As famílias vivem e produzem no acampamento a cerca de um ano e 10 meses. Elas afirmam que esta não é a primeira vez que o dono da fazenda realiza ações de despejo ameaçando a vida das pessoas.
(Por Coletivo de Comunicação do MST na Bahia)
Na tarde desta segunda-feira (7/3) cinco pistoleiros, fortemente armados, invadiram o Acampamento 25 de Julho, em Baixa Grande, na Chapada Diamantina, na Bahia. As 60 famílias acampadas foram ameaçadas e feitas refém, enquanto seus pertences e barracos eram incendiados.
De acordo com as famílias, os pistoleiros queriam despejar ilegalmente os trabalhadores e trabalhadoras acampados da fazenda Camapuã, que possui aproximadamente 2.500 hectares. O MST na região repudia este método violento e truculento “realizado a mando do proprietário da fazenda, Fred Rios Moreira”.
As famílias vivem e produzem na área do acampamento a cerca de um ano e 10 meses. Elas afirmam que esta não é a primeira vez que o dono da fazenda realiza ações de despejo ameaçando a vida das pessoas.
“É prática do fazendeiro ameaçar as famílias. Ele sempre vai com capangas armados intimidar os trabalhadores e desta vez, mesmo que uma liminar de reintegração de posse já tramitando no poder judiciário local, somos violentados desta forma”, destacam.
Indignados, os trabalhadores afirmam que tudo foi ateado fogo. “Nossos pertences. Nossa alimentação. Não sobrou nada”.
Negligência policial
Após o ocorrido, os trabalhadores acampados entraram em contato com a Casa Militar para registrar a ocorrência e dá início as investigações, porém foram aconselhados a prestarem queixa na delegacia local.
Entretanto, o delegado local, Almir Gois, se recusou abrir um Boletim de Ocorrência e formalizar o ocorrido, dizendo que as questões que envolvem o acampamento já estavam sendo encaminhadas pela Casa Militar.
Disse ainda, em tom de ameaça, “vocês só vão sossegar quando eu entrar lá dentro e derrubar uns três”.
Até então, as famílias continuam acampadas e resistindo as diversas ameaças e truculências, por parte do proprietário, e a negligência da polícia local.
Voltamos aos tempos obscuros das lutas no campo, em que acuados pelo poder dos latifundiários, dos coronéis abrasivos, trabalhadores rurais, sem terras e posseiros eram mortos às dezenas. Há mais de uma década não víamos a situação no campo tão conflitiva como agora. “Mas o Brasil modernizou-se, virou potência, no contexto da globalização, integrou-se aos BRICs[1]”, podem alguns perguntar, o que ocorre então com o Brasil rural?
Por Cristiane Passos[2]
A Comissão Pastoral da Terra registrou em 2015, ainda em números parciais, um total de 50 assassinatos em conflitos no campo. Desses, 20 foram no estado de Rondônia e 19 no Pará. Foi o maior número de assassinatos já registrado pela CPT em Rondônia, desde 1985, fato que chamou a atenção da Pastoral e de meios de comunicação, entidades e pesquisadores em geral. Foi, também, o maior número registrado no Brasil nos últimos 12 anos.
O Vale do Jamari é a região de Rondônia onde aconteceram 14 dos 20 assassinatos. Marcado por grandes áreas griladas, presença de madeireiros, constantes invasões de Unidades de Conservação, ações de milícias e pistoleiros, e a ausência e/ou conivência do Estado, o Vale tornou-se um barril de pólvora prestes a explodir. Veja no mapa abaixo:
Em visita ao estado, tentamos entender o contexto dos conflitos que vitima cada vez mais pessoas no campo rondoniense. Em 2016 já foram 4 assassinatos na região.
O território amazônico como um todo foi ocupado de forma desordenada. Indígenas tiveram suas terras invadidas por seringalistas[3]. Posteriormente, além dos indígenas, posseiros, garimpeiros, seringueiros, ribeirinhos, entre outros, perderam seus territórios para o Estado e o capital[4]. As terras, portanto, passaram para as mãos de uma oligarquia regional, aliada, muitas vezes, ao capital nacional e internacional, explorando as populações locais e os recursos naturais da região.
Tal realidade, como não poderia deixar de ser, passou a gerar diversos conflitos pela posse da terra. Conflitos esses geradores ou mantenedores de uma violência pouco vista pelos olhos do Estado que, muitas vezes, aparece como agente direto nesses conflitos e em suas consequências. E vistos menos ainda pela sociedade nacional.
Conflitos por terra: a disputa por riquezas diversas e adversas
Diferentemente de outras regiões no Brasil, para se entender os conflitos por terra no estado de Rondônia é impossível analisá-los de forma maniqueísta. Impressões de certo e errado, bem e mal, no sentido literal dos termos não cabem aqui. Inúmeras categorias e interesses permeiam a busca pela terra na região.
Trabalhadores rurais sem terra seguem, muitas vezes, seu propósito, organizados ou não em movimentos e associações, de buscar a terra para produzir alimentos e nela viver. Segundo informações da CPT Rondônia, há atualmente cerca de 80 acampamentos no estado, e destes somente 26 seriam ligados a movimentos organizados. O restante são grupos independentes em busca de seu pedaço de chão. Seringueiros, extrativistas e demais categorias de ocupação tradicional dos territórios, lutam pela garantia destes, pela produção sustentável e pela manutenção da floresta em pé.
