 mil reais por mês, para o embarque da madeira.
As comunidades também exigem que haja um posto permanente dos diversos órgãos (Ibama, ICMBio, Funai e Polícia Federal) na Vila Amazônia, para monitorar as áreas dos Rios Mamuru, Uaicurapá e a reserva Saterê-Mawe. A preservação da Floresta Amazônica é tão importante, que é necessário que o Exército brasileiro, Aeronáutica e Marinha, pagos e sustentados com os impostos dos brasileiros e brasileiras, saiam dos quartéis para proteger nossa floresta. O discurso político atual do governo brasileiro deve ocorrer na prática, também, nessa região das confluências do Amazonas e Pará.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações de Josep Iborra Plans (CPT Rondônia)
Imagens da comunidade
Um grupo armado atacou, na manhã da última sexta-feira (15), o Acampamento Terra Santa, na Gleba Seringal Belmont, em Porto Velho/RO. Eles tentaram sequestrar algumas pessoas acampadas, que já tinham recebido ameaças de morte na mesma semana. Pessoas da comunidade afirmam que os conflitos se acirraram depois que o Incra anunciou o levantamento ocupacional da área, previsto para esta segunda-feira, 18.
As famílias já haviam relatado momentos de medo entre a terça-feira pela manhã e a quinta (12 e 14/03), quando três pessoas chegaram em uma picape branca, armadas com fuzil e pistolas, invadiram os acessos à comunidade e permaneceram rondando o acampamento. As incursões foram filmadas e fotografadas por uma câmera de segurança que fica na estrada.
Depois do ocorrido, um dos acampados ainda relatou ameaças e violências sofridas: “Um dos homens perguntou se eu tava tirando foto, e apontou a arma pra o meu lado, querendo ver meu celular. Perguntei pra eles se era da polícia, disseram que era da Polícia Civil. Perguntei pelo distintivo, mas aí eles não gostaram. Pediram para eu desbloquear a tela do telefone, tiraram fotos e passaram arquivos para outro aparelho”, afirmou a vítima, acrescentando que os suspeitos somente foram embora por causa do barulho de foguetes disparados por pessoas da comunidade. “Se não fosse os foguetes, nem sei o que eles iriam fazer comigo”, relembra.
A ocorrência foi registrada numa delegacia de Polícia Civil de Porto Velho. Os vídeos e fotografias dos agressores, além da foto e placa do veículo, também foram encaminhados para a Comissão de Direitos Humanos da OAB de Rondônia, Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado, Comissão Nacional de Combate à Violência, Ouvidoria Agrária do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Ministério Público de Rondônia, Conselho Estadual e Conselho Nacional de Direitos Humanos, além da Corregedoria da Polícia Civil de Rondônia.
Além de pedir por medidas de salvaguarda da comunidade, que hoje conta com 80 famílias residindo na área de terra pública, reivindicada para reforma agrária, a CPT também solicita a identificação dos locatários e passageiros do carro (uma vez que está registrado em nome de uma empresa de aluguel de veículos), e apuração da atuação como milícias armadas que vêm aterrorizando o citado acampamento.
Por equipe CPT Regional Pará, com edição de Xavier Plassat
Legenda: Oficina foi realizada no auditório da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos do estado do Pará
A Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escavo – COETRAE/PA, realizou entre os dias 13, 14 e 15 de março, em Belém, a 2ª Oficina de construção do fluxo estadual de atendimento às vítimas de trabalho escravo. As ações de construção desse instrumento seguiram o mesmo caminho do Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo, que foi construído pela CONATRAE e foi regulamentado pela Portaria nº 3.484, de 6 de outubro de 2021.
O Fluxo é estruturado em três estágios de atuação, passando sucessivamente pelo recebimento da denúncia ao planejamento da operação, o eventual resgaste, o atendimento, acolhimento e assistência às vítimas, e seu regresso para sua localidade de origem, assim como as medidas preventivas para que elas não retornem à escravidão.
Contudo, a centralidade dessa segunda oficina é trabalhar o eixo “pós-resgate”, sobretudo da importância da intersetorialidade entre as diversas instituições que combatem e enfrentam o crime de trabalho escravo no Estado do Pará, para um atendimento fortalecido, qualificado e eficaz que venha atender às vítimas.
De acordo com Francisco Alan, membro da coordenação regional da CPT-PA, a construção desse fluxo para o Pará será de grande avanço, pois convida as instituições para assumirem suas atribuições próprias no atendimento às vítimas que são inseridas no ciclo da escravidão. Pela sua expertise ao longo dos anos no acolhimento de trabalhadores resgatados dessas condições, a CPT tem muito a contribuir nessa construção, a fim de colaborar no fortalecimento de uma atuação e proteção integrada e integral, visando atender da melhor maneira possível os/as trabalhadores/as vulneráveis ou/e vítimas do crime da escravidão moderna.
2023: número recorde
O total de fiscalizações e de resgates realizados em 2023 supera qualquer número observado desde 2010. O ano de 2023, por si só, representa o dobro da média registrada entre 2010 e 2022. Mesmo assim fica essa dúvida: quantas pessoas nesta condição não foram resgatadas? Quantas situações semelhantes deixaram de ser denunciadas ou investigadas? E mais essa pergunta: por que mistério a região Norte e a Amazônia teriam escapado da “nova onda” de trabalho escravo no país? A média anual de resgates na Amazônia — 2.000 pessoas por ano no período 2003-2012 — caiu abaixo de 500 resgatados anualmente a partir de 2013, ficando na média de 300 por ano entre 2013 e 2018, e 235 de lá para cá (em 2023: 285).
Paralelamente, verificamos que a média de fiscalizações de trabalho escravo na Amazônia, que era de 150 por ano entre 2003 e 2015, de lá para cá, caiu abaixo de 100, com exceção em 2017 (114) e 2021 (140). As dificuldades de acesso, mas, sobretudo, a desarticulação e os retrocessos nas políticas de controle ambiental, reforma agrária e fiscalização dos territórios, devem ser relacionados a esse recuo.
Difícil é acreditar que a situação hoje visível na Amazônia seja reflexo fiel da realidade: ela mais traduz um déficit crucial de fiscalização e de coordenação das ações, e remete a problemas criados por anos de sub investimento em contratação e infraestrutura. Neste contexto, o anúncio, feito em junho de 2023, de um concurso visando repor 900 vagas na carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho, soa como um alívio, porém não garante que serão providos os cargos tão necessários nas regiões hoje entre as mais deficitárias, se for considerada não apenas a população ativa existente, mas também a extensão do território a ser fiscalizado e suas dificuldades próprias. Hoje, na Amazônia, estão lotados em torno de 200 AFTs, menos que em São Paulo (292), Minas Gerais (223) ou Rio de Janeiro (216); o Norte tem 137 Auditores: menos que o Rio Grande do Sul (145).
