COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por equipe CPT Araguaia-Tocantins

Fotos: Ludimila Carvalho (CPT Araguaia Tocantins)

Na última terça-feira (20), a Comunidade Remanescente de Quilombo Dona Juscelina realizou na Casa Quilombola, Memorial Lucelina Gomes dos Santos, em Muricilândia, norte do estado do Tocantins, uma roda de conversa para celebrar o septuagésimo segundo aniversário da chegada dos pioneiros quilombolas em terras nortistas. Com o tema “Caminhos do Rio Muricizal: Vozes da Memória Ancestral”, o evento reuniu instituições parceiras, quilombolas de todas as idades, em especial, os filhos e filhas dos antepassados do quilombo que integraram a comitiva pioneira que chegou nas margens do rio que batizaram de Muricizal, em 20 de agosto de 1952, para um diálogo inspirador sobre as raízes e a trajetória histórica da comunidade.

Foi um espaço de troca intergeracional de saberes ancestrais, onde os mais jovens puderam aprender diretamente com aqueles e aquelas cujos pais viveram os primeiros anos de instalação do quilombo às margens do Rio Muricizal, nos Santos Campestres e nas Bandeiras Verdes localizadas em terras goianas (atualmente tocantinenses), parte importante da história deste povo quilombola que busca por liberdade, paz e dignidade desde o tráfico negreiro que lhes arrancaram da África-Mãe. Quilombolas, educadores, alunos e pesquisadores experienciaram a vida e a resistência que nasceram e se fortaleceram pelos caminhos de águas sagradas, e ouviram a história da comunidade a partir dos potentes relatos sobre a luta pela terra, a preservação da cultura e os desafios enfrentados ao longo dos anos.

No entanto, para os quilombolas, o momento de celebração este ano vem acompanhado de imensa preocupação, nos últimos meses a comunidade foi surpreendida com a informação da Superintendência Regional SR(TO) do INCRA que o processo administrativo de Regularização Territorial se encontra paralisado e na iminência de cancelamento e arquivamento, sob a justificativa de que não foi comprovada a trajetória histórica da comunidade, na produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). A comunidade, indignada com a tentativa de apagamento da sua história e com o desrespeito a luta quilombola no estado, afirmou que não foi apresentado nenhum parecer oficial do INCRA para a ocorrência da pretensa paralização, e não recebeu nenhuma informação documentada até o momento sobre essa decisão, senão o pronunciamento de um servidor da SR(TO) durante uma Oficina de Planejamento Participativo Regional do órgão, que aconteceu em 11 de abril de 2024, em Palmas.

Em um ofício protocolado na SR(TO) em maio do corrente ano (INCRA-SR-26/TO DOC N° 2971/24), a comunidade apresentando fundamentações históricas e jurídico-normativas, solicitou em caráter de urgência um parecer oficial sobre a suposta paralisação, cancelamento e arquivamento do processo administrativo de regularização territorial, além de uma cópia da integralidade do referido processo, mas até o momento a comunidade não obteve respostas.

A Comunidade Quilombola Dona Juscelina, que como muitos quilombos do Tocantins e do Brasil, teve sua trajetória histórica marcada de muita luta pela sobrevivência, primeiro a exploração europeia ainda em África, seguida dos navios negreiros, da escravização, da abolição que não libertou e deixou aprisionada a terra, nos anos seguintes padeceu com a fome do povo quilombola  a miséria e a seca que assolou o nordeste brasileiro até o início do século XX, momento que os seus antepassados guiados pela força ancestral que lhes regem, pela fé e esperança em dias melhores, migraram para o norte brasileiro na busca das “bandeiras verdes” ou “Santos Campestres”, terras de paz e bem-viver, e, em 1952 o referido povo, na data em que celebraram ontem (20), chegaram às margens do rio que batizaram “Muricizal”, terras devolutas, sem cercas, onde se estabeleceram e fincaram raízes, atualmente, é o lugar que chamam de casa.

Para o quilombo, os últimos acontecimentos são parte de um projeto estrutural racista que ameaça desde sempre a existência das comunidades quilombolas e perseguem a todo custo a efetivação de seus direitos, e se tratando de uma tentativa de apagamento histórico que, se concretizada, coloca em risco a segurança dos quilombos do país, especialmente no tocante às garantias constitucionais de acesso à terra e ao território ancestral. A comunidade, junto de instituições e organizações parceiras, segue inspirada em seu lema “uma luta a cada dia”, que pronunciado incontáveis vezes pela matriarca quilombola dona Juscelina (em memória), motiva a resistência, a esperança pelo fim das ameaças, tentativas de violações e por dias melhores, em que os sonhos de todos se tornem reais: a conquista do território ancestral.

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