Em contrapartida, madeireiros extraem toda a madeira que lhes é possível, diante das vistas grossas dos órgãos reguladores e fiscalizadores do governo e da sociedade indiferente ou não. É possível ver, e isso eu mesma vi, caminhões circulando pelas rodovias do estado, com madeira sem certificação, mesmo à luz do dia. Durante a noite, então, segundo relatos até mesmo de agentes da Sedam (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental), é possível contar 40 ou 50 caminhões num único trecho de estrada próximo ao município de Machadinho D’Oeste, onde existem Unidades de Conservação Estadual.
Madeireiros de municípios como Cujubim até possuem certificados para exploração de madeira, dentro do Programa de Manejo Florestal, autorizado pelo Ibama, mas no município já não há mais madeira para explorar. Andando pela cidade, é perceptível que ela já possui uma constante camada de fumaça, decorrente da queima dos restos do beneficiamento da madeira nas serrarias. Com a escassez de matéria prima, tais madeireiros se deslocam para outros municípios, sem autorização, para retirar madeira, beneficiá-la e vendê-la “certificada” com os documentos que possuem em Cujubim.
Parte dessa madeira é retirada de Unidades de Conservação, como a Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá, em Machadinho D’Oeste, onde seringueiros precisam defender, até mesmo à bala, a floresta, seu meio de vida, e suas famílias.
Em conversa com dois seringueiros – de quem não revelarei os nomes por questões de segurança, já que ambos estão ameaçados de morte – a partir de 2005 surgiram na reserva mais de 100 frentes de invasão para retirar madeira. “Sou neto de soldado da borracha, que trabalhou aqui nesses seringais, e é triste dizer que já quase não existe madeira em nossa área”. Os “soldados da borracha”, cujos descendentes ainda estão presentes em estados como Rondônia e Acre, eram trabalhadores que foram alistados e levados para a Amazônia pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), entre os anos de 1943 e 1945, para extrair borracha para o Estados Unidos, durante a II Guerra Mundial. Alguns falam em mais de 55 mil trabalhadores, vindos, em sua maioria, da região Nordeste.
Das 21 Unidades de Conservação Estaduais de Rondônia (UC’s), 16 ficam na região de Machadinho D’Oeste, em pleno Vale do Jamari, local de mais intensidade de violência em conflitos no campo. Conforme informações dos seringueiros, de 2005 a 2014 teriam ocorrido 16 assassinatos nas UC’s, alguns com tortura e requintes de crueldade. Informação essa que a CPT está buscando confirmar. Em um dos casos, na busca por informações de quem fazia as denúncias para a Sedam fiscalizar, um dos seringueiros teve mãos e língua cortadas, o tronco decepado na altura da cintura e as pernas queimadas.
Ainda conforme estes relatos, muitas vezes exploradores de madeira incentivam grupos que se auto-denominam “sem terra” para “ocuparem” lotes na Reserva, além de trazer jagunços, com a intenção de gerar conflito com os ocupantes tradicionais, tirando o foco do interesse primário deles que é a madeira. Alguns desses “sem terra” entram na Reserva, demarcam os lotes, desmatam, vendem a madeira e em seguida comercializam os lotes desmatados para terceiros, aumentando gradativamente a tensão já existente na região. “Dos 95 mil hectares da reserva Rio Preto Jacundá, pelo menos em 80 mil hectares a madeira já foi retirada”, denunciaram os seringueiros. Cientes da situação, as autoridades praticamente nada fazem.
Há atualmente nove lideranças ameaçadas de morte nas UC’s da região. Proteger a floresta e lutar para mantê-la em pé pode significar, também, regar o chão com o próprio sangue.
O campo como perspectiva e a morte prematura como certeza
Estar em Cujubim, assim como em outros municípios da imensa Amazônia, é ter a certeza de que muitos brasileiros e brasileiras foram renegados e renegadas pelos poderes políticos e pelo restante da sociedade. A presença do Estado nessas comunidades não é o início, nem o meio, é sim o fim. Ela é aparente apenas quando não há mais remediação.
Cheguei à região logo após um conflito, na fazenda Tucumã, em que cinco jovens sem terra foram atacados por pistoleiros. O fato ocorreu na última semana de janeiro. Os cinco haviam entrado na área ocupada há cerca de um ano, fazia apenas 40 dias. Receberam a informação de que a terra seria desapropriada pelo Incra, por se tratar de área pública, e de que os lotes seriam divididos e distribuídos aos ocupantes. Parecia ser uma boa oportunidade a quem na região não vê muita expectativa de educação ou formação profissional. O pretenso proprietário, conhecido como “Japonês”, conseguiu a reintegração de posse ainda em janeiro. “Japonês” e a polícia acordaram com os ocupantes que eles poderiam retornar à ocupação para retirar seus pertences. Os cinco jovens retornaram, então, ao local no dia 31 de janeiro e foram surpreendidos pelos pistoleiros. Três conseguiram fugir. Dois estão desparecidos e um corpo carbonizado e não identificado até o momento, foi encontrado no carro dos jovens.
Fomos informados de que um dos dois jovens desaparecidos, quando tentava fugir dos pistoleiros, encontrou policiais na fazenda vizinha, a Santa Maria, e pediu água a eles. O pedido foi atendido por um vaqueiro da fazenda, que relatou o fato ao Grupo de Operações Especiais da polícia, quando este foi ao local fazer as buscas pelos dois. O relato do vaqueiro, contudo, parece ter sido ignorado. Sem o resultado do exame de DNA, o corpo carbonizado foi enterrado como indigente. Duas famílias ainda amarguram a dúvida se são pais do jovem ainda desparecido ou do jovem queimado.