Política de Estado, empenho de todos
A política de erradicação do trabalho escravo é uma política de Estado, construída a duras custas a partir de 1995. Ela sobreviveu aos inúmeros ataques contra ela empreendidos, seja para acabar com o conceito moderno (Art. 149 CPB) que rege a identificação do crime, seja para abalar a firme articulação interinstitucional que caracteriza sua execução ou inibir a autonomia de sua implementação, seja para tirar a eficácia da temida “Lista suja” ou ainda para facilitar práticas que inviabilizem a responsabilização dos autores diretos do crime ou seus cúmplices de facto (é o caso da terceirização desenfreada, hoje legitimada com a anuência de altos magistrados). Ou mesmo, por último, para propor fiscalizações com aviso prévio!
Diante de tantos desafios, o combate e enfrentamento do trabalho escravo continua sendo urgente. A COETRAE-PA tem um papel fundamental de vigilância e monitoramento dessa política de Estado. A denúncia é uma iniciativa sigilosa que se faz absolutamente necessária para que os órgãos de repressão possam agir. O chamado se dirige a toda a sociedade, para redobrar a vigilância e nos mobilizarmos em torno desta bandeira: “Basta de escravidão!”
SÉRIE INSUSTENTÁVEIS*
O drama da expulsão de comunidades tradicionais para a instalação de indústrias e mineradoras começou na ditadura – e continua
Por Helena Palmquist (texto) e João Laet (fotos) | Sumaúma
‘Estou cercada’, lamenta Sandra Amorim, liderança do Quilombo São João, que está rodeado por empresas fornecedoras da Hydro
Além dos problemas de saúde dos moradores da região de Barcarena e da perda do modo de vida tradicional, a expulsão do território é tema presente e experiência marcante nas conversas entre eles. As remoções, que começaram na década de 1980, feitas sem indenização nem respeito aos direitos coletivos, segundo a defensora pública Andreia Barreto, hoje se traduzem em uma luta por direitos que inclui tentativas de retomada desses territórios. Muitas vezes com ações de despejo impetradas pelos gigantes europeus da mineração.
Carlos Espíndola, de 53 anos, lembra do momento, no final da ditadura empresarial-militar (1964-1985), em que a polícia chegou avisando sua tia que todo mundo teria que ir embora, na região do Tauá. Ele tinha apenas 12 anos. “‘Se a senhora não deixar a sua casa, se a senhora não sair, o trator vai passar por cima’. E ela virou lá pro tio Castanha e disse, ‘Castanha, tu não vai falar nada?’. Ele era um homão. Mas ficou calado. Imagina uma pessoa, morando dentro do seu território, nascida e criada, ter que deixar a sua casa, com urgência, senão a máquina vai passar por cima?”, questiona. Carlos conta que em 15 dias todos tiveram que sair para uma casinha de quarto e sala, num bairro distante construído pela Companhia de Desenvolvimento Industrial. “Tio Castanha era um cara forte, mas entrou em depressão. Não conseguiu. Morreu.”
Carlos Espíndola tinha 12 anos quando sua família foi removida do Tauá; a comunidade reocupou, em 2016, o território, que hoje é grande produtor de alimentos
Depois de mais de três décadas de saudade e dificuldade, em 2016 Carlos reuniu os antigos vizinhos e, juntos, resolveram retomar o território onde nasceram. “Somos 182 famílias e essas são as nossas terras”, afirma. Antes da retomada, ele trabalhou como pedreiro e vendedor de cachorro-quente. Mas o sonho era voltar para a terra e para a agricultura. Hoje, no Tauá, Carlos e outros moradores produzem fartura de mandioca, farinha, castanha, açaí e muitas frutas.
A região, durante muito tempo vizinha a uma das bacias de rejeitos da Hydro, foi área de atuação sem controle de madeireiras ilegais. Mas, assim que as famílias voltaram para o território, a empresa declarou que as terras eram de sua propriedade e que os agricultores iriam destruir uma área de reserva florestal. A Justiça do Pará emitiu um mandado de reintegração de posse em favor da Hydro e, em 2017, policiais militares expulsaram as pessoas e destruíram as pequenas roças, pontes e casas que tinham sido erguidas, segundo relato dos moradores. No ano seguinte, eles voltaram.
A retomada também foi uma resposta a um processo judicial que se arrasta há décadas. Desde 1989, 450 pessoas, entre elas várias famílias do Tauá, processaram a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Pará e a Companhia de Desenvolvimento de Barcarena, responsáveis pela remoção dos moradores da área, em busca de compensação pelo que lhes foi retirado. Houve decisões favoráveis e contrárias aos moradores, mas em 2014 o processo foi suspenso e até hoje as indenizações não foram pagas.
Paira o temor de novas expulsões, assim como o de novos desastres ambientais, mas as colheitas fartas e a alegria de estar de novo no território mantêm o vigor da comunidade. Manoel Raimundo Furtado Dias, de 71 anos, apelidado de Lambreta pelo andar ligeiro, é o ancião do grupo. Ele tem o umbigo enterrado no pé de uma árvore ali. “Hoje nós não nos arrependemos. Quando fomos expulsos, era só choro, muita gente morreu, inclusive meu pai, que morreu falando do Tauá. Morreu triste de ter sido expulso.”
Apesar de estar perto das bacias de rejeitos da Hydro, o Tauá tem florestas conservadas; Manoel Dias é o morador mais antigo da comunidade
Apesar de estar muito perto de uma das bacias de rejeitos da Hydro, o Tauá é um lugar com florestas ainda conservadas, muitas árvores frutíferas e onde os moradores se orgulham de viver da própria colheita. As pontes e estradas que haviam sido desmanchadas quando eles foram expulsos, em 2017, foram reconstruídas. A comunidade recebeu a equipe de reportagem em meio às obras da Escola Comunitária Ulisses Manaças – homenagem a um líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) no Pará. Também estava construindo um novo barracão, onde se planejava realizar reuniões para fazer um protocolo de consulta prévia, discutir os problemas ou apenas trocar histórias do local.
Procurada, a Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará disse a SUMAÚMA que “não procede a informação de expulsão de comunidades e moradores de áreas do Distrito Industrial de Barcarena e que sempre reconheceu a legitimidade das comunidades e seus direitos, inclusive no que se refere à decisão de sair de suas posses, mediante indenização com base em laudos de avaliação elaborados seguindo critérios e requisitos estabelecidos pelos órgãos ministeriais”. O órgão afirmou ainda que “o processo de saída dos moradores de suas posses no Distrito Industrial somente se efetiva após negociação e aceite formal dessas famílias”.
História parecida com a do Tauá, porém, se repete em sete comunidades de Barcarena visitadas por SUMAÚMA: remoções sem indenizações, moradores desalojados, tentativas de retomada de territórios e processos judiciais com idas e vindas na Justiça.
Em setembro de 2021, a Imerys foi condenada a indenizar os moradores da comunidade Dom Manuel, expulsos da área onde moravam para dar lugar à barragem onde a empresa deposita os rejeitos do beneficiamento do caulim. Para a Justiça do Pará, que julgou o caso em 1ª instância, a empresa praticou esbulho – ou seja, expulsou indevidamente os moradores – e causou danos à comunidade. Em agosto de 2023, a 2ª instância do Tribunal de Justiça confirmou a sentença. Diante da impossibilidade de devolver o território aos moradores, por ele estar repleto de resíduos poluidores, o Judiciário vai decidir o valor da indenização dentro do processo.
Vista aérea da bacia de rejeitos de caulim da Imerys justo ao lado da comunidade Curuperé, que não tem asfalto nem saneamento básico
Ao lado da desaparecida comunidade Dom Manoel e à sombra da barragem de rejeitos da Hydro, os moradores do Curuperé – onde fica a casa do professor Roberto Anjos e da ativista Eunicéia Fernandes Rodrigues – temem ser os próximos expulsos. Para evitar que se repita a violação de direitos, a defensora pública Andreia Barreto entrou com outra ação judicial, na Vara Agrária de Castanhal, pedindo à Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará a não desapropriação da área sem cumprir os requisitos mínimos. Entre as exigências estão a opção de reassentamento, a realização de consulta prévia e a avaliação prévia de benfeitorias.
Segundo a ação, sete anos após a assinatura do termo de compromisso, o órgão segue constrangendo as famílias, entrando nas comunidades e chegando a orientar as pessoas para que não façam melhorias em suas casas ou plantações porque as mudanças não seriam indenizadas em caso de desapropriação. Todas as violações devem cessar, caso a Justiça concorde com as alegações da defensoria. Até lá, o destino do Curuperé pode ser o mesmo do de inúmeras comunidades de Barcarena: famílias que moravam havia gerações no mesmo território, com modo de vida tradicional, perderam seu lugar e foram separadas, sem a possibilidade de reproduzir seu modo de vida anterior.
Sobre outra paixão
Por causa do trauma das remoções, um termo curioso ligado à palavra “paixão” se repete entre os entrevistados. “Ele ficou apaixonado”, “ela estava muito apaixonada e morreu”, “foi de apaixonada que minha mãe definhou”. O uso dessa palavra para indicar o sofrimento dos barcarenenses com a industrialização provavelmente tem correspondência com o que se faz na expressão “paixão de Cristo”. A palavra vem do latim passio, que significa sofrimento.
“Hoje a gente fala que alguém tá com depressão, mas, naquela época, a gente dizia que tava apaixonado. Na década de 1980, teve uma onda de suicídios na cidade com a chegada da obragem. Porque o pessoal não aceitava [a mudança de vida]. Tava acostumado a viver da roça, viver na floresta. E aí chegaram esses empreendimentos e tiraram todo mundo”, conta Sandra Amorim, liderança do Quilombo Sítio São João, área de onde foi expulsa e para a qual retornou. “O pessoal fala que, quando era expulso daqui, ficava apaixonado. Porque a pessoa nascia e se criava num local desse e depois era jogada na infernalidade”, resumiu Manoel Lambreta, o ancião da comunidade do Tauá. Sandra e Manoel resistem em suas terras, retomadas, por ter vivido a dolorosa paixão da expulsão em nome do “progresso”.
*A série Insustentáveis é uma parceria do Transnational Law Institute, do King’s College de Londres, com SUMAÚMA – Jornalismo do Centro do Mundo
SÉRIE INSUSTENTÁVEIS *
Município da Amazônia teve quase 30 acidentes em duas décadas, 16 deles ligados à norueguesa Norsk Hydro e à francesa Imerys – e moradores se assustam com a contaminação por metais pesados e o aumento de 636% nos casos de câncer entre 2000 e 2022
Por Helena Palmquist e Catarina Barbosa | Sumaúma
*Colaborou Álvaro Justen
As árvores na beira da estrada estão cobertas por uma poeira vermelha. São resíduos de bauxita, um minério usado na produção de alumínio. Esse é o primeiro sinal de que Barcarena está perto. A rodovia do município paraense que dá acesso à capital, Belém, distante mais de 100 quilômetros, passa entre duas gigantes bacias de rejeitos da mineradora norueguesa Norsk Hydro. Conforme avançamos, as folhas cheias de pó começam a dar lugar a um vaivém de caminhões carregados de grãos, minérios e gado. Na orla do Rio Pará, navios imensos se aglomeram nos portos e chaminés de plantas industriais poluem o cenário.
Há pouco mais de quatro décadas, Barcarena era uma pequena cidade com cerca de 20 mil habitantes, que viviam de suas roças, da floresta e dos peixes do rio, ainda limpo. Ela já foi uma grande produtora de abacaxi da região amazônica e suas praias de areias claras eram parada obrigatória para viajantes que se dirigiam à capital. Hoje, a população aumentou de tamanho seis vezes. E, além da Hydro, controladora da Alunorte, a maior produtora mundial de alumina fora da China, o município é sede da maior fábrica de beneficiamento de caulim do mundo, uma argila de cor branca usada em uma vasta gama de produtos (como plástico, borracha, porcelana, vidros, tintas, pesticidas e cosméticos), da mineradora francesa Imerys. O polo industrial da cidade tem outras 92 empresas.
A água, o ar e o solo foram brutalmente alterados. E a cidade ganhou uma nova estatística: desde 2000 houve ali, em média, um desastre ambiental por ano. De vazamento de substâncias como óleo, carvão, soda cáustica, ácidos, caulim e esgoto a incêndio em galpões químicos, passando por naufrágios que mataram milhares de bois afogados e até pela formação de uma nuvem de fuligem que cobriu um bairro da cidade.