No dia 3, uma patrulha policial na região encontrou quatro pistoleiros fortemente armados em uma caminhonete. O grupo possuía, inclusive, uma metralhadora 9 mm, de uso restrito das Forças Armadas. Os homens foram detidos e várias armas foram apreendidas. Os quatro seriam pistoleiros da fazenda Tucumã. Um deles, ex-policial militar, conseguiu fugir da viatura, onde estavam três policiais, e na fuga deixou cair uma espingarda que estava com ele. Dois pistoleiros foram soltos dois dias depois. Apenas um dos presos e o dono da caminhonete, detido mais tarde, continuam presos.
Sem horizonte para esses jovens na cidade, o campo pareceu uma perspectiva que, infelizmente, para um ou dois deles, acelerou os passos até a morte prematura.
Grilagem de terras: a jovem senhora da Amazônia
“Grilagem de terras” é um termo impossível de ser descolado da ideia de colonização e ocupação da Amazônia. Durante anos a fio, áreas públicas foram indevidamente apropriadas pelo capital, nacional ou internacional, com interesses especulativos, minerários, madeireiros, entre outros. A expansão da concentração fundiária gera conflitos, na medida em que coloca em risco os direitos das populações tradicionais sobre seus territórios, e impede milhares de famílias de terem acesso à terra e nela produzir e viver.
Durante a ditadura militar, instalou-se uma política de desenvolvimento da região amazônica e ocupação da região centro-norte do país, com incentivos fiscais e facilitações diversas, que atiçaram os interesses capitalistas de todo tipo pela terra. Camponeses, comunidades tradicionais e povos da floresta passaram a ser cada vez mais ameaçados, expulsos e sujeitos às mais diversas violências. “Terras sem homens para homens sem terra” era o slogan do governo ditatorial nos anos 1970. Essas iniciativas eram uma forma de explorar áreas inóspitas do país, o que ocasionou um alto índice de migrações internas – estratégia essa defendida pelo próprio governo como forma de garantir a segurança nacional. Concomitantemente, os militares combateram a reforma agrária, defendida pelos movimentos sociais, e promoveram a entrada de capital nacional e internacional[5].
Somando-se a isso, grandes extensões de terras públicas foram divididas e transferidas para os interessados, através de Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs). Essas pessoas poderiam, com isso, fazer o uso da terra e, se cumprissem as condicionantes previstas no Contrato, adquiririam o título definitivo de tais áreas. O Incra era o órgão responsável pela regulação e fiscalização, a cada ano, do cumprimento dessas condicionantes. De meados dos anos 1970 ao início de 1980, desenvolveu-se em Rondônia a licitação dessas terras públicas. A informação do professor de Direito Agrário, Hélio Roberto Novoa da Costa, é de que foram licitados no estado algo em torno a 1,5 milhões de hectares a 1.100 licitantes, aproximadamente[6].
A concentração fundiária, assim como a grilagem de terras, solidificaram-se no cenário amazônico. Até os dias de hoje, o pano de fundo dos conflitos de terra na região está costurado à grilagem de terras e às CATPs, cuja fiscalização inoperante gerou um mercado irregular de terras na região. Tanto em Rondônia quanto no Pará, os estados com o maior número de assassinatos registrados pela CPT, os conflitos e as violências se dão nesse contexto.
Sem a fiscalização por parte dos órgãos competentes, muitas áreas públicas foram utilizadas para interesse especulativo, sem que seus detentores, muitas vezes, sequer tenham ido ao local. Alguns vendem a área após um tempo, enquanto outros constroem seu latifúndio, acumulando CATPs em nome de “laranjas” ou de parentes. Enquanto isso, menosprezados pelas políticas governamentais, trabalhadores sem terra e extrativistas continuam morrendo, tendo sua fé em Deus e em sua arma precária, como única ferramenta de proteção.
URU-EU WAU-WAU: nenhum território escapa em Rondônia
Nem os territórios indígenas escapam à sanha dos invasores em Rondônia. Segundo denúncias dos seringueiros e de camponeses da região, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, à qual se sobrepôs o Parque Nacional de Pacaás Novos, e que abrange ao todo partes de nove municípios da região, está sendo invadida. Já entraram cerca de 30 quilômetros dentro do território, demarcando lotes para ocupação e revenda. Além disso, segundo as denúncias, os invasores estariam, também, extraindo ouro da região.
A Associação de Defesa Etnoambiental de Rondônia, Kanindé, esteve recentemente na área, localizada na região de Campo Novo, para averiguar as denúncias. Segundo a Associação, a Terra Indígena está cercada de fazendas, e se invasores entraram nela foi com a autorização dos proprietários dessas fazendas. Os Uru-Eu-Wau-Wau e a própria Kanindé já alertaram os órgãos competentes sobre a invasão. O ICMBio, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, esteve no local e, segundo a Associação, alegou não ter encontrado vestígios dos invasores[7].
Fonte: Associação Kanindé
A Kanindé afirma, entretanto, que as informações colhidas na região já falam em pelo menos 47 lotes sendo comercializados na área e que os responsáveis por trazer esses invasores seriam empresários e fazendeiros locais. Da mesma forma, os relatos que ouvi descreveram como é visível, a partir de um simples passeio de carro pela região, a entrada e ação desses invasores na área. A Associação afirma, ainda, que fará uma nova denúncia no Ministério Público Federal sobre o caso. Tanto os indígenas quanto o Parque de Pacaás Novos, que abriga nascentes dos principais rios do Estado, estão em perigo.