Os moradores relatam conviver com coceiras, disfunções gastrointestinais, danos ao desenvolvimento infantil, Parkinson e câncer. Ainda que não haja estudos que comprovem a correlação direta das doenças com os desastres ambientais ou com a presença das empresas na cidade, dados apontam a existência de níveis de metais pesados no corpo de parte da população de Barcarena muito acima dos registrados em pessoas de outras cidades. Os testes, no entanto, provocaram escassa reação do poder público, apesar dos resultados assustadores. Após cada desastre, as multinacionais e as empresas nacionais são multadas por crimes ambientais, mas continuam atuando. Não são adotadas políticas de saúde para responder aos problemas.
“A gente não vive, a gente sobrevive nesse lugar”, diz Elias de Castro Rodrigues, de 39 anos. “Coceiras, problemas na garganta, no estômago, todos reclamam das mesmas coisas. Tem dias que o vento está forte e a gente sente o peso do ar. Vem um cheiro de soda cáustica, como se a gente estivesse abrindo uma saca de cimento”, descreve. Hoje, Elias trabalha em um frigorífico depois de ter sido expulso duas vezes de comunidades onde vivia, na beira da praia – a primeira, no fim da década de 1980, quando teve que deixar a casa em que nasceu; a segunda, em 2003. Sempre por causa do avanço industrial na cidade.
‘Coceiras, problemas na garganta, no estômago, todos reclamam das mesmas coisas’, diz Elias de Castro Rodrigues sobre a contaminação da cidade. Foto: João Laet/SUMAÚMA
A cidade dos crimes ambientais
A frequência dos desastres ambientais em Barcarena preocupa moradores, estudiosos e algumas autoridades. Existem diversos estudos, processos judiciais, acordos e comissões para tentar resolver os problemas que se sucedem a cada acidente. Mas nada de efetivo é feito. O polo industrial segue crescendo e os acidentes se repetem.
SUMAÚMA levantou dados com quatro fontes. Segundo o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, grupo formado por movimentos sociais e acadêmicos, desde 2000 houve 29 desastres ambientais no município. Já a então Delegacia do Meio Ambiente do Pará afirma ter aberto 24 inquéritos policiais para investigar 22 acidentes ocorridos entre os anos de 2003 e 2018 – alguns relacionados à mineração, outros às atividades portuárias. O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, que em 2018 investigou danos ambientais na região, lista 25 acidentes entre 2000 e 2016. Já a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) afirmou ter expedido 185 multas ambientais no período de 2018 a 2023 a empreendimentos de Barcarena.
Dos quase 30 acidentes ambientais registrados no município, ao menos metade está relacionada às duas multinacionais que operam na região. Sete deles foram provocados pela Alunorte (que até 2010 era controlada pela brasileira Vale, que vendeu o controle à norueguesa Norsk Hydro) e nove pela francesa Imerys.
Em 2018, um vazamento no entorno de uma das barragens de rejeitos da Hydro Alunorte poluiu com resíduos do refinamento de bauxita os cursos de água da região. Na noite de 17 de fevereiro, fotos de rios e igarapés tingidos de vermelho começaram a circular entre os moradores da cidade e foram enviadas às autoridades. As imagens eram estarrecedoras. Com o alagamento provocado por chuvas fortes, parte da cidade parecia estar imersa na lama vermelha.
O vazamento em uma das barragens da Hydro Alunorte, em 2018, deixou parte da cidade sob lama vermelha e contaminou rios e igarapés com rejeitos de bauxita. Fotos cedidas pelo Instituto Evandro Chagas
Dias depois, uma perícia do Instituto Evandro Chagas (IEC) confirmou a presença de rejeitos de bauxita no vazamento. Também trouxe imagens do que afirmou ser um duto clandestino que drena efluentes da Hydro para uma área de nascentes do Rio Murucupi, que banha a cidade antes de desaguar no Rio Pará. A empresa foi multada em 20 milhões de reais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e em 33,4 milhões de reais pela Semas. Uma de suas bacias de rejeitos, onde teria ocorrido o transbordamento de resíduos, foi embargada. O grupo Norsk Hydro, que tem participação de capital do governo norueguês e registrou em 2022 um lucro líquido de 24,15 bilhões de coroas norueguesas (11,4 bilhões de reais ou 2,3 bilhões de dólares), até hoje nega a responsabilidade e diz ter havido apenas um transbordamento de águas fluviais causado por excesso de chuvas.
Três anos mais tarde, em uma noite de dezembro de 2021, uma forte explosão seguida de um clarão anunciava um novo desastre ambiental. Um incêndio nas instalações da mineradora francesa Imerys lançou na atmosfera uma nuvem de fumaça que tomou conta dos arredores. As labaredas apavoraram moradores das comunidades vizinhas, que não sabiam se deveriam fugir ou ficar em casa tentando dissipar a fumaça. “A gente não conseguia nem respirar; começou a dar dor de cabeça. Ficamos sem saber o que fazer, para onde ir. Tentamos ligar o ventilador para tirar a fumaça de dentro de casa. Estava sufocante”, contou uma moradora em audiência judicial no último dia 10 de outubro. Grávida de dois meses na ocasião do incêndio, ela afirma ter sofrido coceiras durante semanas e conta que seu bebê nasceu prematuro de 7 meses. Depois do episódio, moradores relataram ter ficado com tosse por dias, além de problemas na pele.
A audiência judicial a que SUMAÚMA teve acesso é parte de um dos mais de 30 processos movidos pela advogada Juliana Oliveira, da Defensoria Pública do Estado do Pará, que pede indenizações por danos físicos e à saúde psíquica de cada um dos atingidos. O Ministério Público do Pará também processa a mineradora francesa em uma ação civil pública. Segundo as apurações preliminares dos dois órgãos, o estrago foi causado por deficiência no armazenamento e manuseio do produto químico denominado ditionito de sódio, ou hidrossulfito de sódio, usado na retirada de impurezas do caulim. “Esse produto gera uma intoxicação endógena; em outras palavras, envenenamento. O incêndio ocorreu por volta das 7 da noite, e as pessoas não sabiam o que fazer. Passaram uma noite de terror”, afirma a defensora pública.
Em meio à floresta, uma das bacias de rejeitos da norueguesa Hydro Alunorte tinge a paisagem de vermelho, cor característica da bauxita. Foto: João Laet/SUMAÚMA
Antes disso, eram frequentes os vazamentos de caulim nos rios e igarapés da cidade. Pelo menos seis deles aconteceram entre 2004 e 2016, o que fez com que o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Pará entrassem com uma ação na Justiça, em 2014, pedindo a interdição de uma das bacias da Imerys. À época, o MPF disse que acionou a Justiça pela recusa da mineradora em “assumir responsabilidade pelos vazamentos” e que perícias do órgão e do Instituto Evandro Chagas indicaram que o prejuízo ao meio ambiente era maior do que o admitido pela empresa francesa.