Estão tentando fechar os olhos do mundo para a região
Durante os dias que estive em Rondônia, dois profissionais da imprensa internacional estavam no estado trabalhando em pautas para as revistas Americas Quarterly e US News & World Report. O objetivo da reportagem era justamente mostrar a onda de violência no campo na Amazônia. No dia 9 de fevereiro, eles planejavam visitar Ariquemes, a porta de entrada para a região do Vale do Jamari. Na véspera, contataram o chefe da Polícia Militar do Estado, que estava em Ariquemes e concordou em falar com eles. Mas, antes da entrevista acontecer, um porta-voz do governo do estado de Rondônia ligou para informar que a polícia tinha sido instruída a não cooperar porque um relatório internacional sobre o assunto teria "repercussões terríveis para o Estado". Os dois chegaram a ir à delegacia da PM em Ariquemes, mas o chefe não estava lá. Retornaram, então, a Porto Velho onde, ao deixar estacionado por alguns instantes o carro que utilizavam, o veículo teve os vidros quebrados e seus equipamentos, cartões de memória, arquivos de vídeo e notebooks, furtados. Os ladrões levaram, inclusive, a bolsa da jornalista Juliana Barbassa, onde estava seu passaporte. A mala do fotógrafo, contendo roupas, passaporte e outros itens e o GPS do veículo não foram levados.
A atmosfera toda desse estranho furto levou a Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira (ACIE) a divulgar uma Nota manifestando sua preocupação pelo fato da polícia local ter sido instruída a não cooperar com a equipe, com receio da repercussão da matéria que seria produzida, uma postura que, segundo o documento “agride os princípios da transparência e também aumenta os riscos enfrentados pelos jornalistas na cobertura de áreas perigosas”; além da preocupação com o contexto questionável de realização do furto. Preocupação essa que, em suas palavras, “só pode ser reforçada pelas recentes declarações públicas, tanto do chefe da polícia e do governador, que têm chamado os trabalhadores sem terra de ‘terroristas’ e ‘criminosos’, pessoas que devem ser ‘colocadas em seu lugar’ e pelo fato que esta ameaça foi estendida ‘àqueles que os apoiam’”.[8]
O governo do estado mostra claramente o lado que assumiu nessa disputa. Os sem terra e os extrativistas tentam se defender da forma que lhes cabe. Os fazendeiros se articulam em associações de produtores, em que reúnem a verba necessária para armar trincheiras nas terras com seus pistoleiros, ou guaxebas, como são conhecidos em Rondônia. Uma faísca não tardará em explodir esse barril de pólvora.
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*Crédito imagem caminhão com madeira: Cristiane Passos/CPT Nacional
*Crédito caminhonete: Reprodução/TV Rondônia
[1] Grupo político de cooperação formado pelos países: Brasil, Rússia, Índia e China. Todos considerados grandes mercados emergentes.
[2] Jornalista, antropóloga e assessora de comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Secretaria Nacional.
[3] Para que não haja confusões, seringalista é o dono do seringal, o “patrão”, conforme conceito do dicionário Aurélio.
[4] Ver mais sobre em “O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO RONDONIENSE REVISITADO: DA COLÔNIA AO GOLPE DE 1964”, de Murilo Mendonça Oliveira de Souza (UEG) e Vera Lúcia Salazar Pêssoa (UFU) – publicado em ACTA Geográfica, Boa Vista, v. 4, n. 8, p.143-160, jul./dez. de 2010.
[5] Ver mais em “TRABALHADORES MIGRANTES: NO EITO DA CANA À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA EM GOIÁS”, de Cristiane Passos Melo e Silva, dissertação em Antropologia Social defendida em abril de 2014, na UFG.
[6] Ver mais em http://www.abda.com.br/revista18/pdf/artigos/Retomada.pdf
[7] Ver mais em: http://www.kaninde.org.br/3605-2/
[8] Veja a Nota na íntegra aqui: http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/geral/3107-acie-emite-nota-sobre-furto-a-jornalistas-que-cobriam-conflitos-por-terra-em-rondonia
Na manhã do último sábado, (27/02) pistoleiros balearam gravemente Ronair José Lima, sua esposa e filha, quando os mesmos se deslocavam de moto para uma reunião da Associação de Trabalhadores no município de São Félix do Xingu, sul do Pará.
Ronair é liderança de um grupo de 150 famílias ligadas a FETAGRI, que desde 2008 reivindicam a criação de um assentamento na área conhecida como complexo “Divino Pai Eterno”, assim chamado por causa das diferentes fazendas que foram cortadas ilegalmente dentro da área. Trata-se de um caso típico de grilagem de terra pública federal. A área encontra-se inteiramente localizada na Gleba Misteriosa, arrecadada e matriculada em nome da União, segundo documentação do INCRA. Tanto Ronair como a esposa correm risco de morte, a filha baleada no braço passa por atendimentos. As vitimas ficaram no posto de saúde da Vila Sudoeste, no mesmo município, até serem removidas, de avião, para atendimento médico em outro local.
Na área já foram registrados diversos casos de violência, enquanto a disputa judicial e administrativa se arrasta ao longo de anos. Houve ali 5 assassinatos nos últimos 8 anos, sem apuração devida das circunstâncias das mortes, embora haja indícios de que todas elas estejam ligadas com o conflito pela posse da terra. Foi o caso de Francisco Feitosa (também conhecido como “Finado Preto”, antigo presidente da associação dos/as trabalhadores/as), Rogério, “Mineiro”, Félix Leite dos Santos e Osvaldo, assassinado no final do ano passado.
Ronair tem sido frequentemente ameaçado por pistoleiros a mando dos grileiros que disputam a área. Por diversas vezes registrou Boletins de Ocorrência perante as Delegacias de Conflito Agrário da região. O programa nacional de proteção a defensores de direitos humanos também já foi acionado, mas nada fez. A demora da Segurança Pública do Estado do Pará em investigar os crimes e a morosidade do INCRA e do Terra Legal em encaminhar os processos de arrecadação do imóvel, são as principais causas da violência.
Exigimos que o poder público garanta a integridade física de Ronair e sua família, que os crimes cometidos contra as pessoas e contra o patrimônio público sejam investigados, que o INCRA e Terra Legal apresentem solução para o conflito fundiário que se estabeleceu na área.
São Félix do Xingu, 27 de fevereiro de 2016.
Comissão Pastoral da Terra - CPT sul e sudeste do Pará
FETAGRI regional sul do Pará
A minuta do acordo extrajudicial entre Samarco, Vale e BHP Billiton, os Ministérios Públicos Federal e Estadual e entidades governamentais sobre o desastre de Mariana, obtida com exclusividade pela Agência Pública, revela que as empresas terão o poder de decidir sobre quem será indenizado e sobre quanto cada pessoa ou família vai receber. Se assinado por todos os envolvidos, o acordo encerra a ação civil pública que corre na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais.
(Por Agência Pública/Imagem: Tv Senado)
Será criada uma Fundação, comandada pelas mineradoras, para analisar cada um dos casos. O andamento do trabalho será supervisionado pelo Comitê Interfederativo, entidade que reunirá representantes dos governos federal, estadual e municipal, mas não terá nenhum integrante de movimentos sociais que defendem as vítimas do rompimento da barragem do Fundão, o maior desastre ambiental da história do país.
Atualizada em 11 de fevereiro, a minuta do documento estipula como os responsáveis deverão agir para reparar e compensar os danos socioambientais e socioeconômicos. Órgãos técnicos federais e estaduais estimaram que o custo deve ultrapassar R$ 20 bilhões. O texto, que tem 98 páginas, pode ser lido aqui, na íntegra. Apesar de haver uma série de pontos polêmicos e de não ter envolvido representantes dos atingidos na elaboração dos termos, o governo pretende fechar o acordo extrajudicial até sexta-feira (26). A data já foi inserida inclusive no final do texto.
De acordo com a cláusula 34ª do documento, a Fundação comandada por Samarco, Vale e BHP Billiton vai criar uma Câmara de Negociação para acertar o valor das indenizações com cada um dos atingidos. Para isso, contará com negociadores com experiência na área jurídica e levará em conta informações sobre os interessados em reparações e provas colhidas. Quem não concordar com os termos oferecidos deverá entrar na Justiça. Aqueles que não puderem pagar por um advogado vão ter a assistência jurídica gratuita patrocinada pela própria Fundação. Ou seja, terão de aceitar a ajuda oferecida pelas empresas, que vão pagar as indenizações, para negociar ou contestar as próprias mineradoras.
O promotor de Justiça da Comarca de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin, afirma que não participou de nenhuma das reuniões que resultaram no acordo. “Nunca houve qualquer tipo de diálogo comigo e também nunca houve qualquer tipo de diálogo com os atingidos”, diz. “Nada disso que está aí contempla o que de fato as pessoas precisam para ter o seu reassentamento efetivado. Eles não têm condição de saber como os atingidos querem a comunidade, eles não me consultaram e não consultaram os atingidos. Eles não conhecem Bento Rodrigues.”
A cláusula 10ª da minuta estabelece as modalidades de reparação socioeconômica. Para o promotor, o texto não tem validade. “Essa cláusula, ao não contemplar a participação das vítimas, não pode ser viabilizada. Ela viola não só a responsabilidade civil da empresa, que tem que ser de acordo com o dano causado, como também viola diversos tratados internacionais da área de direitos humanos”, afirma Meneghin. “A maioria das casas de Bento Rodrigues eram casas coloniais, construídas no século 18. Qualquer projeto que não leve em consideração características como essas não tem condição de ser viabilizado. Essa é a nossa contestação.”
O promotor contesta ainda o modo como a Fundação vai decidir sobre as indenizações, usando a Câmara de Negociação para tratar individualmente cada caso. “A indenização não pode ser levada à cabo por essa Fundação. Ela tem que ser feita na Câmara de Indenização aqui na Comarca com a participação do governo dentro do processo da ação civil pública em que já fixamos a primeira parcela da indenização. Cada comunidade tem um perfil muito diferente”, afirma. De acordo com Meneghin, também não faz sentido que a Fundação forneça advogados para quem não puder arcar com isso. “Uma empresa não pode pagar advogado para uma pessoa que vai entrar com processo contra ela. O estatuto da OAB proíbe essa atividade. Isso é ilegal.”
Sem garantias
A Fundação também deverá cadastrar todos os atingidos, de acordo com a cláusula 8ª. Isso, no entanto, não garante o recebimento das indenizações, uma vezque cada caso será decidido após acordo na Câmara de Negociação. Essas negociações, segundo a minuta, poderão ser acompanhadas pelo poder público. Logo, não existe a obrigação de que isso seja fiscalizado de perto pelo governo. O trabalho de cadastramento de todas as pessoas e empresas atingidas pelo desastre deverá ser concluído em no máximo seis meses após a assinatura do documento e será verificado pelo Comitê Interfederativo.