Esse processo foi convertido em um Termo de Ajustamento de Conduta que, segundo o MPPA, foi cumprido – já o MPF disse que “vem sendo cumprido”.
Um dos pontos do acordo previa que a Imerys realizasse um estudo da “qualidade das águas dos igarapés Curuperé e Dendê e das águas subterrâneas dos entornos das bacias, de modo a identificar e quantificar os eventuais impactos decorrentes dos vazamentos de caulim, bem como apontar as possíveis medidas reparadoras a serem adotadas, se aplicável”.
A Imerys afirmou que o estudo foi feito “e que concluiu pela não contaminação”. No entanto, o relatório não diz que os rios analisados não estão contaminados. Das 360 análises feitas em diferentes pontos de Barcarena, 94 apresentaram níveis acima da referência, com diferentes metais pesados – entre eles manganês, alumínio e ferro. Em suas considerações finais, o laudo diz que “foi possível depreender que as ocorrências de compostos acima dos padrões legais podem não guardar relação com os vazamentos de rejeitos de caulim da Imerys que ocorreram no passado”. O laudo aponta dois motivos para essa afirmação: um é que condições parecidas foram identificadas no Rio Guajará-Beija, na vizinha Abaetetuba, e outro é que “existem estudos que indicam que a identificação desses compostos podem estar associadas [sic] às características geogênicas [físicas] da área”.
A doutora em química e professora da Universidade Federal do Pará Simone Pereira analisou o estudo a pedido de SUMAÚMA. Sua conclusão é categórica. “Pode ser que a presença anômala de elementos como chumbo, alumínio, ferro e manganês esteja associada em parte à ocorrência natural, mas também não se pode afirmar que sua origem não esteja ligada à atividade humana. Não dá para afirmar nada sem um estudo mais aprofundado sobre a composição dos rejeitos e efluentes oriundos dos processos industriais do local.” Ela destaca que estudou os rios da região em 2007 e que constatou que a poluição das águas de Barcarena pós-vazamentos termina por contaminar a bacia do Rio Pará e arredores, incluindo corpos hídricos de Abaetetuba, por causa da movimentação das marés. Além disso, ela diz que “é comum ter ferro e alumínio nos rios da Amazônia em concentrações não conformes com a legislação, mas não nos níveis que se encontram em áreas atingidas pelos vazamentos das indústrias de Barcarena”, diz. A pesquisadora questiona ainda por que não analisaram o bário, elemento tóxico que está diretamente associado ao caulim e que normalmente se encontra em altíssimas concentrações no efluente da Imerys. O bário, embora não seja cancerígeno, é um contaminante de importância ambiental, segundo ela.
O professor de história Roberto Anjos mora numa das regiões mais atingidas da cidade, na comunidade Curuperé, bem atrás da bacia de rejeitos da mineradora francesa. “Tem empresa para todo lado, mas não tem asfalto, não tem saneamento, não tem nada. E a poluição?”, critica. Sua mulher, a ativista Eunicéia Fernandes Rodrigues, sente no cotidiano os efeitos da contaminação. “A empresa diz que o caulim faz parte da natureza e que não contamina. Mas e os produtos que eles colocam para deixar o caulim sem cheiro, mais branco?”, questiona ela.
Eunicéia conta já ter visto por diversas vezes a água do igarapé ficar verde – a cor original do rio é marrom. “Os peixinhos ficam todos boiando, mortos”, lembra. “A Semas vem e diz que está tudo bem. Mas a gente sabe que essa não é a cor natural. Hoje a gente evita utilizar a água dos nossos rios”, lamenta. Ela tem um quintal cheio de árvores frondosas onde tenta cultivar palmeiras de pupunha, um fruto muito apreciado e produzido na região. “A pupunha morreu muito. Agora está melhorando. Não sei se melhorou a poluição ou se as árvores se adaptaram.”
A cada desastre ambiental na cidade, o enredo se repete. A população sofre os impactos imediatos do vazamento nos rios, fica sem acesso à água e tem o sustento prejudicado. Os órgãos ambientais e a Defesa Civil são acionados, uma investigação policial é iniciada, são realizadas perícias técnicas e a assistência emergencial entra em cena, fornecendo água potável, por exemplo, ou verba compensatória para os diretamente atingidos. “No momento de um episódio, existe um esforço imediato para o apoio, mas não temos um respaldo permanente para exigir ações de saúde, porque não temos um estudo epidemiológico que determine a relação de causalidade entre os problemas de saúde [dos moradores] e as atividades das empresas”, afirma Renato Belini, promotor de Justiça que atua na cidade e acompanha os processos judiciais sobre os desastres.
‘Tem empresa para todo lado, mas não tem asfalto, não tem saneamento. E a poluição?’, questiona Roberto Anjos, morador da comunidade de Curuperé. Foto: João Laet/SUMAÚMA
Sem a comprovação, o simples fato de inferir qualquer relação entre a contaminação e as doenças também pode transformar em alvo aqueles que contam suas histórias. Em 2019, por exemplo, a Hydro moveu uma ação judicial acusando de calúnia, injúria e difamação o pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, vinculado ao Instituto Evandro Chagas (IEC). Ele coordenou a equipe que avaliou os danos ambientais e os riscos à saúde decorrentes do vazamento de efluentes no desastre de 2018. A mineradora perdeu na Justiça, em decisão em que o juiz afirma que o servidor apenas cumpriu com sua função “de informar a população acerca dos acontecimentos ocorridos em Barcarena”.
Glória é uma das que temem represálias. Por isso, seu nome verdadeiro será ocultado nesta reportagem. A rua de terra em que mora, em Barcarena, é coberta por uma piçarra avermelhada e fica em uma vila perto da planta industrial da Hydro Alunorte. Entre 2010 e 2023, ela perdeu seis familiares para diferentes tipos de câncer – estômago, leucemia, colo do útero –, e agora um tio aguarda aflito o resultado da biópsia de um possível câncer na tireoide. Ela está ao lado de um familiar, Maria, nome também fictício, que faz tratamento de câncer e perdeu um irmão e um sobrinho para a doença nesse mesmo período.