As atribuições da Fundação são definidas na cláusula 4ª da minuta do acordo. A entidade, instituída e patrocinada pelas responsáveis pelo rompimento da barragem, cuidará da execução de todos os programas e medidas necessários para a reparação, mitigação, compensação e indenização pelos danos socioambientais e socioeconômicos causados pelo desastre de Mariana. Os encargos financeiros serão cobrados primeiro da Samarco. Somente se a empresa não tiver como cumprir os aportes de recursos exigidos por essas iniciativas é que a Vale e a BHP Billiton deverão fornecer os valores necessários.
Para Danilo Chammas, advogado da organização Justiça nos Trilhos, a proposta defendida pela minuta é perniciosa por confundir ações voluntárias de responsabilidade social corporativa com medidas para reparação de danos – que seriam obrigações devidas pelas empresas por conta das violações de direitos. “As empresas têm medo de uma condenação judicial. O acordo é bom para elas e ruim para as vítimas, sejam elas as pessoas ou o meio ambiente”, diz. “Mesmo que esse acordo preveja multas vultosas por descumprimento de suas cláusulas, é bastante provável que estas não sejam suficientes para incentivar as empresas a cumprirem com as obrigações assumidas. Atuo em processos em que a Vale tem descumprido sem o menor pudor decisões judiciais que também impõem multas por descumprimento.”
Outro ponto polêmico do documento prevê que a Fundação contrate uma empresa para identificar as áreas que sofreram impacto social, cultural e econômico com o rompimento da barragem. Esse estudo estabelecerá a relação entre causa e consequência, isto é, a cadeia causal que vai relacionar o desastre aos danos causados, permitindo posteriormente a definição das compensações. O problema é que as mineradoras terão influência direta nesse trabalho, que depois precisará ser validado pelo poder público por meio do Comitê Interfederativo.
Todas as decisões da Fundação serão analisadas e aprovadas por um Conselho de Administração. Dos sete integrantes do órgão, seis serão indicados pelas mineradoras: dois pela Samarco, dois pela Vale e dois pela BHP Billiton. Apenas um dos membros será indicado pelo Comitê Interfederativo, formado pelo poder público. Todos os integrante do Conselho, no entanto, devem vir da iniciativa privada e ter experiência em gestão de grandes projetos. Não há vagas, portanto, para qualquer representante dos atingidos pelo desastre.
Haverá também um Conselho Consultivo, com 14 membros, que poderá ser ouvido sobre os projetos e planos da Fundação. Mas nele também não há espaço para as vítimas, para as entidades que as representam ou para movimentos sociais. Haverá sete representantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, dois da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, cinco especialistas de instituições de ensino e pesquisa ou com notório conhecimento – um deles será indicado pelo Ministério Público Federal, um pelos Ministérios Públicos Estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo, dois pelo Conselho de Administração da Fundação e um pelo Comitê Interfederativo.
Em nenhum ponto do documento é criado qualquer mecanismo institucionalizado para garantir a participação efetiva dos atingidos nas decisões da Fundação. Eles ou as entidades que os representam poderão apenas ser ouvidos pelo Conselho Consultivo, segundo parágrafo único da cláusula 247ª, em assembleias sem direito a voto. Segundo a minuta do acordo extrajudicial, a Fundação criará uma Ouvidoria para manter o diálogo com a população atingida. O documento, no entanto, deixa a cargo da entidade comandada pelas mineradoras a indicação do ouvidor que deverá resolver eventuais disputas que podem surgir ou apurar denúncias.
Os atos, projetos e programas da Fundação serão fiscalizados pelo Comitê Interfederativo, que reúne membros do governo e do Ministério Público. Entre os integrantes, porém, não está nenhum representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que poderia defender os direitos dos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão. As ações desse órgão também são sempre reativas, de acordo com a minuta, o que pode tornar os procedimentos burocráticos e também dificultar o acompanhamento.
Indígenas atingidos
Na minuta do acordo está previsto um programa de proteção e melhoria da qualidade de vida dos indígenas. As populações contempladas são os Krenak, os Tupiniquim e os Guarani da região da foz do rio Doce. Para as ações, o acordo prevê mecanismos de consulta e participação dos povos em todas as fases do programa, mas não estabelece diretrizes para esses mecanismos. A Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) deverão supervisionar e participar das ações mas não têm funções de coordenação.
Na cláusula 44ª são estipuladas as ações de responsabilidade da Fundação em relação aos indígenas. Entre elas está a manutenção das medidas de apoio emergencial, estipuladas em um acordo feito em novembro de 2015 com a Vale, e o monitoramento de situações como o abastecimento e qualidade da água e apoio financeiro mensal às famílias. Também consta a atualização das necessidades dos indígenas em virtude de diálogo com essa população.
Para que o programa tome forma, porém, a Fundação deve contratar uma consultoria independente, que irá elaborar um estudo para apontar os impactos socioambientais e socioeconômicos sobre os indígenas. A partir daí, será feito um Plano de Ação Permanente, que deve ser pactuado com os indígenas. O prazo para que o Plano de Ação Permanente entre em operação é de dois anos a partir da assinatura do acordo e ele deverá ser mantido por, no mínimo, dez anos.
“Essa definição do acordo já deveria estar considerando a opinião e a demanda dos índios”, comenta Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). “O governo está, em nome da sociedade, estabelecendo uma forma de lidar com os impactos sem consultar a sociedade pra saber se essa forma é a forma que melhor atende.”
Ela aponta que as ações previstas no acordo também deveria ter sido alvo de consulta dos indígenas. “Você vai criar uma fundação das empresas pra trabalhar em área indígena e quem deveria definir quem vai gerir os recursos pra aplicar nas ações deveriam ser os próprios índios. Em que organização que eles confiam?”