As duas recebem desde dezembro de 2018 água mineral engarrafada da Hydro como parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pela empresa em decorrência do vazamento de rejeitos de 2018. Antes, elas tomavam água de um poço, que foi contaminado pelo desastre. “Para conseguirmos receber essa água, foi uma luta; eu tive que brigar com muita gente”, diz Glória.
Glória (à esq.) perdeu seis familiares para diferentes tipos de câncer; sua parente Maria (à dir.) trata-se contra um câncer. Foto: Christian Braga/SUMAÚMA
O motivo de as duas famílias terem tantas histórias de câncer nem Glória nem Maria sabem explicar. “Será que é a água, o solo, o ar?”, questiona Glória. “Nós conhecemos tanta gente com a doença que parece que todo mundo tem. Lembro que na rua de cima tinha três crianças com câncer no pulmão. A mãe sempre andava com elas nas audiências do município, mas faz um tempo que não as vejo. Não sei se morreram ou se foram embora”, conta.
Há uma década, Marilza Pereira dos Santos, de 69 anos, luta contra um câncer de colo de útero que a obrigou a 37 radioterapias, cinco quimioterapias e seis braquiterapias. “A gente desconfia, as pessoas dizem que tem relação, que nunca viram tanta gente com câncer, mas como provar? Eu tinha uma saúde de ferro, e agora estou assim. Conheci muitas pessoas com câncer: de estômago, de pele, de colo de útero, leucemia… Infelizmente, a maioria morreu”, lamenta. Quando ela e seu marido, Francisco, chegaram a Barcarena, em 1992, a realidade da cidade era totalmente diferente. “Pensa em um lugar com fartura de peixe. O solo? Bom demais para plantar. Hoje está tudo contaminado, a água, o ar, tudo”, desabafa Francisco.
Dados levantados por SUMAÚMA no Datasus, o sistema de informações epidemiológicas do Ministério da Saúde, comprovam a percepção de Glória e Marilza. Entre 2000 e 2022, últimos números disponíveis, a quantidade de mortes por câncer em Barcarena cresceu 636% – percentual muito superior ao aumento populacional, que foi de 100%. Nesse mesmo intervalo de 22 anos, o Brasil, por exemplo, teve um acréscimo de 102% no número de óbitos pela doença (a população cresceu 20%), o Pará, de 225% (com um aumento de 31% da população), e a capital, Belém, de 52% (com crescimento populacional de 2%).
Na cidade vizinha de Abaetetuba, onde a população cresceu 33% no período, o número de óbitos por câncer saltou 571%. O município, distante menos de 50 quilômetros de Barcarena, também sofre os efeitos da poluição das empresas instaladas no território vizinho. Um estudo do Instituto Evandro Chagas mostrou que a lama vermelha provocada pelo acidente da norueguesa Hydro em 2018 também contaminou com metais tóxicos os rios e igarapés de Abaetetuba. A avaliação demonstrou que os níveis de substâncias como arsênio, chumbo, cobalto e cobre, encontrados na água, estavam acima dos aceitáveis à saúde humana pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Ubirani Otero, da Área Técnica Ambiente, Trabalho e Câncer do Instituto Nacional de Câncer, pondera que é necessário ter cuidado ao fazer uma associação direta entre as contaminações e os casos de câncer, pois a doença é multifatorial. Destaca ainda que é preciso que sejam realizados estudos e estatísticas mais aprofundados – que levem em conta o envelhecimento da população e algumas questões de gênero, por exemplo. Mas ela também enfatiza que “os metais pesados, praticamente todos, já foram classificados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer [da Organização Mundial da Saúde] como cancerígenos ou potencialmente cancerígenos” e enviou a SUMAÚMA quatro estudos científicos sobre o assunto.
Um deles, publicado em junho de 2021 por pesquisadores de universidades de Feira de Santana, na Bahia, faz uma revisão da literatura acadêmica e afirma que costuma haver relação entre contaminação por metais pesados e processos cancerígenos. “Mesmo em baixas concentrações, a exposição exacerbada aos metais pesados promove inflamação crônica, o que desencadeia o estresse oxidativo e, subsequentemente, o processo de carcinogênese”, diz o texto. “Dentre os principais metais envolvidos no processo de carcinogênese, pode-se citar: o cobre, mercúrio, cobalto, níquel, cádmio, cromo, arsênio, prata e o chumbo”, relata o trabalho científico.
Alguns desses metais pesados são justamente os que foram encontrados em quantidades acima do recomendado tanto na água de Barcarena como no cabelo dos moradores da cidade. Para a professora da Universidade Federal do Pará Simone Pereira, que conduziu os testes em 2014 e 2015, o que se vê no município é uma “calamidade”. Os exames nas águas de consumo, aquelas que as pessoas bebem, mostraram que mais de 90% das amostras tinham quantidade de chumbo acima do máximo permitido pela legislação do Ministério da Saúde (que é de 10 microgramas por litro). Outros elementos tóxicos também estavam em desacordo com os limites máximos, segundo o Estudo da Qualidade da Água de Consumo de Moradores do Município de Barcarena. “O chumbo é cancerígeno, provoca uma doença chamada saturnismo, que é o envenenamento por chumbo, com danos ao sistema nervoso central, e pode levar à morte”, diz a pesquisadora, que também coordena o Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam).
Foram feitos exames no cabelo de 90 pessoas que vivem em 11 comunidades da região. Os níveis de contaminação em Barcarena são dezenas de vezes superiores aos de 11 cidades no Brasil, Bolívia, Canadá, China, Itália, Filipinas, Espanha e Taiwan, conforme estudo publicado em novembro de 2022. As concentrações de manganês eram 3.039% maiores que a média; as de níquel, 831%; as de chumbo, 766%; e as de zinco, 160%. Todos esses metais têm origem provável, diz a publicação, nas atividades do polo industrial de Barcarena.
‘As pessoas dizem que têm relação, que nunca viram tanta gente com câncer, mas como provar?’, questiona Marilza dos Santos, que luta contra um câncer. Foto: Christian Braga/SUMAÚMA
Os metais são considerados tóxicos, em variados graus. O cromo está associado a infecções de pele, problemas respiratórios e à hepatite. O manganês é neurotóxico e causa déficits neurocomportamentais, além de sintomas parecidos com os da doença de Parkinson. O níquel pode provocar câncer nos pulmões, laringe e nariz. O chumbo é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um dos metais mais tóxicos à saúde humana, e, em pequenas quantidades, pode causar efeitos neurotóxicos em crianças, com prejuízos à memória, e até levar ao coma. Por fim, o zinco, um elemento necessário ao funcionamento do corpo humano, quando presente em excesso, pode causar doenças cardíacas, anemias, problemas gastrointestinais, cólicas, náuseas, vômitos e danos ao pâncreas.
A cientista explica que os exames mais acurados para avaliar os riscos à saúde pública seriam os de sangue. Em 2018, a pedido da prefeitura de Barcarena, o Laboratório Central do Estado do Pará (Lacen) chegou a fazer tais testes. No entanto, segundo moradores ouvidos por SUMAÚMA, os resultados não foram entregues ou, quando foram, estavam com rasuras e ilegíveis.
Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde do Pará, que responde pelo laboratório, disse que os resultados foram entregues para a prefeitura de Barcarena e para a Secretaria Municipal de Saúde, que são responsáveis por fazer o encaminhamento deles.
Procurada três vezes por e-mail e por telefone, a prefeitura não respondeu se recebeu os resultados e, em caso positivo, por que eles não foram entregues aos moradores.
A polêmica sobre os exames de sangue pode ter novos capítulos, já que a Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) moveu uma ação judicial reivindicando que a Hydro seja obrigada a realizar esse tipo de teste na população afetada. Esse processo já teve decisões favoráveis do Judiciário paraense, mas segue em discussão após sucessivos recursos da empresa.
De balneário a cidade tóxica
A transformação de Barcarena de um balneário e território de comunidades tradicionais em um polo industrial e minerário começou no final da ditadura empresarial-militar (1964-1985), na década de 1980, com a expulsão de diversas pessoas para abrir espaço para as empresas. Essa remoção forçada gerou conflitos fundiários que perduram até hoje. Os órgãos públicos do governo do estado que promoveram as desapropriações, a Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec) e sua antecessora, a Companhia de Desenvolvimento Industrial (CDI), disputam as terras na Justiça com as comunidades.
Na esteira dos grandes projetos da ditadura para a Amazônia, foi instalada em Barcarena, em 1985, a Albrás, metalúrgica responsável pela produção do alumínio primário. Foi também nessa década que começou a ser implantado o polo industrial na cidade. Já a Alunorte foi inaugurada dez anos depois, para refinar alumínio.
Em 2010, as duas multinacionais europeias – Hydro e Imerys – passaram a controlar, respectivamente, a Albrás/Alunorte e a Pará Pigmentos, assumindo um passivo social e ambiental que vinha se acumulando desde a ditadura. O polo industrial até hoje não tem o devido licenciamento ambiental, segundo reconhece a própria Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará.
Procurada por SUMAÚMA, a Hydro Alunorte afirmou que, “após as fortes chuvas de fevereiro de 2018, mais de 90 inspeções foram realizadas por órgãos públicos e todas confirmaram que não houve transbordo das bacias ou depósitos de resíduos sólidos da Alunorte” e que “não há indicativos de danos ambientais ou de danos às pessoas das comunidades locais do entorno” causados pelo incidente.
A Imerys disse, em nota, que “alguns incidentes ocorreram nos últimos anos” e que a empresa reforçou as estruturas das bacias de rejeitos e dos minerodutos. A mineradora francesa afirmou ainda que “é importante lembrar que o caulim é um mineral inerte e não perigoso”.
‘A morte é o que colhemos’
Maria do Socorro Costa da Silva é a liderança comunitária mais conhecida de Barcarena por sua luta histórica pelo reconhecimento dos direitos quilombolas sobre as terras da região. Socorro diz que “a Hydro faz seus projetos em uma terra que tem ancestralidade e moradores”. O quilombo onde vive, São Sebastião de Burajuba, teve o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares em 2013 e aguarda a titulação da terra. Hoje, Socorro de Burajuba, como é conhecida, luta por indenizações por danos à saúde provocados pelas atividades industriais na região. É uma das lideranças da Cainquiama, responsável por entrar, em 2021, com um processo contra a Hydro na Justiça da Holanda, que teve o prosseguimento aceito por um tribunal de Roterdã, mas que tramita em sigilo. Socorro e a Cainquiama buscam indenizações por danos patrimoniais e de saúde para 40 mil pessoas. Hoje, após tantos anos de luta, Socorro tornou-se uma pessoa visada no município. Ela vive ameaçada e precisou ser incluída no programa de proteção a defensores dos direitos humanos.
No Dia de Finados de 2023, numa tradição comum em várias cidades do interior da Amazônia, centenas de pessoas estavam no cemitério de Barcarena para homenagear seus mortos. O cheiro de parafina queimada das velas enchia o ar da tarde, enquanto trabalhadores passavam entre as sepulturas vendendo baldes de areia e demãos de tinta para as lápides. Socorro foi visitar o túmulo do marido, Raimundo Amorim Barros, que morreu em 2021. “Esse é o lucro, a compensação dos grandes empreendimentos. A morte é o que colhemos”, disse, apontando para a cova do companheiro, ainda sem lápide.
‘As pessoas chamam de desenvolvimento, eu chamo de morte lenta’, afirma Maria do Socorro, liderança do Quilombo Burajuba, em visita ao túmulo do marido. Foto: João Laet/SUMAÚMA
A liderança não acusa diretamente a atividade industrial pela morte dele ou de outras pessoas, porque a relação direta dependeria de uma investigação mais aprofundada que, apesar de tantos anos de luta, ainda não conseguiram realizar. Mas levanta questões sobre a política de saúde pública relacionada aos problemas de contaminação. “Eu poderia ter levado meu marido a um toxicologista se tivesse recebido os exames que fizeram nele”, afirma, referindo-se aos resultados dos exames de sangue de 2018 que nunca foram entregues. “É disso que eles são culpados. Lutarei incansavelmente para que o governo do Pará traga médicos toxicologistas para Barcarena. Perdi meu marido, perdi meu rio, não posso mais pescar; olhem o que sobra para nós desse desenvolvimento atropelado.”
Chuva de processos, seca de decisões
Presos entre a poluição e os desastres ambientais, os moradores de Barcarena ganharam aliados, mas esbarram na lentidão da Justiça brasileira. Ações que tratam dos desastres ambientais, da contaminação das águas e das pessoas e da expulsão das comunidades na década de 1980 foram movidas pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública do Estado. SUMAÚMA perguntou ao Tribunal de Justiça e ao MPPA se houve alguma condenação transitada em julgado da empresa ou de seus executivos, mas não houve resposta. Já o MPF confirmou que os processos ou viraram Termos de Ajustamento de Conduta ou aguardam sentença.