Ailton Krenak, liderança indígena do Vale do Rio Doce, esclarece que são feitas reuniões periódicas com as empresas e com o Ministério Público Federal, em virtude das medidas de emergência adotadas. Ao ser questionado se os termos do acordo foram discutidos com a população Krenak, Ailton afirma que não.
A Agência Pública entrou em contato com os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, os ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente – que nos encaminharam, respectivamente, para o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – e a Advocacia-Geral da União (AGU).
O DNPM informou que o assunto não é de sua alçada e, por isso, não o comentará. Os demais órgãos não se posicionaram até o fechamento desta reportagem.
*(Imagem Destaque: Corpo de Bombeiros)
Ontem (22), por volta das 02 horas da madrugada, cerca de 600 famílias de sete acampamentos de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra ocuparam a estrada que dá acesso à área do Projeto S11D da Empresa Vale S.A no município de Canaã dos Carajás, no Pará.
(Fonte/Imagem: Justiça nos Trilhos)
A ocupação foi motivada entre outras questões pelos recentes despejos de mais de 1500 famílias sem terra e sem teto de terras públicas no município.
Apenas na área rural foi mais de 100 hectares de roças com arroz, feijão, milho, mandioca, abóbora entre outros produtos agrícolas que foram destruídas pelos guardas de segurança da Empresa Vale quando ocorreu o despejo das famílias do Acampamento Grotão do Mutum.
Esse acampamento faz parte de um conjunto maior de áreas ocupadas por trabalhadores sem terra que reivindicam terras concentradas pela Vale desde os anos 2000. Desde então, a Vale se tornou dona de grande parte das terras agricultáveis do município.
A ocupação permanece até que o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Programa Terra Legal se posicionem sobre o levantamento das terras públicas adquiridas pela Vale, bem como da indenização por parte da empresa pelos prejuízos causados aos trabalhadores despejados.
Canaã dos Carajás, 22 de fevereiro de 2016.
Acampamento Grotão do Mutum
Acampamento Planalto da Serra Dourada
Acampamento União do Axixá
Acampamento do Açaizal
Acampamento Rio do Sossego
Acampamento Alto da Serra
Acampamento Marajaí
STTR de Canaã dos Carajás
Em Nota, a Comissão Pastoral da Terra no Mato Grosso denuncia nova tentativa de assassinato de trabalhadores e trabalhadoras do Acampamento Boa Esperança, na região de Mundo Novo. “Essa violência se perpetua há mais de oito anos, como insistentemente temos denunciado, praticada não só pelo grileiro, mas também pelo Estado e pelo Judiciário Estadual e Federal, quer seja por ação ou omissão”, destaca o documento. Confira na íntegra:
A Comissão Pastoral da Terra, CPT-MT, denuncia mais uma tentativa de assassinato de acampados/as do acampamento Boa Esperança, em Novo Mundo, Mato Grosso. Essa tentativa – no dia 21 de fevereiro de 2016 – não foi a primeira e também não é a única forma que o agronegócio tenta intimidar estes que sonham por uma terra de trabalho e de moradia. O histórico de violência é enorme e assustador.
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais que buscam acessar a terra da União – Fazenda Araúna – grilada pelo fazendeiro Marcelo Bassan, no município de Novo Mundo, tiveram mais um capítulo de violência neste último final de semana. Essa violência se perpetua há mais de 8 anos, como insistentemente temos denunciado, praticada não só pelo grileiro, mas também pelo Estado e pelo Judiciário Estadual e Federal, quer seja por ação ou omissão.
No último sábado, os jagunços de Marcelo Bassan resolveram agir mais uma vez – já que das outras vezes nada lhes acontecera, nem mesmo ao mandante dos crimes: invadiram o acampamento fortemente armados, disparando para todos os lados, com coletes a prova de bala e encapuzados, atearam fogo nas casas, carros e motos, ameaçaram de morte os trabalhadores e trabalhadoras, jogaram gasolina em barraco com duas crianças dentro e expulsaram as famílias da terra. Buscavam pelas lideranças, queriam assassiná-las.
Cinco trabalhadores ficaram desaparecidos durante todo o dia de ontem, escondidos na mata; chegou-nos a notícia de que a principal liderança do grupo teria sido assassinada pelos jagunços, já que logo após a expulsão das famílias ouviu-se um intenso tiroteio. Contudo, a notícia não foi confirmada. Damos graças por isso, mas continuamos preocupados com a integridade das lideranças do acampamento Boa Esperança.
Essa violência sofrida pelas famílias na data de ontem já tinha sido anunciada no sábado (20/2), quando os jagunços, alguns encapuzados, encontraram uma das trabalhadoras e a ameaçou. O recado era: o grupo deve deixar a terra ou iriam expulsar as famílias à força.
O que a Comissão Pastoral da Terra denuncia é a existência de um crime organizado e sistemático no estado do Mato Grosso, que utiliza de estruturas ideológicas, jurídicas, aparelho de repressão, burocrático, midiático e ainda de pistolagem, também de setores do estado e das entidades de representação do agronegócio.