A chuva de processos judiciais, a seca de decisões condenatórias e a morosidade do Judiciário trazem a Barcarena outro fenômeno: uma profusão dos chamados Termos de Ajustamento de Conduta, ou TACs, instrumentos extrajudiciais que permitem a implantação de medidas mais rápidas para sanar os problemas, mas que, em algumas situações, terminam por paralisar ações judiciais e ter execução mais lenta do que o esperado.
No TAC que a Hydro assinou, referente ao acidente de 2018, a empresa foi obrigada a apoiar o sustento das comunidades atingidas com aportes totais de 65 milhões de reais e financiar a realização de uma série de estudos. A análise sobre a segurança das barragens, porém, só ficou pronta cinco anos depois do desastre. Quanto aos estudos socioeconômico e etnográfico, ainda estão em fase de contratação de pessoal; e o ambiental encontra-se na etapa da avaliação técnica das propostas, segundo ata da última reunião de acompanhamento do acordo. Também está prevista a aplicação de recursos para a implantação de sistemas alternativos de tratamento e distribuição de água potável e para o custeio de sistema de atendimento clínico e avaliação laboratorial das pessoas atingidas pelo acidente – medidas que ainda não foram implementadas.
O Terminal de Grãos Ponta da Montanha pode ser visto de quase toda a cidade, principalmente da Vila do Conde. Foto: João Laet/SUMAÚMA
Tanto o Ministério Público Federal quanto o Ministério Público do Pará confirmaram a SUMAÚMA que o TAC está sendo cumprido pela Hydro e pode resultar em estudos importantes para a melhoria dos problemas de Barcarena. A mineradora norueguesa disse a SUMAÚMA que a “execução dos compromissos é acompanhada por um comitê técnico”, formado por representantes dos moradores e dos órgãos envolvidos na questão.
Há, no entanto, uma desvantagem nesse tipo de acordo. “Os TACs são uma maneira mais rápida de resolver uma questão grave. A gente não fica dependente de um processo judicial, que é sempre mais demorado. Mas eles têm esse efeito negativo. Para fazer acordo, tem que haver concessões recíprocas e, do lado do Ministério Público, a gente abre mão das ações ajuizadas”, explica Renato Belini, promotor de Justiça que atua no município. “A gente permite que seja colocado no TAC que as empresas não têm culpabilidade pelo que aconteceu, então os relatórios científicos, as análises feitas pela perícia, tudo perde utilidade. É uma situação difícil, porque a gente quer fazer o acordo para poder atender as pessoas da maneira mais rápida possível”, avalia o promotor.
A análise do procurador da República Bruno Valente é semelhante. “É difícil conseguir resultados rápidos na Justiça, e isso acaba entrando na equação. Se o processo judicial fosse mais efetivo, mudaria a correlação de forças”, explica Valente, que acompanhou alguns dos acidentes ambientais e conflitos fundiários em Barcarena entre os anos de 2011 e 2015.
Depois do ocorrido em 2018, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará e recomendou 48 medidas para o controle da situação em Barcarena, algumas direcionadas à empresa e outras à Semas, responsável por autorizar e fiscalizar o polo industrial. Uma das recomendações foi feita ao Norwegian Corporate Governance Board, uma instância de fiscalização sobre boas práticas para empresas norueguesas, para que as atividades da Hydro no Pará fossem investigadas.
Outro acordo de ajustamento de conduta, assinado em 2016 entre o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Pará e o governo do Pará, previa que a Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade seriam responsáveis por uma série de estudos e diagnósticos sobre a poluição e os impactos sociais, por realizar audiências públicas, promover um monitoramento e, por fim, fazer o licenciamento completo do distrito industrial. Até hoje o compromisso não foi cumprido pelo Estado.
O procurador da República Bruno Valente considera irregularidade grave a falta de um licenciamento completo no polo industrial – hoje, o que há são apenas licenciamentos individuais para cada empresa. Igor Goettenauer, também procurador da República, que atualmente cuida de algumas das investigações sobre Barcarena dentro do Ministério Público Federal, faz análise semelhante. “Esses vários empreendimentos econômicos conformam uma sinergia entre si, então há a necessidade de um licenciamento conjunto, para o distrito inteiro”, avalia. Para Goettenauer, fazer licenciamentos ambientais por empresa, olhando como se fosse um impacto isolado, é parte do problema. “É preciso o olhar estrutural, que leve em conta a sinergia dos diversos impactos”, afirma.
Questionada, a Semas informou que “o processo de licenciamento ambiental do polo industrial de Barcarena segue em andamento e atualmente está em fase de elaboração dos Termos de Referência (TR) dos estudos e planos ambientais”.
A defensora pública Andreia Barreto avalia que há, ainda, um problema no próprio licenciamento do mineroduto da Hydro, que atravessa as comunidades quilombolas de Jambuaçu, Nova Betel e Amarqualta, nos municípios paraenses de Moju, Tomé-Açu e Acará. Para a defensora, o licenciamento da empresa é irregular por não terem sido feitos estudos nem consulta prévia às comunidades afetadas no interior do estado quando a estrutura foi construída. “Como não houve estudos sobre os impactos a essas comunidades, não há compensação, nem mitigação”, critica Andreia.
A Hydro afirmou, em nota enviada a SUMAÚMA, que o mineroduto passou por todas as etapas de licenciamento previstas em lei. “Ainda que a sua instalação e o início das suas operações sejam anteriores à portaria ministerial 60/2015 [que determinou a necessidade de consultas às comunidades tradicionais], a companhia está realizando o Estudo de Componente Quilombola e o Plano Básico Ambiental Quilombola em todas as comunidades localizadas na sua área de influência, conforme prescrito na norma.”
A cada morte de um colega, Socorro decreta luto de três dias, fecha o atendimento na associação que coordena e envia mensagens de conforto aos conhecidos. “Não tem sido fácil. Aqui no Quilombo de Burajuba e em outras comunidades, nossa vida é fazer velório, acompanhar o defunto até o cemitério”, lamenta. “As pessoas chamam de desenvolvimento, eu chamo de morte lenta. Todo dia morremos um pouquinho. Só queremos viver, mas tá difícil.”
A Alunorte é controlada pelo Norsk Hydro, grupo com capital do governo norueguês que registrou em 2022 lucro de 2,3 bilhões de dólares. Foto: João Laet/SUMAÚMA
*A série Insustentáveis é uma parceria do Transnational Law Institute, do King’s College de Londres, com SUMAÚMA – Jornalismo do Centro do Mundo
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