Histórico da Violência contra o Acampamento Boa Esperança
No início de 2015, as 100 famílias que estavam ocupando, há alguns anos, 2 mil hectares, dos 14 mil grilados por Marcelo Bassan, e que viviam de suas plantações, foram despejadas por liminar emitida pela juíza da Vara Agrária Adriana Sant'Anna Coningham. Na época, a CPT-MT denunciou a atuação imparcial desta juíza, bem como que “o juiz federal de Sinop, Sr. Murilo Mendes, responsável por julgar as ações em que a União figura como parte, contrariou todas as expectativas de diminuição da violência e implementação da Justiça ao se demonstrar extremamente moroso em emitir uma decisão”.
Diante da “ação” do Judiciário, tanto na esfera Estadual quanto Federal, que, no caso da primeira, quando é para despejar trabalhadores rurais sem terra, age de forma rápida e eficaz, já a Justiça Federal, quando é para reconhecer o direito da União sobre suas terras, para colocar na terra quem dela precisa, é lenta e ineficaz, e, somado a isso à omissão e negligência do Estado, quer pela demora em chegar ao local dos fatos, quer ao se negar a registrar Boletins de Ocorrência, quer por não apurar os crimes praticados contra os trabalhadores, ainda, conforme denúncias destes, “tem policiais militares levando informações para o fazendeiro e policiais civis fazendo pistolagem na fazenda”.
Em outubro de 2015, o grileiro Marcelo Bassan, num ato de extrema covardia, mandou atear fogo em 80 casas que eram ocupadas pelas famílias, queimando animais e plantações. Quatro meses após o crime, o estado de Mato Grosso ainda não apresentou às famílias o resultado da perícia feita no local do crime ou qualquer solução para a violência sofrida pelas mesmas.
O que denunciamos à época do ocorrido: “Essa violência sofrida cotidianamente pelas famílias e ao estado de direito, e que se intensificou de uma forma bárbara nos últimos dias, poderia ser resolvida com a decisão no processo que tramita na Justiça Federal de Sinop, de retomada da área para a União, que está na mesa do juiz Murilo Mendes, contudo o mesmo, após ter ficado com o processo concluso por 40 dias para sentença, o devolve no dia 13 (outubro) do corrente ano, sem nenhuma decisão. Com isso, o conflito tende a se intensificar ainda mais”, contínua vigente, e, por mais absurda que possa parecer a situação, o processo, ainda sem sentença, ficou mais de 60 dias nas mãos do advogado do grileiro Marcelo Bassan, somente sendo devolvido no último dia 15 de fevereiro de 2016.
Essa violência estruturada não se reduz ao acampamento Boa Esperança, mas a diversos outros grupos, como por exemplo: Gleba Macaco, no município de União do Sul; União Recanto Cinco Estrela, Novo Mundo; Renascer, em Nova Guarita; Gleba Gama, Lote 10, em Nova Guarita; Acampamento Retiro do Morro, Gleba Ribeiro em Guiratinga; Associação dos Trabalhadores Rurais do Rio Ferro, em Nova Ubiratã; Acampamento Bela Vista, Gleba Nhandu, Novo Mundo; Associação Pequenos Produtores Rurais de Santa Terezinha, Gleba Carlos Pelicioli, em Santa Terezinha, isso sem contar assentamentos e comunidades tradicionais que estão sendo ameaçados por fazendeiros, contando com a omissão e a conivência do Estado.
Todas estes acontecimentos e denúncias vêm sendo sistematicamente levados ao conhecimento da Ouvidoria Agrária Nacional que tem respondido com repetidas reuniões e conversas sem nenhum resultado efetivo que garanta a vida e segurança das comunidades e suas lideranças.
Só em despejos, já foram mais de 18.000 famílias despejadas nos últimos dezesseis anos em todo Estado, jogando famílias inteiras nas estradas ou periferias de cidades vizinhas, muitas vezes sem o pouco de bens que possuíam ou sem documentos.
A grilagem de terras públicas é realidade recorrente no estado do Mato Grosso, principalmente por políticos e famílias influentes que continuam se apropriando de milhares de hectares de terras Públicas – da União e do Estado – que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária.
Os acampados/as e assentados/as vivem em um estado sem direito, vivem, em um estado de exceção, em que a vida nada vale. Exemplo disso é o histórico de 124 assassinatos registrados desde 1985, em que nenhum mandante foi preso.
A CPT e as entidades abaixo relacionadas reafirmam seu compromisso com a defesa da vida da comunidade do acampamento Boa Esperança, com a luta pela terra e na terra no Mato Grosso como condição irrenunciável de paz com justiça.
Solicitamos veementemente que o Governo do Estado e demais autoridades competentes tomem as providências cabíveis com a agilidade necessária para garantir a segurança dos trabalhadores/as do Acampamento Boa Esperança, viabilizar o acesso à terra, direito garantido na Constituição Federal para com isso estancar a violência no campo.
“Quero ver o direito brotar como fonte
e correr a justiça qual riacho que não seca.”
Amós 5, 24
Comissão Pastoral da Terra CPT/MT
Entidades apoiadoras:
Associação Matogrossense Divina Providência - MT
Centro Burnier Fé e Justiça – CBFJ – MT
Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB
CIMI – Conselho Indigenista Missionário – MT
Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennès
Centro de Referência em Direitos Humanos, Prof. Lúcia Goncalves/UNEMAT
CUT MT - Central Única dos Trabalhadores de MT
Instituto Caracol – iC
Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD
Fórum de Direitos Humanos e da Terra- FDHT
Instituto Humana Raça Fêmina – INHURAFE – São Felix do Araguaia 4
Movimento 13 de Outubro – Rondonópolis
MTS – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - Tesouro
MTA – Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados – Rondonópolis
Ouvidora Geral da Defensoria Pública de Mato Grosso
Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP
MTS – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – Tesouro